AS FRAUDES DO MÉDIUM MIRABELLI (PARTE 35)

Dando prosseguimento à série de reportagens do Correio Paulistano.

Correio Paulistano – Sexta-feira, 7 de julho de 1916, página 2 

No mundo das maravilhas

Fez-se luz em a noite do mistério

O sr. Carlos Mirabelli é realmente um hábil prestidigitador

Interessantíssima entrevista com um distinto farmacêutico

O livro de alta magia que Mirabelli recebeu dos Estados Unidos e no qual estudos os seus “fenômenos de levitação”

O audacioso prestímano aceita uma proposta para se exibir num teatro do Rio

As impressões do nosso brilhante colega dr. Martinho Botelho 

Nas linhas que se vão ler – resumo de uma palestra que entretivemos com o sr. Boaventura Carvalho, gerente da farmácia sita à rua da Boa Vista, nº 5, de propriedade do dr. Murtinho Nobre, e impressões do distinto jornalista dr. Martinho Botelho – são patentes: naquele, curiosos pormenores da vida inicial do “homem prodígio” como prestidigitador: nestas, mais algumas notas que corroboram várias das asserções emitidas no transcurso desta reportagem. 

O que nos diz o sr. Boaventura Carvalho 

[FIGURA] 

O FARMACÊUTICO BOAVENTURA DE CARVALHO 

Em frente ao prédio nº 5 da rua da Boa Vista, onde o sr. Mirabelli teve agora a sua célebre charutaria, existe uma farmácia pertencente ao sr. dr. Murtinho Nobre. 

O “homem misterioso” lá outrora quase todas as tardes entreter conversa com o digno gerente daquele estabelecimento, sr. Boaventura Carvalho. Não tendo ainda arquitetado bem o seu plano de se fazer passar por “médium” extraordinário, o charuteiro DIZIA-SE SOMENTE UM ILUSIONISTA. 

E como tal, fazia mágicas de espantar os presentes. Sabia todos os jogos de cartas, fazia sortes com lenços, etc. 

Um dia, achava-se o sr. Carvalho com um amigo, o sr. Arthur Ferreira Alves, à porta do Íris Theatro. O sr. Mirabelli chegou-se-lhes e disse:

– Oh! Recebi agora uma COISA EXTRAORDINÁRIA dos Estados Unidos.           

– Que é?

– Este livro, respondeu ele, mostrando um grosso volume.

O sr. Carvalho e o seu companheiro puderam ver então o livro: um VERDADEIRO TRATADO DE MÁGICAS, DE SORTES, etc. Levados por uma natural curiosidade, os dois moços viraram algumas páginas e encontraram logo uma figura, mostrando o modo de fazer certa mágica, com aquela maneira de proceder tão empregada presentemente pelo sr. Mirabelli: GESTOS, OLHAR FIXO, etc.

 

– Algum tempo mais tarde, informou-nos o sr. Carvalho, o sr. Mirabelli já dizia possuir forças maravilhosas. Um dia, por brincadeira, um amigo meu propôs-se a fazer todas as despesas com o sr. Mirabelli para este ir dar espetáculos no Rio, tal a sua habilidade. O sr. Mirabelli mostrou desejos de aceder. Mas, a proposta não passava, como lhe disse, de mera brincadeira do meu amigo…

– De tudo o que o sr. viu o sr. Mirabelli fazer, conclui, sem dúvida, que ele é um prestidigitador?

– Isso mesmo. NÃO TENHO DÚVIDAS. Depois, porém, que a imprensa começou a tratar dos seus fenômenos, nunca mais pude ver o sr. Mirabelli trabalhar. Desejava conhecer as experiências maravilhosas que dizem ter ele feito. O dr. Murtinho Nobre teve também esse desejo: dirigimos um convite ao sr. Mirabelli, mas ele se RECUSOU. 

__ 

Não é preciso encarecer as palavras do sr. Carvalho quanto ao sr. Mirabelli, notadamente no trecho em que ele diz TER VISTO, NAS MÃOS DO SR. MIRABELLI, UM LIVRO DE MÁGICAS, IMPORTADO ESPECIALMENTE DO ESTRANGEIRO PELO “HOMEM MISTERIOSO”. 

É mais uma prova flagrante que trazemos ao nosso inquérito e que demonstrará, mais uma vez, pois que provado já está, e sobejamente, a intrujice do PSEUDO “médium”.  

[FIGURA] 

“Parece incrível que um adventício charlatão e um prestidigitador de feira consiga enganar grande parte da população paulista, a ponto de lhe impingir os seus vulgares “truques” como fenômenos sobrenaturais!

Há muito “arara” neste mundo, à custa dos quais viverão fartamente de Mirabelli, e outros condes de Avanhandava, de saudosa e caricata memória…”

D’“O Malho”, sábado último 

As impressões do brilhante jornalista sr. dr. Martinho Botelho 

[FIGURA] 

DR. MARTINHO BOTELHO 

O nosso prezado colega de imprensa, sr. dr. Martinho Botelho, que assistiu a duas experiências do celebrado intrujão, assim resume as suas impressões sobre os “extraordinários fenômenos”, que, apesar de serem obra de fragilíssimos fios capilares, tanto ruído despertaram; 

A primeira vez que me encontrei, nos salões do “Correio Paulistano”, com o sr. Mirabelli, manifestei ao “admirável médium” a minha absoluta descrença por todas essas histórias do além-túmulo, o que provocou em sua fisionomia, algo desvairada, um olhar surpreso e rancoroso. 

Partindo em viagem, e só me restando uma hora para tomar o trem, esse motivo me impediu de assistir a uma das suas primeiras experiências naquela redação. 

Dias depois, encontro de novo o sr. Mirabelli no “Correio”. Conversava no gabinete do dr. Luiz Silveira com o farmacêutico Malhado, dr. Mello Nogueira e o sr. Francisco Sucupira, diretor do “S. Paulo Imparcial”. Completei o quarteto da palestra interessante, que se fazia em torno da figura nazarena do “grande vidente”. Dez minutos após a minha presença nessa reunião, fui de novo focalizado pelos olhares violentos do “grande médium” que, levantando-se, me pediu algumas palavras em particular, ao que acedi, dirigindo-me para o corredor. 

Perguntei-lhe o que sentia e o que desejava. Respondeu-me que via em torno da minha pessoa qualquer coisa de anormal e que necessitava ficar a sós no grande salão.  

Fechados nessa imensa peça clareada por um vibrante foco elétrico, com as janelas também fechadas pelo “incomparável operador”, assisti, pela primeira vez na minha vida em todos os quatro continentes que tenho andado e longamente vivido, à cena temerosa do “contato com os espíritos”. 

Baseando-se em retalhos da conversação que momentos antes tivéramos, o sr. Mirabelli, encolhendo-se e congelando-se, afirmava ver o espírito que me é caro, provocando, em torno do mesmo, uma gritaria infernal.

Dilatando as pupilas, rolava um olhar torvo e desvairado sobre esse mesmo espírito que dizia ver passear por todo o salão. Insistiu longamente para que eu participasse dessa visão, chamando-me a atenção para determinado ponto onde o espírito se achava, mas, por maior que fosse o meu desejo, nada consegui ver. 

Então, procurando materializar essa “visão invisível”, colocou o operador quatro copos em pirâmide na extremidade de uma mesa, e fazendo novos berreiros, acompanhados de gestos convulsivos, trouxe o “espírito” para cima dos copos, dos quais ele se aproximara com as mãos violentamente abertas, e numa evocação suprema, doida e insistente, conseguiu que os dois primeiros degringolassem ruidosamente, espatifando-se no assoalho do salão.

Continuando as suas experiências, sob o mesmo paroxismo nervoso, o sr. Mirabelli fez sair de um copo um envelope dobrado, que ele introduzira. A seguir, aproximando-se de uma planta decorativa, que se encontrava em pequeno vaso, colocou-a, ainda na beira da grande mesa, e acariciando-a NUMA APROXIMAÇÃO SUSPEITA, fê-la cair no tapete, arrebentando-lhe o pires em que jazia. 

A experiência do lápis também foi tentada pelo sr. Mirabelli, mas toda a concentração com que ele visou o gargalo da garrafa, que tinha no interior o lápis, não conseguiu mais que movimentá-lo ligeiramente.

E assim terminou a experiência que o “grande médium” realizou na minha presença, no salão nobre do “Correio Paulistano”.

Quarenta e oito horas depois, o sr. Antonio Carlos Fonseca, secretário daquela folha, cheio de “fluido mirabellico”, repetiu a mesma experiência feita pelo discutido “professor”, com a maior perícia, clareza e perfeição, conseguindo mesmo, sob uma “concentração enérgica”, fazer sair o lápis da garrafa.  

Dias depois, procurando um amigo no Automóvel Club, o sr. Mirabelli, que lá se exibia diante de um numeroso grupo de sócios, insistiu (contra a minha manifesta disposição) em realizar uma experiência na minha presença e na de um sócio do clube, o sr. J. B. de Souza Queiroz. 

Durante meia hora, estivemos a sós, em uma sala, e tudo o que conseguiu o operador foi fazer cair duas xícaras vazias, colocadas na extremidade de um papelão, o qual, por sua vez, se apoiava muitíssimo precariamente sobre a extremidade do gargalo de uma garrafa. 

Após muitas invocações, ruidosamente feitas, “apareceu o espírito” que, na forma de costume, foi conduzido pelo médium sobre os objetos acumulados, e, sobre a pressão dos seus passes, desmoronou toda a “caranguejola”, com o obrigatório prejuízo da louça quebrada. 

Momentos depois, declarei, lealmente, ao sr. Mirabelli, na presença de muitos sócios do Automóvel Club, que todas essas experiências, que ele realizava, os meus colegas do “Correio Paulistano” as repetiam diariamente, mostrando a todos o “truque” operatório. 

O sr. J. B. de Souza Queiroz, que foi o único cavalheiro que assistiu à experiência que na minha presença realizara o sr. Mirabelli no Automóvel Club, foi especialmente à redação do “Correio” e assistiu, uma hora depois da sessão do sr. Mirabelli, aos mesmos fenômenos, supostos sobrenaturais, e que foram pelos jornalistas reproduzidos com a mesma fidelidade.” 

– Diante disso – perguntamos ao dr. Martinho Botelho – o dr. chegou naturalmente à conclusão de que o sr. Mirabelli…

– … é um PRESTIDIGITADOR de rara habilidade – concluiu o nosso distinto colega.  

Para amanhã:

Uma incontestável prova dos “truques” de Mirabelli

O que nos conta um conhecido e ilustrado médico

UMA NOITE DE AZAR PARA O FALSO MÉDIUM

INSUCESSOS SOBRE INSUCESSOS

O distinto cientista percebe o fio de cabelo

Fala-nos o nosso prezado colega sr. Nestor Pestana, redator-secretário do “Estado de S. Paulo”

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