AS FRAUDES DO MÉDIUM MIRABELLI (PARTE 34)

Dando prosseguimento à série de reportagens do Correio Paulistano.

Correio Paulistano – Quinta-feira, 6 de julho de 1916, página 3 

No mundo das maravilhas

Fez-se luz em a noite do mistério

O sr. Carlos Mirabelli é realmente um hábil prestidigitador

Duas interessantíssimas entrevistas

O que nos contou o ilustre médico dr. Rezende Puech

Fala-nos o conceituado negociante sr. José Scalise

O “Filtro Mirabelli” – A curiosa história da “Charutaria Centro Paulista”

A arte de escamoteação produziu um excelente negócio e… algumas bengaladas 

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TEIXEIRA RUSSO e Cia Pintores                                                           

A tabuleta da charutaria

mirabellica – As letras são amarelas sobre um fundo verde 

As duas entrevistas que hoje inserimos assumem um interesse palpitante como documentos comprobatórios da calculada audácia do sr. Carlos Mirabelli. Não tratam propriamente dos fenômenos que o elevaram, em dias dos séculos das luzes, aos galarins de uma glória fantástica; figuram elas, nestes autos – peças do processo judicial a que responde, ante o Tribunal da Opinião, o relapso prestímano – como provas autênticas de alguns dos seus comprometedores antecedentes. O juízo que transparece de ambas as palestras que se seguem, como se verá, comprova à saciedade que há já muito tempo o arrojado sapateiro se dá a prática de espertezas, pelo que fica mais uma vez iniludivelmente esclarecido que o falso médium não passa de um refinadíssimo espertalhão, que não trepidou em embair os incautos, uma vez que disso lhe resultasse uma boa soma pecuniária. 

Foi o dinheiro o móvel da intrujice.

Uma palestra com o dr. Luiz Rezende Puech 

O sr. dr. Luiz Resende Puech, distinto e conceituado facultativo, residente nesta capital, conhecia, por acaso, o sr. Carlos Mirabelli, quando o famoso “homem misterioso” era simplesmente um pobre charuteiro da rua da Boa Vista. O dr. Rezende ia diariamente no seu automóvel àquela rua, parando no nº 7, onde o seu digno pai é estabelecido. O sr. Mirabelli, que tinha então uma charutaria no nº 5, habitualmente trocava cumprimentos com o ilustre clínico.

Desejando saber qual a impressão do dr. Rezende sobre o “homem”, procuramo-lo em sua residência, à avenida Angélica, nº 131. 

– O dr. – disse-nos um serviçal – está em Santos, venareando.

– Pois lá iremos – refletimos com os nossos botões. E, noutro dia, no trem das 10, seguimos para a vizinha cidade. Conhecíamos o endereço do distinto médico. Na estação tomamos um elétrico, que nos conduziu à praia do José Menino. Havia um sol abrasador. Contudo, na praia, onde a viração marinha soprava, a temperatura era amena. 

Descemos em frente ao nº. 161.

O dr. Rezende, a quem cumprimentamos em nome do “Correio Paulistano”, recebeu-nos amavelmente.

Dissemos-lhe ao que íamos. 

– Oh! O célebre caso Mirabelli! Tenho seguido a questão, que, entretanto, nada me tem interessado. Quem conhece os PRECEDENTES do “homem”, não PODE DEIXAR DE ASSIM FAZER. Conheço há muito o sr. Mirabelli: desde quando ele tinha uma charutaria na rua da Boa Vista. E foi daí que fiquei sabendo a sua história de charuteiro, que, diga-se a verdade, não é das melhores. O dono da barbearia daquele prédio pode contar o que lhe fez o sr. Mirabelli. O pobre homem sofreu bastante com o sr. “dos fenômenos”. Imagine que o sr. Mirabelli chegou a usar deste plano: para poder comprar os artigos para a sua charutaria, a prazo, valeu-se da barbearia do outro, dizendo-se sua. E depois, não cumprindo os seus compromissos, o credor foi à barbearia, caindo das nuvens ao saber da verdade. SEI TAMBÉM QUE o sr. Mirabelli foi PALHAÇO DE CIRCO DE CAVALINHOS. Ora, conhecendo todos esses antecedentes seus, NÃO PODIA LEVAR A SÉRIO os “mistérios”. Disseram-me, um dia, que um homem estava a fazer coisas do arco da velha. Tive logo vontade de ver isso. MAS QUANDO ME CONTARAM QUE ERA O SR. MIRABELLI, O TAL HOMEM, NEM MAIS ME PREOCUPEI COM O CASO. Pudera! CONCORDO QUE SE VÁ A UM CIRCO PARA SER ENGANADO, MAS, O SER DE BOA FÉ, É QUE NÃO. Depois, todos os antecedentes do “homem misterioso” são péssimos. Vou citar-lhe mais alguma coisa que sei. Por ocasião da última epidemia de febre tifóide em S. Paulo, o sr. Mirabelli arranjou um modo de ganhar a vida suavemente… Inventou um FILTRO PORTÁTIL – DOIS PAPELÕESINHOS COM CARVÃO NO MEIO E FEZ UM ANÚNCIO. E assim conseguiu vender muitos aparelhos desse seu invento!… É interessante também saber como o sr. Mirabelli passou a sua charutaria. O negócio não dava resultado. Nisso pensando, o homem anunciou a venda de “uma charutaria, no centro da cidade, com boa freguesia, etc.” Um pobre caipira de S. Roque leu o anúncio. E pensou consigo: Uma boa ocasião de ficar rico. De S. Roque a S. Paulo foi um pulo. Noutro dia lá estava na charutaria o pobre caipira. O sr. Mirabelli apresentou-lhe um LIVRO FANTÁSTICO, demonstrando que a venda de cigarros era de a conto a 1 conto e 1/2 por mês. E no mesmo dia passou-se a escritura. Não preciso dizer que o caipira foi logrado: na charutaria não existia nada e, quanto à freguesia, também nada! Isto lhe pode contar quem me referiu toda essa história: o dono da barbearia da rua da Boa Vista, nº 5. 

– Para o dr., portanto… 

– …o sr. Mirabelli NÃO PASSA DE UM PRESTÍMANO: tudo ele FAZ com MUITA HABILIDADE. Tive essa convicção desde o primeiro momento em QUE SOUBE ser ELE o “HOMEM MISTERIOSO”, e MANTENHO-A.  

Apresentamos o nosso agradecimento ao distinto cavalheiro, pela maneira gentil que nos recebeu e pelas interessantíssimas informações que nos prestou, e retiramo-nos satisfeitos do nosso cometimento.                        

Como foi vendida a célebre charutaria 

Ante a indicação do ilustre médico dr. Rezende Puech, procuramos, no dia seguinte, o sr. José Scalise, proprietário do acreditado “Salão Paulista”, barbearia, à rua da Boa Vista, nº 5. Deu-nos ele várias informações sobre o sr. Carlos Mirabelli, que, como já referimos, teve uma charutaria na porta daquele prédio.

– Conheço o sr. Mirabelli há muito tempo, disse-nos o sr. Scalise. Quando abri o meu salão, o sr. Mirabelli pediu-me licença para instalar aqui na porta uma charutaria. Acedi. O sr. Mirabelli inaugurou então a sua “Charutaria Centro Paulista”. Passaram-se os tempos. Os negócios não corriam muito bem para o charuteiro. Viu-se apertado pelos credores. E ao se ver livre, momentaneamente, de incômodos, ia dizendo por aí afora que o salão da barbearia lhe pertencia. Soube do caso e, ato contínuo, chamei à ordem o sr. Mirabelli.

– “Oh! disse-me ele, não se incomode por isso. Eu quero trabalhar para o sr. O sr. é moço, não tem conhecimentos: eu os tenho. Por isso é que digo que a barbearia me pertence: – é para lhe arranjar fregueses…

– Bom ato, bom auxílio, não há dúvida, – aventuramos…

– Efetivamente. O que é certo é que o nosso homem não tinha muita sorte. Não vendia nada. Resolveu, portanto, passar adiante a charutaria. E fê-lo de uma maneira… muito curiosa. Anunciou-a. Em certo dia apareceu um senhor para ver o negócio. E o sr. Mirabelli, então, deu uma prova admirável de sua… habilidade. Imagine: na charutaria não havia quase nada. Meia dúzia de caixas de cigarros, e muitas e muitas de caixas vazias. Pois o sr. Mirabelli conseguiu convencer o comprador de que havia cigarros em profusão. Mandou organizar uma lista fantástica dos cigarros existentes, pelo seu empregado, de nome Carneiro Sobrinho. A lista dava o estoque como sendo de um conto e pouco. O mais interessante, porém, foi a verificação da mercadoria existente. O comprador, de um lado, o sr. Mirabelli, de outro:  e a verificação começou.

– “Dez dúzias de cigarros da marca tal!” – gritava o sr. Mirabelli. Puxava umas caixas, mostrava uma que tinha cigarros, e com uma atividade e habilidade sem par, pegava outra caixa das dez, que não era senão a mesma, e assim fez a verificação de todo o estoque. Vendeu como cheias, graças a essa esperteza, uma imensidade de caixas vazias. Foi passada a escritura, por um conto de réis, no tabelião Arruda. Para conseguir vender com facilidade o seu estabelecimento, o sr. Mirabelli não se limitou a dizer que tinha muita mercadoria em casa; disse mais: afirmou contar com uma freguesia extraordinária, quando ela nem era notada por nós, que todos os dias o víamos de braços cruzados, sem atender a ninguém…

Mais tarde, vendo o logro em que caiu, o comprador, que não era outro senão o sr. Roque Soares da Costa, de S. Roque, deliberou vingar-se do sr. Mirabelli. E dizem que o “homem misterioso” de hoje viu estrelas, em plena rua, ao meio-dia… E eis o que sei. – terminou o simpático sr. Scalise, depois de nos haver permitido, para que dela tirássemos o clichê que estampamos acima, fotografar a tabuleta da “charutaria mirabellica”.  

Mirabelli em Jahú 

Ouvimos dizer que vários espíritas de Jahú estão promovendo a ida do prestímano Carlos Mirabelli àquela cidade, para exibir os seus “fenômenos”. 

Caso isso aconteça, um dos redatores desta folha acompanhará o prestímano para, se lhe faltarem os “fluidos”, substituí-lo, deliciando os johuenses com as interessantes mágicas mirabellicas, que um fiozinho de cabelo e um pedaço de cera podem provocar. 

FIOS SECRETOS 

Se a intrujice que espuma, e ardor que mora

N’alma, e em si traz cada intrujão que nasce,

Tudo o que engana, tudo o que devora

O coração no rosto se estampasse:

Se se pudesse, o “espírito” que chora,

Ver através da máscara da face,

Tanto bruxo talvez que riso agora

Nos causa, então talvez piedade nos causasse! 

Quanto “cabelo”, enfim, talvez consigo

Guarda o intrujão, que tem um inimigo,

Na esperteza da gente… conscienciosa! 

Quanta gente que ri, talvez, existe

Que, como o Mirabelli, tanto insiste

Em parecer aos outros… audaciosa!

 

Dr. CHICO

Para amanhã:

Sensacional entrevista com um distinto farmacêutico

O livro de alta magia que Mirabelli recebeu dos Estados Unidos e no qual estudos os seus “fenômenos de levitação”

O audacioso prestímano aceita uma proposta para se exibir num teatro do Rio

As impressões do nosso brilhante colega dr. Martinho Botelho

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