As Fraudes do Médium Mirabelli (Parte 20)

Dando prosseguimento à série de reportagens do Correio Paulistano.

Correio Paulistano – Quarta-feira, 21 de junho de 1916, página 3 

No mundo das maravilhas

Fez-se luz em a noite do mistério 

O sr. Carlos Mirabelli é realmente um hábil prestidigitador 

O vespertino mirabellico está desorientado• Surge um novo Mirabelli • Qual era o intuito do “Correio Paulistano” • Uma experiência que se reveste de inesperada solenidade

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Quem conta um conto…

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A “Gazeta”, visivelmente desorientada com a atitude leal e, sob todos os pontos de vista, louvável do “Correio Paulistano”, nesse debatido caso Mirabelli, sangrou-se ontem em saúde, afirmando não ter necessidade de expedientes escandalosos para o aumento da sua venda avulsa. Acreditamos. 

Todavia, quem quer que seja que venha acompanhando com interesse a vasta e sensacional reportagem do “Correio” sobre o assunto, poderá testemunhar, sem que lhe fiquemos a dever favor algum, que nem sequer a menor insinuação fizemos nesse sentido. Quem afirmou não fomos nós, mas um colega da tarde, aliás sem os protestos do sr. Couto de Magalhães, que “O ÚNICO FENÔMENO QUE O SR. MIRABELLI TINHA ATÉ AGORA PRODUZIDO, REAL, POSITIVO, INDISCUTÍVEL, FORA O DE AUMENTAR A VENDA AVULSA DA “GAZETA”. 

Da nossa parte, se isso apraz ao distinto colega, nenhuma dúvida teremos em acreditar que as longas e estiradas notícias da “Gazeta”, com os seus títulos mirabolantes e as suas “revelações sensacionais”, não foram suficientes, quantum satis, para que ela “recolhesse ao balão, no fim do dia, mais uns pingues tostões da venda avulsa”. 

Paciência! São os frutos da má causa que esposou. 

Quanto ao “Correio”, não nos cansamos de afirmar, como temos feito, que ele NÃO VISOU, NÃO VISA NEM VISARÁ UMA EXPLORAÇÃO JORNALÍSTICA, pois esteve em suas mãos evitar as longas explanações da “Gazeta” sobre o assunto, bastando-lhe para isso que, no dia imediato da “sessão comprometedora do sr. Carlos Mirabelli”, houvesse publicado com todos os seus pormenores o resultado das pesquisas do seu redator-secretário. 

Não fosse o prestígio dado pelo sr. Couto de Magalhães, por meio da “Gazeta”, ao “prestimano das manifestações espíritas” e a grande consideração que nos merecem os homens cultos, os quais o mistificador persistir em procurar iludir com  os seus embustes, e esta polêmica mirabellica não teria existido.  

Convém, entretanto, que se deixe perfeitamente patenteado, com o objetivo de se evitarem faturas dúvidas, que o sr. Couto de Magalhães foi dos que mais se interessaram em protelar as tais “possíveis demonstrações das forças mediúnicas do sr. Mirabelli”, provocadas pelo “Correio” que, com o seu admirável ceticismo, obteve o mais completo triunfo nessa questão. 

O distinto colega foi sempre de opinião que se desse tempo ao tempo e que nada disséssemos, em beneficio… da ciência, enquanto o seu “homem misterioso” não se revelasse, diante da comissão julgadora, o “médium excepcional” que se inculcava aos homens de cultura científica. E a seguirmos totalmente os sinceros conselhos do bem intencionado diretor da “Gazeta”, a longa série de sessões, aliás de tormentosa expectativa, teria sido ainda insuficiente, e a nossa vasta e sensacional reportagem teria dormido até hoje no fundo do tinteiro, como permanecera o lápis na garrafa durante as cinco provas, ou melhor as cinco “provações” a que nos submeteu o “homem misterioso” da “Gazeta”. 

Confessamos não ter sido nada “jornalística” a concessão que fizemos ao sr. Couto de Magalhães, o qual, levando o seu ardor pelo “caso mirabellico” ao ponto de pedir-nos que nenhuma referência fizéssemos às sessões demonstrativas do “Correio”, uma vez que os fenômenos não se tinham produzido, publicava no dia seguinte extensas notícias de tudo o que ocorrera; ao passo que esta folha guardava silêncio sobre os acontecimentos. 

É exatamente nessa admirável tolerância do “Correio” que reside a prova incontestável de que jamais tivesse pairado em nosso espírito a idéia do escândalo em torno desse fato. 

E já que acentuamos, desse modo, a lealdade jornalística do prezado colega da “Gazeta”, não deixemos passar despercebido o interessante tópico da sua notícia de ontem, em que afirma “ter tido as primícias da revelação na descoberta do fio de cabelo e do pedacinho de cera.” 

O sr. Couto de Magalhães, tendo assistido, após a primeira das sessões do repto, a uma experiência demonstrativa do nosso redator-secretário, boqueabriu-se diante da nitidez com que os fenômenos foram produzidos; e porque em seguida lhe mostrássemos lealmente o fio de cabelo e o pedacinho de cera que tinham agido como uma força estranha para a execução de tais proezas, veio afirmar pela “Gazeta” caberem-lhe as primícias de tal descoberta.  

Usando dessa lealdade, por certo não levará a mal o sr. Couto de Magalhães que aqui reproduzamos o que se passou em seguida a essa experiência. 

Diante de vários cavalheiros, que igualmente se surpreenderam com a semelhança das demonstrações do “Correio”, um dos redatores desta folha, batendo familiarmente nos ombros do sr. Couto de Magalhães, interrogou-o: 

– Então, está sinceramente convencido das forças mediúnicas do Mirabelli? 

Como única resposta, o distinto confrade, num tom de voz meio confidencial, obtemperou a sorrir: 

– Não sei… A venda avulsa da “Gazeta” vai muito bem… 

Esta expressão, aliás, tem sido já reproduzida a várias outras pessoas. 

Mau grado as recriminações da “Gazeta”, que não vê com bons olhos a extensão das nossas notícias, apesar do, sobre o assunto, ter enchido páginas e páginas, durante mais de 30 dias consecutivos, não nos deteremos nesta resposta sem que tenhamos analisado alguns outros tópicos das suas “sentenciosas” observações de ontem. 

Referindo-se ao capítulo da nossa reportagem, relativo aos fenômenos presenciados pelo nosso secretário, a “Gazeta” sublinha, com evidente má fé, o trecho que se segue: 

“Saímos em direção ao largo de S. Bento e aí tomamos um bonde. O médium trajava todo de preto, e LEVAVA NA DESTRA UM LIVRO DE REZAS.” 

E, em seguida, no afã de defender o intrujão, acrescenta solenemente, com um desassombro que nos enche de pasmo: 

“Não é exato. O sr. Mirabelli não levava, nem na destra, nem na sinistra, nenhum livro de rezas. O dr. João Silveira veio ontem ao nosso escritório e AUTORIZOU-NOS a declarar que o livro de rezas que serviu para a experiência não fora levado pelo sr. Mirabelli: achava-se na casa onde este produziu o fenômeno e pertence a seu filho, dr. Alarico Silveira.” 

É espantoso! Indubitavelmente, o colega vespertino, desta feita, se está desorientando, o que o fez tomar a nuvem por Juno. E é já tempo de ir tendo a recomendável prudência. 

Se o “Correio Paulistano” se referia a uma cena que se passara EXCLUSIVAMENTE ENTRE O SEU SECRETÁRIO E O SR. MIRABELLI, que empunhava efetivamente um livro de rezas, como podia ser que o ilustre dr. João Silveira, que não se achava presente, nem em corpo, nem em espírito, e com quem nem sequer os dois se encontraram durante o trajeto, tivesse ido afirmar à “Gazeta”, e assim de maneira categórica, que o livro que servira para as experiências não houvera sido levado pelo sr. Mirabelli? 

Este fato, para falar verdade, deixa em nosso espírito a mais fundamentada dúvida quanto à precedência da declaração questionada. Teria ela, efetivamente, partido do ilustre e honrado sr. dr. João Silveira? Não acreditamos, tão absurda ela se nos afigura. 

Que é que o leitor concluirá de tudo isso? Concluirá, por certo, que o sr. Couto de Magalhães – para usar de uma expressão da própria “Gazeta” – “ADULTERA A VERDADE, contando as coisas de acordo COM AS SUAS CONVENIÊNCIAS, PARA MAIS FACILMENTE CHEGAR AO FIM COLIMADO”. 

E é com esses falseamentos da verdade que o diretor do vespertino pretende levar a melhor nesta debatida questão mirabellica, nós desistiremos de ora avante de responder-lhe, prosseguindo serenamente na publicação da nossa vasta e sensacional reportagem. 

Rematando as suas sete compactas colunas de considerações sobre a efetividade dos fenômenos do sr. Mirabelli, a “Gazeta” de ontem estampa ainda o depoimento de várias professoras, e mais uma longa carta em italiano. São, com efeito, opiniões de só menos importância, à uma porque é bem sabido a facilidade com que as senhoras se impressionam em tais circunstâncias; à outra, porque é sobremaneira fútil a revelação que ela se faz, pois dada a situação ali indicada, o que foi por Mirabelli revelado era uma simples e natural resultante dessa mesma situação. 

Tem-nos causado surpresa a insistente afirmativa do sr. Couto de Magalhães de que a descoberta do fio de cabelo e do pedacinho de cera não justifica absolutamente a nossa convicção quanto aos embustes de Mirabelli. Isto nos leva até a supor que o ilustre colega anda a mudar de opinião com o nascer do dia e o descambar do sol. E assim pensamos em valendo a sua impressão estampada na “Gazeta” no dia imediato ao em que assistira à primeira experiência demonstrativa dos truques do prestimano na redação deste jornal, e que foi a seguinte: 

“O distinto jornalista, atendendo a instantes pedidos, realizou perante as pessoas presentes os ‘truques’ com o fio de cabelo e o pedacinho de cera, executando, COM PERFEITA ILUSÃO DOS ASSISTENTES, as experiências que o sr. Mirabelli fizera no salão do ‘Correio Paulistano’.” 

O CASO, REALMENTE, É PARA LEVANTAR AS MAIS JUSTIFICADAS DÚVIDAS NO ESPÍRITO PÚBLICO, precisando, por isso mesmo, ser convenientemente apurado. 

Afigura-se-nos que o sr. Couto de Magalhães está com demasiada pressa nesta questão, estranhando já com certa injustificada impertinência que o “Correio Paulistano” não relate para logo todos os truques de que se usa o intrujão, e de que maneira os emprega. Não se impaciente. Há mais de quatro semanas anda a Gazeta, como dissemos, a encher, com o caso, colunas e colunas, sem que tal coisa nos impressione ou nos incomode. Tenha paciência, se a quer ter, se entende que a deve ter, porque é esta também uma outra questão que pouco nos interessa. O “Correio” chegará com êxito onde a colega não desejaria que ele chegasse. Chegará, quer a Gazeta queira, quer não queira a Gazeta. 

Mas é prudente e das comezinhas regras do bom tom que cada um mande… na sua casa. 

Agora a nossa reportagem. 

Surge um novo Mirabelli 

Diante daquela “momentosa descoberta” nem foi preciso pôr-se em prática um “plano” aventado pelos nossos colegas, e que constava em colocar um caixão no gabinete do W.C. dentro do qual ficaria o continuo desta redação – um pequenote de uns 15 anos, vivo como azougue – que, por uma fresta de seu esconderijo, poderia descobrir que diabo fazia o médium depois das suas sessões – se ele andava doente, ou preparava a coisa. 

Não foi preciso tanto. A pesquisa no salão dispensava qualquer outra prova. Pois que, uma vez de posse do objeto, um dos nossos companheiros, arvorado em “Mirabelli-mirim”, executou com proficiência, para o Plínio, os mesmos fenômenos do médium, sem que este nada percebesse; depois, por sua vez, o Plínio operou para o Fonseca assistir e o resultado foi completo – ambos se convenceram de que estavam impregnados dos fluidos do “grande médium”.  

Sobre a nossa importante descoberta, resolvemos guardar o máximo segredo, e apenas quatro pessoas tinham dela conhecimento: o nosso diretor, sr. dr. Carlos de Campos; os nossos companheiros Nuto Sant’Anna e Aristéo Seixas, e o redator-secretário do “Commercio de S. Paulo”, sr. Joaquim Morse. 

Combinou-se então um plano, afim de ser desmascarado o intrujão. Guardaríamos silêncio sobre a descoberta e um dos redatores do “Correio” desempenharia o delicado papel de convencer aos crentes do outro de que possuía força semelhante à dele e era também “generosamente assistido por uma grande guia espiritual”. 

E assim foi. 

Dois dias depois, sabendo do segredo apenas as pessoas que enumeramos, o nosso secretário começou de “sentir-se adoentado”. Dizia ter tonteiras, vista turva, febre, um mal estar geral.  

Estava ele sentado à sua secretária quando, ao chegar o dr. Martinho Botelho, disse a este: 

– Não sei que será isto. Desconfio que estou impregnado dos fluidos do Mirabelli.

– Por quê?

– Desde que assisti à experiência, fiquei assim “não sei como”…

– Isso é “puxa-puxa”…

– Qual! O negócio é sério! Hoje, em casa, fixando uma caixinha de comprimidos de aspirina, esta, com que “ninguém a tocasse”, pôs-se a mover por si só, tal como nas sessões “do homem extraordinário”.

– Ah! ah!

– É sério. 

Daí a pouco a nova corria – “o Fonseca também tinha força”. À noite, comunicando “a sua mediunidade” ao dr. Alarico Silveira, quis este observar a “coisa” “de visu”. Não podia acreditar que o nosso secretário tivesse alcançado também tão “magnânima contemplação da Providência”. O Fonseca, muito do industria, respondeu-lhe a uma das suas perguntas: 

“– Não garanto que faça o que o Mirabelli faz: isso não. Mas, vamos experimentar”. 

E foram para o salão nobre, acompanhados pelo Plinio Reys, que desejava “gozar” a primeira “experiência” do Fonseca, observando a impressão causada no espírito do nosso querido amigo. No salão, disse o Fonseca: 

“– Que quer v. que eu faça?”

“– Basta retirar um lápis de uma garrafa, disse-lhe o dr. Alarico.” 

Então, o nosso secretário, mandando o próprio dr. Alarico introduzir o lápis numa garrafa, disse-lhes: 

“– Bem, façam vocês dois uma corrente, a auxiliar-me, concentrando o mais que lhe for possível. Ajudem-me”. 

O dr. Alarico e o Plínio, que ficaram no mesmo lugar de onde assistíramos a experiência de Mirabelli, deram-se as mãos. O Plínio, que tinha uma seriedade postiça, mas morria de rir interiormente, e o dr. Alarico concentram-se com solenidade. O Fonseca, perguntando-lhes o ponto em que havia ficado o Mirabelli, foi postar-se no mesmo lugar. Depois reinou um silêncio de morte; parecia que, de fato, alguma coisa extraordinária se ia desenrolar ali no recate do nosso salão.  

De repente, a um esforço maior do médium e do dr. Alarico, que estava roxo na sua concentração, o lápis trepidou e, como que impelido de baixo para cima, por uma mola invisível, começou a subir, a subir… Quando ficou com a metade para fora, o dr. Alarico, comovido, absorto, deu um salto e bradou: 

“– Basta! Basta, Fonseca!!” 

E ferrando-lhe um formidável abraço de quebrar costelas, clamou numa voz trêmula, muito sincera: 

“– Você é o homem mais feliz deste mundo, por possuir uma força igual à do Mirabelli”. 

O nosso companheiro triunfara. 

A nossa segunda experiência 

A “força mediúnica” do nosso secretário correu a capital com uma celeridade pasmosa. Nessa mesma noite, cheios de curiosidade, os drs. Martinho Botelho e Mello Nogueira pediam ao Fonseca que lhes fizesse uma sessão. 

“– Agora não, estou muito cansado, protestou. O Alarico que lhes conte. Afim de auxiliar-me fez tanta força que se estafou.”

“– Ora, experimente sempre, disseram.” 

Então o Fonseca aquiesceu. No salão perguntou o que viram Mirabelli fazer. Respondeu-lhe o dr. Martinho: 

“– Colocou aqui na ponta desta mesa quatro copos, um em cima do outro. Depois tirou um envelope daqui desta caixa do dr. Carlos de Campos e meteu-o no último copo; a seguir, fê-lo sair aos poucos.”

“– Pois vamos lá: preparem a ‘coisa’ tal qual como prepara o ‘homem misterioso’”.

“– Pronto!”

“– E vocês onde ficaram?”

“– Eu aqui, o Mello acolá.”

“– Pois fiquem nesses lugares.”

“– Pronto!”

“– Agora, digam-me onde ficou o médium.”

“– Ah! Onde v. está, com a diferença de que estava ele mais perto dos objetos.

“– Pois então experimentemos: vocês se concentrem e ‘auxiliem-me’.” 

E ficaram em silêncio. O Fonseca, que assistira ao Mirabelli e lhe conhecia todos os movimentos, começou de fazer a mesma coisa. De repente, o envelope subiu e saiu do copo. 

Ambos os espectadores estavam maravilhados, chegando o dr. Martinho Botelho a felicitar o Fonseca nos seguintes termos: 

“– Sim senhor: V. tem até mais força que o Mirabelli – os fenômenos se dão com maior rapidez.” 

Mas, afim de dar melhor prova da sua força, o nosso secretário fizera ainda àqueles dois distintos moços tudo o que eles haviam visto realizar o “homem misterioso”. Quando terminou as experiências estava cansado e suava… tal qual como acontece ao “mais extraordinário médium destes últimos tempos…” 

Qual era nosso intuito 

Como acima dissemos, assim procedêramos, afim de inculcar a “força” do nosso secretário às pessoas que, assistindo às experiências do sr. Mirabelli, acreditavam de logo na sua “punjante mediunidade”. Era nosso intuito realizar mesmo uma grande sessão dedicada à imprensa e a todos os cientistas que, apreciando os trabalhos de levitação em foco, acreditavam na “espiritualidade do moço botucatuense”. Depois dessa prova pública, lavraríamos uma ata, que deveria ser assinada por todos os presentes; em seguida, revelaríamos o truque e, pelo jornal, daríamos conta do sucedido e da nossa “preciosa descoberta”, a todo público intrujado pela fleugma sem igual do “herói destes últimos meses”. Um imprevisto, porém, que só depois relataremos, levou-nos a revelar o mistério e dess’arte sofreu uma sensível modificação o nosso plano. Foi então que o nosso secretário, rogando um obséquio ao ex-secretário desta folha e distinto confrade e amigo dr. Alarico Silveira, pediu-lhe que fosse portador de 

Uma nossa proposta a Mirabelli 

O nosso nobre amigo, com o cavalheiro que o [ilegível], prontificou-se a servir-nos, e assim notificou ao sr. Carlos Mirabelli que nós, “poucos crentes nos seus fenômenos, lhe OFERECÍAMOS UM CONTO DE REIS  para que, em nossa presença, retira-se um lápis de uma garrafa, com a condição de que fosse ELE POR NÓS COLOCADO NO RECIPIENTE.” 

A isto respondeu o pseudo-profeta que não “fazia aquelas coisas para ganhar”, capitulando, portanto, a nossa proposta. Isto estranhou-nos, confirmando ainda mais ser ele, de fato, um “águia” de primeiríssima grandeza. “Não realizava os fenômenos para ganhar”, disse, no entanto, contam-se por inúmeras as pessoas que, no fim das sessões, “o auxiliavam com alguns cobrinhos”, pelegas de dez, de vinte, e mesmo quantias maiores, com que o obsequiavam os mais generosos. É certo mesmo que, às vezes, as pessoas que o acompanhavam às experiências, sopravam aos ouvidos dos assistentes: 

– É muito pobre, o coitado! Ele costuma aceitar o que lhe dão…” 

(Oportunamente, publicaremos uma relação documentada das quantias recebidas, apenas em dez dias, pelo falso médium. Verão os leitores que “mina” é a tal mediunidade do sr. Mirabelli). 

“Não fazia para ganhar”, respondeu, mas o certo é que a história se escreve assim como acabamos de contá-la… 

Uma experiência que se reveste de inesperada solenidade 

A nossa terceira sessão teve uma seleta assistência. Em certa noite, achava-se um redator desta folha produzindo os célebres “fenômenos”, na sala de redação, diante dos nossos companheiros dr. Gomes dos Santos, Edgard Nobre de Campos, gerente desta folha, e outros amigos. Nessa ocasião, ainda ninguém de fora sabia das histórias dos truques. Em dado momento, entrou na sala o dr. Cyro de Freitas Valle, simpático e distinto oficial de gabinete da presidência do Estado. Sentou-se junto à mesa em que o nosso companheiro estava fazendo sair um lápis de uma garrafa. E, ao ver o êxito do “fenômeno”, ficou admiradíssimo. Pudera! Um lápis assim a voar, misteriosamente. 

– O dr. Altino precisa ver isso, disse o distinto jovem. 

E correu a chamar o sr. dr. Altino Arantes, ilustre presidente do Estado, que se achava no nosso salão nobre, em companhia de nossos eminentes políticos.  

A princípio, o nosso companheiro recusou. 

– Tinha acanhamento – disse – e faltava-lhe coragem para “operar” diante de s. exc. o sr. presidente. 

O jovem e amável dr. Cyro insistiu e ele não teve senão que aceder. Sabíamos que Mirabelli não havia conseguido produzir “fenômeno” algum diante de s. exc. Assim, no salão nobre, na presença do sr. dr. Altino Arantes, dos srs. dr. Carlos de Campos, diretor desta folha e senador estadual; coronal Fernando Prestes, senador ao Congresso do Estado; dr. Raphael Sampaio, lente na Faculdade de Direito de S. Paulo; deputado Julio Prestes, deputado Ataliba Leonel, dr. Cyro de Freitas Valle, Gelasio Pimenta, diretor da “Cigarra”; Salles Guerra, Joaquim Morse, redator-secretário do “Commercio de S. Paulo”; Edgard Nobre de Campos, gerente do “Correio Paulistano”; dr. Gomes dos Santos, João Silveira Junior, Alfredo Martins, Plínio Reys e Mucio Passos, redatores desta folha, o operador dispôs-se a trabalhar. 

Foi colocada uma garrafa sobre a mesa. E um lápis, nela posto, subiu misteriosamente, tal qual faz o sr. Mirabelli. 

O sr. dr. Altino Arantes pediu que fizéssemos a experiência com os copos a rodar em cima do gargalo de uma garrafa.  

– Não sei se teremos mais copos, – observou o nosso operador, – o Mirabelli quebrou-os todos…

– É o presidente quem manda, disse então a sorrir o dr. Carlos de Campos; é preciso obedecer. 

Mandamos buscar alguns copos, que foram colocados pelo próprio diretor do “Correio Paulistano” sobre o papelão, em equilíbrio no gargalo da garrafa.  

Foi feita a experiência. 

E os copos, depois de rodarem sobre a garrafa, caíram, quebrando-se. 

Há um fato interessante que não pode passar sem registro: de centenas de pessoas que têm assistido as nossas experiências, foi o sr. dr. Altino Arantes a única que, apesar de avisado do truque, mas sem saber em que ele consistia, o percebeu, devido a uma circunstância que escapara ao nosso operador, embora fosse da máxima importância no caso. 

Vai [ilegível] descrita num outro capítulo deste nosso inquérito, intitulado, A SENSAÇÃO DO FRIO, quando realiza as suas sessões, e no momento de produzir os “fenômenos”.  

Quem conta um conto… 

Apesar, porém, de todos os pesares, por aí fora, em S. Paulo inteiro e até na capital da República, tomava vulto a fama do “homem misterioso”. Dele se contavam, como se contam, as coisas mais fantásticas. Muitas delas, descritas pelo próprio intrujão, iam, de boca em boca, exagerando-se extraordinariamente. Ainda há pouco saíram da nossa redação dois espíritas que nos disseram coisas do arco da velha, entre elas que o prestimano “fizera uma distinta senhora mergulhar o braço numa jarra de água e não se molhara, e que depois fizera a água transformar-se em leite, a seguir em vinho e, por fim, em café”… Que acende lâmpadas, que faz andar mesas, açucareiros pularem daqui para acolá, move esqueletos e caveiras, vê os habitantes do espaço, descreve habitações, toda uma infinidade de coisas assombrosas. 

Dess’arte, isso que o “homem predestinado” por aí fazia, espantando os crédulos de simples lances de prestidigitação que eram, assumiam quase sempre proporções de lenda e isso não porque os seus “milagres” fossem dignos de tanta “cera”, mas tão somente porque, como diz o velho brocardo, “quem conta um conto aumenta um ponto”… 

Mirabellico 

O primus inter pares da Magia,

Que pela terra paulistana soa,

Gerou na [ilegível] da sabedoria,

Nasceu de uma ilusão, surgiu à toa.

 

Era de ver a fé com que se havia,

Diante do bruxo tanta gente boa,

Da qual o bruxo, finda a bruxaria,

Hoje por certo com razão caçoa.

 

Homens da ciência! dentre vós, imbeles

Alguns andaram tão afoitamente

Que iam multiplicando os Mirabellis…

 

Depois, à sombra de tanto homem culto

O Mirabelli ia ficando gente

E o fanatismo ia tomando vulto… 

João das Regras 

MAIS UMA ESPERANÇA PERDIDA!

Uma comissão de homens de ciência de S. Paulo acaba de desmoronar completamente a reputação do célebre “homem misterioso”!

 

E eu que esperava obter dele a revelação do número da sorte grande da loteria do Natal, de Hespanha, para acabar, finalmente, este meu fardo de pintar bonecos!

(De um vespertino carioca) 

Para amanhã

As provas demonstrativas do “Correio Paulistano” vão causando verdadeiro sucesso

Os nossos colegas do “Estado de S. Paulo” assistem a uma demonstração e julgam-na a mais perfeita possível – Como o sr. dr. Carlos de Niemeyer teve a prova cabal dos embustes do pseudo-médium

 

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