AS FRAUDES DO MÉDIUM MIRABELLI (PARTE 28)
Dando prosseguimento à série de reportagens do Correio Paulistano.
Correio Paulistano – Quinta-feira, 29 de junho de 1916, página 3
No mundo das maravilhas
Fez-se luz em a noite do mistério
O sr. Carlos Mirabelli é realmente um hábil prestidigitador
Ainda os famosos casos de vidência
Narrativa de algumas das aventuras malogradas, nesse gênero de mediunidade de Mirabelli
Revelações que assombrarão os crentes do ex-maior médium dos últimos séculos…
VII
Prossigamos em a narrativa dos insucessos de Mirabelli nos chamados “fenômenos de vidência”.
Assim também fracassou
A VIDÊNCIA DO MÉDIUM NO AUTOMÓVEL CLUB
quando procurara utilizar-se de uma velha infâmia para inculcar-se como um grande vidente. Relatemos o caso, para o que nos seja permitido recordar, o que fazemos com verdadeira repugnância, a calúnia de que foi vítima há tempos o distinto e estimado cavalheiro Armando Penteado, varão de uma das mais respeitáveis famílias paulistanas. Um perverso qualquer disse, aqui, há anos, e um diário chegara mesmo a noticiar, que aquele simpático moço havia, quando em viagem de recreio na Inglaterra, “matado um policeman londrino, tendo sido, por isso, condenado pelo tribunal inglês. O repelente boato fora mesmo, no outro dia, desmentido pelo Correio Paulistano, pois como todos sabem não passara de baixa e vil intriga, forjada por algum indivíduo de maus sentimentos, desafeto do nosso jovem patrício.
Agora, ao Mirabelli. Estando ele no Automóvel Club, realizara a ilustres cavalheiros uma sessão de levitação, a que se seguiu outra de vidência. A certa altura desta, sabendo que se encontrava presente um filho do saudoso conde Penteado, mas ignorando que fosse ele justamente o sr. Armando, disse o impostor, com o sangue frio que o caracteriza:
– Está aqui o conde Alvares Penteado. Vem acabrunhado pelos desgostos. Julga-se muito infeliz porque um seu filho, de nome Armando, matou um policeman em Londres e agora está condenado a galés perpétuas”.
E, prevalecendo-se do que soubera, sem haver lido o nosso desmentido, repetia toda a calúnia, quando solene, firme e calma, uma pessoa avançou para o seu lado. Encarou-o de alto a baixo, austera. Fulminou-o depois com escárnio e desprezo:
– Armando Penteado sou eu! Nunca matei policeman nenhum, nem nunca estive preso! O sr. não passa de um intrujão!
Não comentamos. Os comentários desta parte deixamo-los a cargo dos leitores, sobretudo daqueles que crêem no “homem-prodígio”: esses têm a palavra para elucidarem essas ratas clamorosas…
VIII
Isso, porém, não é nem a milésima parte dos seus insucessos. Narraremos, aliás, apenas mais alguns; não desejamos esgotar a paciência do leitor com tudo o que apurou o nosso inquérito. Aproveitaremos, para o caso, aqueles
FENÔMENOS DE VIDÊNCIA, QUE TIVERAM DESENLACE MAIS OU MENOS CÔMICO
para o vidente, por serem esses os únicos toleráveis. Assim inteiremos o leitor paciente de que, ainda no mesmo Automóvel Club, foi o ex-aprendiz de sapateiro mais uma vez “caipora”. A fidalga e elegante sociedade, como o “Correio Paulistano”, deve estar, para o sr. Mirabelli, cheia de espíritos maus…
Estava ele
– A senhora sua mãe vive acabrunhada até hoje, verdadeiramente inconsolável com a perda de seu querido esposo!
O sr. Thadeu Nogueira, que mostrou ser um homem calmo e tolerante, fino e generoso, sorriu-se com lástima.
A sua venerando progenitora falecera muito antes que o seu inesquecível pai.
IX
Também com o poeta Simões Pinto se deu um curioso
CASO DE VIDÊNCIA QUE DÁ O QUE PENSAR
o que convém ser arquivado em letra redonda para honra e glória do celebrado prestímano. Resume-se ele em poucas palavras. Diante do nosso confrade de imprensa, o sr. Carlos Mirabelli apresentara os indefectíveis sintomas… de que não estava em si.
O Simões aguardava.
De repente, o pseudo-vidente começou de ver uma antiga habitação de seus pais. Descreveu-a mais ou menos com precisão, por fora e por dentro.
Foi só.
Isso, porém, trouxe uma dúvida. Por que não vira o sr. Carlos Mirabelli a última residência do saudoso e venerando progenitor do festejado jornalista?
Por quê? Tratando-se de um caso em que o respeitável chefe de família já havia falecido, por que não aparecera ele na casa em que morrera, o que seria lógico, para aparecer numa que já não habitava havia tempos?
É fácil de explicar-se: fora, na primeira, com certeza, que o “vidente” colocara camisetas nos bicos de gás…
[FIGURA]
Pequeno vaso com flores artificiais, existente em o nosso salão nobre, e que ocasionou o desastre de Mirabelli, desastre que teve como resultado a descoberta dos “truques” de que usa o falso médium para produzir os seus fenômenos.
X
Na casa do dr. Pereira de Rezende, distinto médico,
OS FENÔMENOS DE VIDÊNCIA TAMBÉM FORAM NEGATIVOS,
pelo menos de uma vulgaridade a toda a prova. E como não, se, logo ao entrar à residência do ilustre facultativo, e vendo que a sua exma. família estava de luto, exclamou com pose:
– Vejo que morreu alguém nesta casa.
– Não, morreu longe, respondeu-lhe o dr. Pereira de Rezende.
A seguir-se, foi novamente mal-sucedido. Disse:
– Vejo que está presente a alma de seu pai!
– Como? Meu pai está felizmente vivo; por sinal que amanhã virá almoçar comigo…
– Então é a do seu avô – arriscou com deslavado impudor o arrojado intrujão.
O dr. Pereira de Rezende conta-nos isso e outras coisas curiosas, que, a seu tempo, virão a público.
O sr. Carlos Mirabelli, desta vez, está metido naquele presídio de que nos fala o poeta – um cárcere de bronze
XI
Também na Câmara Municipal
GORARAM OS FENÔMENOS DE VIDÊNCIA
quando o sr. Carlos Mirabelli, em companhia de uma pessoa desconhecida, procurara o dr. Basílio Cunha, digno inspetor do Tesouro Municipal, a fim de… “lhe entregar um recado que recebera do Além”.
O distinto cavalheiro, que é o dr. Basílio da Cunha, recebeu-o quase sem palavras, pois que estava despachando o seu expediente e não tinha tempo para palestras.
Mas o homenzinho, com os seus [ilegível] teatrais, fora-lhe logo dizendo que ali estavam os seus progenitores. Em seguida descreveu-os, emprestando traços dos mais estranhos às respeitáveis pessoas dos seus progenitores.
– Não é? Não é? inquiria.
– Sim! Sim! – respondeu-lhe o dr. Cunha, que não estava para aturar intrujices.
– Veja! Veja o seu pai aqui está! Gordo, de longas barbas…
No entanto, quem não conhece o seu pai, sr. João Cunha, que é corretor da nossa praça e goza felizmente de perfeita saúde?
O dr. Basílio, intimamente indignado, nem lhe dava ouvidos; predispunha-se mesmo a passar à sala de contígua quando o outro indivíduo, acercando-se dele, insinuava:
– É muito pobre, dá-se-lhe sempre alguma coisa…
Será esse outro o que visita as casas, o SÓCIO?
XII
Noutro momento de
ALTA E MALOGRADA VIDÊNCIA,
o mesmo celebrado escamoteador, em casa do sr. dr. Camargo Aranha, foi também de um “caiporismo” a toda a prova. Depois de muita divagação supérflua, disse, a certa hora, estar presente a saudosa progenitora daquele distinto advogado do nosso foro.
– [Ilegível] gorda, morena, espadaúda.
Escusado é dizer que era a distinta senhora de compleição delicada, franzina e em nada parecida com a estranha descrição do adivinho.
Disse-lhe então o dr. Camargo Aranha, formidável:
– Se a alma de minha mãe aparecesse aqui falaria diretamente comigo e nunca por intermédio de um tipo que nunca viu, nem conheceu.
XIII
Ainda uma prova das inqualificáveis leviandades desse que nunca passou de um
VIDENTE DE FANCARIA E QUE TUDO DEVE À NOSSA TOLERÂNCIA;
com ela encerramos a descrição de alguns dos fenômenos de vidência que falharam. Esses bastam para provar que os que ele acertou foi por obra do acaso ou por que tivesse decorado melhor… a lição, ou antes o discurso a recitar.
Resumindo, diremos que o dr. René Thiollier, que é um moço distintíssimo, estava em seu escritório, quando entrou um amigo. Disse-lhe este:
– Está lá embaixo um homem indagando da tua vida. Se tens dinheiro: quem és, quem não és. Esconde-te. Com certeza… é uma “facada”.
Palavras não eram ditas, bateram a porta.
– Entre. – disse.
O dr. Thiollier sorriu-se então para o amigo, vendo um homem entrar:
– Não conhece? É o sr. Carlos Mirabelli.
– Ah! – e cortejaram.
O “professor” disse então que desejava falar em particular ao dr. René. Convidou-o este a entrar para o salão. Aí, logo à entrada, o “homem profeta” disse estar vendo o saudoso pai do dr. René Thiollier e outras coisas, entre as quais muitas interessantes que serão oportunamente contadas por aquele mesmo distinto advogado.
De repente, esbugalhando os olhos, disse-lhe Mirabelli:
– Olhe, o seu pai me pede para que dê um recado à senhora sua mãe, d. Zizinha…
Nisto o dr. René pediu licença e saiu a dar umas ordens; instantes depois voltava. Viu então o sr. Carlos Mirabelli, QUE ESTAVA COM UMA CADERNETA DE BOLSO NAS MÃOS, fechá-la e pô-la rapidamente no bolso. O falso médium disse de novo, com a maior fleugma deste mundo, ao distinto moço:
– Olhe! O seu pai esteve aqui outra vez e me declarou que a senhora sua mãe não é a d. Zizinha, mas d. Menina…
Depois disso, não pôde restar a menor dúvida de que Carlos Mirabelli é… o “mais extraordinário médium destes últimos tempos”.
O MÉDIUM TRINDADE
Acha-se nesta capital, e deu-nos ontem o prazer de sua visita, acompanhado do sr. José Gonçalves, secretário do Teatro S. José, o conhecido médium Antônio J. Trindade, residente no Rio de Janeiro.
O sr. trindade, que veio a S. Paulo especialmente para estudar o caso Carlos Mirabelli, fará sobre esse assunto uma série de conferências naquele teatro, devendo realizar a primeira no próximo sábado.
* *
MIRABELLICO
Não me agita jamais, nem me põe cuca
O que pratica o célebre intrujão
Pois simplesmente afeta a alma caduca
Esta tremenda mistificação.
Ver tanta gente que não é maluca
Ser apanhada assim de pé pra mão
Na triste mirabéllica arapuca
Em verdade nos encheu de comoção!
E os que ainda vivem nesse ledo engano
Na hospitaleira terra do café
Ao despertar nas mãos do prestímano
Desapontados morrerão até.
– Maldizendo o “Correio Paulistano”,
– Amaldiçoando a sua boa fé…
João das REGRAS.
Para amanhã:
Duas palavras a muitos consulentes
Por que o sr. Mirabelli passou de pelotiqueiro a médium
UMA INDÚSTRIA ALTAMENTE LUCRATIVA NESTES TEMPOS DE CRISE
“Ele é pobre… Dá-se-lhe sempre alguma coisa…”