As Fraudes do Médium Mirabelli (Parte 15)

Dando prosseguimento à série de reportagens do Correio Paulistano.

Correio Paulistano – Sexta-feira, 16 de junho de 1916, página 3 

No mundo das maravilhas

É mister que se faça luz na noite do mistério 

O sr. Carlos Mirabelli, a nosso ver, não passa de um hábil prestidigitador 

A “Gazeta”, em seu número de ontem, publica e comenta uma entrevista que, a propósito dos fenômenos produzidos pelo ilusionista Mirabelli, lhe concedera o sr. farmacêutico Malhado Filho. E, tanto na entrevista como no comentário do vespertino, há referências à pessoa do nosso redator-secretário, a respeito de fatos que não foram, infelizmente, narrados com fidelidade. Afirmou, por exemplo, o sr. Malhado Filho: 

“O senhor Mirabelli disse que podia rasgar o papel nas mãos do sr. Fonseca. Este tomou uma folha de papel e dobrou-a várias vezes, de modo a ser quase impossível rasgar. Efetivamente o papel não o rasgou, mas o sr. Fonseca sentiu uma força atuar sobre o papel, em sua mão, fazendo-o rodar entre os seus dedos.” 

Isto nos leva para logo a crer que o entrevistado já não se recorda bem da narrativa feita pelo nosso companheiro, ou a ela não prestou a atenção que era de esperar e para desejar. Mirabelli não pretendeu, como diz o conceituado farmacêutico, rasgar pedaço de papel algum que se encontrasse em mãos do secretário-redator desta folha, não, senhor, nem sequer falou em tal. O papel foi, com efeito, dobrado em muitas partes pelo próprio escamoteador, que o ia colocar dentro de uma garrafa, para que dali o retirasse com o auxílio exclusivo da sua força misteriosa, tal como fizera com um lápis momentos antes. Foi por essa altura que o prestimano o deu a segurar ao nosso redator-secretário, que, de fato, sentiu que alguma coisa puxava o papel de sua mão. Jamais, porém, RODOPIARA entre os seus dedos. Aliás a secreta força que atraía o papel é hoje muito nossa conhecida… 

Os distintos jornalistas srs. Martinho Botelho e Mello Nogueira, que se achavam presentes na ocasião, juntamente com o ilustre farmacêutico entrevistado, não se negarão por certo a dar o seu insuspeito testemunho versante à INTEIRA EXATIDÃO do que acima deixamos dito. 

Não desconvém, agora, assinalar que o fenômeno questionado, bem como o de balanço e quebra dos copos, a que se refere o distinto bacteriólogo, são diariamente reproduzidos nos salões do “Correio Paulistano” por qualquer de seus redatores ou repórteres, desde a mesma noite em que o sr. Malhado Filho esteve nesta redação, noite que pode considerar-se o Waterloo das audaciosas intrujices de Mirabelli. Foi precisamente nesse dia que encontramos a prova material e irrefragável dos truques do já agora notável prestidigitador… 

Quanto ao comentário da “Gazeta”, cujo excessivo ardor… mirabéllico já vai, a largos passos, prejudicando o prestígio mediúnico do próprio “homem misterioso”, devemos, primeiramente, declarar que a experiência a que alude o sr. farmacêutico Malhado não se efetuou no salão do “Correio Paulistano”, como assegura o valente órgão oficial do sr. Mirabelli mas sim na casa de um distinto comerciante da nossa praça, situada à rua Victoria. Vamos recompondo as coisas, vamos alterando para o certo, vamos corrigindo. Não é por mal: Amicus Plato, sed  magis amica veritas 

Prosseguindo, escreve o dr. Couto de Magalhães: 

“Efetivamente, o sr. Antônio Fonseca, terminada a primeira sessão do repto ao “homem misterioso”, declarou às pessoas presentes, respondendo a uma pergunta do dr. Reynaldo Porchat, que o sr. Mirabelli se limitara, no “Correio Paulistano”, a PRODUZIR APENAS OS FENÔMENOS QUE ELE, SR. ANTÔNIO FONSECA, PROVOCAVA POR MEIO DE “TRUQUE”. 

Pois releva dizer que as experiências realizadas por Mirabelli em o nosso salão, às quais assistiram os mesmos doutores Mello Nogueira e Martinho Botelho, foram tão somente aquelas que o nosso colega reproduziu diante do “júri”, e de que fez menção a nossa ilustrada colega vespertina. De resto, é muitíssimo verdade que o hábil ilusionista, tão espalhafatosamente proclamado pela “Gazeta”, não conseguiu até hoje efetuar UMA SÓ experiência das do seu numeroso repertório, que não fosse IMEDIATAMENTE e com A MAIS PERFEITA EXATIDÃO reproduzida nesta casa por qualquer dos nossos companheiros de trabalho. 

 É o caso do ovo de Colombo: descoberta a mistificação, conhecido o artifício, até uma criança poderá reproduzir-lhe os fenômenos… 

Se tudo, pois, foi aqui fielmente reproduzido, onde a contradição de que se acusa a pessoa do nosso redator-secretário? 

Já temos várias vezes dito, e aqui o repetimos ainda, que o caso não é nem de discussões, nem de polêmicas. Se o sr. Mirabelli produz, com efeito, isto constitui um fato que só com fatos se provará. Assim pensando, não nos achamos, todavia, impedidos de estranhar certos tópicos da entrevista do sr. Malhado Filho, ilustre professor da Universidade de S. Paulo. Pareceu-nos, verbi gratia, que a história das lâmpadas apagadas e mais tarde acesas, independentemente da vontade do pseudo-médium, é pueril. É bem certo que, se entraram numa sala convenientemente iluminada, sem contar com esse “fenômeno”, não podiam ter posto reparo no fato de estarem duas ou três lâmpadas apagadas, e com tal segurança que pudessem ao depois dar do fato um testemunho absolutamente consciente. 

Em sua entrevista, o conceituado bacteriologista fala repetidamente em sinceridade e poucas vezes o faz que não desacerte. Assim é que ele nos diz: 

“– Nada. Ponho toda a idéia de truque de lado. Tenho convicção de que OS FENÔMENOS SÃO SINCEROS.” 

Não sabemos bem se há fenômenos sinceros e fenômenos não sinceros. De uma coisa, porém, estamos já convencidos, é de que o sr. Mirabelli não tem sido sincero para com os nossos homens de ciência; por isso que lhes não quis ainda confessar o embuste de que se tem servido para petulantemente iludi-los.  

Outro trecho da narrativa do sr. Malhado Filho, que se não nos afigurou suficientemente claro, é aquele em que ele conta o que fora observado por dois meninos no próprio recinto do seu escritório; Mirabelli fez que um chapéu, repousado sobre a secretária do apreciado farmacêutico, fosse até ao soalho, descrevendo uma espécie de elipse”,  e voltasse para cima da mesa. A seguir, discreteia o sr. Malhado: 

“Não se pode dizer que os dois meninos foram vítimas de uma sugestão, pois que me disseram não ter visto outras coisas que o sr. Mirabelli diz ter feito na mesma ocasião”. 

Com franqueza, e em que muito pese ao entrevistado, não o entendemos bem. 

 A razão que s. s. apresenta para justificar que os meninos não foram sugestionados, é simplesmente contraditória. “Os meninos não foram sugestionados porque viram as proezas do mágico, quanto ao chapéu, E PORQUE NÃO VIRAM OUTRAS COISAS QUE O SR. MIRABELLI DIZIA ESTAR PRATICANDO. Mas isto prova o contrário do que o sr. Malhado quis dizer. Com efeito, se os meninos não viam as coisas materiais que o prestimano afirmava estar realizando ou era porque enxergavam menos que o bruxo, ou porque estavam por ele sugestionados. Isto é claro como a luz meridiana. 

Ao terminar as suas declarações, o sr. farmacêutico Malhado Filho diz que uma coisa não pode deixar de afirmar: “é que os ‘fenômenos’ por ele presenciados ‘foram feitos’ sem mistificação alguma, com muito sinceridade da parte do homem misterioso”. 

E arriscou o sr. Malhado Filho uma afirmativa que só poderia partir de Mirabelli, de mais ninguém. Só a Mirabelli seria possível assegurar se estava ou não sendo sincero. 

Todos os outros poderiam apenas presumir. 

*          * 

Damos a seguir duas cartas dos nossos colegas de imprensa, srs. drs. Mello Nogueira e Martinho Botelho, em resposta às que lhes dirigiu o sr. Antônio Carlos da Fonseca, a propósito ainda de uma afirmação do sr. Malhado Filho, na entrevista que concedeu à Gazeta, nossa colega da tarde: 

“S. Paulo, 15/6/916

Amigo Fonseca – Saudações.

Em resposta á sua cartinha de hoje, pedindo o meu testemunho sobre as impressões por v. manifestadas logo após ter assistido às experiências do sr. Mirabelli, tenho a dizer que ainda me lembro perfeitamente de tudo. Achava-me numa das salas do “Correio”, em companhia do sr. professor Malhado Filho, sr. Mirabelli, sr. Martinho Botelho, e sr. Francisco Sucupira, quando v. chegou, tendo, uma hora antes, assistido a curiosos fenômenos produzidos pelo sr. Mirabelli. Sendo justamente esse o assunto de nossa palestra e já tendo o sr. Mirabelli nos referido o que se passara na experiência realizada em sua presença, era natura que a nossa curiosidade aguçada se manifestasse em perguntas insistentes sobre as suas impressões. Lembro-me de que v. então, declarara que o sr. Mirabelli fizera coisas extraordinárias, que seu espírito incréu não podia explicar, referindo-se à queda de copos, movimentos giratórios de uma caixa vazia colocada sobre o gargalo de uma garrafa e um ligeiro mas sensível puxão num papel de brado que v. tinha seguro na mão direita, papel esse que nos foi mostrado. 

Creio ter assim respondido às perguntas de sua gentil missiva. Sem mais, etc.. etc.., do amigo Mello Nogueira.” 

*          * 

“Amigo Fonseca – Recordo-me perfeitamente de que na redação do “Correio”, há algumas semanas passadas, à noite, em companhia do sr. Malhado Filho e dr.  Mello Nogueira, ouvi da sua pessoa impressões sobre as experiências que na sua presença realizara o sr. Mirabelli. Dentre elas, lembro-me ainda haver você afirmado, ter entre as mãos uma folha de papel dobrada em longo e ter o mesmo sr. Mirabelli lhe dado a sensação de que ela era atraída por uma força estranha. 

Aliás, esta experiência, como todas as demais que presenciei, feitas pelo sr. Mirabelli, você as repetiu diversas vezes no salão do ‘Correio’, com a máxima clareza e nitidez, declaração esta que fiz ao próprio ‘médium’ no ‘bar’ do Automóvel Club. – Disponha do amigo – Martinho Botelho, 15 – junho, 1916.

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