Refutação ao livro de Pedro de Campos “Lentulus – Encarnações de Emmanuel Inquirição Histórica”

Nestes comentários de José Carlos Ferreira Fernandes são apresentadas diversas falhas do livro de Pedro de Campos que buscava fornecer alguma plausibilidade histórica para a existência de Emmanuel, o guia de Chico Xavier. Emmanuel se dizia, em uma de suas vidas passadas, um ex-senador romano dos tempos de Cristo chamado Públio Lêntulo, tendo narrado sua história no livro “Há Dois Mil Anos”, de 1939. Os problemas do livro de Pedro de Campos serão abordados de maneira rápida e muito objetiva.

O livro do sr. Pedro de Campos parte do pressuposto de que “Públio Lêntulo” (e sua “mensagem” ao Senado) existiram pelo simples fato de Xavier os haver citado (e de a “carta apócrifa” existir…).  Fora isso, ele se mostra absolutamente incapaz de mostrar uma única evidência independente sequer (além, claro, da psicografia “Há Dois Mil Anos”, bem como da própria “carta” de Lêntulo – mas essas evidências não são independentes, são justamente o que se quer provar como verdadeiro, e que não podem, portanto, ser utilizadas por si mesmas como provas) de: a) da existência dum “Públio Lêntulo” descendente de Lêntulo Sura que fosse contemporâneo de Cristo; b) da existência duma “legação” desse “Lêntulo” na Judéia, sob Pôncio Pilatos.  Nada.  Nenhuma citação, direta ou indireta, de nenhum autor (pagão, judeu ou cristão), nenhum testemunho epigráfico, nada, nada, nada é apresentado; nada de molde a fazer mudar o CONSENSO HISTÓRICO de que “Lêntulo” não existiu, e de que sua “carta” é TOTALMENTE FORJADA.  Nada, a não ser justamente a “carta” e os dados da “psicografia”… E isso não se dá à toa, porque, de fato, é só isso o que se tem: a carta (que os historiadores consideram apócrifa) e os “dados” da “psicografia” (eivados de contradições e de erros históricos e factuais básicos, como já se vem mostrando exaustivamente)…

Como não conseguiu mostrar, de fato, nada de novo, nada que venha a mudar o consenso histórico, utilizou-se o sr. Campos, talvez inconscientemente, duma típica manobra diversionista: mudou o foco de toda a investigação, da “carta de Lêntulo” (e da demonstração, que deveria ter feito, da EFETIVA EXISTÊNCIA dessa personagem) para a “sentença de Jesus”.  Afora algumas alusões dúbias em São Justino o Mártir e em Tertuliano de Cartago, a “sentença” aparece no “ciclo de Pilatos”, forjado a partir dos séculos IV-V dC.  Claro, tem um “pedigree” bem mais impressionante do que a falsificação lentuliana (o “ciclo de Pilatos”, na sua forma mais antiga, é dos sécs. IV-V dC, ao passo que a “carta” de “Lêntulo”, convém sempre lembrar, NÃO É CITADA POR NINGUÉM até ao séc. XIV dC, e mais, com a atribuição de autoria a um “Lêntulo” até então TOTALMENTE DESCONHECIDO, E NÃO CITADO POR NINGUÉM, somente a partir da 2a metade do séc. XV dC – mas isso, claro, não conta para os chiquistas…).  Mas, ainda assim, sinceramente, seria interessante que se explicasse o que é que a “sentença de Jesus” (apócrifa que seja) tem a ver com a “carta de Lêntulo”, que tipo de “prova” da existência de Lêntulo e de sua “carta” uma eventual “sentença de Jesus” poderia fornecer.  No ciclo de Pilatos, NUNCA, em nenhum lugar, há a menção a um “Lêntulo”, e a própria “sentença” não inclui uma descrição física de Jesus.  Trata-se, portanto, de manobra diversionista.  Mesmo que se pudesse admitir que, ao menos em linhas gerais, a “sentença” de Jesus constante nos “Atos de Pilatos” possuísse alguma substância histórica (E NÃO TEM MENHUMA – nem ela, nem as alusões de São Justino ou de Tertuliano, E ISSO É CONSENSO HISTÓRICO, CONSENSO DOS “ENCANUDADOS”, consenso de todos os estudiosos do “ciclo de Pilatos”, a começar pelo maior especialista do assunto, o próprio Zbigniew Izydorczyk), em quê isso ajudaria a provar a existência de “Lêntulo”?

Continuam INTOCADOS pela análise do sr. Pedro de Campos os seguintes problemas: a) não há NENHUM testemunho, literário, epigráfico ou papirologico, direto ou indireto, dum “Lêntulo” contemporâneo de Cristo, senador, descendente em linha paterna de Lêntulo Sura, que tivesse exercido algum tipo de “legação” na Judéia (legação essa, aliás, impossível, tendo em vista as estruturas administrativas romanas da época); b) não há NENHUM testemunho, literário, epigráfico ou papirológico, direto ou indireto, em autores pagãos, judeus ou cristãos, dum “Lêntulo” contemporâneo de Cristo, até à 2a metade do séc. XV dC, sendo que a “carta” a ele atribuída começa a correr como uma descrição da “physiognomia Christi” a partir dos meados do séc. XIV dC, SEM ATRIBUIÇÃO, e mais, fazendo constar a descrição do rosto de Cristo como a DESCRIÇÃO CANÔNICA, que, surgida SOMENTE a partir dos finais do séc. IV dC, consolidou-se como a descrição “tradicional” APENAS a partir do séc. IX dC.

Nada disso é explicado, nada disso é contraditado.  As evidências acerca da implausibilidade de “Lêntulo”, assim, são simplesmente avassaladoras.  Só não vê quem não quer.  E isso DITO PELOS ESPECIALISTAS, PELOS “ENCANUDADOS.”

Para “tapar os buracos”, a pesquisa do sr. Pedro de Campos, infelizmente, utiliza sempre a tática de assumir como irrestritamente verdadeiras hipóteses de trabalho absolutamente não demonstradas.  Hipóteses de trabalho não demonstradas não passam de afirmações gratuitas; e tudo aquilo que é gratuitamente afirmado, também pode ser gratuitamente negado.  Apenas um exemplo: admite o sr. Campos que Lêntulo Sura “poderia” ter tido um filho, que não estaria presente por ocasião de seus funerais “por estar em campanha”.  Poderia… mas não demonstra nada disso. Qual a prova da existência desse “conveniente” filho? E que campanha? Onde? Sob que comando? Diante dessas SUPOSIÇÕES GRATUITAS, as constatações REAIS (não hipotéticas) permanecem inalteradas: não há nenhuma menção a filhos de Sura, em qualquer fonte que seja, em qualquer época que seja; foi seu enteado Marco Antônio que teve de providenciar suas exéquias (e isso é documentado historicamente); e dos MUITOS Lêntulos atestados historicamente para a época de Cristo, NENHUM reivindicou ascendência de Lêntulo Sura.  E assim sucessivamente (o que aqui se citou foi apenas UM exemplo).  Apela-se para (pretensas) “perdas de documentos”, “interpolações”, para a tal “sentença de Jesus” (de novo: o que isso provaria, mesmo supondo que houvesse nela um pingo que fosse de autenticidade?), etc., etc., etc., mas, de fato, de substancial, não consegue o sr. Campos elencar NENHUMA EVIDÊNCIA de que “Lêntulo” tivesse existido, ou que tivesse exercido uma “legação” na Judéia, ou que tivesse escrito um “relatório” ao Imperador (ou ao Senado?).

O que o sr. Campos (ou qualquer espírita que apóie, CONTRA TODA A EVIDÊNCIA HISTÓRICA, CONTRA O CONSENSO DOS HISTORIADORES) teria de DEMONSTRAR (PORQUE É DELES O ÔNUS DA PROVA) é que:

a) Lêntulo Sura teve descendência masculina;

b) houve um “Públio Lêntulo” contemporâneo de Tibério (e de Cristo) que era, de fato, descendente de Lêntulo Sura;

c) esse “Lêntulo” exerceu uma “legação” na Judéia, sob Pôncio Pilatos (e deve-se explicar muito bem que tipo de legação era essa – E ISSO, POR SI SÓ, SERIA UMA GRANDE DESCOBERTA HISTÓRICA, MERECEDORA DE CONSTAR NOS MAIS IMPORTANTES PERIÓDICOS ESPECIALIZADOS EM HISTÓRIA ADMINISTRATIVA ROMANA DA ÉPOCA DOS JÚLIO-CLÁUDIOS – seria o PRIMEIRO, e até aqui ÚNICO, testemunho duma legação imperial de nível senatorial numa província procuratoriana, algo que é tido, PELO CONSENSO HISTÓRICO ATUAL, à luz do muito que se sabe das estruturas administrativas romanas, como IMPOSSÍVEL, pois não se mandavam legados para províncias procuratorianas, e um legado senatoria presente numa província como a Judéia simplesmente anularia a administração do procuraddor).  SÓ ISSO JÁ SERIA CAPAZ DE LEVAR À FAMA O PESQUISADOR QUE O PUDESSE DEMONSTRAR;

d) que esse “Lêntulo” permaneceu inúmeros anos na província, arruinando o seu “cursus honorum” senatorial usual – OUTRA GRANDE DESCOBERTA HISTÓRICA, referente a um senador romano, duma das mais importantes casas da aristocracia patrícia, que arruína seu “cursus” (DO QUAL DEPENDE TODO O SEU “STATUS” E O SEU PODER NA SOCIEDADE ROMANA) permanecendo, ANOS A FIO, numa obscura província  procuratoriana…;

e) que, muito depois, esse “Lêntulo”, partidário de Vespasiano, foi um “consultor civil” na guerra judaica, tendo participado (APESAR DO TESTEMUNHO HISTÓRICO EM CONTRÁRIO DE FLÁVIO JOSÉ) do conselho de guerra de Tito.

Se os itens “a” a “e” acima puderem ser DEMONSTRADOS, direta ou indiretamente que seja, a partir de testemunhos literários, papirológicos ou epigráficos, AÍ SIM se pode começar a conversar noutros termos, e num outro patamar… Até lá… Aguardemos!

10 respostas a “Refutação ao livro de Pedro de Campos “Lentulus – Encarnações de Emmanuel Inquirição Histórica””

  1. Leonardo Diz:

    A argumentação é, como sempre, impressionante. Ninguém pode negar que o JCFF escreve muito bem. Por mim, estou convencido.

  2. Contra o Chiquismo. **ex Edson F. Ex empalador do Scur em vida pretérita. Diz:

    Alguém já viu o testemunho do tataraneto do Dr Bezerra renegando o “Espiritismo”?

    “Testemunho Antonio Bezerra de Menezes, tataraneto do líder espírita Bezerra de Menezes ”

    http://cadernoalfa.blogspot.com/2008/11/testemunho-antonio-bezerra-de-menezes.html

    Não sou evangélico, mas achei este depoimento dele interessante.

    [Reply]

  3. Marcos Arduin Diz:

    O depoimento do tal tataraneto é uma BALELA. Ele não inclui neste dito depoimento NENHUM dado verificável. Não dá nem pra saber se é mesmo tataraneto do Bezerra de Menezes e mesmo que seja, isso não torna verdadeira nenhuma das pataquadas que colocou no fajuto depoimento.

  4. Edson F.AUXILIAR DE EMPALADOR DO SCUR EM VIDA PRETÉRITA A MANDO DO DIVALDO FRANCO. Diz:

    Os dados do ‘espirito André Luis também não são verificáveis.Pelo menos o tetraneto está ‘encarnado’ e vc pode perguntar pra ele diretamente suas dúvidas.

  5. Marcos Arduin Diz:

    Já disse que a identidade real do André Luís NÃO TEM relevância. Não preciso saber a identidade precisa de um espírito quando sua mensagem é de conteúdo geral.
    .
    Quanto ao SUPOSTO tetraneto, as dúvidas já haviam sido colocadas em um periódico espírita, mas tanto quanto eu saiba, ele nunca deu qualquer resposta e mantém seu depoimento no mesmo estilo.

  6. Guerreiro Diz:

    Alegar que um documento “foi perdido” é um argumento bem estranho, se formos analisar. Como pode-se afirmar a perda de algum documento sem possuir provas de que ele, de fato, exisitiu?
    Sobre o livro “Há dois mil anos”, eu o li apenas uma vez, há muito tempo. Pessoalmente, achei que o personagem do livro viveu aventuras demais: conheceu Jesus, esteve presente na destruição de Jerusálem, depois na erupção do Vesúvio… ou seja, a história me pareceu mais um romance, uma história de ficção e não um relato real, de uma vida passada.

  7. Guerreiro Diz:

    Onde se lê “exisitiu”, leia-se: “existiu”.

  8. montalvão Diz:

    Os estudos publicados pelo Sr. José Carlos são irreprocháveis. Não é por menos que as críticas, quando existem, focam pontos secundários e não conseguem atingir o cerne do estudo. O velho Scur (onde andará?) defendia Pedro Campos, como quem defende um filho mimado, mas nunca jamais conseguiu proferir sentença que sacudisse as reflexões josecarleanas, as quais demonstram a inexistência de Publio Lentulo e, consequentemente, de Emmanuel.
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    Por isso, Arduin professa a tese de que a real identidade do espírito seja irrelevante. Visto que nem Emmanuel, nem André Luiz podem ser legitimamente localizados na história, cria-se o argumento da “irrelevância identitativa”. Ora, se fosse mesmo sem importância, os espíritos, desde os que assessoraram Kardec, até os atuais não se anunciariam como fulanos e beltranos (embora alguns quisessem ficar incógnitos), diriam que não lhes era dado revelar quem foram em vida. (A proposta do Marcos é que só mensagens pessoais, como a de um falecido para parente, é que devem conter identificação precisa; nas demais, as genéricas, se o espírito recorre a um “pisilônimo” não teria problema. Mas, mesmo assim, nossa objeção continua: não seria melhor logo dizer que não vai falar nada de si, em vez de iludir os ouvintes?).
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    Quanto ao tetraneto de Bezerra, não vejo importância nas informações requeridas pelo Arduin, para que aceite o testemunho. O relato do moço é coerente e inexiste razão maior para duvidar que o parentesco seja legítimo. Mas se se quer esclarecer ao nível exigido, como o Edson disse, basta consultar o depoente (aproveite enquanto está vivo).
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    Por outro lado, num ponto Arduin tem plena razão: o depoimento do moço não acrescenta coisa alguma a história espírita de Menezes. Trata-se de uma pessoa cuja veia mística não encontrara ainda o ponto certo para desaguar. Por isso vivia batendo cabeça em propostas várias. Quando achou o porto que lhe pareceu seguro, taxou os outros pousos de incertos. Lembra o caso de Baby Consuelo, longamente enganada por Green Morton, até que finalmente desvencilhou-se do malandro. Mas Consuelo não reconheceu que estivera sob domínio de um vigaristóide: “descobriu” que Thomaz era poderozisado pelo capeta, por isso não merecia sua atenção; então mergulhou de cabeça numa das múltiplas seitas pentecostais que vicejam pelas quebradas. Em suma, trocam a escuridão pelas trevas.
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    Saudações abismadas.

  9. Vitor Diz:

    O Scur eu expulsei do blog devido ás mentiras que ele contava incessantemente.

  10. João Roberto Diz:

    Gostei muito do texto, acho ele muito oportuno, e o digo na condição de espírita. Li todos os “romances” do Emmanuel psicografados pelo Chico, e nunca os vi além de simples romance, sem aceita-los como fatos e dados históricos. E o personagem Senador Publio lentulus, como uma das existências de Emmanuel, pra mim nunca existiu. Existe uma falência muito grande no cenário espírita no que diz respeito a critica literária, e talvez por isso, as livrarias nas casas espíritas, estejam tão poluídas de obras de péssimo gosto. Convém lembrar, que a literatura espírita, quando se trata de romances, não tem compromisso com fatos históricos, porque simplesmente são estorias romanceadas, floridos, com vistas ao entretenimento, com alguma (ou muitas) mensagem de enobrecimento da alma. Na condição de espírita, e sendo um apaixonado pela historicidade, não posso deixar de tecer minhas críticas as obras (os romances) ditados por Emmanuel, onde em muitas passagens, ele contradiz até Kardec; e entre Kardec e Emmanuel, eu fico com o Rivail.

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