AS FRAUDES DO MÉDIUM MIRABELLI (PARTE 36)

Dando prosseguimento à série de reportagens do Correio Paulistano.

Correio Paulistano – Sábado, 8 de julho de 1916, página 3 

No mundo das maravilhas

Fez-se luz em a noite do mistério

O sr. Carlos Mirabelli é realmente um hábil prestidigitador

Uma incontestável prova dos “truques” de Mirabelli

O que nos conta um conhecido e ilustrado médico dr. Pereira de Rezende

Uma noite de azar para o falso médium – Insucessos sobre insucessos – O distinto cientista percebe o fio de cabelo

Fala-nos o nosso prezado colega sr. Nestor Pestana, redator-secretário do “Estado de S. Paulo” 

Apesar das inúmeras provas que temos dado, documentadas com testemunhos insuspeitos, das mistificações do [2 palavras ilegíveis] o “homem prodígio”, alguns ingênuos parece que dizem não ter sido o pseudo-médium pegado em flagrante. Ora, a entrevista que se segue, quando não bastasse o fato de havermos encontrado o talismã do mágico, prova o contrário. Um ilustre facultativo, cuja opinião é inteiramente insuspeita, SENTIU NOS DEDOS, COMO SE VERÁ, OS FLUIDOS DO HOMEM PRODÍGIO. Mas há coisas mais interessantes… e mais comprometedoras. Dentro de brevíssimos dias, os leitores ficarão inteirados a respeito delas, bem como de tudo o que sabemos a respeito do ex-maior médium de todos os tempos.  

O que nos disse o distinto facultativo dr. Pereira de Rezende 

[FIGURA] 

DR. PEREIRA DE REZENDE 

Em casa do dr. Pereira de Rezende, ilustre e conhecido facultativo desta capital, o sr. Mirabelli realizou também uma das suas célebres sessões. Procuramos aquele cavalheiro para saber qual era a sua impressão sobre os fenômenos a que assistira. Em sua residência, informaram-nos que s. s. se achava em Santos. 

Foi nesta cidade litorânea que fomos falar com o dr. Pereira de Rezende. 

Recebidos gentilmente pelo distinto cavalheiro, dissemos-lhe logo o nosso desejo. 

S. s. prontificou a dar-nos todas as impressões que desejássemos. 

– Efetivamente, o sr. Carlos Mirabelli realizou uma das suas sessões em minha casa. Os fenômenos provocados foram semelhantes aos já largamente descritos pela imprensa. Contudo, desde o primeiro momento, NÃO ACREDITEI MUITO NA SINCERIDADE do sr. Mirabelli. E houve bastantes motivos para que eu assim pensasse.  

O sr. Mirabelli conseguiu tirar um lápis de uma garrafa, mas em circunstâncias que não me causaram ADMIRAÇÃO ALGUMA. Notei que, todas as vezes que o “médium” realizava esse fenômeno, procurava ter, de qualquer modo, algum contato com o lápis. Depois o entregava a uma pessoa, dizendo: 

– Coloque o lápis com cuidado, de leve. 

Algumas vezes, a pessoa encarregada de por o lápis na garrafa o colocava com certa força, jogando-o, por assim dizer, de cima do gargalo ao fundo. Nessas ocasiões o sr. Mirabelli TIRAVA O LÁPIS, dizendo que o ia colocar como devia ser. 

Mais ainda veio corroborar as minhas dúvidas o seguinte fato: num dado momento, o sr. Mirabelli, dirigindo-se a mim, disse: 

– “Venha o sr. colocar o lápis”. 

Fiz o que ele me pedia. Mas, ao por o objeto na garrafa, SENTI ALGO DE ESTRANHO, QUALQUER COISA COMO UM FIO FINÍSSIMO CORRER-ME POR ENTRE OS DEDOS. 

– ESTOU SENTIDO UM FIO NOS DEDOS, disse eu.

– “São os fluidos”, exclamou o sr. Mirabelli, tomando-me rapidamente o lápis da mão. 

Ainda mais: quando o “homem misterioso” não podia tirar logo à primeira vez o lápis da garrafa, dizia que ia ver se CONSEGUIA DE UM COMPARTIMENTO CONTÍGUO realizar o fenômeno: DIRIGIA-SE ENTÃO PARA UM OUTRO COMPARTIMENTO. QUE IRIA FAZER O SR. MIRABELLI? SE ELE NÃO PODIA TIRAR O LÁPIS no aposento em que este se achava, como o poderia fazer DE LONGE? Parece-me que, dirigindo-se a outro compartimento, o sr. Mirabelli SE IA PREPARAR, OUTRA COISA: na ocasião da sessão, o sr. Mirabelli pediu que várias pessoas saíssem. Dizia ele que elas perturbariam a experiência. Pois bem: algumas dessas pessoas, que não puderam assistir aos fenômenos, voltaram a espiar, por uma porta de vidro, os trabalhos do sr. Mirabelli. Logo que este as viu, reclamou. Não podia mais provocar os fenômenos. Por quê? Dir-se-ia que o “homem misterioso” TINHA MEDO DE SER DESCOBERTO. 

Tenho ainda OUTRO FATO, que é mais um CONTINGENTE para o meu modo de pensar sobre o sr. Mirabelli. Disse ele que ia produzir um fenômeno com a instalação elétrica. Todos olharam para as lâmpadas. Num certo momento, uma estatueta de bronze que se achava bem atrás do sr. Mirabelli tombou.  

– “Olha, gritou aquele sr., foi o espírito que a derrubou”. 

Os presentes, entretanto, não eram da mesma opinião: um destes VIU O SR. MIRABELLI TOCAR NA COLUNA, do que resultou a queda da estatueta…

Também toda a TEATRALIDADE do se. Mirabelli me impressionou mal, assim como aquele história de ele REPETIR QUASE SEMPRE os mesmos fenômenos – O LÁPIS NA GARRAFA, A CAIXA DE PAPELÃO E OS COPOS… E o sr. Mirabelli a fazer gestos, a chamar pelo PAPÁ! TUDO ISSO É COISA DE CRIANÇA.  

Todos os fatos e circunstâncias referidos me levaram, portanto, a acreditar ser o “homem misterioso” SOMENTE UM PRESTIDIGITADOR, QUE ELE O É, E HÁBIL, ISSO NÃO SE DISCUTE.  

– Depois, aventuramos, correu que o sr. Mirabelli fez em casa do dr. uma “experiência” psíquica…

– … que não deu RESULTADO SATISFATÓRIO. Vou contar-lha. Ao entrar em casa, o sr. Mirabelli VIU ALGUÉM DE LUTO, e disse:

– “Nesta casa morreu uma pessoa.” 

Disse-lhe QUE NÃO. É certo que falecera um nosso parente, mas não em S. Paulo. 

Doutra feita, o sr. Mirabelli disse-me: 

– Vejo perto de si uma sombra: é o ESPÍRITO DE SEU PAI… 

Não o tendo querido envergonhar-lhe no momento, FIZ-LHE VER MAIS TARDE QUE MEU PAI É, FELIZMENTE, VIVO.

– ENTÃO ERA O SEU AVÔ, disse atrapalhadíssimo o homem misterioso…

– E o sr. Mirabelli não tentou realizar outros fenômenos materiais, além dos que o sr. citou?

– Tentou. Quis, por duas vezes, acender uma lâmpada, MAS NÃO O CONSEGUIU.

– De modo que na opinião do dr…

– … o sr. MIRABELLI É UM PRESTIDIGITADOR, NADA MAIS. 

Agradecemos ao distinto cavalheiro a gentileza com que nos tratou e deixamos a sua bela vivenda de inverno na prata santista. 

* * * 

Fala-nos o redator-secretário do “Estado de S. Paulo” 

A seguir damos, em breves palavras, uma impressão do brilhante jornalista sr. Nestor Rangel Pestana, redator-secretário do “Estado de S. Paulo” e que foi membro do júri, por ocasião do nosso repto.  

O nosso distinto colega teve ocasião de presenciar, em casa do dr. Alberto Seabra, vários “fenômenos” provocados pelo sr. Carlos Mirabelli, e mais tarde viu reproduzidas, no nosso salão, por um dos redatores desta folha, as mesmas “magias” que tanta popularidade deram ao ex-charuteiro da rua da Boa Vista.

 

Foi por isso que procuramos o nosso colega para que nos dissesse qual a sua impressão sobre as duas sessões que presenciou – a do “homem misterioso” e a do nosso operador. 

– Presenciei efetivamente os “fenômenos” do sr. Mirabelli na residência do dr. Alberto Seabra, disse-nos s. s. Despreocupado, sem nenhuma desconfiança quanto ao modo de proceder do sr. Mirabelli, não o pude observar bem, na ocasião em que se produziu os fenômenos.

Dias depois, indo ao “Correio”, tive ensejo de assistir, provocados com “truques”, fenômenos semelhantes ao do sr. Mirabelli, isto é, levitação de objetos, etc. 

Entretanto, desejaria ver o sr. Mirabelli trabalhar mais uma vez, ao menos, para o examinar bem e ver, então, se ele opera com artifícios ou não. Não tive, porém, mais essa oportunidade. De modo que não posso, ao menos por enquanto, expender uma opinião segura sobre a questão. O que é certo, e que não posso deixar de afirmar, É QUE VI, NO SALÃO DE SEU JORNAL, REPRODUZIDOS FIELMENTE TODOS OS FENÔMENOS PRODUZIDOS EM MINHA PRESENÇA PELO SR. MIRABELLI.  

* * * 

Mais um ingênuo… 

Segundo lemos numa folha carioca, deverá chegar a esta capital, dentro de breves dias, o célebre médium argentino Don Juan de Revoredo Yazabal, diretor de uma revista espírita que se publica em Buenos Aires. O conhecido médium vem a S. Paulo especialmente a fim de estudar a estranha personalidade do sr. Carlos Mirabelli. 

É de lamentar que o ilustre espiritista tenha abalado da capital portenho com e só propósito de vir apreciar de perto os fenômenos que se diziam tão extraordinários, mas que na verdade não passam de vulgaríssimas escamoteações de um hábil prestidigitador.

Para amanhã:

Com três sensacionais entrevistas, encerraremos a série de depoimentos do nosso inquérito

O falso médium é pilhado em flagrante na prática de seus “truques”

O fio de cabelo é observado por um dos circunstantes

                                                                                        ________                       

Um jovem advogado descobre um dos “fenômenos” e consegue reproduzi-lo diante do próprio “médium”

De como um alfaiate desmascara um sapateiro

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