As Fraudes do Medium Mirabelli (Parte 22)

Dando prosseguimento à série de reportagens do Correio Paulistano.

Correio Paulistano – Sexta-feira, 23 de junho de 1916, página 2 

No mundo das maravilhas

Fez-se luz em a noite do mistério 

O sr. Carlos Mirabelli é realmente um hábil prestidigitador 

Ainda as demonstrações práticas de “Correio Paulistano” • Os nossos colegas do “Commercio de S. Paulo” e do Fantulla” manifestamdesejos de conhecer os “fenômenos mirabellicos” • As impressões dos distintos jornalistas 

Os nossos distintos colegas do “Commercio de S. Paulo” e do “Fantulla” mostraram, há semanas passadas, o desejo de assistir a experiências realizadas pelo redator secretário desta folha, em que se patenteavam as mesmas magias observadas nas funções de Mirabelli. Acedemos à vontade dos ilustres jornalistas, e uma noite aqui estiveram eles para o fim colimado. O que observaram e a impressão que tiveram vê-se em seguinte por uma interessante e bem feita descrição delineada pelo sub-secretário do “Commercio de S. Paulo”, o sr. Alfredo Mario Guastini; 

“A fama de Carlos Mirabelli corria mundo. O homem fazia coisas extraordinárias. Com um simples olhar paralisava a marcha de um elétrico; com um sopro, derrubava um combustor de gás… A sua força dava para manifestações violentas, assim como para manifestações elegantes, próprias para salões chiques. Um lápis, obedecendo aos seus gritos, ou melhor, as ordens do “espírito protetor” que sempre acompanha o “homem misterioso” – é este hoje o cartão de visita do sr. Mirabelli – um lápis, dizia eu, saía assim, como quem dança o tango, de dentro de uma garrafa.  

E como o lápis, mas sem requebros, em cigarro saía, obedecendo a guinchos mirabellicos, de dentro de um pacote colocado sobre uma mesa. Coisa de espantar, coisa que habilitaria qualquer mortal a cavar a vida folgadamente. Mas o sr. Mirabelli não queria transformar os espíritos de entes queridos em fonte de renda. Isso nunca. Quando muito poderia aceitar auxílios monetários ou hospedagem das pessoas que pretendessem, em benefício da ciência, estudar os interessantes fenômenos. Era isso o que se dizia a respeito do invejado reservatório de forças psíquicas – quase rival das instalações da Light, em Parnaíba. E o número de admiradores do sr. Mirabelli aumentava dia a dia. De repente, começaram a circular boatos sobre o aparecimento de um segundo homem misterioso… Fiquei pasmado e intrigado com o surgir de tantos acumuladores de energias e – por que não dizê-lo? – duvidei.  

– É a expressão da verdade – afirmou o meu informante – o Fonseca, do “Correio”, produz os mesmos fenômenos conseguidos pelo Mirabelli.

– O Fonseca?

– Sim, o Fonseca, em carne e em fluidos. 

Por uma questão de delicadeza não quis continuar a por em dúvida a palavra do meu interlocutor, e a coisa passou. 

Desde esse dia, os nomes de Mirabelli e Fonseca corriam de boca em boca.  

Convém notar que com a fama do Fonseca os cabelos passaram a ter grande procura, especialmente os cabelos castanhos. Seu preço atingia o do algodão. Diversas senhoras, em homenagem à ciência, ficaram carecas… 

Mais quinze dias de manifestações psíquicas e os cabelos já eram negociados na bolsa, assim como as ações de bancos e companhias. 

Comecei a preocupar-me com os decantados fenômenos, não conseguindo, porém, assistir a nenhuma das sessões realizadas pelo sr. Mirabelli. 

Não perdi a esperança. Uma bela noite telefonei ao Fonseca: 

– Que fenômenos tão falados são esses? E a história dos cabelos? Poderei assistir a algumas experiências?

– Pode. Hoje mesmo, às 2 e ½, aqui no Correio Paulistano.

– Está dito. 

Efetivamente, à hora marcada, entrávamos na redação do Correio eu, o Ângelo Silva, Wenceslau Arco e Flexa, Álvaro Freire e Lourenço Filho, todos do Commercio de S. Paulo, e o dr. Egberto Penido, diretor da Agência Americana.

 

Pouco depois chegavam os colegas do Fanfulla, dr. Ricci, Romeu e Natale. 

– Vou fazer as experiências, avisando desde já que para isso vou lançar mão de truques. Já assistiram as sessões de Mirabelli?

– Não – respondemos todos.

– É pena, pois se tivessem assistido poderiam verificar que os meus “espíritos” não são piores que os dele.

– Por onde querem começar?

– Desejávamos ver o lápis, subindo da garrafa.

– Perfeitamente. 

O Plynio Reis trouxe uma garrafa branca, colocando-a sobre a mesa, existente no salão nobre do “Correio”. 

– Foi aqui que Mirabelli fez as suas “experiências” – disse o Fonseca – queiram examinar a garrafa. 

Todos a examinamos, nada encontrando de anormal. 

– Quem tem um lápis?

– Eu – respondeu Arco e Flexa – passando-o para as minhas mãos e das minhas para as do Fonseca, que o colocou dentro da garrafa. Eu fiquei a dois passos de distância, observando. Fonseca, imitando Mirabelli, ergueu a gola do paletó, invocando o “espírito”, que se não fez esperar. Dentro de meio minuto, o lápis subia lentamente, saindo da garrafa para cair sobre a mesa.

– Extraordinário! – dissemos todos.

– Perceberam alguma coisa?

– Nada, absolutamente.

– Examinem o lápis. 

Atendemos prontamente, não encontrando, porém, nenhum vestígio de truque empregado pelo emulo de Mirabelli. 

– Vou fazer uma coisa que o “homem misterioso” não faz – disse Fonseca. Segure você a garrafa, e coloque você mesmo o lápis dentro dela.  

Isso a três passos de distância, se tanto.  

E o lápis saiu, como da primeira vez, sem que eu e meus demais companheiros déssemos pelo truque.  

A seguir foi colocado um papelão sobre o gargalo da garrafa. Como o lápis, esse corpo inanimado obedeceu aos gritos do Fonseca, girando em todos os sentidos e caindo para o lado ou lados indicados pelos assistentes. 

Depois da experiência do papelão, o colega Fonseca atirou sobre a mesa um maço de cigarros fornecido pelo sr. Natale, do Fanfulla, ficando o operador a uns dez passos da mesa referida. 

– E agora? – perguntamos.

– Agora vou pedir ao espírito que ordene a um cigarro que sai do maço e venha às minhas mãos.  

Efetivamente. Como por encanto, o cigarro saiu do maço e chegou à mão direita de Fonseca, depois de ter percorrido, muito lentamente, a metade da mesa – cerca de dois metros. 

Batemos palmas. 

– Não perceberam nada ainda?

– Nada.

– Pois olhem, quando assisti às experiências do Mirabelli eu também não percebi nada.

– E como deu pela coisa?

– Fui auxiliado por um espírito, desafeto do Mirabelli…

– Como?

– Depois de uma prova, o espírito deu o suíte no médium, enroscando-se neste vaso de flores artificiais. E foi com o próprio “espírito mirabellico” que fiz as minhas primeiras provas.

– E hoje?

– Hoje tenho vários “espíritos amigos” dentro de uma caixa de fósforos. Uma meia dúzia de fios de cabelos enrolados em palitos…

– Então é verdade que os cabelos têm tido estes últimos dias grande procura?

– Ora se é. E com os fios de cabelos estão aparecendo Mirabellis em todos os cantos. 

Conversamos ainda durante algum tempo, explicando o Fonseca aos assistentes a maneira de operar, hoje conhecida por grande número de pessoas. 

Deixamos o “Correio” às 4 e 10 da madrugada, todos convencidos de que até aquela data os “homens misteriosos” eram dois; – Mirabelli e Fonseca… 

Hoje, porém, inúmeros são os “misteriosos”… 

Até um meu pequeno de dois anos e meio de idade! 

Parece incrível, mas não é. Tendo ele assistido a uma experiência por mim feita em casa, quis imitar a sorte. Gravou na mente as palavras e os gestos, e daí a três dias, fui encontrá-lo a gritar para uma garrafa, onde pusera um lápis: 

– Saia lápis! Saia lápis! 

E o lápis saiu sem o auxílio do cabelo, porque o pequeno, mais impaciente do que eu, virou a garrafa… 

O ÊXITO DAS NOSSAS EXPERIÊNCIAS 

Já lá vão descritas várias sessões, das realizadas pelo nosso companheiro, com o exclusivo intento de acautelar os crédulos. Muitíssimas outras realizou ele, todas com o mesmo magnífico resultado, consoante atestam homens do mais aquilatado critério, e por alguns estimáveis confrades. 

Releva acrescentar neste ponto, para comprovar, embora superfluamente, qual o desejo único que nos animava de fazer luz na noite de mistério, que procurávamos sempre efetuar as aludidas “experiências mediúnicas” ante pessoas que já haviam apreciado as habilíssimas operações do celebrado escamoteador. Muitíssimos dos seus prosélitos nos procuraram mesmo com o só intuito de se certificaram, de visu, de que éramos também senhores de extraordinária força oculta, tal como o nunca assás decantado rebento de Botucatu. 

Assim, à medida que adquirimos uma clientela fantástica, sequiosa de comparar os fenômenos profissionais do pseudo-médium, com as levitações que provocávamos, mercê do próprio truque por ele deixado na nossa tenda de lutas, decrescia o número dos seus adeptos, rareavam as suas experiências; do objetivo que era passara a ser o “homem misterioso” uma individualidade meramente teórica… O resto os leitores já o sabem através da nossa minuciosa reportagem, que ainda não vai pela sua terça parte. Ao cabo destas palestras jornalísticas, implacavelmente fundadas nos alicerces da Verdade, a luz raiará para todos, todos poderão ter a mesma excelsa potencialidade de [valdevinas?] que a nossa tolerância guindou aos galarins da glória mais estrondosa.  

Prosseguindo no labor de descrever tudo o que se passou de interessante entre nós, com respeito à descoberta do intangível aparelho, daremos hoje por finda a tarefa de recompor as “sessões experimentais”, por nós realizadas, e que constituíram a base fundamental da desmoralização do astuto impostor. Assim recapitularemos, epilogando esta parte do nosso inquérito, mais seis dos aludidos ensaios, os quais foram dos de maior êxito, merecendo aplausos que excederam às nossas expectativas de pobres mortais, absolutamente profanos na prática das complicadas experiências da metapsíquica… 

Passemos, pois, a traços largos, a descrever

A OITAVA SESSÃO EXPERIMENTAL LEVADA A EFEITO PELO NOSSO SECRETÁRIO 

a qual constou dos números já conhecidos do leitor – evoluções de caixas, ascensão de lápis, levitação de cartões ou retratos, de cigarros que, aos pulinhos, sabiam por si sós, fantasticamente, das carteiras, indo parar nas mãos carregadas de fluidos do hipnotizador… 

Essa sessão foi realizada por iniciativa do dr. Martinho Botelho. Estava este nosso prezado colega de imprensa gozando de uma palestra no Automóvel Club. Presenciara, por essa ocasião, em companhia do sr. Joaquim de Souza Queiroz, as maquiavélicas experiências do sr. Carlos Mirabelli, e o Sr. Queiroz ficou, de fato, impressionado com o que vira, ou fosse com essas tão noticiadas sortes, a que o “homem misterioso”, quando fora da nossa entrevista, recomendara que chamássemos (é textual) as MAIORES MARAVILHAS DO SÉCULO XX! 

Foi então que o dr. Martinho Botelho disse àquele distinto cavalheiro: 

– Quer assistir a uma segunda edição dos “fenômenos”? 

E, encravando no olho o seu clássico monóculo, repuxou os bigodes, passeando de um lado para o outro a sua originalíssima figura de touriste e de intelectual, afeito aos grandes centros europeus. 

O sr. Souza Queiroz, ante o sorriso enigmático do dr. Martinho, esteve para supor que o brilhante causeur estava disposto a arvorar-se também em Anti-Cristo. Não obstante, perguntou-lhe: 

– Onde?

– No salão do Correio Paulistano.

– Como?! 

Então o dr. Martinho Botelho, com um ar especialíssimo que revela para os momentos solenes, referiu-lhe, em presença do próprio Sr. Mirabelli, que um dos nossos colegas possuía também o maravilhoso condão de super-homem que havia pouco o encantara. O Sr. Souza Queiroz, meio incrédulo, aceitou o convite, e veio então até a nossa folha, tendo tido aqui oportunidade de assistir, por uma alma fac-símile da que orienta os passes mirabéllicos, AOS MESMÍSSIMOS FENÔMENOS APREGOADOS COMO ADMIRABILÍSSIMOS E ÚNICOS por alguns ingênuos. 

Finda a experiência, a que estiveram presentes, além de outras pessoas, os drs. Martinho Botelho, Mello Nogueira e Alarico Silveira, era uma vez a mediunidade do homem-prodígio. E foi assim que o distinto cavalheiro se desiludira também das façanhas mirabéllicas… 

Tivemos, noutro dia, 

A NONA SESSÃO, QUE FOI DEDICADA AO PESSOAL DA CASA E A VÁRIOS AMIGOS 

Revestindo-se ela, como as demais, do mesmo solene brilhantismo. 

A ela assistiram Aristéo Seixas, Plinio Reys, Henrique de Araújo, Alfredo Martins, João Silveira Junior, Mucio Passos e Nuno Sant’anna. 

Afora os fenômenos já conhecidos, outros foram tentados com êxito, como a suspensão de uma flor de um vaso, o deslocamento do equilíbrio de um vaso fusiforme, a movimentação de uma cadeira, a incandescência de lâmpadas elétricas e outras coisas fantásticas, como acender uma vela, ao toque de um lápis, e a excursão aérea, aos saltos, de uma caixa de fósforos… 

Diga-se aqui, de passagem, que até depredações e vandalismos poderiam ser cometidos com a “força mediúnica”, tal como faz o desalmado homem das negras barbas, se o nosso operador não levasse em conta o valor material e artístico das nossas jarras, quadros, estatuetas de mármore, e outros objetos, do preço, que se poderia partir na queda.

 

O fato do pseudo-médium apenas realizar essas simplíssimas piruetas a distância, as quais quase repete em toda a parte, podendo, no entanto, variá-las extraordinariamente, tornam contraproducentes as suas estratégias, pois que é humanamente incrível que os espíritos se apresentem apenas para praticarem tantas futilidades. Prova-se, assim, que houve mais essa clamorosa lacuna na sua habilidade: se por um lado, executando escamoteações simples garantia a sua segurança, por outro, reiterando-as por séculos sem conta, era impossível que de nada não se suspeitasse: quando a esmola é demais até os santos desconfiam… 

Agora, contemos o que foi 

A DÉCIMA PRIMEIRA SESSÃO, TAMBÉM NO NOSSO SALÃO NOBRE 

e que se realizou em dia que se sucedeu à última experiência descrita. Seriam, talvez, vinte e duas horas e meia. No silêncio da redação, ouvia-se aqui e ali o rumor das máquinas de escrever. 

Trabalhava-se. 

De repente, abriu-se a porta de entrada. Assomara a figura simbólica de Múcio Teixeira, barão de Ergonte. De [manocolo assestado?], sorrindo o seu sorriso singular, aproximou-se da secretária do nosso chefe. Disse-lhe, num tom sumido de segredo, com um ar de dúvida: 

– Disseram-me que v. faz de Mirabelli…

– Tenho alguma força, respondeu-lhe rindo o nosso companheiro.

– Você não quer realizar agora uma sessão? Tinha vontade de assistir.

– Você já viu o Mirabelli?

– Já.

– Pois então… tem direitos adquiridos. Vamos lá para o salão. 

O Mucio abalou, curioso, rumo do nosso salão; e nosso secretário, que ficara atrás, adiantara o seu expediente e, munido de um dos seus mais excelentes “espíritos”, dirigiu-se para o local em que o sr. Carlos Mirabelli realizara, na nossa folha, as suas experiências. 

Abramos aqui um breve parênteses para referir uma coincidência curiosa: o objeto que denunciara a falsidade da força mediúnica do intrujão fora encontrado no mesmo lugar em que ele operara por duas vezes e em que, sentado diante de um dos auxiliares desta folha, ao conceder-lhe a célebre entrevista, vira um espírito, o qual lhe tocara por duas vezes: uma num dos pulsos e outra a um dos lados dos quadris, com grande susto do nosso companheiro e estremunhões do professor, o qual deu verdadeiros corcovos para se ver livre do habitante do espaço. Com certeza foi esse mesmo espírito que lhe rebentou o aparelho, pondo-o a perder…

Fechando o parênteses, digamos que o nosso secretário se foi postar nesse mesmo ponto, já assinalado no esquema que publicamos dessa referida dependência desta folha. Estavam presentes, além do dr. Mucio Teixeira, outros cavalheiros, entre os quais podemos nomear os drs. José Rubião, secretário da presidência do Estado; deputado dr. Cesar Lacerda Vergueiro, o nosso antigo colega de imprensa dr. Tancredo do Amaral, hoje promotor público do Capivary; Salles Guerra, o nosso companheiro Nuno Sant’Anna e Alexandre Weinstein, adido à administração desta folha. 

Então o nosso secretário perguntou ao Mucio o que vira ele fazer o sr. Carlos Mirabelli. O barão Ergonte descreveu o que presenciara, ou sejam os mesmos fenômenos do estilo.  

– Pois bem, disse-lhe o Fonseca, vou tentar reproduzir as mesmas coisas. 

E começou a magnetizar os objetos, que foi um horror! Depois de executar TODAS AS MARAVILHAS MIRABÉLLICAS, realizou outras muitas com imenso sucesso. Entre várias coisas conseguiu retirar de uma GARRAFA BRANCA (o que vai de encontro à praxe do homem-prodígio) que ESTEVE NA MÃO (também vai de encontro) do dr. Tancredo e depois na do dr. Mucio Teixeira, um lápis de curtas dimensões, sem que nenhum deles percebesse o truque. 

Uma fotografia que o nosso amigo dr. Tancredo Amaral tinha nas mãos passou, sem que  ninguém percebesse de que maneira, para as mãos do barão de Ergonte. 

E mais proezas que seria longo enumerar, uma vez que os leitores já sabem que os objetos leves ou pesados, mas em equilíbrio, são realizáveis inúmeros movimentos, principalmente os de oscilação. Todos conhecem o célebre matemático que disse ser possível, com um ponto de apoio, deslocar o mundo com a força de uma alavanca.  Pois agora se faz muito melhor, graças ao “melhor médium destes últimos tempos” conseguindo-se por o mundo em equilíbrio sobre a ponta de um alfinete, pode-se deslocá-lo com uma facilidade assombrosa, com a pressão mínima… de um fio de cabelo. 

Nada deixou a desejar a sessão. Tanto que, no outro dia, a “Gazeta” publicava uma longa entrevista que lhe concedera o dr. Mucio Teixeira, e da qual, com a devida vênia, destacamos o seguinte tópico, que fala com mais eloqüência do que as nossas palavras: 

“– E as coisas que o sr. viu no “Correio”?

– Admiráveis, bem feitas, capazes de iludir a quem quer que seja. Imagine que o redator conseguiu tirar de uma garrafa branca uma lapiseira minha. E tudo tão bem feito, ou antes, feito de uma maneira tão perfeita, tão natural, que ninguém percebeu a mistificação. Também assisti a um papelão rodar em cima do gargalo de uma garrafa do lado que se quisesse. A experiência da lapiseira foi feita, sendo que a garrafa estava nas minhas mãos, assim como fui eu que arranjei todos os objetos para as outras. É inegável: em nenhuma delas pude perceber o “truque”, e comigo creio que as outras pessoas que se achavam presentes, os srs. drs. José Rubião, César Lacerda de Vergueiro, Tancredo do Amaro, Salles Guerra, Nuno Sant’Anna  e Alexandre Weinsten. 

– O sr. achou tudo admirável?

– Feito com perfeição, sem dúvida. Quem fez as experiências mostrou-me o “truque”: um cabelo castanho de mulher e cera de terra. Mas é tudo feito de tal modo que ninguém percebe, e se isso se dá comigo, que conheço todas essas mistificações, pois que já fiz muitas, em rodas familiares, para divertir os presentes, como há tempos aqui mesmo em S. Paulo, na casa do dr. Amador Bueno, em que fiz dançar um ovo… por meio de “truque”, já se vê, com utilização de [retror?] de seda, imagine com as outras pessoas…” 

Antes de finalizar, vem a pêlo dizer que, ao retirar-se do “Correio Paulistano” o dr. Mucio Teixeira, com o seu eterno sorriso simbólico, se chegara de novo à mesa de nosso secretário, dizendo-lhe: 

– Arranja-me aí um espírito; amanhã vou divertir umas famílias conhecidas. 

Agora, passemos à 

DÉCIMA TERCEIRA SESSÃO, QUE REVESTIU O MESMO BRILHO DAS ANTERIORES 

havendo a ela assistido os srs. Erico Braga, filho do sr. conde de Matozinhos, e um dos principais artistas de excelente companhia que trabalhava então no S. José; dr. Octávio Ribeiro Pinto, dr. Gomes Cardim, Heitor Gonçalves e Louzelo, guarda-livros da casa Sioize.  

Foram reproduzidos todos os fenômenos já conhecidos. O ator Braga, que embarcava no outro dia para a Europa, finda a sessão, pedira ao nosso companheiro que lhe fornecesse “dois espíritos”. 

– Queria, a bordo – disse-nos – assombrar os companheiros de viagem. O seu pedido foi satisfeito; é de supor, portanto, que durante a travessia do Atlântico os companheiros do Sr. Braga tivessem tido alguns instantes de recreio, graças ainda à famosa mediunidade do “homem misterioso de Botucatu”. 

E terminamos o capítulo das experiências, afirmando que a  

DÉCIMA QUARTA SESSÃO 

realizada depois do formidável fracasso da primeira inútil e cínica tentativa do Sr. Carlos Mirabelli, após o nosso repto, foi a mais concorrida, pois que foi ela presenciada por jornalistas, homens de letras, poetas e prosadores, cientistas, políticos, toda uma excelente assembléia digna da máxima consideração.  

O sucesso foi absoluto.

 

COMUNICAÇÃO DO PAPÁ

(do outro mundo) 

Filho querido! Neste andar receio

Que fiques reduzido a pele e osso

Tão certo estou que a gente do “Correio”

Já te prepara o mais escuro fosso

 

Cá te espero. Mas sinta que tão moço

Largues a casca da jornada em meio…

E que remédio! Já saiu da poça

Toda a Verdade, pois fizeste feio…

 

Assim estás, meu filho, por um fio

De cabelo, mas este, pela certa

Vai rebentar, e não darás um pio.

 

Bem te guiei aqui no teu roteiro,

Pra que trocaste pela glória incerta

À sovela feliz de sapateiro?

 

João Crespo.

 

Para amanhã:

OS MIRABELLI PROLIFERAM

Um novo emulo do “homem misterioso” aproveita os tais “fenômenos” para curar uma sua criada de alcoolismo habitual – Uma interessante missiva do diretor do “Argus”

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