Fenômeno de Criptomnésia em Chico Xavier

 

por Vitor Moura Visoni

(vitormoura@hotmail.com)

 

Resumo

 

Este artigo dispõe-se a demonstrar a ocorrência do fenômeno de criptomnésia (amnésia da fonte) no médium Chico Xavier em uma de suas obras. São comparados trechos extremamente semelhantes na visão do autor do artigo.

 

Introdução

 

As obras a serem comparadas aqui são “Boa Nova” (Xavier, FEB, 1941)[1],cujo espírito seria Humberto de Campos, e “Vida de Jesus”, de Ernest Renan, publicada em 1863, utilizando a versão em português da Editora Martin Claret (2004). As semelhantes entre as duas obras foram aparentemente descobertas por um tal de Fábio Lins, segundo o administrador de uma lista de discussão do Yahoo chamado Paulo Dias. A primeira notícia que tive disso foi, portanto, através dessa lista chamada “Projeto Gabriel Delanne”[2]. Alguns trechos foram-me mostrados pelo senhor Paulo Dias e de fato revelavam profundas semelhanças. Como não houve maior divulgação em torno da descoberta, resolvi eu mesmo apresentá-la por meio deste artigo, com o intuito de contribuir a um maior conhecimento acerca da vida e mediunidade de Chico Xavier.

 

Cores são utilizadas para ajudar a destacar trechos idênticos ou semelhantes.

 

Comparação Entre “Boa Nova” e “Vida de Jesus”

 

Vida de Jesus (Ernest Renan)

Boa Nova (Chico Xavier)

Mesmo hoje em dia, é uma excelente estada, talvez o único lugar da Palestina onde a alma se sinta um pouco aliviada

 

(pág. 104)

Nazaré, com a sua paisagem, das mais belas de toda a Galiléia, é talvez o mais formoso recanto da Palestina.

 

(pág. 07)

Nazaré era uma cidade pequena, situada numa dobra de terreno largamente aberto, no alto do grupo de montanhas que limita ao norte a planície de Esdrelão.

 

(pág. 104)

Suas ruas humildes e pedregosas, suas casas pequeninas, suas lojas singulares se agrupam numa ampla concavidade em cima das montanhas, ao norte do Esdrelon.

 

(pág. 07)

O horizonte da cidade é estreito, mas por pouco que se suba e que se atinja o planalto, fustigado por

uma brisa perpétua, que se estende das casas mais altas, a perspectiva é esplêndida.

 

 

(pág. 105)

Seus horizontes são mesquinhos e sem interesse; contudo, os que subam um pouco além, até onde se localizam as casinholas mais elevadas, encontrarão para o olhar assombrado as mais formosas perspectivas.

 

(pág. 07)

Ao oeste, se desdobram as belas linhas do Carmelo, terminadas por uma ponta abrupta que parece mergulhar no mar. Depois se desenrolam o cume duplo que domina Magedo, as montanhas de Siquém, com seus lugares santos no tempo patriarcal; os montes Gelboé, o pequeno conjunto pitoresco ao qual se ligam as lembranças graciosas e terríveis de Sulém e Endor; o Tabor, com sua forma arredondada, que a Antiguidade comparava a um seio. Por uma depressão entre a montanha de Sulém e o Tabor se entrevê o vale do Jordão e as planícies de Pereia, que formam uma linha contínua do lado leste. Ao norte, as montanhas de Safed, inclinando-se para o mar, escondem São João de Acre, mas revelam o golfo de Caifa. Tal foi o horizonte de Jesus

 

(pág. 105)

Ante seus olhos surgiam as montanhas de Sarnaria, o cume de Magedo, as eminências de Gelboé, a figura esbelta do Tabor, onde, mais tarde, ficaria inesquecível o instante da Transfiguração, o vale do rio sagrado do Cristianismo, os cumes de Safed, o golfo de Khalfa, o elevado cenário do Pereu, num soberbo conjunto de montes e vales, ao lado das águas cristalinas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(pág. 07)

 

Discussão

 

As semelhanças são, no meu entender, claras. O que se pode analisar aqui é se estamos diante de um plágio ou de um fenômeno de criptomnésia. Existe uma tradução do livro “Vida de Jesus” feita em Portugal, pela Lello & Irmão Editores (Porto), anterior a 1926, com sucessivas reedições e distribuída no Brasil por vários importadores de livros. Humberto de Campos faleceu em 5 de dezembro de 1934, ficando cego pouco antes. Há chances, portanto, dele ter lido a versão em português do livro de Renan. O médium publicou “Boa Nova” em 1941, sendo também possível, portanto, que tenha lido a versão portuguesa de “Vida de Jesus”. Como não é possível saber se o médium copiou os trechos, adulterando-os levemente, de forma consciente, tendo para a explicação de criptomnésia: Chico teria lido o livro de Renan e inconscientemente transcrito seu conteúdo na psicografia do Espírito Humberto de Campos. Há ainda a possibilidade do próprio Humberto de Campos ter lido “Vida de Jesus” e transcrito seu conteúdo pela psicografia, mas considero esta hipótese menos parcimoniosa. Clarividência (percepção visual de objetos, locais e acontecimentos por meios não explicados pelo conhecimento científico atual), retrocognição (conhecimento do passado por meios não sensoriais) e mesmo telepatia (vulgarmente definida como “leitura de mente”) também seriam hipóteses possíveis, mas igualmente menos parcimoniosas, já que invocam meios paranormais de aquisição de informação, enquanto para a criptomnésia bastam meios normais para explicar o fenômeno. Vale ressaltar que, desde os tempos de colégio, 4º ano do primário para ser mais preciso, Chico já sofria acusações de plágio, tendo sido desafiado para improvisar uma redação com o auxílio de um suposto espírito com um tema escolhido ao acaso. Passou com sucesso no teste, o que demonstraria que ele não estava plagiando. O tema escolhido havia sido o grão de areia.

 

Há outro motivo mais forte, contudo, para não pensar em plágio. Na página 73 da versão digital do livro “Boa Nova”, o próprio Ernest Renan é citado:

 

E por isso que todos os historiadores das origens do Cristianismo param a pena, assombrados ante a fé profunda dos primeiros discípulos que se dispersaram pelo deserto das grandes cidades para pregação da Boa Nova, e, observando a confiança serena de todos os mártires que se têm sacrificado na esteira infinita do Tempo pela idéia de Jesus, perguntam espantados, como Ernest Renan, numa de suas obras (grifos meus).

 

Um plagiador que cita a fonte do qual cometeu o plágio não seria muito inteligente.

 

Conclusão

 

O livro “Boa Nova”, de Chico Xavier, possui trechos nitidamente retirados de “Vida de Jesus”, de Ernest Renan, caracterizando provavelmente o fenômeno de criptomnésia, caso o médium tenha lido a obra, e não um fenômeno mediúnico ou paranormal, embora as últimas hipóteses não possam ser descartadas por completo.

 

Referências

 

Lewgoy, Bernardo. “Chico Xavier e a cultura brasileira” Revista de Antropologia vol.44 no.1, 2001 (disponível online em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77012001000100003&script=sci_arttext , acessado dia 21/04/2007)

 

Xavier, Chico. “Boa Nova”, FEB, 1941.

 

Renan, Ernest. “Vida de Jesus”, Martin Claret, 2004.

 



[1] Utilizou-se de um e-book, disponível à época da elaboração deste artigo gratuitamente no site http://www.projetoespirita.com.br/livros.php. O site, porém, não existe mais (acessado dia 22/04/2007).

 

[2] A mensagem inicial sobre o assunto, disponível apenas para aqueles associados à lista, pode ser conferida no link http://br.groups.yahoo.com/group/pgdelanne/message/2497.