Em 1743, Swedenborg começou a manifestar insanidade; mas esta não era de um tipo comum, incapacitante – tinha método. Acostumado a trabalhar quase ininterruptamente, o notável cientista passou a frequentar jantares, encontros, proferir palestras e escrever livros para divulgar sua boa nova: ele via espíritos, inclusive acordado.
Como era um homem extremamente culto, passou a elaborar conceitos afins e justificar teoricamente suas experiências. Como responder a esta esfinge? Ela devorou o filósofo sueco, que até o fim de sua vida não conseguiu decifrá-la. Todavia, Kant iniciou a produção de uma resposta que considero parcialmente pertinente.
Meu primeiro contato com o Swedenborg mistico foi decepcionante. Para um leitor contemporâneo, o enigma do que ocorreu com esse vidente de espíritos é fácil e rapidamente decifrável – insanidade. Li extratos de suas obras nos quais supostamente sua alma deixava seu corpo, viajava para outros orbes celestes (evento comumente chamado “viagem astral”) e os descrevia. Marte, Júpiter, Lua etc. – todos possuíam cidades com multidões de pessoas que, ao desencamarem, seguiam para as contrapartes espirituais dos seus astros, tal como ocorria na Terra. O avanço da astronomia no séc. XX e a corrida espacial nos libertou. Ademais, céu e inferno hoje não gozam de popularidade acadêmica e dificilmente persuadem com a facilidade com que faziam no séc. XVIII.
Por ocasião do mestrado, li pela primeira vez a tradução espanhola de Pedro Chacon & Isidoro Reguera de Los suenos de un visionario explicados por los suenos de la metafisica, de Kant, ensaio originariamente publicado em 1766, no qual o hoje famoso filósofo criticou duramente a obra Arcana coelestia, de oito volumes, escrita por Swedenborg. Os prefácios das duas traduções espanholas utilizadas para auxiliar a elaboração da tradução para o português de Sonhos (abaixo) repercutem a opinião tradicional de que Kant representava a razão no embate e vitória sobre o obscurantismo. Assim eu pensava também naqueles dias idos.
Relendo recentemente o texto, agora em inglês (Dreams of a spirit-seer ilustrated by dreams of metaphysics, de Emanuel Goerwitz e Frank Sewall, tradução publicada em 1900), pude notar da parte dos organizadores americanos da versão certa simpatia por Swedenborg. Como? O que eles sabiam que eu não sei? A curiosidade me conduziu a ler o texto todo, e a primeira tese imbricada aos comentários e notas é que Kant não leu ou não leu com atenção toda a obra de Swedenborg. Vários extratos desta, apresentados como notas, tocam exatamente em pontos da critica de Kant em Sonhos. Ademais, e eis o tema mais candente: em algumas de suas obras posteriores, Kant teria utilizado conceitos e ideias presentes em Arcana coelestia (e desenvolvidos em outros escritos pelo vidente de espíritos). E os comentadores americanos os apontaram, junto com as passagens correspondentes de Swedenborg.
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