AS FRAUDES DO MÉDIUM MIRABELLI (PARTE 33)

Dando prosseguimento à série de reportagens do Correio Paulistano.

Correio Paulistano – Quarta-feira, 5 de julho de 1916, página 3 

No mundo das maravilhas

Fez-se luz em a noite do mistério 

O sr. Carlos Mirabelli é realmente um hábil prestidigitador 

Impressões do eminente cientista dr. Franco da Rocha, diretor do Hospício de Alienados

Espiritismo versus espiritismo

O que pensa a maioria dos espíritas de S. Paulo em relação ao falso médium 

Inexorável, tremenda, esmagadora, sem vacilações nem dúvidas é a fulminante sentença com que o integérrimo tribunal da opinião pública condena à pena máxima de ridículo o audacioso pelotiqueiro que por aí se apresentava, bafejado por homens de boa fé, como um herói de mágica a arder de empáfia entre os fogos de bengala das apoteoses fantásticas. O ostentoso charlatão, tipo loquaz de polichinelo, não mais embairá ninguém com as suas perfídias ou com as suas farsas; já agora será repelido por todos, quando, com as suas habituais insolências de indivíduo afeito aos expedientes de toda sorte, bem como a leitura barata de obras de bruxaria, procurar insinuar-se atrevidamente como invocador de fantasmas. 

A nossa reportagem tem já esclarecido a sociedade em que constituem os extraordinários fenômenos do fascinador. Já não é lícito, a qualquer espírito medianamente educado, crer nas mirabolancias do pechisbeque. Não tanto porque afirmamos, e conosco inúmeros notáveis intelectuais do nosso mundo científico e literário, que a mediunidade do homem prodígio não depende do seu psiquismo, mas da agilidade dos seus dedos, não tanto por isso devem descrer do pseudo-enviado até os seus mais incondicionais panegiristas – o que mais corroboram as nossas asserções são as próprias evasivas do bruxo, que já não tem aquela facilidade de invocar as almas, que teve de largar a pingue teta da exploração, que já não se exibe como outrora, que, desde que amanhecia, andava de cá para lá numa estafante azafania de quebrar copos e receber gorjetas. 

Hoje o paparrotão figura no rol das coisas inúteis. Nem como taumaturgo, nem como prestidigitador é visto com bons olhos; já não viverá, por isso, na douta Paulicéa, nem com as suas sortes… nem com os seus milagres. Resta-lhe, pois, no caso de uma regeneração, ocupar-se nalgum emprego honesto; do contrário, dando expansão ao seu desejo de glórias, se ambiciosa persistir cultuando a arte dos prestímanos, só há um caminho a seguir – volver para o picadeiro de que saiu e no qual de certo alcançará ainda, como dantes, o estridor dos aplausos e… das pateadas mais sensacionais.  

É tempo do “homem misterioso” mudar de vida. A verdade foi restabelecida. Dia a dia aumenta o número de pessoas eminentes, que são acordes em desmentir as suas intrujices, em desfazer as lendas por ele próprio postas na boca do povo, em verberar sem tergiversações a sua audácia. Ainda hoje inserimos, nestas colunas, o parecer do ilustre cientista patrício, dr. Franco da Rocha, diretor do Hospício do Juqueri. O eminente psiquiatra desfez cabalmente uma das fantásticas historietas que por aí corriam e que davam aquele distinto facultativo como um dos defensores do sr. Carlos Mirabelli.

Essa é uma deslavada mentira. O dr. Franco da Rocha, como se vai ver, assistiu a uma experiência, “que se revestiu de todo o caráter familiar”. Não procedeu a investigação minuciosa: aguardava momento oportuno para estudar os fenômenos convenientemente. Esse momento jamais se lhe deparou, todavia, pois que o falso médium sempre fugiu a uma prova séria, havendo-se com aquele cientista, como já se houvera com os drs. Eduardo Guimarães, Vital Brasil e muitos outros homens de ciência que com a melhor boa vontade atestariam, depois de um estudo judicioso, tudo o que de importante lhe fosse dado descobrir nas experiências do barbado fetiche dos supersticiosos.

[FIGURA]

DR. FRANCO DA ROCHA 

Melhor, porém, que o nosso comentário, falará a palavra autorizada do brilhante facultativo. Ouçam-no:

“A propósito dos misteriosos fenômenos, exibidos em S. Paulo, há pouco tempo, pelo sr. Mirabelli, muito já se tem escrito e nada mais haveria a dizer [2 palavras ilegíveis] o homem, como parece que [4 palavras ilegíveis] que houvessem [9 palavras ilegíveis] que [9 palavras ilegíveis] ainda se não tinham pronunciado sobre elas em público e [razo?]…

O miraculoso homem nos foi apresentado por pessoa merecedora de confiança e que nos garantiu a absoluta ausência de embustes nas práticas maravilhosas a que assistira em companhia de outras pessoas (e nomeava-as), também dignas de acatamento pela sua indiscutível probidade.

Essa valiosa apresentação quase que varreu do nosso espírito a suspeita de embusteria com que recebemos sempre a notícia de tais fenômenos, embora não ponhamos em dúvida a possibilidade da existência destes. 

Por que não havíamos de estudá-los? As maravilhas da eletricidade, o raio-x, o telégrafo sem fio, por exemplo, não seriam, há um século, verdadeiros sonhos de louco? Quem sabe quanta coisa ainda está reservada para o futuro? 

Tendo o espírito aberto ao exame de todos os fatos que possam interessar à ciência, sem idéia alguma preconcebida e convencidos de que as possibilidades do Universo são infinitas, fomos despreocupadamente assistir às tais revelações do homem extraordinário.

Note-se bem que não fomos lá pesquisar uma embusteria com o fito de descobri-la e expô-la ao público. Esse estado de espírito influiu poderosamente, no caso que nos ocupa, para o resultado a que chegamos.

É claro que examinávamos todos os objetos admitidos na experiência, mas NÃO TÍNHAMOS TOMADO TODAS AS PRECAUÇÕES QUE SERIAM EXIGIDAS SE DESSAS EXPERIÊNCIAS TIVÉSSEMOS DE DAR CONTA AO PÚBLICO EM RELATÓRIO OU COISA SEMELHANTE. Tratava-se pura e simplesmente de curiosidade, de observar um fenômeno que nos garantiam ser isento de qualquer patranha. Apreciamos os fenômenos em íntima camaradagem, sem espalhafato; não anunciamos ao mundo a veracidade deles, não se lavrou nenhuma ata; não tínhamos assumido responsabilidade em tal caso, nem satisfações a dar a quem quer que fosse. Se alguém aí serviu de nosso nome, em artigos sobre esse assunto, fê-lo sem autorização nossa.

Observamos, de fato, a realização de alguns fenômenos – o movimento ou deslocação de pequenos objetos, um copo, um chapéu, por exemplo, sem que alguém os tocasse, e não descobrimos a causa desses movimentos. Ficamos com o juízo suspenso a respeito do que tínhamos visto. Emprazamos o homem para novas sessões, nas quais pretendíamos tomar uma série de precauções, que nos mostrariam fatalmente as pairanhas do prestímano, se tal fosse o caso. Fizemos tudo isso com a calma e sossego de quem tinha tempo diante de si para minucioso estudo, depois do qual mandaríamos o intrujão em paz e às moscas, quando víssemos que tudo aquilo não passava de mentiras de um histérico.

Notamos que os fatos se não produziam à vontade, mas só de longe em longe. Quando as condições lhe não eram favoráveis, o homem nada realizava: não deixava, porém, de fazer a pantomima completa da tentativa. No fim de alguns minutos de inúteis esforços, acompanhados de esgares e picarescas gesticulações, voltava à calma e dizia: –“Estão vendo? Estão vendo? Foi-se embora… a coisa é ansim… é ansim… (sic)”. 

Repetidas vezes pegava o homem nos objetos destinados à experiência, examinava-os com ar distraído, relocava-os sobre a mesa, saía logo a passear pela sala, esfregando as mãos como quem sente frio, e lá num momento, soltava uns gritinhos entrecortados, chegava-se de novo à mesa com aspecto aterrorizado, alucinado e prendia com isso, de certo modo, a atenção do espectador. Embora tais gritinhos nos provocassem frequentemente o riso, porque víamos que era tudo patacoada, não deixavam de desviar a nossa atenção enquanto o fato se realizava.

Vimos os fenômenos e como ninguém pudesse perceber truque, combinamos que o homem voltasse em outra ocasião, quando tivéssemos construído alguns aparelhos especialmente arranjados e dispostos para evitar embustes. Nunca mais apareceu, apesar de repetidas promessas. 

Não lavramos atas, nem ligamos a esses fenômenos a importância que eles adquiriram alguns dias depois perante o respeitável público. Esperávamos ainda o nosso homem, quando estalou a descoberta do “Correio Paulistano”.

Não ficamos desapontados com isso; ao contrário, achamos graça na mistificação, da qual não resultara, nem resultaria jamais, uma calamidade social, porque a falcatrua seria forçosamente descoberta, mais hoje, mais amanhã. Não é esta a primeira vez que um embusteiro se apresenta com essas pretensões e nem será esta certamente a última.

Não desfrutam outros pacificamente a crendice humana, há tantos anos? Que mal nos tem vindo disso?

O presidente do país das luzes, Poincaré, não foi há bem pouco tempo assistir à descoberta de água subterrânea por meio da varinha mágica?

Não pululam os hierofantes por toda a parte entre nós como em Paris?

A Sociedade Dialética, organizada em 1867 em Londres por médicos, juristas, [3 palavras ilegíveis] de [posição?] galante [10 palavras ilegíveis] franco desses fenômenos, que não podem ser tratados e discutidos perante o respeitável público; este não tem o preparo suficiente para apreciar as questões dessa natureza.

Quem presidiu essa sociedade? 

Sir John Lubbock, uma notabilidade no mundo científico. 

A comissão incumbida desses estudos levou dezoito meses a trabalhar para apresentar um relatório, no qual o moderno ocultismo encontrou elementos que lhe deram bastante força, em prejuízo do espiritismo.

Houve alguma desgraça no mundo por esse fato?

Nenhuma. A Ciência continuou serenamente a sua evolução.

A celebridade de Mirabelli não iria muito longe; tinha de acabar onde nasceu: nas redações dos jornais.” 

_________________________

Resumem os períodos acima a preciosa opinião de notável cientista. Por eles se vê o quanto anda deformada por aí, na boca do povo, a experiência que o atrevido escamoteador realizara em Juqueri. Dela, o próprio intrujão contou-nos, com o refletido cinismo que o caracteriza até à medula dos ossos, coisas curiosas sobre as quais nem de leve se referiu o dr. Franco da Rocha, cujo testemunho insuspeito aí fica, a par de tantos outros de não menos valor, para escarmento e radical desmoralização do inveterado patranhista.

ESPIRITISMO VERSUS ESPIRITISMO 

A fama do celebérrimo escamoteador não se originou das redações dos jornais, como aventou o eminente cientista cuja opinião acima exaramos e como se propala nas rodas e nos conciliabulos em que pontificam, em promiscuidades absolutas, representantes de todas as categorias sociais. O vasto renome do “homem misterioso” teve início em algumas casas comerciais; dessas, se passou a ocupar da estranha individualidade nas ruas e nas praças; depois, era dos lares de algumas das nossas mais respeitáveis famílias que partia toda a sorte de encômios aos méritos excepcionais do valdevinos. A sua sorte não parou aí – vieram os entendidos do ocultismo, advogados, capitalistas, médicos, homens de ciência e de letras, a ocupar-se do glorioso artífice da novela. Como era natural, cresceu ele em nomeada à proporção que os seus triunfos se acentuavam num crescendo fantástico, diante do juízo precipitado de alguns vultos representativos da nossa cultura sobre as vulgaríssimas magias do audacioso prestidigitador.

Foi assim que, insigniado por alguns homens de responsabilidade, cresceu a reputação do feiticeiro. Só então passou o prestímano a ocupar a atenção da imprensa. Mas esta, representada em S. Paulo por todos os seus órgãos de conceito, repeliu imediatamente, com gestos unânimes, de uma clareza inequívoca, as lendas que davam o sr. Carlos Mirabelli como o mais extraordinário médium destes últimos séculos. Os jornais paulistas, que informam os seus leitores os fatos depois de os submeterem a uma análise criteriosa, jamais deram aquele pelotiqueiro como possessor das forças apregoadas pela vozeria dos fanáticos. Muito pelo contrário, verberaram o procedimento do troca-tintas, ridicularizando-o implacavelmente, reduzindo os “maravilhosos fenômenos” às suas devidas proporções de trivialíssimas sortes de pelotiqueiro. 

Agora, o que é grande verdade, é que a imprensa paulista foi o Waterloo do arrojado ex-charuteiro da rua da Boa Vista. A sua fama, que nasceu entre os aplausos dos homens de boa-fé e tomou vulto no torvelinho multiforme das massas, não transpôs as muralhas do jornalismo; aí se esboroou para sempre. Pode-se dizer que elas representam para o solerte prestímano as pirâmides que, com serem célebres pela sua origem, o são também graças a uma frase popularíssima de Napoleão. Porque é o caso de se bradar, parodiando as palavras do solitário de Santa Helena, as quais vêm a calhar, ajustando-se como uma luva na hipotética glória do arrojado bruxo: do alto dela, seis semanas de pilhérias o contemplarão… 

Mas… o nosso tema não era esse. Tencionamos mostrar que nem os espíritas são a favor da leviandade do falso médium. Provam-no os artigos de vários adeptos de Allan-Kardec, firmados por pessoas de conceito e dignas de apreço, pelos seus dotes de alma e intelectuais, que têm vindo a público na imprensa. Além dessas demonstrações, que mais achatam a já vastamente chata figura do típico adivinho, poderíamos oferecer à apreciação dos nossos leitores um sem número de cartas que nos têm endereçado vários espiritistas. Não o fazemos, no entanto, para não delongarmos por muito tempo o desfecho desta reportagem, que terminará com a explicação categórica de todos os truques de que se serviu o falso médium para mistificar o próximo.

Permita-se-nos, no entanto, que transcrevamos para aqui os seguintes períodos, que destacamos de uma longa missiva que nos endereçou o sr. Benedicto Lima, oficial do registro civil do bairro de Sant’Anna.

“O que me traz à sua presença com a presente carta é unicamente o desejo de apresentar-lhe as minhas sinceras felicitações pelo êxito completo com que o sr. desmascarou o célebre Mirabelli, que com intrujices especula com o espiritismo, coisa que ele talvez nunca em sua vida conheceu o que deva ser!… 

As minhas felicitações, porém, são duplas! – por um lado porque o sr. foi feliz sob todos os pontos de vista nas suas experiências; por outro lado porque o sr. EXPULSANDO UM VENDILHÃO DO TEMPLO, veio enriquecer a ciência dos nossos dias, trazendo o seu valioso concurso com o seu espírito perspicaz de homem estudioso e observador como [sós?] acontecer com todos os homens que se entregam ao minucioso estudo de tudo o quanto há de mais elevado científica e moralmente falando – já demonstrando que o que o Mirabelli expunha na praça pública estava longe de ser o espiritismo pregado por Allan Kardec, já demonstrando que o nosso [ilegível] se [ilegível] levar por qualquer manifestação [exploradora?], desde que esta [2 palavras ilegíveis] em qualquer lugar sem [3 palavras ilegíveis] em que se fundam [3 palavras ilegíveis]. 

[2 palavras ilegíveis] que [2 palavras ilegíveis] [conhece?]; não [ilegível] que [5 palavras ilegíveis] Allan Kardec e os professo cientificamente e não religiosamente, sendo essa a razão por que não procurei o sr. Mirabelli, nem o estudei, porque sei que o espiritismo, em sua essência, não se expõe na pública praça nem tão pouco é ele exibido no seio de qualquer agrupamento.

Devo dizer mais ao sr. que não só eu estudo as ciências ocultas nos livros dos mestres, como também vivo cortando todos os artigos que saem em todos os jornais, relativos a esta ciência. E por isso mesmo devo protestar contra uma observação feita pelo homem mirabellico na casa do sr. Moritz, quando foi feita aquela célebre SESSÃO de que o sr. deu notícia num dos últimos números do “Correio”. Assim, só por intermédio de seu conceituado jornal foi que fiquei sabendo que o sr. Mirabelli recomendava QUE NÃO CHEGASSEM, QUE NÃO TOCASSEM DE JUNTO DA MESA DE OPERAÇÕES, porque PODIAM FICAR LOUCOS (?). Isto consta de um de seus últimos artigos da reportagem sensacional. Mas o espiritismo então prega a loucura aos seus adeptos?

Coisa estranha! Novidade sensacional! Pois o espiritismo que cura loucos porque esses loucos de que o espiritismo trata não são loucos e sim OBSEDADOS e OBSEDAÇÃO não é loucura, como o nosso pseudo “médium” prega a loucura àqueles de seus admiradores que desejam assistir às suas observações? 

Disto não se sabia, Sabia-se que ele era um MÉDIUM EXTRAORDINÁRIO, que fazia coisas do arco da velha, mas que ele se saía com mistificações em suas sessões, isto, para nós, espíritas, era novidade! Mas graças ao espírito arguto do amigo (permita-lhe lhe trate assim) já sabemos que o Mirabelli não passa de um explorador e, se me permite a expressão, um aventureiro, porque quem para viver precisa de torcer a verdade dos fatos e mistificar o público inconsciente, é um aventureiro.

Depois, olhando-se o espiritismo por outros lados e encarando-se como ele deva ser, não é o espiritismo um instrumento que QUEBRA COPOS, QUEBRA JARRAS, QUEBRA LÂMPADAS e quebra tudo o que é QUEBRÁVEL e que lhe venha às mãos. Não. Não é este o espiritismo que nos oferece Allan Kardec. Estudem-se as obras dele, estudem-se as obras dos mestres e ver-se-á que este não é o espiritismo que os homens de bom senso devem seguir. Por estas e outras, mais uma vez as minhas felicitações, e queira ter a bondade de registrar o meu protesto, como bem espírita que sou, contra o processo de conduzir o espiritismo por parte do celebérrimo pseudo “médium”, que de mediunidade é o que há de mais pobre e mais mísero no gênero… 

Depois, quem conhece o espiritismo sabe que a mediunidade não é uma faculdade concedida a todos e que se possa comprar no mercado a três por dois; e os verdadeiros médiuns que têm conhecimento do seu eu, conhecendo as responsabilidades de que estão sobrecarregados, não se exibem a não ser nos centros onde se achem filiados e que mereçam a confiança de seus irmãos presentes, os quais não devem ser muitos.” 

Além desses trechos, com respeito ao espiritismo, daremos por alto mais algumas notas interessantes. Convidados por alguns cavalheiros, assistimos, no Braz, à rua Wandelkolk, n. 14 a uma sessão espírita.

“Encarnaram-se dois espíritos, por essa ocasião; o de Celestino dos Santos, desencarnado há cerca de 50 anos, em terras do Rio Grande do Sul, e o de Jacques Wilson, um dos protetores do centro. Este último prestou à assembléia vários esclarecimentos sobre o sr. Mirabelli, entre os quais que os “espíritos de Allan Kardec e Avô Thomé estão constantemente ao lado de Carlos Mirabelli, a fim de que seja ele desmascarado e reconheça o seu erro, voltando ao caminho do bem e da verdade. Acrescentou ainda que o seu falso poder seria em breve destruído. Jacques Wilson disse ainda que Mirabelli trabalhara no Circo Theatral, onde executava sortes de prestidigitação, tendo sido, nas suas exibições, infeliz, por duas vezes, tanto que recebeu estrondosas pateadas. Disse mais que não foram somente desta natureza os trabalhos a que se dedicou. Efetuou também experiências de telepatia, que lhe valeram, igualmente, diversas pateadas. Para provar a verdade das afirmações, explicava, bastava que algumas das pessoas presentes, encontrando-se com o falso vidente, o interrogassem sobre os seus fenômenos naquele circo. A sua perturbação, se não confessasse a verdade, seria indício certo do que expusera. E terminou: dentro de oito dias o sr. Mirabelli deixará de ser médium.”

Assim disse. Portanto, o arrojado intrujão não conta nem com o apoio daqueles de que se diz legítimo representante entre os mortais… 

UMA CARTA DO DR. EDUARDO GUIMARÃES 

O dr. Eduardo Guimarães endereçou a um vespertino a seguinte carta:

“Exmo. sr. redator: com o intuito exclusivo de restabelecer a verdade, acudo pressuroso ao seu apelo.  

Na sua apreciada sessão Almas do outro mundo, que publica diariamente, li, ontem, o que se segue sobre a minha humilde pessoa:

Disse o dr. Eduardo Guimarães: 

“O sr. Mirabelli conseguiu tirar um lápis de uma garrafa e fez mover uma caveira. Vi-o também fazer girar uma caixa de papelão.”

Mas não foi só isso que o dr. Eduardo Guimarães presenciou. Tomamos a liberdade de apelar para a sua memória. O ilustre clínico é amante da verdade e não se recuará, certamente, a prestar o seu depoimento completo sobre o caso em debate. 

O dr. Eduardo Guimarães omitiu, talvez involuntariamente, o fenômeno mais surpreendente a que assistiu em casa do dr. Alberto Seabra: o movimento de um pé de avenca, cujas folhas, a pedido do sr. Mirabelli, se agitaram longamente como batidas por uma contínua viração. 

Este fato surpreendeu tanto o dr. Eduardo Guimarães que s. s. aproveitou o ensaio para fazer novo discurso. – dessa vez para dizer que AQUILO ERA A NEGAÇÃO DE TODAS AS LEIS DA NATUREZA!

Entretanto, o dr. Eduardo Guimarães, convidado depois para assinar a ata em que esses e outros fenômenos eram descritos, recusou-se a fazê-lo, atribuindo-os à alta magia! 

Ora, a alta magia do pobre sr. Mirabelli! Tem graça. 

Mas ouçamos ainda o dr. Eduardo Guimarães:

“– Infelizmente, em casa do dr. Seabra, não pude examinar bem os fatos. Esperava fazê-lo mais tarde. Enfim, SEM QUE O SR. MIRABELLI SE SUBMETA A UMA RIGOROSA FISCALIZAÇÃO CIENTÍFICA, NÃO SE PODE DIZER A ÚLTIMA PALAVRA SOBRE ESSA QUESTÃO. É PRECISO QUE ISSO ACONTEÇA.

– Então, na opinião do doutor, o sr. Mirabelli…

– NÃO PASSA DE UM PRESTIDIGITADOR HABILIDOSO, pode dizer. – concluiu o ilustre homem de ciência.

E, assim, o ilustre homem de ciência manifesta, ao mesmo tempo, duas opiniões diametralmente opostas: ENQUANTO O SR. MIRABELLI NÃO SE SUBMETER A UMA RIGOROSA FISCALIZAÇÃO CIENTÍFICA, NÃO SE PODE DIZER A ÚLTIMA PALAVRA SOBRE ESSA QUESTÃO. Mas o dr. Eduardo Guimarães não espera por essa última palavra da rigorosa fiscalização científica e vai logo afirmando que o sr. Mirabelli é um PRESTIDIGITADOR HABILIDOSO!

Retificando tudo quanto aí ficou escrito por equívoco, oriundo necessariamente de informações inexatas, devo declarar-lhe: na sessão realizada pelo sr. Mirabelli em casa de meu prezado amigo e colega dr. Alberto Seabra, única a que assisti até hoje, só presenciei o seguinte: o movimento ascensional de um lápis dentro de um vaso, movimentos comunicados a uma caveira e a uma caixa de papelão – mais nada.

Pode testemunhar a verdade do que afirmo o meu amigo Anthero Bloera, meu exclusivo companheiro de espetáculo na sala previamente preparada, em que se exibiu o sr. Mirabelli.

Quanto ao “movimento de um pé de avenca, cujas folhas, a pedido do sr. Mirabelli, se agitavam longamente como batidas por uma contínua viração”, e tudo o mais que se segue, asseguro ao sr. redator que é absolutamente falso.

Na sessão única a que assisti – não houve pé de avenca, nem movimento de suas folhas, nem surpresa minha, nem afirmação alguma da minha parte de que “aquilo era a negação de todas as leis da natureza”.

Podem atestar a falsidade de todas essas afirmações quanto cavalheiros compareceram à sessão, entre eles achando-se os drs. Seabra, Horácio de Carvalho, Enjolras e Spencer Vampré, Vital Brasil, Emílio Ribas, Anthero Bloem, J. J. da Nova e muitos outros.  

Carece ainda de verdade que eu me tenha recusado a assinar uma ata “em que estes e outros fenômenos eram descritos”. Não tive conhecimento dessa ata, ainda hoje esperando, para que me fosse possível assiná-la, o convite a que alude o vespertino.

Não houve contradição alguma nas minhas afirmações ao “Correio”, a respeito do sr. Mirabelli. Por modéstia, ou para resumir, poupando espaço, não, foi, talvez, bastante explícito e claro quem as redigiu.

Ao redator, com quem tive o prazer de palestrar ao meu consultório, disse:

Em casa do meu colega, dr. Alberto Seabra, não tive tempo nem liberdade suficiente para verificar se os fenômenos que observei eram ou não resultado de vulgar prestidigitação, razão pela qual fui de opinião que deviam ser convenientemente estudados. 

Agora, porém, demonstrada como ficou, pela redação do “Correio”, a intervenção do embuste na sua produção, eu só podia pensar com todo o mundo, que o sr. Mirabelli não passava de um prestidigitador habilidoso. 

Agradecendo a publicação destas linhas, que restabelecem a verdade do que se passou comigo no caso Mirabelli, muito grato lhe ficará, etc, etc.”  

Para amanhã:

Duas interessantíssimas entrevistas

A curiosa história da “Charutaria Centro-Paulista” – A arte da escamoteação produziu um excelente negócio e boas bengaladas

Deixe seu comentário

Entradas (RSS)