AS FRAUDES DO MÉDIUM MIRABELLI (FINAL!)

Termina aqui a série de reportagens do Correio Paulistano sobre o médium Mirabelli, totalizando cerca de 230 páginas de transcrições. Diversos mitos foram derrubados, a verdade foi restabelecida através destas reportagens. Espero que tenham gostado!

Correio Paulistano – Quinta-feira, 13 de julho de 1916, página 2  

No mundo das maravilhas

Fez-se luz em a noite do mistério

O sr. Carlos Mirabelli é realmente um hábil prestidigitador

Mirabelli perante o Código Penal

Algumas explicações de distintos cavalheiros

E… PONTO FINAL 

Mirabelli perante o Código Penal 

O “Correio Paulistano”, orientando os seus leitores sobre as bruxarias de Carlos Mirabelli, revelou fatos de tal ordem que por si só bastam para que se faça sentir, no debatido caso, a ação da justiça pública.

A propósito, ouvimos ontem um dos mais conceituados advogados do nosso foro. Procuramos, na própria residência, o distinto jurisprudente, e pedimos a sua opinião sobre o assunto. 

Queríamos que nos dissesse se o prestímano havia ou não transgredido a lei. Estava ou não incurso em algum artigo do Código Penal.

S. s. nos respondeu gentilmente: 

– A questão é claríssima. O artigo 157 do nosso código reza textualmente: 

“Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, INCULCAR CURAS DE MOLÉSTICAS CURÁVEIS OU INCURÁVEIS, enfim, para FASCINAR E SUBJUGAR A CREDIBILIDADE PÚBLICA – Penas de prisão, etc.” 

Ora, enquanto o prestidigitador limitou a sua ação a meras experiências para despertar o interesse do nosso meio científico, segundo propalava, penso que nada havia de anormal. Mas um vespertino, que trazia longas narrativas das façanhas do “homem misterioso”, fornece à justiça, em seu número de 20 de junho de próximo passado, um esclarecimento importante, atestando que Mirabelli inculca “CURAS DE MOLÉSTIAS”.

Assim se lê, numa comunicação feita pelo SECRETÁRIO DE UMA SOCIEDADE ESPÍRITA, ao referido vespertino: 

“Mirabelli pediu a d. Francisca Boucault, esposa do enfermo, uma garrafa com água, a fim de fluidificá-la, para servir de medicamento. Na ocasião, porém, em que fazia passes sobre a garrafa, o “médium” se transfigurou, suas mãos tornaram-se frias como a neve, e a água da garrafa congelou-se rapidamente, passando do estado líquido ao sólido, estado em que se conservou por espaço de cinco minutos, mais ou menos.”

Mais adiante acrescenta: 

“Passado algum tempo, depois de uma pequena concentração feita pelos presentes, a pedido do “médium”, a água voltou ao seu estado primitivo. Entregando então a garrafa ao capitão Guilherme Boucault, ele determinou a este que usasse a água para banho dos olhos afetados. As pessoas aqui mencionadas, que assistiram a este fenômeno de vista própria, e em estado normal, estão prontas a certificá-lo a qualquer hora, se assim for preciso.” 

O próprio “Correio Paulistano”, numa das notas da sua interessante reportagem, conta que Mirabelli, sendo consultado por um enfermo de reumatismo, sobre se o podia curar, respondeu:

“Isto só em sessões particulares…” 

A jurisprudência dos nossos tribunais é deficientíssima sobre os casos desta natureza. Nem procurarei estribar-me na opinião dos tratadistas, que divergem profundamente, ora encarando a questão sob o ponto de vista religioso, ora a colocando no terreno científico.  

Mas, nas regras fatais da hermenêutica jurídica, estudado este caso à luz das provas expostas, nenhum homem da lei trepidará em afirmar que Carlos Mirabelli incorreu nas penas do artigo 157 do Código Penal. 

– E o dr. deve ter conhecimento, pela leitura das folhas, de que uma senhora se acha seriamente alterada das faculdades mentais, devido á sugestão do prestímano?

– Já ia tocar nesse ponto. É ainda o artigo 157 no seu parágrafo 1º: 

“Se por influência ou em conseqüência de qualquer destes meios resultar ao paciente PRIVAÇÃO OU ALTERAÇÃO TEMPORÁRIA OU PERMANENTE DAS FACULDADES PSÍQUICAS – Penas de prisão, etc.”

Assim, achamo-nos diante de fatos que caracterizam fielmente a figura prevista pelo legislador. 

As curas mirabellicas são noticiadas “oficialmente” pela diretoria de um centro espírita. 

Quanto à intenção fraudulenta do agente de adquirir para si um lucro, como pondera o nosso Viveiros de Castro, não constitui ela elemento indispensável do processo; no entanto, creio que facilmente se poderia provar a sua existência, neste escandaloso caso. 

Além de tudo, a própria prova testemunhal é oferecida pelo secretário da sociedade espírita, o qual afirma que as pessoas que assistiram ao “fenômeno” estão prontas a certificá-lo a qualquer hora. 

É um crime de ação pública. Cabe à justiça sindicar da procedência de todas as acusações, que pareçam inconfundíveis.” 

Agradecemos a s. s. a honrosa acolhida e o valioso depoimento que aí deixamos, como chave de ouro da nossa reportagem. 

Impressões do dr. Mello Nogueira 

Damos a seguir as impressões do nosso distinto colega de imprensa dr. José Ferreira de Mello Nogueira, sobre o debatido caso Mirabelli. 

“Conheci o sr. Carlos Mirabelli no mês passado. Antes disso ouvira vagas referências a seu respeito, referências inverossímeis, pois se dizia que ele possuía qualidades do raio fulminante de Wells, e fazia proezas que punham de pernas para o ar todo o pesado edifício da química e da física.  

Uma tarde, palestrando à porta da minha casa comercial com meu sócio e amigo, dr. Gastão Jordão, este me referiu umas tantas coisas praticadas pelo Mirabelli, segundo ouvira contar. Justamente, nesse momento, de nós se acercaram o srs. dr. Herádio Capote Valente e farmacêutico Malhado Filho, que eram testemunhas dos fenômenos provocados pelo famoso “médium” de então e audacioso pelotiqueiro de hoje. Contam-me coisas maravilhosas os dois distintos e estimados cavalheiros. Delicadamente levantei dúvidas, levantei mil possibilidades de “truques”, tentei explicar uma ou outra das sortes que me foram referidas, mas tudo em vão. Não chegávamos a um acordo. “É preciso ver o homem”, dizia-lhe o farmacêutico Malhado, e gentilmente se propôs a facilitar um encontro.  

Fiel à sua promessa, apareceu nessa mesma noite na redação do “Correio”, em campanha do sr. Mirabelli, que vinha manifestamente nervoso, queixando-se de pulsações violentas, apalpando-se todo, inquieto, agitado.

Mostrava-se revoltado com um vespertino, que publicara, naquele dia, um artigo fazendo pouco na sua força mediúnica. 

Procurei acalmá-lo. Mirabelli olhou-me insistentemente durante alguns segundos, terminando por dizer que via uma alma bemfazeja ao redor de minha cabeça. Falou depois longamente contando sua vida e aventuras, e sucessos mediúnicos, sendo ouvido atentamente por mim, pelo sr. professor Malhado, dr. Martinho Botelho, Francisco Sucupira, e depois pelos srs. dr. Alarico Siveira, Antônio Fonseca, Plínio Reys e alguns rapazes da redação.  

Disse mais ou menos o seguinte: 

“Há quatro anos que comecei a ser vítima de visões e perseguido pelos espíritos. Foi então que reiniciaram os meus sofrimentos, desditas, prejuízos. Mas tudo isso foi para o bem da alma, para redimir os pecados, para aperfeiçoar o espírito. A carne nada vale; é uma podridão. Fui grande negociante e um dia vi tremular à minha porta a bandeira vermelha do leiloeiro. Estava tudo perdido mas eu sempre dizia “não faz mal”. “paciência”. Andei de seca em [moca?] com minha mulher e filho, ora trabalhando, ora aceitando favores, e muitas vezes passando por dolorosos transes,  sofrendo até fome e não tendo onde dormir. Minha mulher chorava de desespero e eu continuava a dizer “não faz mal”. Já dormi embaixo de uma ponte, depois dentro de casas em construção e afinal me deram de esmola um porão humilde de cujo teto porejavam imundícies sobre mim e os meus. Era a prova suprema. Perdi a paciência e quis suicidar-me, porém um espírito arrancou-me o revólver da mão. Minha mulher caiu gravemente enferma e foi tratada pelos espíritos, que até lhe levavam os objetos de que ela necessitava: remédios, chás, etc. 

Neste ponto da narrativa o auditório, de olhos fitos no misterioso personagem, parecia impressionado. O dr. Martinho encarava-o atentamente através do seu monóculo, Sucupira, de olhos arregalados, não lhe perdia uma só palavra. Interrompi-o pedindo detalhes de umas tantas coisas. Mirabelli satisfez-me, fazendo-se sempre esquecido sobre nomes de pessoas com quem já tinha estado em contato.

Fez depois uma longa pausa e estático, os olhos parados, em atitude beática, mirou longamente o teto da casa.  

Voltou a si e continuou: 

“Um belo dia arranjei um emprego na Sapataria Villaça, mas os espíritos não me deixavam sossegado em parte alguma. Faziam tais coisas que eu assustava todos e era olhado como louco e fui despedido do emprego. Na Sapataria Villaça as caixas de sapato as caixas de sapatos desciam da prateleira assim que eu as olhava e, às vezes, saíam correndo pelo soalho com grande espanto dos fregueses e empregados. Fui para uma drogaria e os vidros dançavam assim que eu aparecia, e por isso perdi o emprego. 

Continuei a sofrer e a passar dificuldades. Um dia estava com dois tostões no bolso e tive vontade de chupar balas. Entrei numa casa da rua 15 e as balas voaram para as minhas mãos, enquanto o níquel de 200 réis entrava na gaveta. A empregada, uma alemãzinha, muito loura, fugiu espavorida, e agora quando me vê tem medo de mim. 

Duma feita alguém veio, em plena rua, falar comigo em atitude agressiva. Pois de repente a sua bengala voou pelos ares e foi cair muito longe, com grande surpresa dos transeuntes. Perto de minha casa havia um italiano que não acreditava em espiritismo e me insultava horrivelmente. Todo o mundo se admirava de minha paciência e me aconselhava replicasse com energia. Não, respondi, para quê? Ele não vale o que faz. Mandei porém um espírito persegui-lo. Ele passou noites inteiras sem dormir, apavorado, até que um dia se convenceu da verdade e veio pedir-me perdão.” 

Nisto entrou o Fonseca, que momentos antes assistira uma série de sortes de Mirabelli. 

Açulados pela curiosidade pedimos-lhe as suas impressões e ele declarou que assistira a diversos fenômenos, tais como movimentos de uma caixa, caída de copos, etc.  

Limitava-se a narrá-los, porque não acreditava no espiritismo. 

Mirabelli fuzilou-lhe um olhar mau. Assim, porém, que Fonseca entrou na narrativa detalhada dos fenômenos a que assistira, o misterioso personagem mudou de atitude, cofiando as longas barbas, alegre e pachorrento.  

Generalizou-se a palestra. Em meio dela Mirabelli se levanta como impulsionado por oculta mola, e abruptamente convida o dr. Martinho Botelho a acompanhá-lo.

Encaminharam-se para o salão nobre, onde se fecharam. Daí a poucos ouvimos uma gritaria que tinha qualquer coisa de um violento choro entrecortado de exclamações plangentes.

– Que será isso? Indaguei impressionado.

– São as invocações de Mirabelli, respondeu-me o simpático professor Malhado.

Meia hora depois voltavam os dois. Mirabelli vinha radiante e Martinho contava o que se tinha passado.

Enquanto Martinho falava, Mirabelli dava demonstrações visíveis de grande contentamento.

Os leitores do “Correio” já estão ao par de tudo, narrado pelo próprio dr. Martinho Botelho.

Continuou a palestra. Plínio Reys pediu uma “sorte” ao sr. Mirabelli, indo os dois para o salão, mas voltando logo, em seguida, nada tendo havido, porque o “grande médium” declarou não sentir coisa alguma. 

Crescia a minha curiosidade, as horas corriam céleres, as máquinas do jornal começavam a trabalhar, e nós todos, na sala, discutíamos animadamente esperando ansiosos qualquer fenômeno impressionante.

Muito de propósito, no intuito de animar o “bonhomme”, comecei a narrar as famosas aventuras do prof. Crookes. 

Em meio de minha narrativa fui interrompido bruscamente por Mirabelli, que, dizendo estar vendo qualquer coisa de extraordinário, me pediu o acompanhasse ao salão.

Lá fomos, e nos encerramos. 

Sentei-me ao lado do mágico, que com ar transfigurado, pálido, semi-sorrindo, olhos parados, fitava o teto. 

Alguns segundos depois, virando-se para mim, disse: 

“É o espírito do seu pai, dr. Mello Nogueira, que eu estou vendo. Ele faleceu há pouco tempo…” 

Olhou-me de soslaio, um tanto de soslaio. Fiquei impassível. 

Levantou-se então o “extraordinário vidente”, e, olhando para o ar, começou a exclamar, entusiasmado: “Que belo espírito! Como é adiantado! Que belo “bruno”!” 

Animado com o meu silêncio, que lhe parecia aprovador, foi além, na sua intrujice: “É alto como o senhor, porém mais cheio de corpo, e que olhos pretos!”

Meu saudoso pai era, efetivamente, alto, porém tinha os olhos verdes e os cabelos e barba castanhos. 

No íntimo, revoltado com tamanha desfaçatez do ousado intrujão, continuei impassível no firme propósito de estudá-lo até o fim. 

Começou então o berreiro do bruxo, que procurava encher de doçura os seus gritos: “Olhe, ali! Está vendo? Oh! Que beleza! Que espírito adiantado! Olha, ali, ele! Está vendo?” 

Isto repetiu dezenas de vezes, ora apontando para um lado, ora para outro.

Depois, ajoelhou-se e fez uma oração qualquer.  

Levantou-se, arranjou dois copos, uma garrafa, uma caixa de papelão e, colocando tudo na extremidade da mesa, pediu-me que ficasse distante, quatro metros, mais ou menos, dos referidos objetos.

Olhando mais uma vez para o ar, suplicou, no meio de berros cheios de blandícias: “Doutor, dê uma prova qualquer para seu filho acreditar no espiritismo; doutor, dê uma prova; dê uma prova…” 

E continuou a súplica numa voz humilde e chorosa.

E de tudo isso, de toda essa encenação, resultaram copos quebrados, levitação de um lápis, movimentos de rotação numa caixa de papelão colocada sobre o gargalo de uma garrafa, etc. 

Tudo isso vi de longe, porque assim que me aproximava, cessavam os fenômenos. 

À saída, contei aos srs. drs. Alarico e Botelho e srs. Antônio Fonseca e Plínio Reys, o que se passara, declarando-me pouco satisfeito com a experiência, embora não tivesse descoberto “truque” algum. 

No dia seguinte, indo à redação, o Fonseca me chamou de lado e, misteriosamente, todo confidencial, disse: “Eu estou sentindo fluidos iguais aos de Mirabelli. Não sei o que será. Ontem olhei muito tempo para uma caixa de fósforos, e ela começou a mexer-se.”

Recebi a comunicação com ar de pilhéria, mas era tal a seriedade, a compunção de Fonseca, que fui obrigado a acreditar no que me estava contando.  

Contudo, manifestei minhas dúvidas ao dr. Martinho. Alguns dias depois, Fonseca fez, na minha vista e na dos srs. dr. Alarico Silveira e outros, a reprodução exata dos fenômenos produzidos por Mirabeli. Com o ar mais sério do mundo, afirmava Fonseca ser aquilo magnetismo. 

Nem eu, nem nenhum dos assistentes pôde descobrir o “truque”, que mais tarde nos foi revelado pelo próprio Fonseca. 

Saí dando tratos à bola, para encontrar uma explicação racional a tudo que vinha de assistir: Seria magnetismo? Mas o magnetismo só se exerce sobre objetos animados…

E continuava imerso na dúvida, até que o próprio Fonseca veio dizer-me e provar-me que era “truque”. 

E mesmo aqueles que sabem tratar-se de “truque” não o descobrem facilmente, tão enganador que este é. 

– Diante de tudo isso, qual é a sua conclusão? Que idéia faz de Mirabelli?

– Diante de tudo isso, diante do que vi e ouvi contar por pessoas acima de qualquer suspeita, não se chega a outra conclusão se não a de que Mirabelli é um PRESTIDIGITADOR OUSADO.  

Uma carta do dr. Reynaldo Porchat 

O sr. dr. Reynaldo Porchat, ilustre catedrático da Faculdade de Direito de S. Paulo, endereçou-nos amabilíssimas palavras, que muito agradecemos, felicitando-nos pelo “brilhante êxito com que vamos apagando a vistosa fama do Mirabelli, convencido de que estamos prestando um valioso serviço à sociedade em que vivemos”. Lembra o eminente jurista que os nossos “úteis esforços não devem deter-se diante dos louros conquistados”, pois que “há em nossa sociedade outros exploradores, embora mais finos, milagreiros e adivinhos de fancaria, e que despertam repulsão igual á provocada pelo barato invocador de almas do outro mundo, que legitimou a seção enérgica e eficaz do “Correio Paulistano”.  

Uma explicação do sr. Simões Pinto 

A propósito de uma das nossas notas, no capítulo que consagramos ao fenômeno de vidência, o sr. Simões Pinto endereçou-nos uma longa missiva, explicando que o sr. Mirabelli “não descrevera mais ou menos com precisão, por fora e por dentro”, a casa em que residiu o seu saudoso progenitor, mas que a descreveu com toda a exatidão. 

O sr. Simões Pinto aproveita o ensejo para nos referir que se o intrujão descreveu perfeitamente a moradia aludida, o mesmo não aconteceu com relação à pessoa de seu pranteado pai, pois “que a descrição feita com hesitação pelo médium foi assas imprecisa”. 

Termina o sr. Simões Pinto dizendo que na casa em que residira a sua família não havia gás e sim luz elétrica, o que vem confirmar as nossas asserções, porquanto Mirabelli teve por alguns anos, no largo do Arouche, uma casa de artigos elétricos, a qual se encarregava de todo o serviço concernente àquele ramo de negócio. 

O ex-médium HESITARA NA DESCRIÇÃO DO SAUDOSO PROGENITOR DO SR. SIMÕES PINTO, QUE ESTAVA PRESENTE E QUE, PORTANTO, PODERIA SER FACILMENTE DESCRITO NOS SEUS TRAÇOS CARACTERÍSTICOS, MAS DESCREVEU A CASA EM QUE EM TEMPOS RESIDIU aquele distinto cavalheiro, e a qual nem ao menos era a em que ele VIERA A FALECER, como seria natural, em se tratando da invocação de uma alma que havia poucos meses se desencarnara. 

Preferir fazer a descrição de UMA CASA, A DISTÂNCIA, a descrever uma pessoa PRESENTE EM ESPÍRITO, e, ainda, com a agravante de se referir àquela com exatidão e a esta “hesitante, dando traços assás imprecisos”, é alguma coisa de extraordinário, que bem demonstra de que tempera é a criminosa audácia do refinado intrujão que se vai locupletando à custa da boa fé alheia, mercê da infinita tolerância dos paulistas. 

Duas perguntas 

De um “constante leitor”, recebemos ontem a seguinte carta:

“Sr. redator – Já há dias enviei os meus sinceros e entusiásticos parabéns ao brilhante “Correio Paulistano”, pela sua estupenda vitória na semeadora campanha em prol do prestígio da ciência e da cultura paulista, desmascarando o relíssimo intrujão do “fio de cabelo”. Volto agora à sua presença para fazer apenas uma observação, que é a seguinte: alguns dos 54 CRENTES DE MIRABELLI (porque, segundo uma lista publicada, ENTRE OS 400.000 HABITANTES desta culta cidade de S. Paulo o audacioso intrujão contava apenas 54 prosélitos, metade dos quais aliás já forma ao lado do “Correio Paulistano”) aderem pressurosamente, – embora não fossem para isso convidados – a prestar longos depoimentos, proclamando os GRANDES MÉRITOS do esperto palhaço do “Circo Clementino”. Quando, porém, chamados a esclarecer um ou outro ponto para o restabelecimento da verdade, eles “se encolhem”, fingindo-se “desentendidos”. Não me posso conformar semelhante FALTA de LEALDADE.  

Há dias, o seu jornal dirigiu duas perguntas a um desses cavalheiros, com o intuito de certamente projetar luz sobre duas omissões notadas na sua carta, dada anteriormente à publicidade. Eu, como toda a gente que acompanha com interesse a questão, esperava ler no dia seguinte a resposta do missivista, que tão pressurosa quanto espontaneamente de decidira, com grande atraso, a fazer afirmações sobre a veracidade dos tais “fenômenos” e no momento em que NINGUÉM MAIS, que possua uma parcela de bom senso, leva a sério o refinadíssimo charlatão. A resposta, entretanto, sem justificada surpresa de todos, não apareceu até agora e isso nos leva a acreditar que: 

1º) o MISSIVISTA NÃO VIU O FENÔMENOS DAS AVENCAS;

2º) TAMBÉM NÃO PERCEBEU a EXISTÊNCIA de TRUQUES nas EXPERIÊNCIAS do “Correio Paulistano”. 

Assim, não fica a pergunta sem resposta. Agradecendo a publicação destas linhas, sou, sr. redator, de v. s., [att.o etc?] etc. – Constante leitor.”

E… ponto final 

Temos, finalmente, chegado ao término da campanha que encetamos com o objetivo de desmascarar o intrujão, prestando dess’arte, como realmente prestamos, um bom serviço à nossa sociedade. 

Vibramos um golpe seguro, que, por muito seguro, produziu o efeito esperado e desejado. Já ninguém em S. Paulo toma hoje ao sério as diabruras do falso médium, ingenuamente reproduzidas em sucessivas atas; e lamentam todos que certos cavalheiros de responsabilidade no meio em que vivem hajam ligado os seus nomes à audaciosa comédia do prestímano. 

O “Correio” desceu a todas as minúcias para provar as mistificações de Mirabelli; e provou-as à saciedade, e provou-as sobejamente. Ninguém resta que, em boa fé, ainda seja capaz de nos trazer a sua contestação. Se alguém, todavia, se abalançasse a fazê-lo, já não seria esse por certo um ingênuo… 

Terminada, pois, a nossa campanha, finda como está a nossa missão, tencionamos não mais tratar deste assunto.  

O “Correio Paulistano” fez o que devia fazer a este propósito; e, quanto ao pelotiqueiro, a seção deste jornal terminou precisamente onde deve começar a da justiça.

Conseguintemente, sobre este caso, em que desencantamos um bruxo, em que poupamos maior desaponto a homens respeitáveis, em que livramos a sociedade de uma pavorosa intrujice, em que castigamos a impertinência de um velhaco. 

PONTO FINAL

                             

3 respostas a “AS FRAUDES DO MÉDIUM MIRABELLI (FINAL!)”

  1. Charles Xavier Diz:

    Com a palavra: Carlos Magno!

  2. Alexandre Borges Diz:

    Queríamos que nos dissesse se o prestímano havia ou não transgredido a lei. Estava ou não incurso em algum artigo do Código Penal.

    S. s. nos respondeu gentilmente:

    – A questão é claríssima. O artigo 157 do nosso código reza textualmente:

    “Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, INCULCAR CURAS DE MOLÉSTICAS CURÁVEIS OU INCURÁVEIS, enfim, para FASCINAR E SUBJUGAR A CREDIBILIDADE PÚBLICA – Penas de prisão, etc.”

    De onde surgiu esse leguleio? Esse rábula? O art. 157 que ele cita, deve ser do Código Penal do Império!!! kkkkkk

    Dizer que Carmine Mirabelli fazia bruxarias é risível, cafajeste. Bruxaria é um termo pedante, meus caros; caso não saibam existe a Wicca (estudem mais). Mirabelli foi um excelente médium, estudado de forma séria. Nas materializações das quais ele foi o centro das atenções, estiveram presente médicos e oficiais da força pública de São Paulo. Ele materilização inclusive, o espírito de ninguém menos do que São Francisco de Assis. É oportuno destacar que vocês jamais teceram críticas à Eusapia Paladino, tampouco refutaram as premissas de Cesar Lombroso (pai da criminologia). O referido médium, fora pesquisado por pessoas sérias, citando por todos, o dr. Alberto de Melo Seabra, o qual fora peremptório em ressaltar as qualidades medianímicas do médium em questão. Gostaria muito que vocês refutassem a Teoria Corpuscular do Espírito, desenvolvida pelo dr. Hernani Guimarães de Andrade. De igual sorte, vocês poderiam criticar, fundamentadamente, a teoria M.O.B do mesmo autor. Aceitariam esse repto? Tenho certeza que não.

  3. Sergio Moreira Diz:

    Parece tão inteligente e acredita em cada baboseira…

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