As Fraudes do Médium Mirabelli (Parte 12)

Dando prosseguimento às reportagens do Correio Paulistano.

Correio Paulistano – Sábado, 10 de junho de 1916, página 2 

No mundo das maravilhas

É mister que se faça luz na noite do mistério 

O sr. Carlos Mirabelli, a nosso ver, não passa de um hábil prestidigitador 

Mais uma sessão realizou ontem o sr. Carlos Mirabelli no salão nobre desta folha, a terceira da série de cinco exigida no repto que lhe lançamos há quatro semanas, dentro da qual deve ele patentear a sua força mediúnica. 

Mais uma sessão se realizou, e mais uma tremenda maçada foi infligida aos infatigáveis componentes do júri. Como das vezes anteriores, o sr. Mirabelli nenhum fenômeno conseguiu produzir, nenhum, absolutamente nenhum! 

Mas, não haverá dúvida: conquanto fosse sempre nossa convicção que o resultado dessas experiências não seria outro, iremos até o fim com a mesma generosidade, com a mesma imperturbável calma, com a mesma inexcedível resignação, posto que não nos alimente nessa tarefa de interminável “concentração” a esperança que, no questionado caso, a tanta gente acompanha, transformada numa boa fé espantosa, numa credulidade ingênua… 

Já dissemos que o “Correio Paulistano” não cogita da parte científica da questão. O seu objetivo, dadas as provas por nós colhidas, é, com fatos e não com palavras, demonstrar apenas que o sr. Mirabelli não é digno do menor estudo por parte dos nossos homens de ciência; que não se trata de um “médium”, senão apenas de um prestidigitador, cuja esperteza, de envolta com uma boa dose de caradurismo, anda a brincar com a lamentável simplicidade de inúmeras pessoas, ilustres e respeitáveis do nosso meio. E é só o desejo de evitar que nomes assim da nossa melhor camada intelectual se liguem, desastrosamente para eles, às proezas de um petulante mistificador, e só esse desejo, repetimos, que nos arranca o gesto de repulsa que era mantermos contra a irreverente audácia do prestimano. 

A gente culta de S. Paulo não tem o direito de permanecer na condenável atitude de continuar assistindo, como tem assistido, a experiências do sr. Mirabelli, em situação de não poder exercer a rigorosa, a absoluta fiscalização que, no momento, se faz mister. Uma de duas: ou presenciam os trabalhos do ilusionista na qualidade de homens de ciência e, nesse caso, o fazem com iniludíveis precauções, como tem procedido este jornal: ou comparecem às sessões de Carlos Mirabelli simplesmente como adeptos convictos de uma causa para eles passada em julgado, caso este em que já não importará o local, a hora, os aparelhos, a situação, em suma, em que o mágico habilmente execute as suas “misteriosas” passagens. Mas, se esta fosse, de fato, a hipótese verdadeira, a coisa para nós mudaria logo de figura: ficariam em foco os “crentes” de S. Paulo, não porém os nossos homens de cultura científica. O certo, todavia, é que, por enquanto, Mirabelli tem a estulta pretensão d esse impor à ciência, não à ingenuidade pueril dos ignorantes. E, como tal, teve, tem e ter-nos-á a dizer, alto e bom som, que o “Correio Paulistano”, no edifício da sua redação, ou em qualquer outro lugar, contanto que não sejam residências particulares, não permitirá que a prestidigitação tome a aparência de força magnética ou mediúnica. 

Nas provas a que este jornal está submetendo o sr. Mirabelli, a farsa há de ser farsa, o embuste há de ser embuste, a bem dos nossos foros da sociedade culta e civilizada. 

Estiveram presentes á sessão, que se prolongou até às 22 horas, os seguintes srs.: dr. Reynaldo Porchat, dr. Bueno de Miranda, dr. Carlos de Castro, Horácio de Carvalho, dr. Couto de Magalhães, dr. Euclydes Gomes, coronel Fortunato Goulart, Boucher Filho, dr. Antônio Couto de Magalhães, Samuel Porto, major Arthur Osório, Pedro Fonseca, Joaquim Siqueira de Freitas, Eugenio Joel, Antônio Fonseca Aristéo Seixas, pelo “Correio Paulistano”. Não compareceu o sr. Plínio Reis, por motivo de força maior. 

Estiveram também presentes os srs. drs. Cândido Motta, secretário de Agricultura, e coronel Accacio Piedade, deputado estadual. 

Reunidos todos os cavalheiros acima relacionados, o sr. Aristéo Seixas declarou que, antes do sr. Mirabelli começar os seus trabalhos, ia ler às pessoas presentes, com especialidade ao ilusionista, as duas únicas condições estabelecidas pelo “Correio Paulistano”  ao repto que este lançara: leu precisamente a parte em que esta folha estabelecida como prova da mediunidade de Mirabelli a retirada de um lápis do fundo de uma garrafa vazia, colocado o objeto por mão que não fosse a do prestidigitador; e leu mais o tópico em que, para a formação do júri, havíamos reservado apenas o direito de nos fazer nele representar por três dos nossos  companheiros de trabalho.  

Isto feito, disse o sr. Aristéo Seixas, que a direção do jornal havia consequentemente estranhado que, na última sessão realizada, o sr. Mirabelli tivesse solicitado e conseguido, por extrema benevolência de nossa parte que dois dos nossos representantes deixassem o recinto em que se realizavam as infrutíferas experiências. Ficavam assim de pé as condições estipuladas por esta folha. E vem a pêlo lembrar aqui, como complemento do que, a respeito, ontem disse Aristéo Seixas, que, depois de haverem retirado os nossos dois representantes, um cavalheiro que viera em companhia do mágico propusera ainda a saída do sr. Antônio Fonseca, nosso redator-secretário, o que importaria ficar o “Correio Paulistano” sem representação nas experiências que se realizavam em virtude do seu repto. Isto teve graça, e, porque a tivesse, vai sem comentários…. 

Dentro de dois ou três dias efetuaremos a quarta experiência, em que, mau grado de fervorosos adeptos do sr. Mirabelli, o lápis continuará imóvel, absolutamente imóvel, no fundo de uma garrafa, que há de ficar também imóvel, absolutamente imóvel…

Uma resposta a “As Fraudes do Médium Mirabelli (Parte 12)”

  1. William Diz:

    Crítica: As Fraudes do Médium Mirabelli (Parte 12)

    O “Correio Paulistano” atribui ingenuidade indistintamente a todos os intelectuais que acreditam na mediunidade de Mirabelli. Reclamam, com cinismo, que as sessões não produziram resultados até agora, sendo que na redação do jornal, uma gaveta de cinco quilos (e de tamanho 61 cm x 58 cm) fez movimentos rotativos e de “gangorra” sobre o gargalo de uma garrafa.

    Na sessão da gaveta, dizem que ninguém percebeu o “truque” de Mirabelli no momento do fenômeno. Reynaldo Porchat diz que após a experiência foi mostrado o “truque” e segundo ele, está com dúvidas. Alcyr Porchat estava a meio metro de distância e não percebeu o “truque” na hora da experiência, se contentando com a evidência das artimanhas apenas após do evento.

    Caro leitor, não seria mais fácil o “Correio Paulistano” demonstrar o “truque” de telecinese no momento da experiência, como tentou em outro tipo de fenômeno o Sr. Volckman agarrar inutilmente a cintura de Katie King, um espírito estudado após essa desagradável sessão por muitas pessoas sérias? Pois é!

    O jornal tem a cara de pau de dizer que não se mete em questões cientificas e, no entanto, exige que Mirabelli não toque no objeto que iria se mover.

    Mostram assim, que desconhecem como já observei em outra oportunidade, a literatura desses fenômenos onde muitas vezes (em outras ocasiões parece não haver essa necessidade) era necessário tocar o objeto para se renovar a força do movimento, e isso diante do controle dos cientistas. Apesar do tom emotivo dos textos, a incompetência do jornal é patente, por enquanto. Eles não conhecem as leis e as circunstâncias desses fenômenos que eles admitem a possibilidade em outros médiuns.

    Irão jogar um lápis dentro de uma garrafa e afirmam que o objeto continuará imóvel, ou seja, crêem estabelecer condições que não permitirá o “truque”.

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