A Vida Depois da Morte, de Scott Rogo (1986) – Capítulo 1

“A Vida Depois da Morte”, de Scott Rogo, é certamente o 2º melhor livro já escrito sobre o assunto no século XX, atrás apenas de “Mediunidade e Sobrevivência”, de Alan Gauld. Neste 1º capítulo, Rogo aborda casos fantásticos das médiuns Leonora Piper (americana) e Gladys Osborne Leonard (britânica).

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Pesquisas Psíquicas e a Controvérsia Acerca da Sobrevivência 

O Caso de James Kidd 

Um dos capítulos mais curiosos da história da jurisprudência norte-americana data de 1967, quando um excêntrico garimpeiro do Arizona, chamado James Kidd, foi declarado legalmente morto. Kidd desaparecera no deserto, perto de Phoenix, em 1949. Tal ocorrência provavelmente passaria despercebida pelos jornais e pelo público, se não fosse um estranho aspecto do caso. Quando desapareceu, o garimpeiro deixou 175.000 dólares em dinheiro e ações, depositados em um banco. Também deixou um testamento particular, datado de 2 de janeiro de 1946, no qual declarava, entre outras coisas, que deixava seus bens para “…a procura de alguma prova científica de uma alma que o corpo humano deixa com a morte…”.

Quando foi divulgada a notícia do testamento, a agitação foi grande. Dentro em pouco a justiça de Phoenix se viu às voltas com uma multidão de pessoas que se consideravam contempladas pelo testamento. Havia espíritas, igrejas, filósofos, institutos de pesquisa e uma multidão de excêntricos, todos querendo abiscoitar a herança. As audiências judiciais que tiveram lugar nos meses seguintes estiveram repletas de profundas discussões filosóficas e de tiradas francamente humorísticas. Uma espírita de Los Angeles demonstrou perante o juiz que seu espírito guia podia responder a perguntas, por seu intermédio, enquanto seu secador de cabeça funcionava, de maneira que ela não pudesse ouvir as perguntas que lhe eram feitas! Um professor de filosofia de um colégio secundário da Califórnia afirmou que era capaz de provar a existência da alma pela lógica, ao passo que o Instituto de Neurologia Barrow, do Arizona, queria receber a herança para custear pesquisas sobre o cérebro. Também os parapsicólogos ficaram interessados no testamento, e tanto a Sociedade Americana de Pesquisas Psíquicas (de Nova York), como a Fundação de Pesquisas Psíquicas (de Durham, Califórnia) mandaram representantes, que depuseram perante a justiça.

O processo acabou ficando conhecido por O Grande Julgamento da Alma, e a decisão da justiça foi decepcionante. O Juiz Robert J. Myers atribuiu a herança ao Instituto de Barrow, argumentando que o dinheiro seria melhor empregado para financiar uma pesquisa útil.

A decisão enfureceu vários dos pretendentes, que argumentavam que o Instituto se desqualificara previamente, pela própria argumentação que empregara, admitindo que não faria pesquisas sobre a alma, de maneira que as críticas se justificavam. Posteriormente, tanto a Sociedade Americana de Pesquisas Psíquicas como a Fundação de Pesquisas Psíquicas, que tinha sido fundada em 1960, expressamente para investigar os problemas da sobrevivência, apelaram da sentença. O tribunal de justiça do Estado foi mais compreensível, e deu provimento ao recurso, mandando que o juiz de primeira instância reformasse a decisão. O juiz não teve alternativa, senão atribuir a herança à Sociedade de Pesquisas Psíquicas que demonstrara, perante a justiça, estar há muito tempo empenhada em descobrir provas da vida após a morte. A Sociedade, por sua vez, resolveu dividir o legado com a Fundação.

O estranho caso de James Kidd e seu testamento ofereceram aos parapsicólogos um interessante precedente. Pública e (de certa maneira) juridicamente, foi reconhecido que a questão da vida depois da morte pode ser estudada cientificamente. Também ficou estabelecido que a ciência da parapsicologia é a melhor indicada para empreender a tarefa. A decisão da justiça foi provavelmente influenciada pelo depoimento do Dr. Gardner Murphy, que era presidente da Associação de Pesquisas Psíquicas e também um eminente psicólogo. Murphy não mediu esforços para explicar que a entidade se dedicava há muito tempo a estudar as aparições, visões no leito de morte, mediunidade e outros fenômenos psíquicos. São ocorrências raras, que sugerem que, ocasionalmente, nós, os vivos, podemos ver de relance o mundo invisível. O tribunal concordou com esse ponto de vista.

Se, porém, a parapsicologia vem explorando a questão da sobrevivência há tanto tempo, por que será que o problema da vida após a morte continua sem solução? Realmente, embora exista uma rica literatura histórica sobre o assunto, a prova decisiva da vida após a morte ainda não encontrada.

As Bases das Investigações Sobre a Sobrevivência 

A fim de compreender a complexidade da questão da sobrevivência, é mister conhecer primeiro algo sobre a história das investigações psíquicas. A parapsicologia é hoje uma ciência experimental, e a maioria dos pesquisadores profissionais se dedicam ao trabalho de laboratório, examinando pessoas, sobre questões relacionadas com a telepatia, clarividência, precognição e domínio da mente sobre a matéria. Essa é, realmente, apenas o mais recente aspecto que a parapsicologia adotou durante a sua curta história, em busca da respeitabilidade científica. A ciência da parapsicologia data, realmente, da década de 1880, antes do advento de estatísticas complicadas, psicofisiologia e outros instrumentos utilizados pelos parapsicólogos de hoje. As pesquisas psíquicas daquele tempo consistiam mais em uma busca filosófica e existencial, uma vez que apareceram em uma sociedade muito diferente da de hoje.

Vários fatores contribuíram para a maneira com que a cultura foi forçada a mudar durante a era vitoriana, e esses fatores naturalmente influenciaram a maneira com que as pesquisas psíquicas se desenvolveram a princípio. Foi uma época em que a ciência e as realizações científicas desafiaram a autoridade religiosa, que dirigira o pensamento europeu nos quinhentos anos anteriores. O século XIX foi uma época de grande progresso industrial e muitas invenções, e muita gente passou a acreditar que a ciência, e não a religião, poderia salvar a humanidade e torná-la senhora do universo. Essa mentalidade não foi alterada nem quando o brilhante cientista e pensador britânico Charles Darwin publicou A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural e (mais tarde) A Descendência do Homem. A concepção darwiniana implicava ser o homem meramente uma parte do mundo existente, e não distinto dele. As descobertas de Darwin mostraram que o homem não sofreu uma queda espiritual da graça Divina, quando veio habitar a Terra, mas simplesmente evoluiu de formas de vida inferiores. Isso constituiu um desafio à autoridade cristã, que ensinava que o homem deve lutar para reconquistar a condição espiritual que perdeu no começo dos tempos. Durante aqueles anos, sábios, na Alemanha, também estavam mostrando que a própria Bíblia não era um documento infalível, mas podia ser analisado criticamente, como qualquer obra literária. E o que descobriram afetava seriamente a crença religiosa.

Disso resultou uma sociedade que, pela primeira vez há muito tempo, não adotava uma concepção do mundo simplesmente na base do dogma religioso. A ciência estava erguendo a humanidade acima dos deuses, e afigurou-se a necessidade de ter a religião de adotar métodos científico a fim de provar doutrinas tais como a alma e sua imortalidade.

Foi durante aqueles anos críticos que surgiu, nos Estados Unidos, um pequena seita. O espiritismo era um pequeno movimento religioso, que se enraizou profundamente na cultura norte-americana nas décadas de 1840 e 1850. A expansão do movimento data de 1848, quando várias testemunhas oculares puderam observar algumas estranhas manifestações espíritas, em uma pequena casa de campo em Hydesville, no Estado de Nova York. Tais manifestações consistiam principalmente de sinais recebidos por duas adolescentes que moravam na casa, Margaret e Kate Fox, cujo pai, um pequeno fazendeiro, em breve começou a viajar pela região oriental dos Estados Unidos mostrando o poder das filhas de trazer sinais do mundo espiritual. Aquelas demonstrações despertaram o interesse da comunidade científica, assim como do público em geral, que viu na paranormalidade a base de uma nova religião, uma religião ensinando que a comunicação com os mortos era uma realidade comum. Saber se aquelas duas primeiras médiuns eram legítimas ou falsas tornou-se na realidade desnecessário, pois o espiritismo estava em ascensão.

O que atraiu o público norte-americano foi o fato de parecer o espiritismo uma religião científica. Não baseava a sua teologia no dogma ou na autoridade, mas ensinava que cada interessado poderia provar por si mesmo os seus princípios fundamentais. O cético tinha simplesmente de procurar a ajuda de um espírita ou médium.

O crescimento e a expansão do movimento espírita não somente influenciaram a cultura popular, como também despertaram a atenção da intelectualidade britânica. O progresso do espiritismo na Inglaterra ocorreu mais ou menos na mesma ocasião em que um certo número de filósofos britânicos, frouxamente relacionados, em vista de sua ligação com a Universidade de Cambridge, se encontravam às voltas com dúvidas religiosas próprias. O mais destacado daqueles pensadores era o Professor Henry Sidgwick, conhecido filósofo e professor daquela universidade. Entre os seus colegas estavam o seu discípulo F.W.H. Myers e Edmund Gurney, formado em Cambridge e musicólogo de mérito.

Aqueles intelectuais estavam seriamente preocupados com as mudanças que ocorriam na cultura e nas tendências intelectuais da Grã-Bretanha. Eram filhos de ministros religiosos, educados para cultuarem as crenças e valores cristãos. Ficavam perturbados ao verem a sociedade se afastando das velhas doutrinas, mas, ao mesmo tempo, compreendiam que tais mudanças eram lógicas em um mundo que se modificava radicalmente. Sentiam que a sociedade estava na iminência de ser inundada por uma onda de ateísmo e materialismo, que, achavam, acarretaria o seu declínio. Assim, procuraram encontrar um meio de restabelecer a ordem cristã. Como não podiam mais confiar em polêmicas ou raciocínios filosóficos, viram-se tomados de perplexidade. E foi nessa ocasião que lançaram um olhar, ainda desconfiado, para o movimento espírita, que emigrara para a Inglaterra em 1852. O grupo de Cambridge decidiu afinal que naquele campo é que poderiam conquistar as suas mais importantes vitórias. De fato, acreditavam, se o supernatural podia ser cientificamente demonstrado, as conclusões a que se chegasse poderiam ser utilizadas para rejeitar o materialismo vitoriano.

As irmãs Fox fazem uma mesa levitar, em 1850; supunha-se que tais façanhas eram causadas pelos espíritos, constituindo, assim, uma prova da sobrevivência. (Biblioteca Mary Evans.)

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Deve se salientar, no entanto, que o grupo de Cambridge não tinha o propósito de provar o espiritismo. Seus membros simplesmente argumentavam que, se os fenômenos do espiritismo fossem verdadeiros, aqueles estranhos eventos voltariam a confirmar a natureza espiritual do homem. Alguns críticos do trabalho do grupo também acusavam aqueles pensadores de estarem emocionalmente determinados a descobrir a prova da vida após a morte. Não era esse o caso, todavia. O Professor Sidwick e seus colegas desejavam encontrar uma prova científica com a qual pudessem refutar a onda de materialismo que prevalecia em sua época. Sabiam, porém, por outro lado, que tal prova teria de ser bastante forte para influenciar qualquer crítica objetiva, assim como para satisfazer as suas próprias dúvidas.

Essa é, de fato, uma das razões pelas quais a controvérsia da sobrevivência jamais foi resolvida dentro da parapsicologia. Os fundadores da ciência em breve verificaram que encontrar a prova da vida após a morte, o problema que lhes parecia fundamental, não era tão fácil como um problema de lógica ou encontrar a solução de uma equação algébrica.

O acontecimento mais importante resultante daqueles anos de busca e questionamento ocorreu em 1882, quando o grupo de Cambridge se juntou a vários dos membros mais críticos do movimento espírita. Juntos, fundaram a Sociedade de Pesquisas Psíquicas, que se tornou o primeiro corpo científico destinado ao estudo da paranormalidade. O objetivo da Sociedade consistia em investigar os relatos dos fenômenos psíquicos, estabelecer os critérios a respeito do que deveria ser considerado como prova e, em seguida, determinar a natureza dos acontecimentos. A Sociedade empreendeu tais estudos com espírito crítico, e muitas figuras destacadas da Grã-Bretanha participaram de seus trabalhos. Entre elas se encontravam vários eminentes cientistas e alguns poucos políticos.

A ciência da moderna parapsicologia surgiu em conseqüência das atividades daquela instituição. Com o tempo, aconteceu mesmo que os elementos espíritas se afastaram da Sociedade, quando o grupo original de Cambridge começou a aplicar métodos cada vez mais críticos aos seus estudos. Para o que desse e viesse, a Sociedade acabou se libertando de seus antigos laços religiosos. Tornou-se essencialmente uma instituição dedicada a distinguir os fatos da ficção e da fraude, no estudo dos fenômenos psíquicos.

Os fundadores da Sociedade trataram de estudar uma rica variedade fenômenos de modo algum diretamente relacionados com o problema da sobrevivência. Investigaram casos de telepatia ocorridos na vida quotidiana, iniciaram pesquisas experimentais sobre a transmissão de pensamento, examinaram os casos de supostas comunicações de espíritos por meio de pancadas e se mostraram fascinados pelo estudo do hipnotismo. A preocupação central da Sociedade, porém, continuou a ser a questão da sobrevivência.

Aparições e o Caso de Sobrevivência 

Uma vez que os primeiros investigadores psíquicos realizaram grande quantidade de pesquisas práticas, não é de se admirar que a primeira prova da sobrevivência tenha procedido de experiências quotidianas do público britânico. Os fundadores da Sociedade estavam interessados em coletar e estudar casos de experiências psíquicas espontâneas (da vida real), e, em 1886, tinham reunido um número considerável de casos de telepatia, experiências de aparições e outros episódios espíritas. O que impressionou aqueles grandes pensadores foi o número de aparições em momentos decisivos incluídos em seus dados. Eram casos em que a aparição era vista no mesmo momento em que a pessoa que a projetava realmente morria. Foram incluídos em seus apontamentos trinta e dois desses casos, e os dirigentes da Sociedade chegaram à conclusão de que uma profunda investigação daquelas informações concorreria para a solução do problema da sobrevivência.

O relato seguinte é típico daqueles primeiros casos. O relatório está datado de 20 de maio de 1884.

Eu estava lendo, certa noite, quando, levantando os olhos do livro, vi distintamente uma colega de estudos, à qual eu era muito afeiçoado, de pé junto da porta. Eu ia manifestar a minha estranheza por sua visita, quando, horrorizado, constatei que não havia ninguém no aposento, além de minha mãe. Contei-lhe o que vira, sabendo que ela não podia ter visto, pois estava sentada de costas para a porta, nem ouvira coisa alguma de anormal, e ela achou graça em meu susto, dizendo que eu devia ter lido demais ou ter sonhado.

Um dia ou dois depois do estranho acontecimento, recebi notícia da morte de minha amiga. O estranho é que nem sequer sabia que ela estava doente, muito menos correndo perigo de vida, de modo que não podia estar preocupado quando aquilo aconteceu, mas podia estar pensando nela; isto não posso jurar. A sua doença foi curta e a morte de todo inesperada. Sua mãe me disse que ela falou a meu respeito pouco antes de morrer… Morreu na mesma noite, e mais ou menos na mesma hora em que tive a visão, no fim de outubro de 1874.

Coube a Edmund Gurney investigar aquele caso pessoalmente. Meticulosa e cuidadosamente, ele procurou determinar se a testemunha era sujeita a alucinações ou se poderia ter se enganado acerca do dia em que viu a aparição. As constatações feitas in loco confirmaram a declaração da moça.

A maior parte daqueles primeiros relatos de aparições no momento da morte nada tinha de espetacular. Essa típica banalidade impressionou os pesquisadores da Sociedade, uma vez que não coincidia com a intensa dramaticidade de que se revestem as histórias fictícias de assombrações. De fato, um dos pesquisadores chegou a observar que tais casos eram mais capazes de fazer dormir do que de tirar o sono! O caso seguinte, por exemplo, foi mencionado por um perplexo professor.

Há cerca de 14 anos, cerca de três horas de uma tarde de verão, eu estava passando diante da igreja da Trindade, em Upper King Street, em Leicester, quando vi, do lado oposto da rua, um velho amigo, que eu perdera de vista havia algum tempo, porque ele saíra da cidade para seguir um curso fora. Achei esquisito ele não ter me notado, e, enquanto o seguia com os olhos, resolvendo se iria ou não me aproximar dele, chamei-o em voz alta, e fiquei um tanto surpreso, por não ter visto em que casa ele entrou, pois estava convencido de que entrara em alguma. Na semana seguinte, fui informado de sua morte, quase repentina, em Burton-on-Trent, mais ou menos à mesma hora em que eu tivera certeza de que ele estava passando diante de mim. O que mais me impressionara naquela ocasião foi não ter ele me notado, caminhar sem fazer o menor barulho e ter desaparecido tão subitamente. Mas que era E.P.I. eu nunca duvidei. Sempre achei que se tratou de uma alucinação, mas o que me intriga é o fato de ter ocorrido justamente naquela ocasião. 

Cuidadosas averiguações comprovaram que a testemunha jamais tivera alucinações antes. Os investigadores apuraram também que a testemunha contara o caso à sua mãe, antes de saber da morte do amigo. Infelizmente, a mãe da testemunha morrera antes de ser feita a investigação, d sorte que se perdeu uma importante testemunha. No entanto, os investigadores da Sociedade puderam revelar vários casos em que as testemunhas ainda estavam disponíveis. Em alguns casos, a aparição foi vista por mais de uma pessoa, como no seguinte exemplo:

Há alguns anos, quando morava em Woolstone Lodge, Woolstone Berks, de cuja igreja e paróquia, etc., etc., meu marido era clérigo, certa noite, após o chá, deixei a reunião de família junto da lareira, a fim de ver se a nossa criada alemã conseguiria fazer com que uma mocinha que trabalhava conosco fizesse uma arrumação para a manhã seguinte. Quando cheguei ao alto da escada, passou por mim uma senhora que saíra de nossa casa havia algum tempo. Estava vestida de preto, de seda, com um véu de musselina na cabeça, até os ombros, e a seda farfalhava. Apenas pude ver o seu rosto de relance. Ela passou por mim, deslizando rapidamente e sem fazer o menor ruído (a não ser o da seda), e sumiu depois de dar dois passos no comprido corredor que ia até ao meu quarto de toalete e não tinha outra saída. Mal pude exclamar: “Oh Caroline!”, quando senti que havia algo de inatural, e desci a escada correndo, e voltei à sala, onde caí ajoelhada junto de meu marido, custando a me refazer. Na manhã seguinte, o pessoal de casa começou a brincar comigo por causa da visão, mas depois apareceu a criadinha que tomava conta das crianças, contando que, quando estava limpando a sua lareira, ficara tão apavorada com o aparecimento de uma mulher sentada perto dela, vestida de preto e com um véu branco cobrindo a cabeça e os ombros, que nada poderia induzi-la a voltar ao quarto. Os outros tinham ficado com medo de me contar essa confirmação da aparição, achando que os meus nervos iam ficar ainda mais abalados do que estavam.

Como por acaso, muitos de nossos vizinhos apareceram em nossa casa na manhã seguinte: Mr. Tufnell, de Uffington, perto de Faringdon, o Arquidiácono Breus, Mr. Atkins e outros. Todos se mostraram interessados, e Mr. Tufneel fez questão de anotar vários pormenores em seu próprio caderno de notas, e me fez prometer que naquela noite mesmo escreveria para minha prima, Sra. Henry Gibbs, que estivera hospedada em nossa casa durante alguns dias, e eu já começara a escrever uma carta para ela.

Escrevi imediatamente para meu tio (o Reverendo C. Crawley, de Hartpury, perto de Gloucester) e minha tia, contando tudo que acontecera. Pelo correio de volta, fiquei sabendo: “Caroline está passando muito mal em Belmont” (para onde sua família a mandou). “Está em estado desesperador.” E ela morreu, no mesmo dia ou noite em que me fez aquela visita. O choque foi grande demais para uma pessoa que não é das mais fortes, e fui um dos poucos membros da família Drawley ou Gibbs que não acompanhou o enterro. 

Felizmente, uma das testemunhas independentes ainda estava viva e pôde confirmar aos investigadores da Sociedade toda a série de acontecimentos.

O fato de tais aparições parecerem ser legítimos fenômenos paranormais intrigou os fundadores da Sociedade. Constituiriam aquelas aparições, pensavam eles, uma prova de que o homem possui uma alma que é libertada do corpo pela morte?  A princípio, isso se afigura uma hipótese aceitável quando, porém, passaram a examinar os dados de que dispunham mais atentamente, eles foram, pouco a pouco, se tornando menos seguros.

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Edmund Gurney, da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, desempenhou papel de destaque na coleta de provas das aparições. (Biblioteca Mary Evans)

 

Travou-se um prolongado debate sobre a natureza daquelas aparições quando Edmund Hurney, RW.H. Myers e seu colega Frank Podmore se juntaram para escreverem o estudo, em dois volumes, Phantasmas of Living. Essa publicação foi o primeiro empreendimento de grande porte da Sociedade de Pesquisas Psíquicas e ficou claro que aqueles brilhantes pesquisadores não concordavam sobre a natureza dos fantasmas… e muito menos se eles significavam a libertação da alma pelo corpo.

Edmund Gurney escreveu o grosso Phantasms. Como estava fascinado pelo estudo da telepatia, não pôde deixar de sustentar a idéia de que a aparição resultava realmente de uma forma de transmissão de pensamento. Salientou que aquelas aparições se mostravam pouco diferentes, essencialmente, das imagens visuais que algumas pessoas viam durante a recepção de mensagens telepáticas. Isso o levou a sugerir que as aparições eram meramente uma forma exteriorizada mais perfeita da imagem mental. Era um ponto de vista radical para ser sustentado, mas Gurney apoiou a sua opinião tanto em argumentos empíricos como teóricos. Salientou que as aparições não pareciam ser objetivas, ocupando o espaço. Os dados colhidos mostravam que elas jamais deixavam coisa alguma para trás, apareciam e desapareciam sem um traço, caminhavam através das paredes e, em via de regra, apareciam trajando vestes comuns. Isso lhe parecia sinais gritantes da imaterialidade. Algumas vezes, continuava Gurney a argumentar, as aparições se apresentavam vestidas como a testemunha esperava que estivessem. Isso indicava que as figuras eram em parte construídas na própria mente da testemunha.

Essa não era, porém, a palavra final sobre o assunto, uma vez que F.W.H. Myers refutou prontamente o seu colega. Salientou que a existência de aparições observadas por mais de uma pessoa demonstrava a sua parcial realidade objetiva. A sua explicação era que a aparição resulta de algum aspecto do organismo do moribundo que se projeta no espaço e se exterioriza em um ponto distante. Tais manifestações podem, portanto, não ser puramente físicas no sentido objetivo, mas podem representar uma parcial invasão psíquica do lugar em que se concretizam.

Edmund Gurney não pôde concordar com a complicada reabilitação feita por Myers da idéia de que as aparições eram fenômenos objetivos. Assim, contra-atacou, sugerindo que as aparições coletivas ocorrem sob a forma de um contágio telepático entre as testemunhas.

Enquanto se travavam esses debates, outros pesquisadores da Sociedade organizaram uma tentativa de repetir o estudo de Phantasms. Isso ocorreu em 1889, com uma pesquisa entre o público britânico acerca de experiências psíquicas, e os resultados foram publicados em 1894, sob o título Censo de Alucinações. Os relatos sobre aparições no momento decisivo foram de novo notáveis pela sua presença. As provas em alguns desses casos foram ainda melhores do que as apresentadas em Phantasms.

A despeito da descoberta de tantos casos novos, o debate sobre a natureza das aparições caminhava, visivelmente, para um impasse. Essa situação levou alguns dos pesquisadores da Sociedade ao estudo das aparições post mortem, isto é, dos fantasmas vistos muito depois da morte do agente. Graças a tais estudos, foram revelados casos em que as aparições transmitiam informações corretas às testemunhas. Em outros casos, o fantasma se mostrava interessado em alcançar algum objetivo ou intenção que o preocupava em vida. Alguns poucos casos de casas mal-assombradas também mereceram a atenção da Sociedade. Esses casos eram muito mais raros do que as aparições no momento crítico, e alguns dirigentes da Sociedade não confiavam muito em seu valor. F.W.H. Myers estudou-as mais intensamente, e concluiu que elas representavam “… manifestações de persistente energia pessoal”, mas foi severamente criticado por Frank Podmore, que salientou que a maior parte das aparições post mortem raramente revelava qualquer sinal verdadeiro de personalidade. Ele preferia acreditar que os relatos não passavam de embustes, ou que as aparições eram criadas na própria mente das testemunhas, embora, talvez, em decorrência da recepção de informação mediúnica.

Mediunidade e o Caso de Sobrevivência 

O grande debate da Sociedade de Pesquisas Psíquicas sobre a natureza das aparições ocupou a atenção do grupo de Cambridge da década de 1880 até a 1890. Conquanto um caso a priori de sobrevivência pudesse ser reconstituído com os dados colhidos, certamente tais estudos não constituíam o tipo de prova satisfatória da imortalidade, que se buscava. Assim, o grupo passou a procurar tal prova em outras direções. Foi graças a isso que os fundadores da Sociedade voltaram ao movimento espírita, apesar da sua repulsa pelas fraudes que, sabiam, ali não faltavam. Os fundadores da Sociedade tinham todos investigado médiuns espíritas durante os seus primeiros estudos e se mostravam ambivalentes quanto aos resultados obtidos. Sentiram-se encorajados, contudo, quando William James, o brilhante e considerado filósofo-psicólogo de Harvard, entrou em contacto com eles, em 1885, com a espantosa notícia de que encontrara uma médium de verdade, por intermédio da qual conversara com parentes seus, comprovadamente mortos.

O testemunho de pessoa dotada de mentalidade tão aberta à critica não podia ser ignorada, e abriu-se um novo capítulo na busca de provas para a parapsicologia.

A Sra. Leonore Piper não era, exatamente, a imagem de uma espírita prodigiosa. Era uma senhora casada da classe média, que levava, em Boston, uma vida eminentemente normal. Seu relacionamento com o movimento espírita só ocorreu depois que ela estava às voltas com alguns problemas médicos, em decorrência de um acidente. Seu sogro sugeriu que ela fosse consultar um famoso clarividente cego de Boston, a fim de ouvir a sua opinião sobre o tratamento conveniente. Foi durante a primeira consulta que algo de estranho aconteceu. A Sra. Piper mais tarde explicou que estava sentada, ouvindo o médium, quando o rosto dele pareceu ir se tornando cada vez menor, como se estivesse se afastando, até que perdi a consciência de onde me encontrava. Ao que parece, ela entrou espontaneamente em transe, o que a surpreendeu, pois, até então, não demonstrara interesse pelo espiritismo. O fato é que ela passou a freqüentar as sessões do Dr. Cocke, e não tardou a descobrir que também ela tinha qualidades mediúnicas. Dentro em pouco, ela se tornou a sensação da comunidade espírita, pois, durante os seus transes, os seus clientes se mostravam capazes de entrar em contacto com amigos e parentes mortos.

 

A Sra. Leonore Piper foi uma das médiuns que provou a comunicação espírita, de maneira satisfatória para William James. (Biblioteca Mary Evans)

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A Sra. Piper contava então apenas 25 anos de idade, e a sua desabrochante mediunidade provavelmente não teria chamado a atenção científica se não fosse aquele afortunado incidente. A sogra de William James ouviu falando a seu respeito, visitou-a e ficou tão impressionada com o seu desempenho, que chamou para o fato a atenção do genro. James e sua esposa procuraram a Sra. Piper pouco depois, e ficaram estarrecidos com as corretas mensagens que receberam.

James participou de várias sessões com a Sra. Piper, de 1885 a 1886, e vários dos incidentes que testemunhou o impressionaram de modo espeicial. Durante uma das sessões, por exemplo, o psicólogo e seu irmão foram advertidos que sua tia (então residente em Nova York) acabara de morrer naquela madrugada, às 12,30 horas. James nada sabia a respeito, porém mais tarde escreveu: “Ao chegar em casa, uma hora mais tarde, encontrei um telegrama dizendo: Tia Kate faleceu alguns minutos depois da meia-noite.”

A Sociedade naturalmente ficou impressionada com casos tais como esse de modo que, em 1887, resolveu entrar em ação. Foi enviado a Boston um de seus mais competentes investigadores, a fim de estudar o caso in loco e apresentar um relatório a respeito. Richard Hodgson era um pesquisador correto e imparcial, mas também apaixonadamente dedicado às investigações psíquicas. Partiu para Boston, e acabou dedicando os dezoito anos seguintes de sua vida ao estudo da mediunidade da Sra. Piper.

Richard Hodgson fora para os Estados Unidos a fim de assumir a direção do ramo norte-americano da Sociedade de Pesquisas Científicas, que William James a ajudara a organizar. Seus planos consistiam em participar ele próprio das sessões da Sra. Piper, registrar as ocorrências, estudar todas as circunstâncias e certificar-se se a médium não estava secretamente colhendo informações sobre os seus clientes. Chegou mesmo a encarregar detetives de segui-la, e fez questão que a médium não soubesse os nomes de muitas pessoas que a consultavam. Apesar dessas medidas rigorosas, a qualidade da mediunidade da Sra. Piper continuou impressionante. Bastava-lhe sentar-se com algum cliente para, após algumas pequenas convulsões, entrar em transe e, dentro em pouco, uma curiosa personagem, que dizia se chamar Dr. Phinuit, falava por seu intermédio e atuava como mestre-de-cerimônias na sessão. Hodgson jamais se impressionou muito com o Dr. Phinuit, que praticamente não sabia se expressar em francês e jamais pôde apresentar uma versão aceitável de sua própria vida terrena. Na realidade, Phinuit parecia ser uma parte destacada da mente da própria Sra. Piper, ou, pelo menos, era essa a opinião de Hodgson. Apesar, contudo, de suas credenciais duvidosas, o Dr. Phinuit mostrava-se muitas vezes brilhante na transmissão de mensagens verídicas dos mortos.

Mais tarde, Hodgson informou que, em sua primeira sessão em casa da Sra. Piper, o Dr. Phinuit descrevera corretamente e falara em nome de alguns de seus próprios amigos já falecidos. Em particular mencionou o nome correto de um antigo colega de estudos. “Ele diz que vocês freqüentaram a escola juntos”, revelou o mensageiro a Hodgson. “Ele pula e ri. Diz que levava a melhor com você. Teve convulsões ao lutar contra a morte. Morreu com uma espécie de espasmo. Você não estava lá.” Todas essas triviais informações eram corretas, e alertaram o Dr. Hodgson para o fato de estar diante de um caso potencialmente de grande importância.

As comunicações que se seguiram ao aparecimento de seu velho amigo o impressionaram ainda mais. Hodgson era australiano, e, muitos anos antes de se mudar para a Inglaterra, apaixonara-se por uma moça, que não desposara, porém, e que havia falecido muito tempo antes das sessões espíritas. Hodgson ficou atônito, quando Phinuit começou a descrever a moça, e a transmitir várias mensagens pessoais, que, mais do que qualquer outra coisa, convenceram Hodgson da autenticidade do poder mediúnico da Sra. Piper.

Apesar da notável natureza da prova, o Dr. Hodgson não ficou certo de que se tratava realmente de contacto com os mortos. Era verdade que as mensagens pareciam vir do mundo dos mortos, e que o pesquisador passou meses fiscalizando as sessões de outros clientes cujas experiências pessoais se inclinavam na mesma direção. No entanto, à semelhança de tantos outros fundadores da Sociedade, Hodgson se viu envolvido no mesmo velho debate da telepatia versus comunicação espírita, que estava prejudicando o estudo das aparições. Sem dúvida, era razoável supor que as mensagens da Sra. Piper vinham dos mortos, mas também era possível que ela estivesse lendo as mentes dos participantes da sessão e colhendo todas as informações pertinentes. Tais informações, argumentava o pesquisador, poderiam ser usadas para elaborar personificações perfeitas (mas fictícias) do morto. Essa linha de raciocínio era tentadora, uma vez que o principal controle da Sra. Piper também parecia falso. Não foi preciso um salto muito grande na fé e na lógica para presumir que todos os espíritos que se manifestavam regularmente através da médium tinham raízes psicológicas em sua própria mente. Hodgson a princípio adotou esse ponto de vista, que sustentou em seu primeiro relatório principal sobre o caso.

Ele não foi a única pessoa a receber tais mensagens evidentes, uma vez que muitos dos participantes das sessões espíritas com os quais esteve em Boston admitiram êxitos semelhantes. Assim, a fim de examinarem a Sra. Piper em condições mais rigorosas, Hodgson e seus colegas resolveram levá-la à Inglaterra, a fim de que se apresentasse pessoalmente à Sociedade de Pesquisas Psíquicas. Os pesquisadores da Sociedade ficaram realmente à vontade para observá-la atentamente. A viagem serviu também para assegurar que a Sra. Piper não recebia informações secretas acerca dos antecedentes das pessoas que a consultavam, pois não estivera antes na Inglaterra e não lhe era possível ter acesso a tais informações. Os consultantes eram, no caso, naturalmente os próprios pesquisadores.

A Sra. Piper viajou para a Inglaterra em 1889, e foi recebida no cais por F.W.H. Myers e Oliver Lodge, um destacado físico da Universidade de Liverpool e um dos mais esclarecidos dirigentes da Sociedade de Pesquisas Psíquicas. Os dois controlaram todos os movimentos da médium e mesmo, com o seu consentimento, abriram a sua mala e se certificara de que ninguém lhe estava fornecendo informações. A despeito dessas dificuldades, a Sra. Piper realizou sessões espíritas para a Sociedade, e Liverpool e em Cambridge, com grande sucesso.

Seria impossível entrarmos em grandes detalhes acerca daquelas importantes sessões. Lodge talvez tenha sido o que mais se impressionou com a Sra. Piper, em parte devido às suas próprias experiências com ela, em um relato feito por Lodge acerca de um incidente ocorrido durante um de suas primeiras sessões. Não se deve esquecer que se trata na realidade apenas de um episódio que ocorreu durante uma sessão muito prolongada.

Aconteceu que um dos meus tios residentes em Londres, um home muito idoso, e um dos três únicos sobreviventes de uma família muito numerosa, tinha um irmão gêmeo, falecido havia vinte anos ou mais. Interessei-o de um modo geral pelo assunto, e escrevi-lhe pedindo para me mandar alguma relíquia de seu irmão. Pelo correio da manhã de certo dia, recebi um interessante relógio de ouro que seu irmão usava e de que gostava muito; e naquela mesma manhã, sem que ninguém da casa tivesse visto o relógio ou soubesse de sua presença, entreguei-o à Sra. Piper quando se encontrava em estado de transe.

Quase que imediatamente me foi dito que o relógio tinha pertencido a um de meus tios — um que gostava muito de Tio Robert, o nome do sobrevivente — que o relógio se encontrava então em poder do mesmo Tio Robert, com o qual ele estava ansioso para se comunicar. E, depois d alguma dificuldade, e muitas tentativas malsucedidas, o Dr. Phinuit disse o nome, Jerry, diminutivo de Jeremiah, e afirmou, enfaticamente, com se uma terceira pessoa estivesse falando: “Este é meu relógio, Robert meu irmão e estou aqui. Tio Jerry, meu relógio”…

Tendo assim ostensivamente entrado em comunicação, por esse ou aquele meio, com o que devia ser um parente morto, o qual eu conhecera apenas ligeiramente, em seus últimos anos, já cego, mas a respeito de cuja vida pregressa eu nada sabia, observei-lhe que, para que Tio Robert ficasse certo de sua presença, deveria revelar alguns fatos triviais de sua infância, todos os quais eu lhe transmitiria exatamente.

Ele concordou plenamente com a idéia, e durante várias sessões seguintes passou a instruir ostensivamente o Dr. Phinuit a mencionar uma série de pequenas coisas que permitiria a seu irmão reconhecê-lo…

O Tio Jerry relembrou episódios tal como uma ocasião em que os meninos nadaram juntos em uma enseada, com risco de se afogarem; um gato que mataram no terreno de Smith; a posse de uma pequena carabina e de uma pele comprida, como uma pele de cobra, que ele não achava estar em posse de Tio Robert.

Todos esses fatos foram mais ou menos completamente verificados. 

O único problema com as provas tais como essas era que a Sra. Piper costumava segurar as mãos dos consultantes. Alguns céticos sugeriam que o consultante poderia transmitir informações à espírita, por meio de movimentos musculares inconscientes e sutis. Essa idéia foi sustentada principalmente por Andrew Lang, um dos primeiros membros da Sociedade para Estados Psíquicos e pioneiro no estudo da antropologia e do folclore, que manteve prolongada discussão com Lodge sobre a questão, nas publicações da Sociedade. Lang encarava a Sra. Piper com ceticismo, porém mesmo ele admitiu finalmente que a referência à pele de cobra antes citada era boa demais para ser desprezada.

Vários dos dirigentes da Sociedade puderam trabalhar com a Sra. Piper durante a sua viagem. Elaboraram juntos um relatório sobre o seu trabalho, no qual chegaram a quatro conclusões principais: (1) que não havia motivo para se suspeitar da boa fé ou honestidade da Sra. Piper; (2) que a Dr. Phinuit era provavelmente uma personalidade da própria mente da espírita; (3) que muitas vezes ele forçava sua entrada em algumas das sessões, mas que (4) podia proporcionar farta quantidade de material altamente probante. Os pesquisadores, contudo, não se arriscaram a afirmar que as mensagens vinham dos mortos. A esse respeito se achavam inteiramente divididos. Sir Oliver Lodge preferia a sua hipótese a qualquer outra, acerca da fonte das comunicações da Sra. Piper, mas a hipótese telepática ganhava terreno, e alguns pesquisadores a aceitavam.

Mesmo, porém, sem chegarem a acordo acerca da fonte das comunicações da Sra. Piper, os dirigentes da Sociedade para Pesquisas Psíquicas não se descuidaram de estudar as suas formidáveis habilidades. Em 1890, ela regressou a Boston, onde continuou a trabalhar sob os auspícios de Hodgson. Embora os motivos não sejam claros, parece que então a qualidade de sua mediunidade estava melhorando. Algumas de suas sessões eram tão impressionantes, que a hipótese telepática teria de ser muito ampliada para explicá-las. Essa, sem dúvida, era a opinião do Reverendo S. W. Sutton e de sua senhora, que participaram pela primeira vez de sessões com a Sra. Piper em 1893. O que o casal esperava era se comunicar com filhinha Katherine, que morrera apenas seis semanas antes. Os Sutton eram pessoas inteligentes e levaram consigo um taquígrafo, providenciado pelo Dr. Hodgson, de modo que ainda temos uma anotação estenográfica completa do que transpirou durante a crítica sessão de 8 de dezembro, ocasião em que vários membros já falecidos da família Sutton, inclusive a do casal, falaram por intermédio da Sra. Piper. A sessão foi de tanta importância para se compreender a psicologia da mediunidade da Sra. Piper, que é transcrita abaixo uma versão publicada da sessão.

A sessão começou com a Sra. Piper segurando as mãos do taquígrafo. Logo depois, ela entrou em transe, e então a Sra. Sutton segurou suas mãos. Não levou muito tempo para que o enigmático Dr. Phinuit conseguisse apresentar a filha do casal. Os Sutton puderam ouvir então o guia chamando a criança para se aproximar, e depois ele falou, como se fosse a filha. Era freqüente a comunicação daquela maneira. Ele tomou uma medalha e uma tira com botões que os Sutton haviam colocado na mesa da sessão, depois falou:

Dr. Phinuit

 

Anotações da Sra. Sutton

Quero isso. Quero morder isso. Depressa, quero pô-los na boca…

 

Ela costumava morder isso. Os botões também. Morder os botões era proibido. Ele imitou exatamente o seu modo travesso.

Quero que ela fale com vocês. Quem é Frank no corpo?

 

Não conhecemos. Meu tio morreu anos antes. Gostávamos muito dele. É possível que Phinuit tenha confundido e meu tio esteja tentando se comunicar.

Está aqui uma senhora que desencarnou com um tumor nas estranhas.

 

Minha amiga, Sra. C., morreu de tumor ovariano.

Ela está com a criança… Está trazendo para mim. Quem é Dodo? Fale comigo depressa. Quero que você chame Dodo. Diga a Dodo que estou feliz. Não chorem mais por minha causa.

 

O nome de seu irmão George.

(Phinuit leva as mãos ao pescoço.) Não sinto mais nada na garganta. Papai, fale comigo. Não pode me ver? Não estou morta, estou vivendo. Estou feliz com vovó.

 

Ela sentia muita dor na garganta e na língua.

Minha mãe morrera há muitos anos.

 

(Phinuit passa a falar por si mesmo.) Estão aqui mais dois. Um, dois, três aqui… o mais velho e o mais moço que Kakie. É um menino. O que veio primeiro.

 

 

Está correto.

Ambos eram meninos.

A pequena chama a senhora de titia. Queria que você visse essas crianças. (Dirigindo-se ao Sr. Sutton.) Você fez muito bem ao corpo. (À Sra. Sutton.) Ele é um bom homem. A língua desta pequena estava muito seca? Ela está me mostrando a sua língua. Seu nome é Katherine. Ela se chama de Kakie. Desencarnou por último.

 

Não sua tia.

 

 

A sua língua estava paralisada e a fez sofrer muito.

Está correto.

Diga a Dodo que Kakie está no corpo espiritual. Onde está o cavalo? O grande, não o cavalinho. Papaizinho, me leva para fora (para andar a cavalo). (Falando por Katherine.) Estão vendo Kakie? As lindas flores que puseram em mim estão aqui comigo. Tomei as suas almazinhas e guardei-as comigo. Papai, quero andar a cavalo. Todos os dias vou ver o cavalo. Gosto daquele cavalo. Vou andar a cavalo. Estou com você todos os dias.

 

 

Eu lhe dei um cavalinho. Provavelmente se refere a um carrinho e cavalo de brinquedo. 

Phinuit descreve os lírios do vale, que foram colocados em seu caixão. 

Ela pediu isso durante toda a sua doença. Perguntei se ela se lembrava de alguma coisa depois que foi trazida para baixo.

Eu estava muito quente, minha cabeça estava muito quente.

 

Correto.

 

Foram recebidas outras mensagens, e Kakie se referiu à sua irmã Eleanor pelo nome. Depois, para grande surpresa dos Sutton, o guia começou a cantar uma canção que fora cantada para a menina antes de sua morte. A menina pediu aos pais que cantassem com ela, e o casal atendeu ao pedido. Enquanto estava cantando, ouviram uma vozinha infantil saindo da boca da médium e entoando as palavras exatas. Foram cantadas duas estrofes, antes de se prosseguir a sessão. Depois, a menina cantou, por intermédio da médium, outra canção que aprendera em vida. Parecia que a criança estava falando diretamente através da Sra. Piper e não mais se utilizando do guia. O que impressionou os Sutton foi o fato de serem aquelas duas canções as únicas que a menina sabia inteiramente. Nesse ponto, Phinuit reapareceu e a sessão continuou:

Dr. Phinuit

 

Anotações da Sra. Sutton

Cadê Dinah? Quero Dinah.

 

Dinah era uma velha boneca de pan preta, que não estava conosco.

Quero Bagie.

 

Apelido de sua irmã Margaret.

Quero que Bagie traga Dinah para mim. Quero Bagie. Quero Bagie o tempo todo. Diga a Dodo, quando o virem, que gosto muito dele. Querido Dodo. Ele costumava caminhar comigo. Costumava me carregar.

 

Correto.

Dodo cantou para mim. Era um corpo horrível. Agora um corpo bonito. Diga a avó que gosto muito dela. Quero que ela saiba que vivo. Minha avó sabe disso, Marmie… Bisavó, Marmie.

 

Nós chamamos sua bisavó de Marmie, mas ela sempre a chamou de Grammie. Tanto a avó quanto a bisavó estavam vivas então.

 

Quando surgiam provas dessa espécie, o Dr. Hodgson começou a duvidar da idéia de que a telepatia era capaz de explicar as manifestações da Sra. Piper. Até mesmo o de certo modo discutível, mas vivamente simpático, Dr. Phinuit começou a se impor. Somente depois, porém, que morre um dos próprios amigos de Hodgson, e começou a se comunicar com ele por intermédio da Sra. Piper, foi que ele afinal mudou de todo a sua opinião sobre a mediunidade da mesma. Isso ocorreu em 1892, durante uma fase crucial daquela mediunidade.

Antes de 1892, a mediunidade de Sra. Piper se caracterizava por duas coisas. Ela sempre transmitia as suas mensagens falando em estado de transe e a sua transição para aquele estado era acompanhada por convulsões e espasmos. Foi a fase de mediunidade dominada pela sempre presente personalidade do Dr. Phinuit, para desconforto dos pesquisadores que o consideravam apenas como uma subpersonalidade da médium. Em 1892, porém, a Sra. Piper começou a se tornar capaz (sob a direção de Hodgson) de escrever automaticamente, o que dentro em pouco substituiu as palavras pronunciadas durante o estado de transe. A transição para o estado de transe também se tornou mais fácil e tranqüila naquela fase. A verdadeira mudança no transe ocorreu, todavia, com uma nova personalidade que substituiu o Dr. Phinuit como guia espiritual. George Pellew (que Hodgson chamou de George Pelham em seus escritos sobre o caso) era um jovem amigo dos pesquisadores, dado a estudos filosóficos. Ele participou uma vez de uma sessão com a Sra. Piper, antes de sua morte, e ficou muito preocupado com os problemas da mediunidade em estado de transe. Sua morte ocorreu em 1892, em conseqüência de um acidente, e não passou muito tempo antes que ele começasse a se comunicar por intermédio da Sra. Piper. Dentro em pouco ele assumiu inteiramente o controle do estado de mediunidade da mesma.

O aparecimento do controle de Pelham também anunciou uma nova dimensão na qualidade da mediunidade, que se tornou mais focalizada e consistentemente probante. Hodgson também usou o espírito de Pelham para verificar a possível base espírita de toda a mediunidade. Nos meses seguintes, ele levou às sessões 150 pessoas, 30 das quais tinham conhecido Pelham em vida. O espírito de Pelham reconheceu perfeitamente 29 delas. Seu único lapso ocorreu quando deixou de reconhecer uma moça que conhecera quando criança. A maior parte dos participantes das sessões pôde conversar com o espírito de Pelham, como se ele próprio estivesse ali em carne e osso, e a qualidade de suas muitas conversas em transe foi certamente igual à das sessões de Pelham. Hodgson ficou tão impressionado com essa nova personalidade, que escreveu outro relatório sobre a Sra. Piper, em 1898, no qual expôs os motivos que o levaram a se converter à teoria espírita.

A história subseqüente da mediunidade da Sra. Piper não é menos imponente ou dramática. Ela sofreu as mais diversas mudanças de controle, e, quando o Dr. Hodgson morreu de repente, em 1905, passou posteriormente a se comunicar por intermédio dela. A mediunidade da Sra. Piper começou a se deteriorar em 1911, e ela perdeu de todo o estado de transe, embora a escrita automática continuasse durante alguns anos mais. Ela realizou sessões ainda na década de 1920, e morreu em 1950.

Talvez se admita hoje que toda a questão da sobrevivência pode ter sido baseada na mediunidade da Sra. Piper. Mesmo, porém, com tão elevada qualidade comprobatória, alguns dos componentes da velha guarda da Sociedade de Pesquisas Psíquicas ainda se mostravam céticos quanto à hipótese espírita. Vários de seus guias, por exemplo, ainda continuavam a ser personagens fictícias, e mesmo os mais dignos de crédito — que deveriam conhecer melhor — sustentavam a legitimidade dos que eram flagrantemente fictícios. Mesmo o altamente considerado Pelham não conseguia discutir questões filosóficas muito bem, por intermédio da Sra. Piper, apesar de se tratar de matéria a que era muito afeiçoado quando em vida. Foi com esperança de esclarecer alguns desses problemas que a Sociedade estava sempre à procura de novos e eficientes médiuns. Essa tendência foi, de certo modo, fortuita, uma vez que muitos dos fundadores da Sociedade estavam começando a passar. Surgiu uma nova geração de pesquisadores para continuar o seu trabalho.

Correspondência-Cruzada 

F.W.H. Myers morreu em 1901, um ano depois da morte do Professor Henry Sidgwick. A morte de Gurney ocorrera alguns anos antes, tragicamente, talvez por suicídio. A direção da Sociedade de Pesquisas Psíquica caiu nas mãos de um grupo de novos intelectuais, chefiados por Alice Johnson, protegida pela esposa do Professor Sidgwick, e J. C. Piddington, erudito e advogado que cedo dedicou toda a sua atenção às pesquisas psíquicas. Esses pesquisadores ocuparam-se em estudar a mediunidade da Sra. Piper, mas também se interessando por várias outras médiuns que entraram em cena. Entre essas se destacava a Sra. Margaret Verrall, esposa de um professor de Cambridge, e sua filha Helen. Ambas estavam bem a par do trabalho da Sociedade de Pesquisas Psíquicas antes de manifestarem sua própria mediunidade. A Sociedade também se dedicou ao estudo dos escritos automáticos da irmã de Rudyard Kipling na Índia, que identificava apenas como Sra. Holland nos relatórios a seu respeito. Na realidade, ela entrou em contacto com a Sociedade quando se viu, de repente, recebendo mensagens automaticamente escritas do sobrevivente F.W.H. Myers. A última do grupo de novas médiuns foi uma mulher chamada apenas de Sra. Willet nos relatórios e que era a mais talentosa do grupo. Foi somente anos depois de sua morte que foi revelada a sua identidade, como sendo a da Sra. Winifred Coombe-Tenant, destacada estadista britânica em vida. Foi altamente satisfatório o fato de ter a Sociedade encontrado tantas médiuns talentosas, pois se viu que os falecidos fundadores da Sociedade estavam ansiosos para se comunicarem do além.

Não era de se surpreender que aqueles eminentes intelectuais quisessem entrar em contacto com os seus colegas, mas foi surpreendente a natureza de suas comunicações. Algumas vezes, uma das espíritas, trabalhando sozinha em casa, rabiscava uma mensagem pouco inteligível, mas que parecia estar relacionada com o que uma das outras estava escrevendo ao mesmo tempo. Essas mensagens muitas vezes pareciam vir do falecido Myers. Piddington e Johnson constataram, dentro em pouco, que curiosos quebra-cabeças eram transmitidos através das mensagens, uma vez que, quando elas eram juntadas, revelava-se uma importante comunicação. Tais quebra-cabeças foram imediatamente denominados correspondência-cruzada e representaram um capítulo muito importante na literatura da mediunidade em transe. Continuaram durante anos, e davam a impressão de que Myers estivesse lançando mão de um meio bem pessoal de mostrar a sua continuada sobrevivência aos colegas que deixara para trás.

A Sra. Margaret Verrall foi a protagonista das correspondências cruzadas, que, afirmava, eram escritas deliberadamente por uma única personalidade: a de F. W. H. Myers, então recém-falecido. (Biblioteca Mary Evans)

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Algumas das correspondências-cruzadas se tornaram enormemente complexas, uma vez que Myers tinha o hábito de resumir seu material e citações da literatura clássica grega e romana. A maioria das médiuns ignorava aquela espécie de literatura, mas Myers era uma autoridade no assunto, de sorte que a sua escolha foi, sem dúvida, muito a propósito. Um dos casos mais fáceis de ser seguido foi o dos túmulos dos Medicis, que o soi-disant Myers comunicou por intermédio de várias médiuns da Sociedade, em 1906. A correspondência-cruzada surgiu quando a Sra. Holland se encontrava visitando a Inglaterra, naquele ano. Alguns de seus escritos particulares daquele período continham mensagens de Myers alusivas a morte, sono, sombras, amanhecer, noite e madrugada. Não foram dadas chaves para se saber o significado daqueles temas, a não ser o nome de Margaret (Verrall), que foi acrescentado.

Alusões tão crípticas sugeriam que havia nas obras uma correspondência-cruzada; assim, depois de se informarem acerca dos escritos, Alice Johnson e Piddington trataram de verificar os escritos que outras médiuns estavam enviando. Como a Sra. Piper também se encontrava na Inglaterra, naquela ocasião, J.G.P. Piddington realizou com ela outra sessão alguns meses depois e ela disse as seguintes palavras, ao voltar de transe: “cabeça demore… louro por louro. Digo que dou isso a ela pelo lauro. Adeus”. Ela viu também a aparição de um negro. Isso realmente não fazia muito sentido, de maneira que Piddington realizou outra sessão com a Sra. Piper, no dia seguinte. Durante a sessão, Myers se comunicou diretamente e explicou que a chave da críptica mensagem podia ser encontrada examinando-se os escritos da Sra. Verrall. (Não se deve esquecer que havia uma alusão a essa mesma mensagem nos incipientes escritos da Sra. Holland.) Constatou-se que o desencarnado Myers estava um pouco por fora, pois as seguintes alusões ao quebra-cabeça se encontravam nos escritos da Sra. Verral feitos em Cambridge. Ela seguiu o tema dos louros, escrevendo certo dia: “Túmulo de Alexandre… folhas de louro são emblemas, louro para a fronte do vencedor”. Também a Sra. Holland ainda estava sob a influência do suposto Myers, pois, pouco depois que chegaram os escritos da Sra. Verrall, ela escreveu, certa noite: “Escuridão, luz, sombra, a cabeça de Alexander Moor”. Deve se notar que nenhuma das espíritas estava em contacto com qualquer das outras.

Há pouca dúvida de que aquelas mensagens estavam inter-relacionadas embora tivessem pouco sentido para o leitor moderno. Os dirigentes da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, porém, eram versados em literatura e história clássicas, e as alusões tinham muito sentido para eles. A explicação final ocorreu quando a Sra. Willett entrou em contacto com a Sociedade, para apresentar alguns de seus escritos automáticos, que continham as palavras: “Túmulo Laurenciano, Alvorecer e Crepúsculo”.

Tornou-se aparente que todas aquelas mensagens se referiam ao túmulo da família Medicis na Itália… J.G. Piddington explica, em seu relatório sobre a correspondência-cruzada, que o louro era o emblema de família de Lorenzo, o Magnífico, que foi patriarca dos Medicis. Outros símbolos esculpidos nos túmulos da família representam o amanhecer e o crepúsculo. A alusão a Alexandre não era muito estranha, uma vez que outro membro da família foi Alessandro de Medicis. Era chamado O Mouro, por causa de sua ascendência mulata, e foi enterrado secretamente em um túmulo da família.

F. W. H. Myers com seu filho Harold. (Biblioteca Mary Evans)

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Uma interpretação do episódio, portanto, é que o falecido Myers usou o seu conhecimento a respeito dos túmulos para introduzir um quebra-cabeça literário nos escritos das médiuns. Tratava-se de um tipo de conhecimento em que Myers era muito versado, mas que não estava ao alcance da cultura de algumas das espíritas.

O caso dos túmulos dos Medicis é, na verdade, bem simples. Algumas das outras correspondências-cruzadas foram muito mais complexas e levaram anos para se completarem. O apogeu das correspondências-cruzadas ocorreu, provavelmente, em 1906, quando a Sra. Piper ainda se encontrava na Inglaterra. Durante uma das sessões com ela, Piddington dirigiu uma mensagem especialmente elaborada a Myers, que estava preparado para recebê-la. Expôs a Myers, por intermédio da Sra. Piper: “Estamos cientes do esquema de correspondências-cruzadas que enviaste por intermédio de várias médiuns e esperamos que continue com ele. Procura dar a A e B duas mensagens diferentes, entre as quais não seja discernível relacionamento algum. Depois, o mais cedo possível, entrega a C uma terceira mensagem que revele as sugestões ocultas.” Também propôs que Myers mostrasse suas alusões à correspondência-cruzada, assinando os escritos pertinentes com um triângulo inscrito em um círculo.

Ora, essa mensagem revestiu-se de uma característica muito importante, pois foi lida em latim ciceroniano à médium já em estado de transe. A Sra. Piper, naturalmente, não sabia latim e especialmente um dialeto tão obscuro, mas o idioma era bem familiar a Myers quando em vida. A mensagem foi respondida com a informação de que fora compreendida.

Passaram-se apenas algumas semanas para o desencarnado Myers ditar sua complicada correspondência-cruzada. Entre 17 de dezembro e 2 de janeiro, começaram a aparecer nos escritos da Sra. Verral e sua filha alusões aos temas de estrelas, esperança e poesia de Robert Browning. Essas alusões tiveram pouco sentido para Piddington, até que ele recebeu uma mensagem em uma sessão com a Sra. Piper, em Londres, no sentido de “procurar Estrela, Esperança e Browning”. As alusões se mostraram então perfeitamente compreensíveis, quando Piddington tratou de procurar em Browning e verificou que a correspondência-cruzada se referia a temas contidos no poema Abt Vogler.

As correspondências-cruzadas continuaram durante anos, começando a decair na década de 1910. Os dirigentes da Sociedade de Pesquisas Psíquicas as consideraram como provas muito convincentes da sobrevivência, embora se mostrassem muito problemáticas para o estudioso moderno A maior dificuldade das correspondências-cruzadas é a necessidade de se ter conhecimentos clássicos muito amplos para apreciá-las devidamente. Escrevendo em 1972, o Dr. Robert Thouless — psicólogo britânico, que é uma autoridade no problema da sobrevivência — chegou a ponto de dizer que “se essa foi uma experiência imaginada… do outro lado do túmulo, acho que deve ser considerada como uma experiência muito mal imaginada. Forneceu uma grande quantidade de material cujo valor probante é muito difícil de ser julgado e acerca da qual as opiniões variam”.

O veredito do Dr. Thouless é bastante severo, mas corresponde à opinião de muitos pesquisadores contemporâneos. De qualquer modo, é importante notar que os pesquisadores que estudaram as correspondências-cruzadas mais intensamente acabaram por ver nelas uma forte e quase irrefutável prova da vida após a morte. A única exceção foi o cético Frank Podmore, que acreditava que as mesmas poderiam ser explicadas pela telepatia entre as médiuns. Atribuiu especialmente à Sra. Verral como fonte da divulgação, uma vez que era a única das médiuns que tinha bom conhecimento dos clássicos.

Novas Circunstâncias nas Pesquisas Sobre a Mediunidade 

O declínio da mediunidade da Sra. Piper e da correspondência-cruzada em geral, depois de 1910, não impediu o progresso das pesquisas sobre a sobrevivência na Grã-Bretanha. Simplesmente encerrou um capítulo das pesquisas, ao mesmo tempo que outros se iniciavam. Os pesquisadores psíquicos tornavam-se mais requintados e começavam a compreender que necessitavam de novos caminhos para explorarem a natureza da mediunidade pelo transe. A oportunidade surgiu em 1915, quando Sir Oliver Lodge chamou a atenção da Sociedade de Pesquisas Psíquicas para uma outra grande médium. Era uma mulher nascida na Inglaterra que, em transe, revelava uma guia chamada Feda, que, por sua vez, dizia ser natural da Índia, onde morrera ainda na infância. Por mais improvável que isso pudesse parecer, as pesquisas com a talentosa médium se estenderam pelas duas décadas seguintes e mesmo depois.

A Sra. Gladys Osborne Leonard nasceu em 1882. Durante a infância teve visões e encontros paranormais, mas, como acontece com tantas outras espíritas, a sua mediunidade só se manifestou quando ela começou a participar de experiências de inclinação de mesa, no porão de um teatro onde trabalhava como atriz. Seguiu-se o transe e, em 1915, ela começou a se tornar famosa nos círculos espíritas de Londres. Um amigo de Sir Oliver Lodge e sua esposa assistiam a uma das sessões espíritas de que ela participava, naquele mesmo ano, e ficaram tão impressionados que recomendaram ao físico. Lodge, depois de ser informado sobre as qualidades da Sra. Leonard, assistiu a uma das sessões espíritas, e ele e sua esposa receberam um certo número de comunicações comprobatórias de seu filho, que fora morto na guerra. A peça probante mais impressionante foi a descrição de uma fotografia, que o morto afirmava ter sido tirada dele com o seu pelotão. Essa fotografia chegou pelo correio, algum tempo depois da sessão espírita.

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A Sra. Gladys Osborne Leonard deu mais de setenta sessões convencendo a Sociedade de Pesquisas Psíquicas de que as suas qualidades psíquicas eram verdadeiras. (Biblioteca Mary Evans)

 

Lodge estava plenamente familiarizado com a psicologia da mediunidade graças à sua prolongada associação com o trabalho com a Sra. Piper, mas coube a novos e mais inovadores pesquisadores explorar as possibilidades oferecidas pela mediunidade da Sra. Leonard.

Provavelmente, as mais notáveis séries de experiências feitas com a Sra. Leonard foram empreendidas pela conhecida escritora Ann Radclyffe-Hall, que fazia parte, então, da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, e Una, Lady Troubridge, em 1919. O principal espírito comunicador foi o de uma falecida amiga de Miss Radclyffe-Hall, à qual os relatórios se referem apenas pelas iniciais (A.V.B.). As duas investigadoras participaram de sua primeira sessão com a Sra. Leonard em sua casa, no dia 19 de agosto, e Feda, então, descreveu uma mulher com cerca de 60 anos, que estava querendo se comunicar. Também descreveu as feições fisionômicas da mulher e o seu penteado. Esses dados foram suficientes para Miss Radclyffe-Hall identificar o espírito, pois sua amiga morrera pouco antes, aos 57 anos de idade. O espírito de A.V.B. também se manifestou na sessão seguinte, quando Feda explicou que a comunicadora “às vezes olhava de soslaio para as pessoas, sem mover a cabeça, e estava olhando daquela maneira então”. Essas eram características de Miss A.V.B. em vida, e as participantes da sessão ficaram muito impressionadas.

Talvez a mais impressionante das sessões foi a realizada no dia 22 de novembro. O espírito de A.V.B. aproveitou aquela ocasião para enviar um grupo de mensagens comprobatórias acerca de uma viagem às Ilhas Canárias que ela e Miss Radclyffe-Hall tinham feito certa vez. O espírito descreveu cenas de suas aventuras juntas, e finalmente mencionou que ilhas haviam visitado. Citemos algo do registro da sessão:

Feda

Sabe alguma coisa a respeito de uma ilha, que não fica longe daqui?

M.R.H.   

Sim, sei algo a respeito de uma ilha.

Feda

Disse de súbito: “Ilha, ilha, ilha”. Fica mostrando a Feda uma faixa de terra estendida no meio da água e diz: “É uma faixa de terra estendida na água?”

M.R.H.   

Sim, é uma ilha.

Feda

Ela diz que é um lugar chamado Ter… ter… terra… Oh! Feda não consegue entender de todo, mas ela diz que é um lugar chamado Ter… Te… não. Feda não consegue entender, mas começa Te… É Tener… Tener… Ten… Ten… Como, senhora?

M.R.H.   

Tener está certo.

Feda

Teneri… Teneri… i… i… fe… fe… ife… Tenerifer. Ela diz que não concorda com “fer”. Diz que Tener está certo. Diz que cortando a última “er” está certo.

Feda

(Em voz baixa: Tenerife, é Tenerife!) Ela continua dizendo que é uma ilha, é uma ilha, diz ela, e diz que é um belo lugar, ela diz: “Tenerife!” Sabe? Ela se manifestou de súbito. Diz que está exasperada porque a senhora não está compreendendo. Pensa que Feda está atrapalhando. Agora está dizendo que há um lugar chamado M. de novo… Masager… Masager… Madaga… Maza

M.R.H

Maza está certo, Feda.

Feda

Mazaga… Mazager… Mazagi… Mazagon… (Aqui omitimos vários outros esforços por parte de Feda para pronunciar o nome, que afinal terminou com Mazagal.)

M.R.H.   

Não, não é bem Mazagal, Feda.

Feda   

Mazagan!

M.R.H.

Está certo, Feda.

 

Mazagan era o nome de uma cidade de Marrocos que as duas amigas tinham visitado a caminho das Ilhas Canárias.

Durante uma sessão posterior, Miss Radclyffe-Hall fez uma pergunta teste. Perguntou a Feda (por intermédio da médium) se o espírito comunicante podia se lembrar da palavra poon. Feda imediatamente respondeu que a comunicante estava rindo e respondeu que a palavra era usada para significar um estado ou condição. Essa resposta correta levou a consultante a pedir ao espírito para citar outra palavra que tinham inventado. Feda pareceu ter alguma dificuldade em receber a palavra da entidade, de modo que o assunto foi posto de lado no momento. Na sessão seguinte, porém, Feda interrompeu de súbito o que estava dizendo, para exclamar: “Sporkish! Sporkish. Ela diz que é a síntese de poon”.

Estava certo. As duas amigas tinham inventado aquelas palavras como um código particular, para designar as pessoas de quem gostavam ou que achavam cacetes.

As sessões realizadas por Miss Radclyffe-Hall e Una, Lady Troubridge, para entrarem em contacto com Miss A.V.B. duraram dois anos. O espírito comunicador chegou mesmo a adquirir a capacidade de controlar diretamente a médium, que muitas vezes falava com as mesmas características vocais da falecida. Esse aspecto dramático da mediunidade da Sra. Leonard não foi um caso isolado, pois participantes de muitas sessões espíritas, naqueles anos, se comunicaram com parentes mortos por intermédio direto da médium. Todo o comportamento da Sra. Leonard se alterava naquelas ocasiões, e ela assumia as características vocais e mesmo físicas das pessoas desencarnadas. A semelhança impressionava profundamente muitos dos participantes das sessões.

Embora os relatórios de Radclyffe-Hall fossem extremamente corretos, pouco contribuíram realmente para o problema da sobrevivência. A despeito da excelente qualidade da mediunidade da Sra. Leonard e das provas, os céticos continuavam sustentando que a informação crucial poderia ter sido telepaticamente derivada da mente dos próprios participantes das sessões. Era evidente que se tornava necessário um novo método no estudo da mediunidade, e isso surgiu quando C. Drayton Thomas, clérigo britânico e membro ativo da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, começou a trabalhar com a Sra. Leonard, em 1917. Reunindo-se regularmente com a médium em sua casa, ele recebeu volumosas mensagens de seu pai e de sua irmã já falecidos. Drayton Thomas também instituiu um tipo de prova peculiar com o espírito de seu pai, que se tornou conhecida como prova do livro e que abriu um novo capítulo nas pesquisas para se provar a sobrevivência psíquica. Em tais experiências, Drayton Thomas pedia ao espírito para examinar psiquicamente livros que se encontravam, ou em um embrulho fechado, ou em sua própria biblioteca. A sua idéia era a de forçar o espírito a fornecer informação que não podia ser furtada da própria mente do consultante.

As experiências deram ótimo resultado. Uma das provas mais espetaculares desse gênero ocorreu durante uma das primeiras sessões de Drayton Thomas com a Sra. Leonard, quando ele ouviu algumas pancadas peculiares na casa. Seu primeiro pensamento foi de que pudessem ser tentativas por parte de seu pai para entrar em comunicação com ele. Participou de uma sessão com a Sra. Leonard e não tardou a ter uma explicação do mistério. Feda — sem qualquer iniciativa por parte do consultante — a iludiu espontaneamente ao incidente e explicou que ela fora uma das que batera na casa do clérigo. Em seguida, Feda trouxe o pai de Drayton Thomas, que comunicou uma mensagem bastante críptica, por intermédio de Feda. Nessa mensagem, disse ao filho para regressar para casa e encontrar um volume “…atrás da porta do seu escritório, na segunda prateleira a contar do chão e o quinto livro a partir da esquerda. Quase no alto da página 17, encontrará palavras que parecem indicar o que Feda estava tentando dizer quando bateu em seu quarto”. E o espírito acrescentou: “Agora que você está ciente da tentativa de Feda, verá o inequívoco ajustamento daquelas palavras com o fato”.

O clérigo mal pôde esperar o momento de voltar para casa, a fim de ver se seu pai e Feda estavam certos. O livro que encontrou no lugar indicado era um volume de Shakespeare. A página indicada continha uma passagem muito adequada de Rei Henrique IV, que dizia: “Não te responda rei com palavras, mas com pancadas”.

Sucessos tais como esse foram numerosos, e a sua eficiência não poderia ser explicada como decorrente de mera coincidência. De fato, alguns pesquisadores da Sociedade — estimulados pelo sucesso de Drayton Thomas — realizaram experiências com a prova do livro entre eles, sem conseguirem qualquer êxito prático. Drayton Thomas mais tarde expandiu as experiências fazendo com que o espírito de seu pai predissesse palavra e trechos que apareceriam em jornais do dia seguinte. Também essas experiências foram altamente bem-sucedidas.

Os resultados indicaram, sem sombra de dúvida, que a Sra. Leonard possuía extraordinária capacidade psíquica. Drayton Thomas também conseguiu demonstrar que a simples telepatia não poderia explicar muitas da comunicações que o espírito de seu pai transmitia. Ele favoreceu, assim, uma interpretação espírita das comunicações. Olhando-se, porém, atualmente, para aquelas experiências, partindo-se de uma perspectiva mais moderna, a opinião de Drayton Thomas parece um tanto abalada. Durant aqueles anos críticos, os pesquisadores não compreenderam, infelizmente, que um médium pudesse se apoiar na clarividência e precognição tão facilmente como na telepatia. Assim, os céticos contemporâneos podiam facilmente argumentar que a Sra. Leonard apenas se utilizava de seus próprios poderes psíquicos para ler os livros e jornais e depois colocar a informação na boca de seus (autoproclamados) comunicadores.

É difícil se refutar esse tipo de argumentação, que não explica, contudo, a curiosa psicologia da prova do livro. Drayton Thomas conseguiu mostrar que o espírito de seu pai alcançava seus maiores êxitos quando aludia a livros que tinham sido os seus prediletos em vida. Essa descoberta parece se ajustar muito mais à hipótese espírita. Se a Sra. Leonard estivesse se valendo de seus próprios poderes psíquicos durante os testes, teria tido o mesmo resultado com qualquer dos volumes.

O Reverendo C. Drayton Thomas tratou de explorar vários outros aspectos da mediunidade da Sra. Leonard. Ele chegou finalmente à conclusão que a melhor maneira de pôr à prova a mediunidade consistia em separar completamente os consultantes da sessão propriamente dita. Isso o levou a criar o que chamou de consultas por procuração, quando ficava com a médium, na ausência dos clientes. Ele se limitava a mostrar a designação e explicar a Feda que estava fazendo uma consulta para uma pessoa ausente que desejava entrar em contacto com um determinado espírito. O que esperava é que Feda pudesse introduzir o indivíduo desejado, mesmo em condições tão rigorosas. Os resultados combinados de muitas sessões desse gênero, realizadas por Drayton Thomas, e mais tarde pelo secretário de Sir Oliver Lodge, não se mostraram prejudicados pelo processo. As mais destacadas sessões daquele gênero foram objeto de relatório da Sociedade de Pesquisas Psíquicas em 1935, e consistiram em uma série de sessões nas quais o clérigo atuou como representante de um estranho que lhe havia escrito. O missivista desejava entrar em contacto com um neto, que morrera apenas um mês antes.

Drayton Thomas a princípio se mostrou cético, pois não achava que um espírito tão jovem pudesse falar através da médium. Suas dúvidas se dissiparam prontamente. Bobbie Newlove conseguiu se comunicar com a ajuda dos controles psíquicos, e, dentro em pouco, enviou uma série de mensagens verídicas ao avô. Entre essas mensagens estava a correta descrição de um saleiro em forma de cachorro que ele possuíra em vida, uma roupa que usara certa vez e até mesmo o nome da rua onde estava situada a sua escola. A descrição mais impressionante foi de alguns canos que atravessavam um campo perto da escola, onde o menino gostava de brincar. Tais canos foram posteriormente localizados e pareceu provável que o menino tivesse adoecido por ter bebido a água estagnada que vazava dos canos.

Na fase final de sua mediunidade, a Sra. Leonard apresentou finalmente o que pode ser considerado como a prova definitiva da sobrevivência. Os participantes podiam ouvir uma terceira voz falando na sala de sessões, muitas vezes transmitindo informações a Feda (que controlava diretamente as palavras normais da médium). Aquela voz era, ocasionalmente, bem alta, e foi muitas vezes apanhada pelo gravador, novo recurso mecânico adotado, que servia para se registrar permanentemente a mediunidade da Sra. Leonard. As gravações que ouvi são extremamente impressionantes, uma vez que a voz direta é alta e clara, e uma voz masculina, sem dúvida alguma. (Tais gravações foram feitas durante uma das sessões de Drayton Thomas e a voz direta é atribuída a seu pai.) A voz algumas vezes parece com a de uma terceira pessoa que estivesse no aposento e fala freqüente e desinibidamente durante a sessão.

A Sra. Leonard continuou as suas sessões até a década de 1940. Sua morte ocorreu em 1968.

A despeito de todas as provas, nenhuma solução final do problema da sobrevivência resultou do estudo da mediunidade. A tentação da hipótese telepática cedo se reencarnou como a teoria do super-ESP (percepção extra-sensorial), que argumenta que o médium pode utilizar ilimitados poderes de telepatia e de clarividência para apresentar as suas personalidades secundárias como entidades espíritas. Algo próximo da hipótese super-ESP foi mesmo parcialmente demonstrado em 1921, quando S.G. Soal, destacado pesquisador psíquico britânico, realizou uma série de sessões com a Sra. Blanche Cooper, no Colégio Britânico de Ciências Psíquicas, em Londres, conseguindo entrar em contacto com um antigo colega de estudos, chamado Gordon Davis, que transmitiu um certo número de mensagens verídicas. As provas de comunicação espírita foram impressionantes, porém mais tarde se verificou que o comunicador ainda estava vivo. Pesquisas posteriores revelaram que a médium descreveu detalhes da casa para a qual aquele cavalheiro só se mudou posteriormente.*

Na década de 1930, as pesquisas sobre a sobrevivência se tornavam cada vez mais decepcionantes. A impossibilidade de se encontrar uma prova definitiva da vida depois da morte, porém, não constituía a razão primordial de estar a questão da sobrevivência sobrepujada por outras áreas da pesquisa. Apesar de sua importância no problema da sobrevivência, as pesquisas psíquicas também se dedicaram ao estudo da percepção extra-sensível. Pesquisas experimentais no terreno dos fenômenos de telepatia, clarividência e precognição alcançaram então o primeiro plano da parapsicologia. Ocorreu naquela década o aparecimento do programa de parapsicologia na Universidade Duke, em Durham, Estado da Carolina do Norte onde J.B. Rhine provocou sensação no mundo científico com as suas novas descobertas. Usando simples processos estatísticos, Rhine mostrou que muitas pessoas podiam revelar as leis da probabilidade recorrendo à ordem de símbolos geométricos gravados em cartões. Seus dados e deduções revolucionaram todo o campo. Testes de percepção extra-sensorial dentro em pouco se multiplicaram em muitas academias e universidades norte-americanas, e alguns membros da jovem guarda da Sociedade de Pesquisas Psíquicas chegaram a abandonar as salas de sessões espíritas, em troca do laboratório. A parapsicologia jamais seria a mesma.

Embora as pesquisas experimentais tenham passado para o primeiro plano da parapsicologia, isso não quer dizer que a questão da sobrevivência tenha sido considerado como assunto definitivamente arquivado. Ao contrário, as pesquisas sobre a sobrevivência vêm progredindo, lenta, mas seguramente, desde a década de 1970. O renascimento do interesse pela questão foi, sem dúvida, despertado pelas pesquisas iniciais decorrentes do caso da herança de Kidd, de que já se falou. Se examinarmos o desenvolvimento da parapsicologia em seu primeiro século de existência, verificaremos que grandes progressos foram feitos no estudo da questão da sobrevivência. Os primeiros pesquisadores psíquicos demonstraram que o problema da imortalidade humana pode ser encarado crítica e cientificamente. Também demonstraram que certas formas de fenômenos psíquicos se relacionam diretamente com a questão. Esses fenômenos — primordialmente aparições e mediunidade em transe — puderam ser usados ura legitimar a presunção a priori de sobrevivência.

Houve apenas dois senões. Em primeiro lugar, os fundadores da Sociedade de Pesquisas Psíquicas verificaram que o estudo do problema da sobrevivência era muito mais complicado do que imaginavam. Em segundo lugar, não conseguiram eles chegar a um consenso acerca dos critérios que teriam de ser adotados para que o problema ficasse autorizadamente resolvido.

Hoje, cem anos depois do início das pesquisas psíquicas, os parapsicólogos ainda se encontram às voltas com aqueles mesmos problemas. Assim, quando o problema da sobrevivência se tornou de interesse de pesquisadores, no começo da década de 1970, tiveram de explorar novas direções, em busca de provas da imortalidade do homem.



* Como S. G. Soal posteriormente falsificou os resultados de suas experiências de percepção extra-sensorial na Universidade de Londres, alguns pesquisadores se mostram céticos quanto à veracidade de todas as suas afirmações e de todos os seus relatórios. Há, no entanto, alguma confirmação independente de que as comunicações de Gordon Davis foram recebidas como Soal as registrou. Gordon Davis também sustentou a verdade de tudo, até a sua morte, na década de 1960. Também deve ser notado que os outros casos de comunicação espírita ocorreram posteriormente e podem ser encontrados na literatura.

22 respostas a “A Vida Depois da Morte, de Scott Rogo (1986) – Capítulo 1”

  1. mrh Diz:

    Huummm, para trabalhos assim, sempre haverão mecenas…

  2. Otavio Ferreira Diz:

    Eu não tenho mais paciência de ler artigos tão longos sobre essa coisa de médiuns, são todos iguais, no fim, leu um, leu todos, isso tudo pode pode ser explicado por uma série de outras interpretações, sendo o próprio psiquismo das pessoas o maior ente a operar tudo isso, não vejo porque se apelar para espíritos quando tem tantas outras explicações bem mais razoáveis e factíveis.

  3. Gorducho Diz:

    Se trata de um bem escrito aperçu, que pode ser útil como uma introdução para novos interessados. Nesse sentido, acho bem pertinente a publicação.
    Logicamente, para a maioria dos que aqui comentam – veteranos às vezes desde a infância no tema – não há novidades.
    Termina com a correta observação: Hoje, cem anos depois do início das pesquisas psíquicas, os parapsicólogos ainda se encontram às voltas com aqueles mesmos problemas.
    Ou seja, (pelo menos por enquanto ainda) não é ciência. Tecnicismos e figuras de retórica à parte, o que caracteriza na prática a Ciência é progresso: novos conhecimentos; (principalmente) modelos explanatórios; e métodos de experimentação, apoiados em anteriores já estabelecidos. Não é o caso.
    Como motivação no fim, é dito: Assim, quando o problema da sobrevivência se tornou de interesse de pesquisadores, no começo da década de 1970, tiveram de explorar novas direções, em busca de provas da imortalidade do homem.
    Da minha parte, aguardo ansioso para ver o que mudou da década de ’70 para cá 🙁

  4. Gorducho Diz:

    Como a Sra. Piper também se encontrava na Inglaterra, naquela ocasião, J.G.P. Piddington realizou com ela outra sessão alguns meses depois e ela disse as seguintes palavras, ao voltar de transe: “cabeça demore… louro por louro. Digo que dou isso a ela pelo lauro. Adeus”.
     
    Fez-me lembrar a Pitonisa de Delfos.
    Em 2600 anos, a coisa não evoluiu muito 🙂

  5. Phelippe Diz:

    Oi, Vitor.
    Li, há muito, sobre o caso acima. Resta saber por qual razão os espíritos não são mais claros em suas mensagens.
    E a cartomancia, Vitor, que tal um artigo sobre esse tema?

  6. Martinez Diz:

    Otavio Ferreira Diz: “Eu não tenho mais paciência de ler artigos tão longos sobre essa coisa de médiuns, são todos iguais, no fim, leu um, leu todos, isso tudo pode pode ser explicado por uma série de outras interpretações, sendo o próprio psiquismo das pessoas o maior ente a operar tudo isso, não vejo porque se apelar para espíritos quando tem tantas outras explicações bem mais razoáveis e factíveis”.
    Ora, vai ler a revistinha do patati e patatá que é mais fácil de entender então, em vez de ficar diminuindo a matéria, já que esse artigo não serve para vc, e nem quer ler sobre o assunto, o que faz aqui?

  7. Toffo Diz:

    Interessante que o texto fala reiteradamente em espiritismo e espíritas, mas não há uma só referência a Kardec ou ao espiritismo francês. Ou, na visão dos espíritas aqui de Pindorama, “O” espiritismo. Kardec também nunca fala no new spiritualism inglês. Será que o Canal da Mancha, ou o Canal Inglês, como quiserem, era mais do que uma barreira de água?

  8. Gorducho Diz:

    Desconfio que seja erro de tradução. Veja-se a frase logo abaixo da mesa voadora, acima:
    “Deve se salientar, no entanto, que o grupo de Cambridge não tinha o propósito de provar o espiritismo.”
     
    O mesmo trecho no sítio
    http://www.survivalafterdeath.info/articles/rogo/foundations.htm :
    “It should be pointed out, though, that the Cambridge group was not out to ‘prove’ spiritualism.”

  9. Claudio Diz:

    Talvez porque “spiritualism” seja diferente de “spiritism” justifique a não citação de Kardec no texto.

  10. Deyb Diz:

    Também acho equivocado se traduzir os termos “moderno espiritualismo” ou mesmo “espiritualismo” por “espiristismo”, já que se trata de doutrinas com enfoques diferentes( o cerne do espiritismo é a reencarnação), ainda que pertençam ao mesmo movimento.

  11. NVF Diz:

    “Todas as religiões são necessariamente fundadas sobre o espiritualismo. Aquele que crê que em nós existe outra coisa, além da matéria, é espiritualista, o que não implica a crença nos Espíritos e nas suas manifestações. Como o podereis distinguir daquele que tem esta crença? Ver-vos-eis obrigado a servi-vos de uma perífrase e dizer: É um espiritualista que crê ou não crê nos Espíritos”
    .
    Então,
    .
    ESPIRITUALISMO: crença que em nós existe outra coisa, além da matéria
    .
    ESPIRITISMO: crença que em nós existe outra coisa, além da matéria, e crença nos Espíritos e nas suas manifestações.

  12. NVF Diz:

    “As palavras espiritualismo e espiritualista são inglesas, e têm sido empregadas nos Estados Unidos desde que começaram a surgir as manifestações dos Espíritos; no começo e por algum tempo, também delas se serviram na França; logo, porém, que apareceram os termos espírita, espiritismo, compreendeu-se a sua utilidade, e forma imediatamente aceitos pelo público”
    .
    “As palavras espiritualismo e espiritualista, aplicadas às manifestações dos Espíritos, não são hoje mais empregadas senão pelos adeptos da escola americana”
    .
    Isso nos anos 1850.
    .
    Espiritualismo era utilizado como sinônimo de Espiritismo, até que em determinado momento preferiu-se utilizar a palavra Espiritismo apenas para a crença nos espíritos. No entanto, nos EUA continuaram por um logo tempo chamando Espiritismo de “Espiritualism”, de modo que podemos considerar sinônimos.

  13. NVF Diz:

    Toffo,
    .
    Existe uma injusta irracionalização de Kardec quanto ao termo “Espiritismo”. Os adeptos do kardecismo, sim, dizem que só existe um Espiritismo, que é o de Kardec.
    .
    No entanto o homem nunca disse isso. Ele mencionou em sua obra diversas escolas espíritas, como a inglesa e a americana. Basta ler o livro “O Que é o Espiritismo”.
    .
    Na verdade, ele admitiu ser o Espiritismo um gênero de crença com várias escolas, e chamou a SUA (ou a dos “espíritos reveladores”) de “Doutrina Espírita”.
    .
    É um erro imputável apenas ao movimento espírita querer impor “O” espiritismo, quando mesmo Kardec admitiu outras escolas Espíritas.
    .
    É uma injustiça com Kardec, ao menos nesse ponto.

  14. Gorducho Diz:

    A diferença prática é que no “Espiritismo” (“DE” do Kardec), há o dogma da Reencarnação Romântica explicitamente formulado. Portanto não há “Espiritismo” sem Reencarnação Romântica. Menos explicitadamente ainda há a tal “Lei do Progresso” – crença comum no séc. xix. São as diferenças que me ocorrem na mente no momento
    No Espiritualismo não há esses dogmas. É uma crença mais genérica.

  15. NVF Diz:

    Espiritismo é um gênero de crenças. Qualquer crença na existência dos espíritos como a alma dos homens pode ser chamada de Espiritismo.
    .
    O Catolicismo não é Espiritismo porque para ele não há espíritos, mas demônios (conceitos distintos). Mas é Espiritualismo, pois crê que a existência não termina na vida “carnal”.
    .
    Espiritualismo se opõe ao materialismo, ponto. Se for além, crendo nos espíritos como a alma dos homens, aí será Espiritismo.
    .
    Além disso, Espiritismo é diferente de Doutrina Espírita.
    .
    Espiritismo é um gênero e Doutrina Espírita é uma espécie, ou seja, um nome dado por Kardec a sua escola espírita (tida como a verdade, mas sem excluir outras escolas).
    .
    Então: – Espiritismo é gênero; Doutrina Espírita é a espécie de Espiritismo atribuída a Kardec e tida por ele como a verdade do mundo espiritual.
    .
    A confusão está no fato de que no início da “moda dos espíritos”, no séc. XIX, chamavam tais práticas de espiritualismo, assim como os católicos também se auto-rotulavam espiritualismo.
    .
    Só que a bíblia condena a comunicação com os mortos, pois diz que só os demônios se comunicam, porém disfarçados de espíritos dos homens. A Igreja dizia que as pessoas estavam se deixando enganar por seres do inferno.
    .
    Eis que alguém (que não Kardec) passou a chamar, pela primeira vez, na Inglaterra, tais fenômenos de Espiritismo. No entanto, nos EUA ainda continuaram a chamar Espiritismo de Espiritualismo.

  16. NVF Diz:

    Gorducho,
    .
    Muitas escolas espíritas inglesas não admitem a reencarnação. Ativeram-se apenas ao estudo das aparições.
    .
    Mesmo no âmbito do mediunismo, muitas supostas comunicações espíritas ainda hoje por lá negam o mecanismo de reencarnação.

  17. Gorducho Diz:

    Espiritismo é um gênero de crenças. Qualquer crença na existência dos espíritos como a alma dos homens pode ser chamada de Espiritismo.
    Claro, porém não é o consagrado pelo uso. O Kardec pegou o termo Americano espiritismo que era usado de certa forma depreciativamente por críticos, e o empregou para designar a “Doutrina” dele. E teve absoluto sucesso – isso se consagrou.
     
    Espiritualismo se opõe ao materialismo, ponto.
    Não. Isso é uma das acepções do termo. No caso do meu Webster’s em papel de 1996, é a acepção 2. A acepção 1 é a que eu lhe expliquei: The belief that the spirits of the dead in various ways communicate with and manifest their presence to the living, usually through the agency of a person called a medium; also, the doctrines and practices of those so believing .
     
    Mesmo no âmbito do mediunismo, muitas supostas comunicações espíritas ainda hoje por lá negam o mecanismo de reencarnação.
    A Reencarnação “Romântica” é uma especulação de alguns filósofos Iluministas e posteriormente alguns Socialistas Utópicos – todos espíritos encarnados (na época em que escreveram, claro :)). Caso o Sr. tenha interesse em estudar o assunto, posso lhe indicar bibliografia – com mais calma, não agora.

  18. NVF Diz:

    Legal, Gorducho. Depois me indica fontes sobre os possíveis significados do termo espiritualismo. Agradeço.

  19. NVF Diz:

    Mas Gorducho, o Vitor já conseguiu fontes sobre Kardec não ser o criador do termo Espiritismo. Na Inglaterra que se começou a usar o termo sem depreciação. Nos EUA preferiam usar “Spiritualism”.
    .
    E eu, depois de uma releitura, vi que Kardec não pretendeu dizer que Espiritismo se restringe a sua doutrina.
    .
    Na verdade considerou Espiritismo uma crença (ou um gênero-crença) e chamou o espiritismo oriundo de sua obra de “Doutrina Espírita” (com todas as características conhecidas, como sendo a 3ª Revelação Divina).

  20. Gorducho Diz:

    Na Inglaterra que se começou a usar o termo sem depreciação.
    Nunca ví o termo Espiritismo ser usado no UK, para mim é novidade. Mas, vivendo e aprendendo. E como nunca morei lá, não vou “teimar”!
     
    Eu estava me referindo caso o Sr. tenha interesse em estudar o assunto Reencarnação – i.e., a real origem dos conceitos, fora da mitologia “Espírita”.
     
    Note: o que o Kardec disse ou deixou de dizer não interessa. Interessa o uso consagrado dos termos. Porém o fato é que se consagrou “Espiritismo” para designar a “Doutrina” do Kardec (surpreendentemente me parece que o Sr desconhece essas passagens!). Vejamos:
    Como especialidade o LE contém a doutrina espírita;(…)
    Então, o que contém LE é a “DE”, certo?
    Introdução, VI
    Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina (…)
    Tendo o Espírito que passar por muitas encarnações
    (…)
     
    Então, novamente: tanto pela intenção do Kardec quanto pela consagração pelo uso, “Espiritismo” contém o dogma da Reencarnação “Romântica”; “Espiritualismo não.

  21. Toffo Diz:

    Gorducho; spiritism é um termo usado nos EUA, no início da moda dos espíritos, e era utilizado para designar a muvuca formada pela manifestação de espíritos, uma palavra mais ou menos genérica como galera para designar um grupamento indeterminado de pessoas ou o inglês cool, que originalmente significa frio, para dizer genericamente que algo ou alguém é legal, bacana etc. Tinha, sim, um sentido algo depreciativo, especialmente entre aqueles que não aceitavam essas práticas. Depois spiritism cruzou o Atlântico e acabou nos ouvidos de Kardec, que, excelente businessman que era, uma faceta pouco conhecida do professor Rivail, viu na palavra um excelente meio de marketing, nacionalizou-a para spiritisme, usou-a para designar a “sua” doutrina e, bingo! Um sucesso de público e crítica, além de uma boa porção de francos para sua conta bancária. O dicionário francês Robert classifica spiritisme como anglicismo.

  22. Gorducho Diz:

    Sim, eu sei. É o que eu estava explicando para NVF:
    O Kardec pegou o termo Americano espiritismo que era usado de certa forma depreciativamente por críticos, e o empregou para designar a “Doutrina” dele. E teve absoluto sucesso – isso se consagrou.

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