JUNG E AS EXPERIÊNCIAS MEDIÚNICAS (2011)

O surgimento da psicologia científica, por volta da segunda metade do século XIX, esteve fortemente ligado ao estudo de experiências alegadamente paranormais, sobretudo experiências mediúnicas. O estudo da mediunidade e da crença numa vida após a morte teria contribuído de modo relevante para o desenvolvimento de certos conceitos e teorias psicológicas, como os conceitos de dissociação, estados alterados de consciência, complexos psíquicos, personalidades secundárias, enfrentamento do luto etc. Dentre os pesquisadores pioneiros da mediunidade estavam alguns dos grandes nomes da psiquiatria e da psicologia, como Carl Gustav Jung. A investigação das experiências mediúnicas parece ter contribuído significativamente na elaboração de parte da estrutura teórica e de pensamento de Jung. Suas pesquisas sobre a mediunidade, por sua vez, constituem uma importante contribuição para a elucidação psicológica do tema. O presente artigo revisa brevemente algumas das ideias de Jung acerca das experiências mediúnicas e explora as implicações de tais estudos para o campo da psicologia analítica e da psicologia, de um modo geral.

Palavras-chave: psicologia analítica, experiências mediúnicas, crença na vida após a morte, história da psicologia.

JUNG E AS EXPERIÊNCIAS MEDIÚNICAS

Everton de Oliveira Maraldi

Introdução 

O surgimento da psicologia científica, por volta da segunda metade do século XIX, esteve fortemente ligado ao estudo de experiências alegadamente paranormais, sobretudo, experiências mediúnicas (Alvarado; Machado; Zingrone; Zangari, 2007; Maraldi; Machado; Zangari 2010). Trata-se, no entanto, de um dado raramente mencionado durante a graduação de um psicólogo, ou mesmo jamais concebido com seriedade por alguns profissionais da área. Parece haver pouco interesse ou esforço de muitos profissionais clínicos em considerar a possibilidade de uma investigação objetiva dessas experiências; desse modo, acabam simplesmente por reduzi-las a explicações ad hoc, muito mais sustentadas em suas predileções teóricas do que em pesquisas empíricas efetivas (Shimabucuro, 2010). Não obstante, observamos um enorme contraste de perspectivas quando nos voltamos para os autores pioneiros da psicologia. Para vários ‘pais fundadores’, o estudo da mediunidade e de outras alegações paranormais poderia descortinar uma importante faceta do psiquismo humano. Na busca por respostas para essas alegações, tais pensadores desenvolveram ideias que viriam a desempenhar um papel relevante em seus próprios modelos teóricos (Maraldi, 2011). Disso resulta um estranho paradoxo: embora não saibamos, parte dos conceitos tradicionais que fundamentam nossa prática como psicólogos e profissionais de saúde encontra suas raízes mais profundas em fenômenos atualmente considerados ‘obscuros’ e inapropriados à pesquisa psicológica…

Somos da opinião de que tais preconceitos são, até certo ponto, descabidos, uma vez que tenhamos permanecido fiéis a uma análise crítica e rigorosa das alegações paranormais. E nisso não estamos sozinhos, pois os pioneiros de nossa área que corajosamente contribuíram para a elucidação científica desse tema já haviam aberto um caminho. Poucos entre eles foram os que acreditaram estar em condições de atestar o caráter metafísico dessas alegações; porém, ao longo de suas pesquisas, acabaram por descobrir coisas importantes sobre a mente humana, as quais teriam permanecido irrelevantes, caso não recebessem a devida atenção. Dentre os pesquisadores pioneiros da mediunidade estavam grandes nomes da psiquiatria, como Cesare Lombroso, Pierre Janet, Frederic Myers, William James, Théodore Flournoy e Carl Jung. Quanto a este último, o estudo das experiências mediúnicas parece ter contribuído de modo significativo na elaboração de parte de sua estrutura teórica e de pensamento. Suas pesquisas sobre a mediunidade, por sua vez, constituem uma importante contribuição para a elucidação psicológica do tema. É o que objetivamos demonstrar brevemente ao longo deste artigo.

Para os propósitos específicos de nosso trabalho, a experiência da mediunidade pode ser definida, basicamente, como a suposta comunicação (ou ação) de um pretendido agente espiritual pela intermediação de um indivíduo comumente designado médium. A definição esposada não se propõe a delimitar as origens da mediunidade, mas simplesmente representá-la mais amplamente para as pessoas que afirmam vivenciá-la ou que nela creem.

Apesar de a mediunidade ter recebido uma abordagem científica apenas entre o final do século XIX e o início do século XX, ganhando notoriedade e enorme interesse público na Europa e nos Estados Unidos, graças à expansão do movimento espiritualista, ela foi precedida por uma tradição de comunicação com os mortos que remonta à Antiguidade, e pode ser vista em obras milenares como oLivro dos Mortos do Antigo Egito e o Livro Tibetano dos Mortos. Posteriormente, a base para as formas modernas de expressão da mediunidade seria complementada por uma variedade de estados de transe, visões e outros fenômenos provenientes tanto dos meios religiosos quanto de diversas crenças populares (Alvarado, 2005). Para Almeida (2004), as vivências mediúnicas e os relatos de comunicações paranormais estariam nas raízes greco-romanas, judaicas e cristãs da sociedade ocidental, como na figura das pitonisas gregas e no daimon de Sócrates, ou em diversas passagens bíblicas em que se relata o recebimento de mensagens dos anjos ou de profetas.

Em 1882, em Londres, fundou-se a chamada Society for Psychical Research, primeira instituição científica voltada ao estudo dessas alegações, da qual Jung chegou a participar. Constituída, inicialmente, por um grupo de intelectuais formados pela Universidade de Cambridge, essa sociedade veio a agregar posicionamentos e perspectivas diversas sobre a mediunidade, indo desde aqueles pensadores que efetivamente acreditavam na vida após a morte, passando por aqueles que, cientes da complexidade que o tema envolvia, preferiam aguardar a emergência de um maior número de dados para formular seu próprio julgamento, até aqueles que, por fim, permaneciam ceticamente refratários quanto à chamada “hipótese da sobrevivência após a morte” (Braude, 2003; Gauld, 1982/1995; Zangari; Maraldi, 2009).

A partir das duas primeiras décadas do século XX, o estudo da mediunidade foi diminuindo paulatinamente. Tais investigações mantiveram ainda um relativo interesse científico nos anos posteriores à Primeira Guerra Mundial, em decorrência da grande tensão social e emocional dela resultante. Investigações significativas só foram retomadas mais recentemente, no contexto das pesquisas sobre a natureza da consciência e da relação entre mente e corpo _ conferir Maraldi (2011) para uma revisão da literatura. Mas a verdade é que os estudos atuais – escassos – continuam a lidar praticamente com os mesmos problemas enfrentados pelos investigadores pioneiros, tendo avançado muito pouco. Há, no entanto, um consenso de que o estudo da mediunidade teria contribuído de modo relevante para o desenvolvimento de certos conceitos e teorias psicológicas, como os conceitos de dissociação, estados alterados de consciência, complexos psíquicos, personalidades secundárias etc. (Almeida; Lotufo Neto, 2004; Alvarado; Machado; Zingrone; Zangari, 2007; Maraldi, 2011). 

Heléne Preiswerk e os fenômenos ocultos 

O psicólogo suíço Théodore Flournoy, importante estudioso da mediunidade, teve significativa influência na vida e na obra de Carl Jung (1875-1961). Se a admiração pelo trabalho de Freud veio após a leitura de a Interpretação dos Sonhos (1900), o interesse pelas idéias de Flournoy emergiu, no mesmo ano, com a leitura de sua célebre obra Da Índia ao Planeta Marte, que tratava de estudos realizados pelo autor com a famosa médium Hélène Smith (Flournoy, 1900/2008). Tanto Freud quanto Flournoy são citados por Jung em sua tese de doutorado, Sobre a Psicologia e Patologia dos Fenômenos Chamados Ocultos (1902), trabalho em que descreve o estudo de caso de uma médium, sua prima. Mas a contribuição de Flournoy estendeu-se além do campo teórico e intelectual em que Jung iniciou sua carreira médica. A amizade com Flournoy teve início quando Jung ainda era integrante do movimento psicanalítico. Flournoy o teria apoiado em sua ruptura com Freud, servindo-lhe como “amigo paternal”: “Com ele, eu poderia realmente discutir todos os problemas científicos que me ocupavam – por exemplo, o sonambulismo, a parapsicologia e a psicologia da religião” (Jung, 1961/1994, p. ix).

A influência de outros autores, igualmente interessados na mediunidade, também se fez presente na tese de Jung, como Janet, James e Myers. De acordo com Taylor (1998) e com Shamdasani (1998, 2000), ao contrário da versão comumente encontrada em livros introdutórios de psicologia, o papel de Freud teria sido inicialmente muito menor nas ideias de Jung do que se supõe em geral. Foram, sobretudo, os autores de língua francesa e os anglo-americanos que mais forneceram, num primeiro momento, importantes subsídios teóricos ao sistema de psicologia que Jung estabeleceria anos mais tarde. Seu trabalho estava, em grande parte, em continuidade com a psicologia subliminal e a pesquisa psíquica realizada nesses países.

Em sua tese de doutorado, já mencionada, Jung relata seus estudos com uma prima de 15 anos de idade – Heléne Preiswerk, nomeada apenas como S. W. – que se dizia médium, mas a qual o autor concluiu se tratar, por fim, de uma histérica, em que se podiam observar várias ocorrências de sonambulismo. A perspectiva de Jung foi predominantemente patológica, seguindo os moldes da psiquiatria reinante. Ele chegou a reconhecer na mediunidade de sua prima, porém, certas expressões de genialidade, da “psicologia do supranormal”, que não condiziam com sua idade e com o conhecimento adquirido por ela, denotando a complexidade envolvida no estudo desses fenômenos(Jung, 1902/1993, p 15).

Jung (1902/1993) considerará o caso de sonambulismo de sua prima como sendo de carga hereditária. Várias pessoas em sua família já haviam apresentado quadros patológicos semelhantes, mais ou menos graves. Muitas dessas pessoas tinham alucinações quando acordadas e relatavam diversas experiências paranormais, algo que frequentemente ocorria com a médium. Uma de suas irmãs dizia-se visionária e já havia sido diagnosticada como histérica.

Jung (1902/1993) descrevia S. W. como uma pessoa de inteligência mediana e de interesses limitados. Na escola, costumava apresentar muitos erros de leitura. Sua família pouco valorizava os estudos, e sua educação era deficiente. Considerava-se deprimida e infeliz, e seus pais pouco participavam de sua vida, atarefados com outras atividades. Seus conhecimentos literários eram reduzidos, e, apesar de seu envolvimento posterior com o ocultismo, ela desconhecia boa parte dos livros a respeito, por viver em uma família protestante em que não se toleravam obras de cunho místico. Seu envolvimento com a mediunidade deu-se, inicialmente, como parte de uma brincadeira com ‘mesas falantes’ na qual teria descoberto ser uma excelente ‘médium’. Jung relata algumas das manifestações observadas nas sessões vistas por ele: 

Em inícios de agosto de 1899, verificaram-se, na minha presença, os primeiros ataques de sonambulismo. Na maior parte das vezes, transcorriam desta maneira: a senhorita S.W., muito pálida, desabava lentamente para o chão ou sobre uma cadeira, fechava os olhos, tornava-se cataléptica, respirava profundamente algumas vezes e começava então a falar. (…) Não reagia ao ser chamada pelo nome. Em suas conversas sonambúlicas copiava de modo perfeito parentes e conhecidos falecidos, a ponto de impressionar até mesmo pessoas não influenciáveis. Copiava também pessoas das quais só tinha conhecimento por ouvir falar e o fazia tão bem que qualquer espectador devia confessar no mínimo que se tratava de excelente atriz. (…) Assumia uma postura de oração e êxtase, tinha um olhar faiscante e falava com retórica apaixonada e arrebatadora. Nessas ocasiões só usava o alemão clássico que falava com perfeita segurança e naturalidade, em absoluto contraste com sua maneira insegura e atrapalhada quando em estado de vigília. (…) Ao final do êxtase sobrevinha ainda um estado cataléptico com flexibitas cerea (flexibilidade de cera) que, aos poucos, ia levando a paciente a acordar. (Jung, 1902/1993, p. 31) 

A médium apresentava ainda muitos outros automatismos e experiências anômalas. Durante certos lapsos, dizia ter visões ou ‘sair do corpo’ guiada por espíritos. Ficava cansada após esses estados, mas raramente tinha visões assustadoras; relatava seus transes como extremamente agradáveis. Enquanto sua vida cotidiana permanecia envolta por dificuldades, em sua vida mediúnica ela obtinha o melhor de si: “Este estado estava em franca oposição ao seu estado quando acordada: não se encontrava nele qualquer vestígio daquele ser inseguro e desarmônico (…) de seu comportamento usual” (Jung, 1902/1993, p. 36). Em seus estados sonambúlicos, mantinha um caráter bem mais sério e calmo, e seus parentes não conseguiam entender tal transformação: “A senhorita S. W. levou uma vida singular e contraditória (…) verdadeira ‘vida dupla’ com duas personalidades vivendo lado a lado ou sucessivamente” (Jung, 1902/1993, p. 36).

O que mais impressionava Jung (1902/1993) era o fato de a médium exercer atividades para as quais dava uma interpretação paranormal semelhante à de outros espiritualistas e ocultistas, sem ter um bom conhecimento da literatura a respeito. Após os estados sonambúlicos, ela aprendeu a efetuar nela rituais semelhantes ao do passe magnético. Certa vez, desenvolveu espontaneamente todo um completo sistema místico sobre as forças que regulam o universo. Parte dessas ideias Jung descobriu ser o resultado de criptomnésia – conversas que a médium teria ouvido durante seus estados de transe, mas das quais não participou efetivamente, bem como outras fontes de informações. Mas ele também pôde encontrar interessantes paralelos entre o sistema místico espontâneo criado pela prima e vários sistemas antigos de ocultismo, constatação que fez parte, tempos depois, de sua hipótese acerca do inconsciente coletivo.

Para explicar o caso, Jung (1902/1993) recorreu às noções de Janet (desagregação), Flournoy (função de compensação do inconsciente), e Freud (o papel da sexualidade no desenvolvimento das manifestações). Primeiramente, Jung fará uma classificação dos sintomas e defenderá o diagnóstico de histeria. Com base em Janet, considerará as personalidades secundárias de sua prima como dramatizações histéricas da cisão de seu ego onírico. Seguindo Flournoy, ele verá no estado sonambúlico da médium uma continuação do eu acordado, mas no sentido de uma compensação, em que os transes teriam se tornado receptáculos para os ideais de virtude e perfeição da jovem – ela parecia cumprir, em transe, um papel que não correspondia àquilo que era em seu dia a dia, agradando com isso a si mesma e a seus familiares, impressionados com as manifestações. Denotava um lado mais adulto, como que pressagiando futuros desenvolvimentos, em contraste com seu caráter vigente. Também obtinha nesses estados uma paz e uma tranquilidade que não encontrava em sua vida cotidiana. Por último, Jung admitirá uma etiologia sexual para o caso, tomando como referência a teoria pioneira de Freud de A Interpretação dos Sonhos:

Os romances da paciente lançam muita luz sobre as raízes subjetivas de seus sonhos. Neles há profusão de casos amorosos abertos e secretos, de nascimentos ilegítimos e outras insinuações sexuais. (…) Mas sua teoria da reencarnação, na qual aparece como a mãe ancestral de incontáveis milênios, brota, em sua ingênua nudez, de uma fantasia exuberante, o que é bem característico da época da puberdade. (…) Não estaremos equivocados se procurarmos na sexualidade emergente a principal causa desse quadro clínico peculiar. Visto sob este ângulo,todo o ser de Ivenes [entidade que se manifestava pela médium] (…) nada mais é que do que um sonho de realização de desejos sexuais que se distingue do sonho de uma noite pelo fato de prolongar-se por meses e anos. (Jung,1902/1993, p. 79, grifo do autor) 

Tempos depois, os transes de S. W foram se deteriorando e perdendo a espontaneidade corriqueira. Com isso, ela passou a utilizar trapaças para convencer a todos de que ainda era capaz de realizar os fenômenos que alegava. Viria mais tarde a abandonar sua carreira mediúnica, tornando-se pessoa “(…) aplicada e responsável (…) mais quieta, comedida e simpática” (Jung, 1902/1993, p. 53). 

Espíritos, complexos e arquétipos 

O estudo de caso com sua prima suscitou importantes reflexões, mas uma noção mais completa da mediunidade e das crenças espiritualistas só surgiria anos mais tarde. Jung (1905/2000, p. 291) via no espiritismo uma: “(…) peculiar dupla natureza – por um lado seita religiosa, por outro lado hipótese científica – faz com que o espiritismo atinja as esferas mais diversas e aparentemente mais distantes da vida”. Afirmou que os(as) médiuns devem ser abordados(as) “com um mínimo de expectativas, se não se quiser ficar desapontado” (Jung, 1905/2000, p. 296) e argumentou que a mediunidade é um fenômeno pertencente “ao campo dos processos mentais, dos processos cerebrais, e é explicável pelas leis já conhecidas da ciência” (Jung, 1905/2000, p. 296).

Uma importante contribuição ao problema da mediunidade veio com sua investigação sobre os complexos ideo-afetivos. Jung (1935/1985) acreditava que conteúdos reprimidos da consciência, bem como certos potenciais latentes insuficientemente explorados, poderiam aglomerar-se no inconsciente para formar verdadeiros amontoados de ideias e de afetos relacionados entre si, aos quais ele deu o nome de complexos. Esse fenômeno se dá, na visão de Jung, porque o ego, centro da consciência, tende a selecionar os estímulos que mais lhe agradam, reprimindo ou projetando aqueles conteúdos que não se ajustam à sua visão de mundo. Esse processo é influenciado por diversos fatores, incluindo o contexto familiar e a cultura na qual o indivíduo nasceu. A ‘personalidade’ consciente resulta, portanto, de um processo unilateral, expressão da própria natureza seletiva da consciência. Os conteúdos rejeitados, por sua vez, formarão os núcleos com base nos quais se originarão complexos ideo-afetivosinconscientes. Por serem dotados de energia própria, os complexos detêm certa autonomia frente à consciência e tendem a invadi-la, irrompendo sob a forma de atos falhos, sintomas, mudanças bruscas de humor etc. – fenômenos que já haviam sido estudados por Freud. Com o tempo, caso não sejam de algum modo integrados à consciência, os complexos, movidos por uma tendência à personificação, acabam por originar verdadeiras personalidades secundárias, por vezes, opostas aos valores conscientes. Quanto mais a importância desses conteúdos for subestimada pelo ego, maiores serão suas tentativas de invasão e irrupção na consciência. É assim que Jung explicava alguns dos fenômenos de mediunidade, possessão e personalidades múltiplas.

Com sua teoria dos arquétipos foi possível iluminar ainda mais uma explicação da mediunidade. Jung (1920/2004) considerava a crença nos espíritos dos mortos o resultado de uma apreensão intuitiva – e consequente projeção no meio externo – de aspectos da personalidade ainda não totalmente desenvolvidos pela consciência, os quais se manifestariam nos sonhos e nas visões imaginativas como almas desencarnadas e seres sobrenaturais, caracterizando assim uma função arquetípica e universal. As crenças a respeito de espíritos, anjos, demônios e outras entidades sobrenaturais representariam uma personificação das forças dinâmicas do inconsciente vistas como criaturas ou seres sobre-humanos, de modo semelhante aos deuses da Antiguidade. A ideia de uma realidade post-mortem, na concepção junguiana, proviria justamente da compreensão de que existem certos aspectos da psique que fogem inteira ou parcialmente ao controle da consciência, denotando outro sistema de funcionamento – o inconsciente – encarado popularmente como um ‘outro mundo’, distinto daquele percebido pelo ego: 

A imortalidade pessoal, que a intuição religiosa costuma atribuir à alma, só pode ser reconhecida pela ciência como um indício psicológico, compreendido no conceito de função autônoma (…) ‘imortalidade’ significa apenas uma atividade psíquica que ultrapassa os limites da consciência. O “além-túmulo” ou “depois da morte” significam psicologicamente o “além da consciência”. (Jung, 1920/2004, p. 67) 

Jung (1928/2002, p. 62) inclusive acreditava, a esse respeito, que a noção de Deus seria, de certo modo, uma evolução do conceito de fantasma, hipótese que ele explorará em sua obra A Energia Psíquica: 

O conceito filosófico de espírito ainda não foi capaz de libertar o termo linguístico que o expressa das cadeias superpoderosas da sua identidade com a outra noção de espírito que é o ‘fantasma’. A visão religiosa, por outro lado, conseguiu superar a associação linguística com os espíritos, denominando a autoridade espiritual suprema de Deus. No decorrer dos séculos esta concepção se desenvolveu como formulação daquele princípio espiritual que se opõe, inibitivamente, à mera instintividade. 

Jung (1919/2009) também enfatizou a questão do luto como importante para a formação da crença nos espíritos. Segundo ele, os sentimentos e emoções associados à pessoa falecida tendem a retornar ao inconsciente, despertando sonhos, alucinações e outras manifestações psíquicas, as quais geram a impressão de o indivíduo continuar existindo. A manutenção cultural do culto aos mortos e aos antepassados teria como objetivo apaziguar tais forças inconscientes. 

Remetendo a certas diferenças psicológicas entre os ocidentais e os orientais, Jung (1920/2004) afirmou que é justamente a tendência extrovertida dos ocidentais o que ocasiona, na vida psíquica, a constelação de uma figura interior imortal e espiritual, de forma compensatória à supervalorização do objeto externo e material. Tal figura se distinguiria mais ou menos do eu, em função de suas qualidades femininas: a anima. O conceito religioso da alma seria desse modo uma personificação e projeção da “imagem coletiva da mulher no inconsciente do homem” (Jung, 1920/2004, p. 66). Curiosamente, muitas das pessoas que se dedicam à mediunidade são mulheres (Maraldi, 2011), o que novamente sugere o papel do elemento feminino como mediador entre a consciência e o inconsciente, este e o “outro mundo”.

Embora Jung se negasse a avaliar as questões místicas e religiosas de uma perspectiva metafísica, limitando-se a considerá-las em seu aspecto estritamente psicológico, ele acreditava que as religiões desempenham um papel crucial na vida das pessoas e na sua capacidade de lidar com a questão da morte. Com base na crença em uma vida post-mortem, alguns indivíduos “vivem mais razoavelmente, comportam-se melhor e vivem mais tranquilos” (Jung; Jaffé, 1963/1978, p. 261). Chegou a defender a ideia de que as religiões são como sistemas psicoterapêuticos ‘naturais’ à disposição do ser humano, que facilitam as relações entre o ego e o Self e contribuem para o desenvolvimento da personalidade, ao converterem a energia instintiva para atividades psicológicas específicas. “A religião é o sistema mais elaborado por trás do qual se esconde uma grande verdade prática” (Jung, 1935/1985, p. 151).

Com base nessas premissas, Jung reformulará parte de sua tese inicial sobre a mediunidade. Neste segundo momento, a mediunidade adquirirá uma perspectiva terapêutica. Para ele, os espíritos, como personificações das forças inconscientes que agem sobre o ego, estariam muitas vezes a serviço do desenvolvimento da consciência humana e de sua unificação com o inconsciente. Sob esse aspecto, o espiritismo terá para ele uma função compensatória frente ao extremismo materialista que imperava no final do século XIX. Assim, as manifestações mediúnicas passaram a ser vistas como reações salutares do inconsciente à unilateralidade do ego. “Este esforço pode ser comparado ao da psicoterapia moderna. Também ela procura compensar a unilateralidade, estreiteza e limitação da consciência” (Jung, 1948/2000, p. 314).

Sua nova postura permitirá inclusive uma releitura do caso de sua prima. As alterações de personalidade da jovem, durante o transe, em que ela passava de um estado rotineiro, mais confuso, para um estado sério e compenetrado, poderiam ser vistas agora como tentativas do inconsciente de promover o amadurecimento e desenvolvimento da consciência de S. W. Ao atingir esse último estado num nível consciente, teve suas manifestações mediúnicas cessadas. A mediunidade é vista, então, sob a luz do processo de individuação. 

Considerações finais 

Quando estudante de medicina, Jung já apreciava o estudo da pesquisa psíquica (futura parapsicologia) e se mostrava favorável a essas pesquisas (Nagy, 2003). Em suas obras posteriores, ele defendeu uma perspectiva prioritariamente psicológica do paranormal, mas não reservou a mesma explicação para algumas de suas experiências pessoais. No livro Memórias, Sonhos e Reflexões (Jung; Jaffé, 1963/1978) são narrados de forma convincente seus incidentes de natureza paranormal e suas especulações em torno da vida após a morte e da reencarnação. Em 1916, ele havia redigido um manuscrito de origem aparentemente mediúnica, intitulado Sete Sermões aos Mortos. E em uma de suas famosas conferências, chegou a afirmar que: “(…) a realidade aí está, e tais fenômenos são comprovados. Sonhos premonitórios, comunicações telepáticas etc. são propriedades da intuição” (Jung, 1935/1985, p. 11). Jung estava consciente, não obstante, dos desafios empíricos e teóricos que caracterizam o estudo das alegações paranormais e dos fenômenos sincronísticos (Jung, 1953/2004). Criticou aqueles que elevam tudo “a ideias transcendentais”, considerando este modo de pensar “tão negativo quanto o pensar materialista” (Jung, 1949/1991, p. 337). Advertiu, ainda, que: “a ciência não pode dar-se ao luxo da ingenuidade em tais assuntos” (Jung, 1919/2009, p. 259).

Esperamos ter mostrado, ao longo deste trabalho, a significativa interconexão existente entre certos conceitos desenvolvidos por Jung e o estudo científico das experiências mediúnicas. Embora muitos dos conceitos explorados não sejam plenamente redutíveis a esse campo de investigações, não se pode negar, por outro lado, uma forte correlação. Como pensador da alma humana em sua totalidade e complexidade, Jung jamais tomaria a mediunidade como objeto exclusivo de análise. Todavia, tais fenômenos parecem ter exercido uma função inspiradora na criação de muitas de suas ideias, tendo os resultados dessas investigações sido ampliados para outros campos do conhecimento psicológico, ou aplicados posteriormente ao estudo dessas experiências, numa relação de feedback. De fato, a análise de sua tese mostra-nos como alguns dos principais conceitos posteriores da teoria junguiana já se encontravam lá sob forma potencial: o caráter prospectivo e teleológico das experiências de sua prima (individuação); a relativa autonomia dos conteúdos inconscientes, e a mistura, em suas manifestações, tanto de elementos recalcados quanto de conteúdos novos; as semelhanças observadas entre seus sistemas místicos espontâneos e outros sistemas arcaicos (inconsciente coletivo) etc. As menções feitas por Jung, em obras posteriores, a várias manifestações espíritas, também reiteram seu interesse pelo tema e a tentativa de aplicar suas hipóteses (como o conceito de anima e de energia psíquica) à compreensão dessas experiências. Na verdade, tal interesse poderia ser ainda mais alargado se considerássemos a influência, em sua formação, de grandes obras mediúnicas e espiritualistas, como era o caso de Justinus Kerner e a vidente de Prevorst; o ensaio de Immanuel Kant sobre uma vidente de espíritos; as visões do médium e místico Emmanuel Swendenborg; o já citado livro de Flournoy; bem como vasta literatura sobre fenômenos espíritas, incluindo textos do físico William Crookes e outros importantes autores da parapsicologia, como Joseph Banks Rhine. Tais referências influenciaram a compreensão de Jung sobre a natureza do psiquismo, incluindo sua noção da mente como dividida em complexos (exemplificados pelas manifestações de espíritos); a tendência personificadora dos conteúdos psíquicos (presente também nos sonhos e na imaginação ativa) e o presumido caráter atemporal e não espacial de determinados processos psíquicos (como na sincronicidade). Vemos assim que, longe de representar mera nota de rodapé, o campo da pesquisa psíquica e da parapsicologia constituiu-se como uma das principais contribuições ao trabalho de Jung.

Em resposta à crítica equivocada de muitos quanto a uma predileção tendenciosa pelo ‘ocultismo’, Jung apontara para os riscos da ‘superstição’ inconsciente e suas reações compensatórias, e para o erro do homem contemporâneo em se vangloriar de suas ‘luzes’, enterrando o passado: “A fobia da superstição (…) é responsável pela eliminação de relatos de fatos extremamente interessantes que, deste modo, se perdem para a ciência” (Jung, 1919/2009, p. 257). Desejamos que o exemplo de Jung e de tantos outros pensadores pioneiros da psicologia nos leve a considerar com outros olhos a contribuição de tais assuntos frequentemente relegados como obscuros e infrutíferos. Compartilhamos, assim, da mesma fala de James Hillman (1984, p. 112), ao externar sua indignação com a atitude estreita e unilateral de negação apriorística dessas pesquisas: 

Eu questiono a razão de tantas coisas desconcertantes e vitais para a psicologia serem colocadas fora de sua salvaguarda e descritas na linguagem da psicopatologia e da parapsicologia. (…) Porque a psicopatologia caracteriza toda a psicologia, o seu modo de considerar aquilo que é ao mesmo tempo o mais difícil de compreender e o mais desagradável de viver. 

Referências bibliográficas 

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_________. (1949). Tipos psicológicos. Tradução Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 1991 (Obras Completas de Carl Gustav Jung, v. 6).

_________. (1953). Sincronicidade. Tradução padre Dom Mateus Ramalho Rocha. Petrópolis: Vozes, 2004. (Obras Completas de Carl Gustav Jung, v. 8/3).

_________. (1961). Théodore Flournoy. In: Flournoy, T. (1900). From India to the Planet Mars: a case of multiple personality with imaginary languages. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1994.

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Maraldi, E. O. (2011). Metamorfoses do espírito: usos e sentidos das crenças e experiências paranormais na construção da identidade de médiuns espíritas. Dissertação (Mestrado). Instituto de Psicologia: Universidade de São Paulo, 454f.

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Nagy, M. (2003). Questões filosóficas na psicologia de Carl Jung. Tradução Ana Mazur Spira.Petrópolis: Vozes.

Shamdasani, S. (1994). Encountering Hélène: Théodore Flournoy and the Genesis of Subliminal Psychology. In: Flournoy, T. (1900). From India to the Planet Mars: a case of multiple personality with imaginary languages. Princeton: Princeton University Press, p. xi-xii.

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Zangari, W; Maraldi, E. O. (2009). Psicologia da mediunidade: do intrapsíquico ao psicossocial.Boletim da Academia Paulista de Psicologia, v. 77, n. 2. 

Referência original: Junguiana: Revista Latino-Americana da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 29 (1), 2011, p. 39-49. 

24 respostas a “JUNG E AS EXPERIÊNCIAS MEDIÚNICAS (2011)”

  1. Marciano Diz:

    Para melhor compreendermos Jung, reputo necessários alguns fatos sobre sua biografia e sua personalidade.
    .
    Jung nasceu em 1875, na Suíça. Religiosa, sua família influenciou bastante na psicologia que seria desenvolvida pelo psicólogo, e também levando Carl a procurar leituras sobre filosofia e religião desde cedo.
    Filho de um pastor protestante, Carl Gustav Jung, ainda pequeno, mudou-se para a cidade da Basiléia, na época um dos maiores centros de cultura da Europa.
    .
    Sua mãe sofria de distúrbios emocionais, exibindo um comportamento excêntrico, passando em um instante de uma esposa feliz para uma mulher endemoniada e incoerente, falando coisas sem nenhum sentido. Um biógrafo chegou a comentar que “todo o lado da família materna parecia apresentar traços de insanidade” (Ellenberger, 1978. p. 149). Jung aprendeu desde cedo a não confiar nem acreditar nos pais, por analogia, a desconfiar do resto do mundo. Saía do universo consciente da razão para mergulhar no dos seus sonhos, visões e fantasias, ou seja, no seu inconsciente. Esse tipo de fuga dirigiu a sua infância, e assim seguiu até a vida adulta.
    .
    Nos momentos difíceis, Jung resolvia os problemas e tomava decisões baseado no que o inconsciente lhe dizia por meio dos sonhos. Quando estava para ingressar na universidade, um sonho revelou-lhe a carreira que seguiria. Ele se viu desenterrando ossadas de animais pré-históricos em um local bem abaixo da superfície terrestre. Interpretou como sendo um sinal de que ele devia estudar algo relacionado à natureza e à ciência. Uma lembrança que teve dos três anos de idade, quando sonhou estar em uma caverna subterrânea, previa seu futuro como estudioso da personalidade. Jung viria a dedicar-se ao estudo das forças inconscientes enterradas bem abaixo da superfície da mente.

  2. Marciano Diz:

    Entrou na universidade de Medicina e já nesse tempo começou a se interessar pelos fenômenos psíquicos. Foi em 1900 que Jung passou a ser interno na Clínica Psiquiátrica Bugholzli, localizada em Zurique. O diretor do hospital era Eugen Bleuler, um psiquiatra famoso por seu trabalho sobre a esquizofrenia. Em 1905, Jung foi indicado para ser o professor de psiquiatria na Universidade de Zurich, mas demitiu-se vários anos depois para dedicar-se a escrever, pesquisar e atender pacientes particulares.
    .
    Às vezes ele realizava as sessões de terapia a bordo do seu barco a vela, aproveitando o vento forte do lago, velejando feliz. Algumas vezes chegava até a cantar para seus pacientes. No entanto, outras vezes, chegava a ser deliberadamente rude. Nessas ocasiões, quando um paciente chegava para a consulta, Jung dizia: “Ah, não! Não aguento ver mais ninguém. Vá para casa e cure-se sozinho, hoje” (apud Brome, 1981, p. 185).
    .
    Quatro anos depois, já tinha montado um laboratório experimental, onde surgiu o seu famoso teste para o diagnóstico psiquiátrico de associação de palavras, reestruturado e usado por inúmeros profissionais.
    .
    A partir daí, Jung foi criando uma boa reputação no meio, exemplo disso foi o convite para a cátedra de professor de psiquiatria na Universidade de Zurique, em 1905.
    .
    E é exatamente nessa época que se inicia o contato entre Jung e Freud. Ambos dividiam idéias e objetivos, de tal forma que se tornou inevitável a aproximação e relação de colaboração que os dois passaram a estabelecer.
    .
    Porém, a colaboração dos dois chegou ao fim, com Jung de um lado, sem aceitar potente influência que Freud atribuía aos traumas sexuais e Freud, por outro lado, sem admitir os fenômenos espirituais – usados por Jung – como fontes de estudo.
    .
    E assim cada um seguiu seu caminho. Jung destacou-se no uso das técnicas de estudos de desenhos e sonhos, ou seja, o estudo do inconsciente humano.
    Aos 38 anos, Jung fora acometido de problemas emocionais profundos que persistiram por três anos; Freud passara por um período de turbulência semelhante mais ou menos na mesma etapa da vida. Acreditando que estava ficando louco, Jung sentia-se incapaz de realizar qualquer tipo de trabalho intelectual ou até mesmo ler um livro científico. Pensou em suicídio e mantinha uma arma ao lado da cama “caso sentisse que havia chegado ao ponto sem retorno” (Noll, 1994, p. 207).
    O interesse por mitologia o incentivou a realizar expedições de campo na África, na década de 1920, para estudar os processos cognitivos do indivíduo pré-alfabetizado.

  3. Antonio G. - POA Diz:

    Marciano,
    Senti uma sutil maldade… Você, por acaso, está querendo pintar o cara como um doido? rsrsrs
    Ah! E se é para “esculhambar”, você esqueceu de mencionar o flerte dele com o nazismo e o anti-semitismo…

  4. Antonio G. - POA Diz:

    Agora, o cara era genial, mesmo que fosse maluco.

  5. Marcos Diz:

    Marciano, o que é loucura pra você? Se Jung era “maluco” isso, de alguma forma, desmerece a sua genialidade e estudos? Você sabia que lucidez não é o oposto de insanidade? É possível ter lucidez e mesmo assim ser “louco”. Não sei se vc já ouviu falar de um documentário nacional, chamado Estamira. Assista e ficará surpreso.
    .
    Quando aos trabalhos de Jung, a única coisa que não aceito é o seu vínculo com a astrologia. Quando soube que Jung apoiava a astrologia, fiquei realmente decepcionado.

  6. Marcos Diz:

    Vitor, tenho uma curiosidade: como você consegue esses artigos que publica no blog? Desculpe pela pergunta invasiva, mas você já é graduado? Faz parte de alguma associação oficial de parapsicologia? Quando passou a se interessar por assuntos como este?
    .
    Fique livre para responder, mas sempre quis saber isso.

  7. Marciano Diz:

    Antonio, eu não me esqueci do anti-semitismo e do nazismo, não mencionei porque achei que não tem importância dentro do contexto.
    Se fosse para esculhambar, como você disse, eu teria mencionado a falta de ética de relacionar-se sexualmente com uma paciente (com a qual casou-se e teve filhos), aproveitando-se de sua condição médico/paciente.
    Também acho que ele era genial.
    .
    Marcos, em momento algum eu disse que Jung era maluco. Minha intenção era mostrar que tinha uma personalidade conturbada, como, aliás, Freud também.
    Leia o que eu disse para o Antonio e você vai ver que eu também acho grande parte da obra dele genial.
    Ah, e concordo plenamente contigo sobre o que disse sobre Astrologia. É realmente decepcionante.
    .
    Marcos, conheço o documentário sobre Estamira, a louca do lixão.
    Não sei de onde você tirou a ideia de que eu acho que um maluco não possa ser genial.
    À distância, Estamira pareceu-me ser esquizofrênica paranóide.
    Existem inúmeros casos de esquizofrênicos paranóides de excepcional inteligência.
    Como você admite, uma coisa não tem nada a ver com a outra.
    Sei disso desde o tempo em que ainda estudava Medicina Legal, pode-se ver isso em qualquer manual.
    A esquizofrenia não acomete pessoas pouco inteligentes.
    A esquizofrenia afeta tanto as pessoas com alto quanto baixo nível intelectual, atinge igualmente os ricos e pobres, os mais cultos e os mais simplórios. Não é monopólio de quem tem a mente fraca e nem depende da pessoa ser “esclarecida e inteligente”.
    Dê uma olhada nesta pesquisa:
    http://opiniaoenoticia.com.br/vida/inteligencia-pode-estar-ligada-a-esquizofrenia/

  8. André Diz:

    Mas a genialidade não é uma espécie de loucura?

    (Só brincadeira, viu?)

  9. Antonio G. - POA Diz:

    A genialidade é uma anomalia mental.

  10. Marciano Diz:

    Segundo o Dicionário Houaiss, anomalia é:
    “substantivo feminino
    1 estado ou qualidade do que é anômalo; anormalidade, irregularidade
    2 qualquer irregularidade ou anormalidade (de um corpo, objeto, fenômeno, estrutura, formação etc.)
    Exs.: a. no movimento orbital de um planeta
    a. da maré
    a. cromossômica”
    .
    Nesse sentido, pode-se dizer, sim, que a genialidade é uma anomalia mental.

  11. Antonio G. - POA Diz:

    Certo. Foi exatamente o que eu quis dizer.

  12. André Diz:

    O bom deste site é que, via de regra, prevalece a imparcialidade.

  13. Marcos Diz:

    A anormalidade só pode ser definida de acordo com o conceito que temos de “normalidade”. E é aí que o problema entra. Normal e anormal apenas podem existir mutuamente. São inseparáveis. Não acho que exista uma linha ou um muro que trace a anormalidade da normalidade..
    .
    Muito interessante o estudo Marciano. Mas tenho um pé atrás com essa história de genética. É bem duvidoso que genes subordinem os nossos processos mentais.

  14. Marciano Diz:

    Marcos, normalidade é um conceito dualista, como muitos outros, não existe uma linha divisória, mas existe um padrão de comportamento esperado, de acordo com a época e o lugar onde se vive.
    Quanto aos genes, eles determinam muita coisa na nossa personalidade e no nosso caráter, mas a influência maior é a do meio.
    A família, os vizinhos, os amigos, principalmente na infância, influem muito, no meu caso as influências religiosas foram tão díspares que me fizeram descrer.
    A verdade não pode ser múltipla como as religiões e as crenças.
    Passei a acreditar só no que é demonstrável.
    Grande parte disso é genético também.

  15. Vitor Diz:

    Oi, Marcos
    tenho amigos com acesso à base de dados CAPES e outras, como SIBINET. Em alguns casos nem essas bases de dados dão acesso aos artigos, e aí tem que pedir para o autor – eu é que não vou pagar 30 dólares para ter acesso ao artigo 😀
    .
    Continuo em viagem, escrevo de uma lan-house…

  16. Marcos Diz:

    Sim Marciano. Mas Skinner, psicólogo e fundador do behaviorismo radical, propôs que o retorno aos genes é um erro. Os behavioristas são o verdadeiro pavor dos geneticistas, pois demonstraram cientificamente que a nossa personalidade é algo formada na relação que possuímos com o meio, e os nossos medos, fobias e crenças são algo aprendido.
    .
    Acho que como o ambiente, os genes determinam, mas nunca subordinam.
    .
    Vitor, gostaria de ter amigos como os seus, rsrsrs. Mas acho muito caro o preço que algumas associações cobram para ter acesso a artigos. Por mim, tudo já deveria ser de graça.

  17. Marcos Diz:

    E não liguem se cometo alguns erros de concordância na escrita. É a pressa mesmo, como vcs já falaram.

  18. Marciano Diz:

    Marcos, quando você usou a conjunção adversativa “mas”, achei que fosse discordar do que falei, entretanto, você confirmou o que eu disse. O que sustento é que os genes influenciam, sendo que o meio ambiente tem influência muito maior. Nisso estamos de pleno acordo.
    A propósito, o behaviorismo está sendo chamado agora de comportamentalismo, aportuguesaram melhor o termo.
    Já que você gosta de psicologia, esse dualismo a que nos referimos acima tem tudo a ver com a gestalt. Mesmo fora do campo da percepção sensorial, o todo é mais do que a soma das partes.
    A personalidade é muito complexa.
    Para a gestalt, nós temos tendências inatas e vamos nos adaptando ao meio ambiente.

  19. Marciano Diz:

    Por falar em personalidade e complexidade, personalidades complexas eram as de Jung e do próprio Freud. Foi isso que eu quis mostrar, Jung estava longe da “normalidade” em todos os aspectos.

  20. Marcos Diz:

    O behaviorismo ainda é chamado assim por aqui. Comportamentalismo é usado com menos frequência, por incrível que pareça.
    .
    Sou apaixonado por psicologia. Sobre Gestalt, ainda sei pouco. Mas sei que uma das ideias desta abordagem é que mente e cérebro não possuem incompatibilidade alguma.
    .
    Jung e Freud, assim como boa parte dos psicólogos e cientistas são “anormais”, por este ponto de vista. E isso é fantástico, não é demérito algum. Nesse ponto concordamos.

  21. Antonio G. - POA Diz:

    Parou?

  22. Vitor Diz:

    Oi, Antonio
    Amanhã deve ter um artigo novo.

  23. Raphael Diz:

    Óbviamente Jung era esquizofrênico, ouvia vozes e conversava com elas, além de vários registros de alucinações visuais.

  24. joana Diz:

    excelente resumo,muito bem sintetizado e esclarecimento excelente.Confiável até onde pude aprender, que é pouco mas gostei do que li.

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