Chico Xavier e a crônica “A Palavra do Morto”

Este artigo, escrito por Moizés Montalvão, revela distorções que Chico Xavier cometeu ao recontar o encontro do rei Saul com a pitonisa de Endor.

Humberto de Campos foi um produtivo escritor que viveu de 1886 a 1934, morreu aos 48 anos, no auge da criatividade, durante uma cirurgia com a qual tentava frear a cegueira que o ameaçava. Humberto sofria de hipertrofia da hipófise. Uma das conseqüências da doença é a chamada agromegalia, crescimento desmesurado de algumas partes do corpo. O resultado é um corpo monstruoso, dominado por dores lancinantes, além de outros efeitos, como cegueira, surdez… 

Poucos meses após a morte do escritor, Chico Xavier passou a produzir textos literários, cuja real autoria foi atribuída ao escritor falecido. Foi o maior bafafá, comentaristas e críticos, que abominavam a alegação do médium, vieram a público protestar; outros, mostravam-se simpáticos à hipótese de que fosse Humberto de Campos mandando recados do além. 

A coisa pegou fogo mesmo quando, em 1944, a viúva do escritor moveu ação contra Chico Xavier e a FEB. A petição buscava pôr os réus contra a parede, sem espaço para defesa: requeriam da justiça que se manifestasse quanto à veracidade dos contatos mediúnicos. Se a mediunidade fosse ratificada judicialmente, os direitos autorais pertenceriam, sem dúvidas, à viúva e os demais herdeiros. Caso contrário, se a mediunidade viesse a ser declarada inadimissível, então que se punisse quem usava o nome de Humberto de Campos em vão. Só que a ação não floresceu, devido à insustentabilidade da petição: o juiz responsável declarou que o pleito tratava-se de consulta e a justiça não era órgão consultivo. 

A maior parte das informações acima, retirei da obra de Alexandre Caroli Rocha chamada “O Caso Humberto de Campos: Autoria Literária e Mediunidade”. Para quem se interessa em conhecer um pouco da história do escritor, a tese é uma excelente fonte informativa e um trabalho de agradável leitura. 

O trabalho de Caroli, para ser devidamente avaliado, exigiria reflexão vultosa, o que pode ser feito em outra oportunidade. Contudo, o autor é bastante “pé no chão” e reconhece que não se pode com base apenas no exame redativo concluir em favor da mediunidade ou contra ela. Vejamos um trecho das “Considerações Finais” (destaques nossos): 

O exame da recepção dos cinco primeiros livros da série, que foram comentados na imprensa laica, permitiu a identificação de pontos importantes suscitados pela incomum configuração autoral sustentada por Chico Xavier e por seus editores. Demonstramos que não é pertinente a pressuposição de que, por meio apenas de fatores textuais, seja possível autenticar ou refutar a alegação do médium. Com efeito, mostramos que os textos colocam à tona a discussão a respeito do post-mortem, assunto tabu que, nos ambientes acadêmicos de nossa sociedade, costuma ser relegado a domínios metafísicos ou religiosos.

Concluímos, pois, que os veredictos taxativos para a identificação do autor são possíveis somente com a assunção de uma determinada teoria sobre o post-mortem ou sobre o fenômeno mediúnico. Quando, no debate autoral, ignora-se a relação entre teoria e texto, percebemos que a apreensão deste é bastante escorregadia, mesmo entre leitores especialistas.

Concordo em grande parte com o afirmado com Caroli, contudo acredito que do exame da produção literária do médium, conjugado com outros aspectos, seja possível concluir com segurança se há real comunicação entre vivos e mortos, ou se se trata de peculiaridade psíquica, opinião que defendo. 

Considerando que seria demorado analisar integralmente o belo trabalho de Caroli, vou me deter num trecho do escrito, e utilizá-lo para ilustrar, ainda que parcialmente, meu ponto de vista. 

Na parte IV da tese, Alexandre Caroli apresenta cinco crônicas, mediunicamente grafados por Chico Xavier, as quais comenta. A intenção é mostrar que a pena de Humberto de Campos estaria presente nessas produções. Para fins de nosso resumido comentário, vamos refletir sobre um deles, intitulado “A Palavra do Morto”.  

Nesse escrito, Chico Xavier atribui a Humberto de Campos a autoria de uma crônica inspirada na consulta do rei Saul à vidente em Endor, narrada na Bíblia. A fim de facilitar a compreensão, será apresentado em uma tabela o que Chico escreveu, seguido do que consta na Bíblia e os comentários de Caroli. Nossas apreciações serão inseridas na cor vermelha.  

O episódio da vidente, ou necromante, de Endor vem sendo discutido há muitos séculos. Diversas suposições se fizeram, e ainda se fazem, intentando explicar o que efetivamente aconteceu naquele encontro. Em “A Palavra do Morto”, Chico apresenta sua opinião. O que surpreende é que o Chico Xavier elaborou uma narrativa, a nosso ver, canhestra e distante daquilo que se encontra nas páginas da Bíblia. Ainda que no texto do médium reconheçamos presente seu talento redativo, que é inconteste, existe distorção entre o que expressou e o escrito bíblico. Alexandre Caroli também reconhece a divergência e oferece explicação para o fato, vejamos sua suposição: 

Essa narrativa também faz parte do livro Lázaro redivivo. De forma sutil, seu autor ideou uma transtextualidade cujas fontes remetem a Humberto de Campos e à anterior série mediúnica a ele atribuída por Chico Xavier. O primeiro passo para um entendimento do texto é a identificação de seu intertexto explícito: o Primeiro Samuel, livro d’O Antigo Testamento, principalmente o seu capítulo 28, no qual Saul, auxiliado por uma necromante, dialoga com Samuel. Contudo, a fala do Samuel de “A palavra do morto” pouco tem a ver com a do texto bíblico; para compreendê-la, é necessário identificar seu intertexto oculto – que é “Clemenceau”, publicado no livro Carvalhos e roseiras, de Humberto de Campos.

Por sua vez, a narrativa “Clemenceau” tem como intertexto explícito um ensaio histórico do francês Fustel de Coulanges: “La politique d’envahissement”, publicado em 1871 na Revue des deux mondes. Além dessas referências principais, há outras fontes intertextuais, como veremos abaixo; uma delas é o mediúnico “Ludendorff”, presente em Novas mensagens.

Conforme a explanação de Caroli, Chico Xavier utilizou o texto bíblico para com ele fazer referência a uma crônica de Humberto de Campos. Isso, no intento de evidenciar que fora realmente o escritor pernambucano quem ditara ao médium o texto. Embora não concordemos com essa linha interpretativa, deixaremos para comentar o assunto mais adiante. Por enquanto, apreciemos na tabela abaixo o que Chico escreveu, em comparação com o contido na Bíblia (os destaques nos textos são de nossa autoria): 

VERSÃO DE CHICO XAVIER

TEXTO DA BÍBLIA

Crônica: “A PALAVRA DO MORTO” 

I SAMUEL 28, 29

Quando Saul sentiu o peso das tremendas responsabilidades, no campo da autoridade e do poder, lembrou-se imediatamente de Samuel, o grande juiz que o precedera na direção dos israelitas. O nobre varão, todavia, fora arrebatado ao mundo da morte.  

No entanto, o rei sabia que os mortos podiam voltar, fazendo-se ouvidos. Interrogando os áulicos do seu séquito, soube que em Êndor havia uma pitonisa que talvez pudesse satisfazer-lhe os propósitos. 

Comentário (Montalvão): Chico insere uma afirmativa nitidamente espiritista, que não é amparada pelo texto bíblico: não há como respaldar a afirmação de que o rei “sabia que os mortos podem voltar”. 

Além disso, o que Saul sentiu realmente não foi “o peso” das responsabilidades. No tempo do episódio com a vidente, o rei governava havia mais de trinta anos, portanto, o tempo do peso das responsabilidades passara desde muito. O caso é que Saul vinha cometendo erros clamorosos no seu reinado e desobedecido várias vezes às ordens religiosas, prolatadas por Samuel. Em suma, revelara-se um trapalhão e tinha de ser substituído.

Ora, Samuel já havia morrido, e todo o Israel o tinha chorado, e o tinha sepultado e em Ramá, que era a sua cidade. E Saul tinha desterrado os necromantes e os adivinhos.

Ajuntando-se, pois, os filisteus, vieram acampar-se em Suném; Saul ajuntou também todo o Israel, e se acamparam em Gilboa.

Vendo Saul o arraial dos filisteus, temeu e estremeceu muito o seu coração.

Pelo que consultou Saul ao Senhor, porém o Senhor não lhe respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas.

Então disse Saul aos seus servos: Buscai-me uma necromante, para que eu vá a ela e a consulte. Disseram-lhe os seus servos: Eis que em En-Dor há uma mulher que é necromante. 

Comentário (Montalvão): É importante notar que a atitude do rei foi em desespero de causa: Deus se mantinha silente aos seus apelos, então decidiu buscar orientação por outras vias.

 

Não hesitou e dirigiu-se a ela. E quando a intermediária caiu em transe, após admoestá-lo quanto ao anonimato a que se recolhera, eis que Samuel lhe surge aos olhos assombrados.  

Não é um fantasma que o visita, trazendo resquícios da sepultura. É o verdadeiro Samuel, materializado à plena luz, que lhe estende as mãos acolhedoras. Não tem as insígnias de juiz e o seu olhar, outrora severo e autoritário, mantém-se impregnado de humildade infinita.  

Ampla capa resguarda-lhe o corpo, e enquanto recompõe a sua figura, a fim de conversar calmamente, Saul cai, genuflexo, em pranto convulsivo. 

Comentário (Montalvão): novamente Chico Xavier distancia-se do escrito original e modifica a narrativa. Saul de modo algum contemplou Samuel materializado, ele apenas ouviu o que a vidente lhe dizia e “entendeu” que se tratava do profeta. Em realidade, nem a própria vidente viu a Samuel: ela em transe afirmou contemplar “um deus” que subia da terra (do fundo da terra, a morada dos mortos; em hebraico “Seol”) e que estava “envolto numa capa”. A nebulosa descrição foi suficiente para satisfazer o desejo angustiado do rei de que fosse realmente Samuel. (confira no texto ao lado)

Então Saul se disfarçou, vestindo outros trajes; e foi ele com dois homens, e chegaram de noite à casa da mulher. Disse-lhe Saul: Peço-te que me adivinhes pela necromancia, e me faças subir aquele que eu te disser.

A mulher lhe respondeu: Tu bem sabes o que Saul fez, como exterminou da terra os necromantes e os adivinhos; por que, então, me armas um laço à minha vida, para me fazeres morrer?

Saul, porém, lhe jurou pelo Senhor, dizendo: Como vive o Senhor, nenhum castigo te sobrevirá por isso.

A mulher então lhe perguntou: Quem te farei subir? Respondeu ele: Faze-me subir Samuel.

Vendo, pois, a mulher a Samuel, gritou em alta voz, e falou a Saul, dizendo: Por que me enganaste? pois tu mesmo és Saul.

Ao que o rei lhe disse: Não temas; que é que vês? Então a mulher respondeu a Saul: Vejo um deus que vem subindo de dentro da terra.

Perguntou-lhe ele: Como é a sua figura? E disse ela: Vem subindo um ancião, e está envolto numa capa. Entendendo Saul que era Samuel, inclinou-se com o rosto em terra, e lhe fez reverência.

 

– Ó santo Juiz de Israel – pergunta o rei, emocionado e confundido –, onde estão as tuas insígnias de enviado de Jeová? Por que voltas do túmulo, pobre e simples, como qualquer mortal?  

Contemplou-o Samuel, tristemente, e respondeu: 

– Saul, que o Eterno te abençoe e te conceda paz! Não me perguntes pelas possessões e honrarias efêmeras. Minha túnica de linho de julgador e minha espada de guerreiro ficaram para sempre no sepulcro de Ramá. O homem que exerce a Justiça, perante o Supremo, não deve aguardar prerrogativas diferentes

daquelas que felicitam os ministros do Senhor, em qualquer trabalho proveitoso… 

Mas, ouve! Que te induz a chamar-me do túmulo? Por que razões interrompes o meu trabalho no reino dos mortos? 

Saul enxugou as lágrimas abundantes e falou: 

– Ó Grande Juiz, aconselha-me! Estamos na véspera de grandes batalhas e tenho o coração cheio de maus presságios!… Sinto-me inquieto, hesitante…  

Dize-me o que pensas, concede-me as tuas diretrizes sábias e justas! 

Comentário (Montalvão): O espírito bondoso de Chico Xavier, como lhe era de hábito, não perdia oportunidade de engalanar seus textos com frases coloridas e adocicadas. Contudo, os salamaleques imaginados pelo médium não eram cabíveis na angustiosa situação vivida pelo rei. 

Observa-se ainda que, Chico Xavier insere na narrativa discreta alteração na situação dos mortos, o que muda substancialmente o discurso de Samuel. No texto Bíblico o profeta indaga a Saul: “Por que me inquietastes?” (outra versão diz: “por que interrompestes meu repouso?”). Chico Xavier, para manter coerência com sua concepção sobre a situação dos mortos, altera a fala do profeta: “por que interrompes meu trabalho?” (Conforme apontado por Caroli, veja o comentário na outra tabela). 

15 Samuel disse a Saul: Por que me inquietaste, fazendo-me subir? Então disse Saul: Estou muito angustiado, porque os filisteus guerreiam contra mim, e Deus se tem desviado de mim, e já não me responde, nem por intermédio dos profetas nem por sonhos; por isso te chamei, para que me faças saber o que hei de fazer. 

Comentário (Montalvão): nota-se que Saul foi objetivo na consulta: já que Deus não lhe respondia, recorrera ao espírito de Samuel, pois precisava desesperadamente de orientação. Bem diferente da idealização feita pelo médium mineiro: para ele, o rei e a alma do profeta ficaram trocando floridas saudações, até chegarem finalmente ao assunto. 

É importante ressaltar que o suposto espírito de Samuel fala a Saul conforme a crença vigente: “por que me inquietastes, fazendo-me subir?”. Espírito nenhum, modernamente, questionaria seu interlocutor terreno desse modo. Naqueles tempos, admitia-se que os espíritos iam para o “Seol”, região situada nas profundezas da Terra, portanto, eles precisavam “subir” de lá para poder conversar. Atualmente, as entidades espirituais “descem”. O que demonstra que os pretensos espíritos se “adequam” à suposição que deles fazem os crentes.

Comentário (Montalvão): no trecho a seguir, fruto da criatividade de Chico Xavier, comparando-o com a narrativa bíblica, observa-se que o médium se desligou inteiramente da fonte original, para dar vazão à sua verve. 

O Espírito de Samuel fitou-o, melancolicamente, e voltou a interrogar: 

– Que desejas que eu diga? 

– A verdade! – disse o rei, ofegante. 

A entidade sorriu e observou: 

Entre os homens que vivem na carne e os que já reviveram, fora dela, ao sublime influxo da morte, a verdade é sempre terrível. Poderás, acaso, suportá-la?  

Respondeu Saul, afirmativamente. 

O Espírito materializado avançou para ele, afagou-lhe a cabeça e falou, comovido: 

Volta então ao povo de Israel, desarma o nosso exército e dize à nação que o nosso orgulho racial é um erro nefasto e profundo, diante da morte, inevitável para todos. Notifica as doze tribos de que nossas guerras e atritos com os vizinhos são malditas ilusões que nos agravam as responsabilidades, diante do Deus Altíssimo. 

Cientifica-os de que a morte ensinou a mim, último juiz dos israelitas, as mais estranhas revelações. O Senhor Supremo não está em nossa arca de substância perecível do mundo, que não passa de mero símbolo, respeitável embora… Onde teremos buscado tanta audácia para nos julgarmos privilegiados do Eterno? que espíritos satânicos penetraram nossos lares, para odiarmos o trabalho pacífico, entregando-nos ao monstro da guerra, que espalha a fome, a peste e a desolação? É verdade que os nossos antepassados muito sofreram nas perseguições da Babilônia e no cativeiro do Egito, mas também é inegável que nunca soubemos valorizar os favores e as graças de Jeová, o Pai Magnificente. [aqui, Chico Xavier parece ter cometido um escorregão histórico: o espírito de Samuel não poderia se referir à perseguição babilônica, pois escaramuças com o reino da Babilônia, se houvera até então, teriam sido raras. A invasão do reino de Judá pelo exército babilônio ocorreu muitos anos mais tarde] Reajustando agora os meus conhecimentos pelas imposições do sepulcro, eu mesmo, que cultivava a Justiça e supunha servir ao Senhor, compreendo quanto me afastei das vozes espirituais que nos induziam ao escrupuloso cumprimento da Lei. Sou hoje obrigado a socorrer os nossos armadores e frecheiros, guerrilheiros e pajens de armas, que choram e sofrem junto de mim e aos quais ajudei na matança. Volta, pois, Saul, enquanto é tempo, e ensina aos nossos a realidade dura e angustiosa. Explica-lhes que os filisteus são também filhos do Altíssimo e que, ao invés de nos odiarmos, é imprescindível nos amemos uns aos outros, auxiliando-nos reciprocamente, como irmãos. Os lares de Jerusalém não são melhores que os de Ascalão. Vai, e ensina ao nosso povo uma vida nova! Faze que os instrumentos destruidores do extermínio se voltem para o trabalho pacífico e abençoado no solo da Terra! 

Comentário (Montalvão): o discurso que Chico Xavier põe na boca do profeta está inteiramente desvinculado daquilo que o morto diria em qualquer circunstância. Chico fez com que Samuel realize uma apologia espírita! O que não tem o menor sentido. Veja o caso da “missão socorrista” de Samuel: ela seria impossível de ser cogitada, levando-se em conta o pensamento da época, a respeito da condição dos mortos.  

Comentário (Montalvão): A narrativa de Chico Xavier, além de estar descompromissada com o relato bíblico, ainda insere um apelo pacifista impossível de ser cogitado naquela época. Tem-se a impressão de que para o médium mineiro seriam somente os hebreus os possuidores de ímpetos belicosos, os demais povos eram calmos e ordeiros. No pensamento de Chico, bastava que Saul tomasse a decisão de firmar a paz com os filisteus e tudo estaria resolvido. Infelizmente, esse sonho, oriundo da inclinação apaziguadora do médium, seria impensável naqueles dias. As nações viviam se devorando umas às outras, cada uma buscando subjugar, ou mesmo aniquilar, o vizinho; não havia espaço para discursos pacificadores. Se Israel fugisse da guerra, no mínimo, seria tornado vassalo dos filisteus… 

Chico Xavier pretendeu incorporar ao passado remoto pensamentos da atualidade… infelizmente, tal façanha é irrealizável, a não ser distorcendo-se a história…

Saul soluçava, de joelhos. Como aceitar os conselhos inesperados e humilhantes? Não se sentia com a força precisa para recuar. Buscava orientação para a vitória na batalha e o juiz inesquecível de Israel voltava do misterioso reino da morte para induzi-lo à submissão? O Espírito de Samuel compreendeu-lhe a luta íntima e falou, carinhoso:

 

Comentário (Montalvão): as abundantes lágrimas e soluços que Chico Xavier reserva para Saul não possuem qualquer paralelo no texto bíblico.

 Lembra-te do tempo em que, humildemente, reunias jumentas no campo, na pobre condição de descendente da tribo de Benjamim, e não estranhes minhas palavras. Recorda-te que, quando o Senhor deseja conhecer as conquistas de uma alma, dá-lhe a autoridade e a fortuna, o governo e o trono para a terrível experiência. Atende a Deus e domina-te. Executa a Vontade do Senhor e esquece-te, para que possas, de fato, triunfar, por sua Divina Misericórdia.

 

 

Comentário (Montalvão): nesta declaração, que teria sido feita pelo espírito do profeta, e que não foi proferida durante o encontro, a referência é a um episódio na vida de Saul, que se encontra em I Samuel 9, do qual reproduzimos o trecho: 

Ora, havia um homem de Benjamim, cujo nome era Quis, filho de Abiel, filho de Zeror, filho de Becorate, filho de Afias, filho dum benjamita; era varão forte e valoroso.

 

Tinha este um filho, chamado Saul, jovem e tão belo que entre os filhos de Israel não havia outro homem mais belo de que ele; desde os ombros para cima sobressaía em altura a todo o povo.

 

Tinham-se perdido as jumentas de Quis, pai de Saul; pelo que disse Quis a Saul, seu filho: Toma agora contigo um dos moços, levanta-te e vai procurar as jumentas.

 

Passaram, pois, pela região montanhosa de Efraim, como também pela terra e Salisa, mas não as acharam; depois passaram pela terra de Saalim, porém tampouco estavam ali; passando ainda pela terra de Benjamim, não as acharam. 

Fez-se então pesado silêncio. Como Saul chorasse, o mensageiro, desejando ultimar a entrevista, perguntou: 

– Desistirás da carnificina? Reconciliar-te-ás com os inimigos? Ensinarás ao povo a humildade, o serviço e a concórdia? 

O rei de Israel fez um esforço supremo e respondeu: 

– É impossível! Não posso! 

 Comentário (Montalvão): o incongruente discurso de Samuel, fruto da fantasia de Chico Xavier, continua. A única coisa coerente neste imaginado diálogo é a resposta de Saul: “é impossível”; em verdade, o que provavelmente o rei responderia caso de fato ouvisse de Samuel tal admoestação, seria: “Não estou entendendo nada!”

 O Espírito fitou-o com profunda tristeza e acrescentou: 

– Como pedes, então, conselhos à luz da sabedoria, se preferes a prisão nas trevas da ignorância? O Senhor envia-te as verdades de hoje, por minha boca, mas, se persistes em desatendê-lo, rasgará o reino que guardas nas mãos e entregará a outrem a autoridade. E se não deres ouvidos à Divina Palavra, executando os sinistros propósitos de tua rebeldia, cairás aos golpes do adversário e, amanhã mesmo, serás recolhido pela morte, juntamente com os teus filhos, vindo aprender conosco que ninguém confundirá o Eterno Poder! 

Comentário (Montalvão): Percebe-se que Chico Xavier cometeu diversos atentados ao texto original. Segundo o médium, o castigo de Saul adviria de não ter dado ouvidos às recomendações que Samuel lhe passava, naquele momento. Como Saul não aceitava se tornar um verdadeiro seguidor do ensinamento de Cristo, então estava condenado. Em outras palavras, o que Chico Xavier quis fazer com Saul, nesta insólita crônica foi transformá-lo em um Cristão! Isso, mil anos antes de Jesus ter vindo ao mundo… 

O problema de Saul tinha origem completamente diversa da imaginada por Chico Xavier. O rei fora destronado por Deus, havia algum tempo. Ele sabia disso e Samuel lhe lembrava do fato. Contudo, Saul não queria entregar os pontos, ansiava que Deus “esquecesse” o passado e o consolidasse no poder. Samuel, então, joga água gelada nas pretensões do rei: o reino já estava reservado para Davi e Saul não escaparia do confronto com os filisteus… 

Observe-se um exemplo da grande divergência entre o que Chico diz e o que consta na Bíblia:  

Chico Xavier: se persistes em desatendê-lo, rasgará o reino que guardas nas mãos e entregará a outrem a autoridade.” 

Bíblia: “… O Senhor rasgou o reino da tua mão, e o deu ao teu próximo, a Davi. Porquanto não deste ouvidos à voz do Senhor, e não executaste e furor da sua ira contra Amaleque, por isso o Senhor te fez hoje isto. 

Na Bíblia diz que a condenação de Saul era fato consumado, inclusive, o sucessor já fora escolhido, que era Davi.

Para Chico Xavier, se o rei naquele momento se tornasse um pacifista seria poupado e o poder não seria entregue a “outrem” (não faz qualquer referência a quem sucederia ao rei). 

Então disse Samuel: Por que, pois, me perguntas a mim, visto que o Senhor se tem desviado de ti, e se tem feito teu inimigo?

O Senhor te fez como por meu intermédio te disse; pois o Senhor rasgou o reino da tua mão, e o deu ao teu próximo, a Davi.

Porquanto não deste ouvidos à voz do Senhor, e não executaste e furor da sua ira contra Amaleque, por isso o Senhor te fez hoje isto.

E o Senhor entregará também a Israel contigo na mão dos filisteus. Amanhã tu e teus filhos estareis comigo, e o Senhor entregará o arraial de Israel na mão dos filisteus.

 

 Voltou Samuel à sua condição no plano invisível e Saul caiu desmaiado de espanto, enquanto a pitonisa acordava para socorrê-lo.

 

 

Imediatamente Saul caiu estendido por terra, tomado de grande medo por causa das palavras de Samuel; e não houve força nele, porque nada havia comido todo aquele dia e toda aquela noite.

21 Então a mulher se aproximou de Saul e, vendo que estava tão perturbado, disse-lhe: Eis que a tua serva deu ouvidos à tua voz; pus a minha vida na minha mão, dando ouvidos às palavras que disseste.

22 Agora, pois, ouve também tu as palavras da tua serva, e permite que eu ponha um bocado de pão diante de ti; come, para que tenhas forças quando te puseres a caminho.

23 Ele, porém, recusou, dizendo: Não comerei. Mas os seus servos e a mulher o constrangeram, e ele deu ouvidos à sua voz; e levantando-se do chão, sentou-se na cama.

24 Ora, a mulher tinha em casa um bezerro cevado; apressou-se, pois, e o degolou; também tomou farinha, e a amassou, e a cozeu em bolos ázimos.

25 Então pôs tudo diante de Saul e de seus servos; e eles comeram. Depois levantaram-se e partiram naquela mesma noite. 

E como acontece a muita gente que roga orientação aos Espíritos desencarnados, Saul desprezou as advertências ouvidas e atendeu aos caprichos condenáveis de seu coração, mas, também, no dia seguinte, estava com os filhos no caminho sombrio do sepulcro, a fim de aprender com a morte as sagradas lições da vida. (Xavier, 1995b, p. 125-129) 

Comentário (Montalvão): Chico Xavier finaliza a crônica com um fecho espiritista, adiantado quase três mil anos à frente daqueles acontecimentos. Enquanto isso, o narrador bíblico manteve-se coerentemente atrelado à época e relatou os últimos momentos de Saul, conforme se vê ao lado.

Ora, os filisteus pelejaram contra Israel; e os homens de Israel fugiram de diante dos filisteus, e caíram mortos no monte Gilboa.

E os filisteus apertaram com Saul e seus filhos, e mataram a Jônatas, a Abinadabe e a Malquisua, filhos de Saul.

A peleja se agravou contra Saul, e os flecheiros o alcançaram, e o feriram gravemente.

Pelo que disse Saul ao seu escudeiro: Arranca a tua espada, e atravessa-me com ela, para que porventura não venham esses incircuncisos, e me atravessem e escarneçam de mim. Mas o seu escudeiro não quis, porque temia muito. Então Saul tomou a espada, e se lançou sobre ela.

Vendo, pois, e seu escudeiro que Saul já era morto, também ele se lançou sobre a sua espada, e morreu com ele.

Assim morreram juntamente naquele dia Saul, seus três filhos, e seu escudeiro, e todos os seus homens.

Quando os israelitas que estavam no outro lado do vale e os que estavam além de Jordão viram que os homens de Israel tinham fugido, e que Saul e seus filhos estavam mortos, abandonaram as suas cidades e fugiram; e vieram os filisteus e habitaram nelas.

No dia seguinte, quando os filisteus vieram para despojar os mortos, acharam Saul e seus três filhos estirados no monte Gilboa.

Então cortaram a cabeça a Saul e o despejaram das suas armas; e enviaram pela terra dos filisteus, em redor, a anunciá-lo no templo dos seus ídolos e entre e povo,

Puseram as armas de Saul no templo de Astarote; e penduraram o seu corpo no muro de Bete-Sã.

Quando os moradores de Jabes-Gileade ouviram isso a respeito de Saul, isto é, o que os filisteus lhe tinham feito, todos os homens valorosos se levantaram e, caminhando a noite toda, tiraram e corpo de Saul e os corpos de seus filhos do muro de Bete-Sã; e voltando a Jabes, ali os queimaram.

Depois tomaram os seus ossos, e os sepultaram debaixo da tamargueira, em Jabes, e jejuaram sete dias.

22 respostas a “Chico Xavier e a crônica “A Palavra do Morto””

  1. Gilberto Diz:

    As incursões do Espiritismo na Bíblia sempre me deixam pensando em todas as religiões que vêm “consertar” , “revelar” e “complementar” as escrituras. Elas partem do pressuposto de que a Bíblia é realmente a voz de Deus. Principalmente o Novo Testamento. Até aí tudo bem. O problema é TODAS dizem que as interpretações dos cristãos tradicionais é errada, como se Deus só deixasse incompetentes cuidando de suas escrituras até que essas religiões fossem inventadas (a maioria nos últimos 100-200 anos). Isso sem mencionar os pobres Judeus, que por nem aceitarem Cristo como Messias, se encontram cercados de mentiras espirituais há 3.500 anos.

  2. Carlos Magno Diz:

    Só entendo uma coisa: os analistas desejam mesmo provar que o Chico usava consciente ou subconscientemente o estilo e as idéias do autor para se dizer mediunizado.

    Lembro, porém, que há outros autores mediúnicos como Wera Krijanowski, mensageira de J.W. Rochester, que se reportou, por exemplo, na obra o Chanceler de Ferro, aos episódios de José, filho de Jacob, desdobrando passagens não relatadas na Bíblia, embora em certas partes se ativesse não muito fidedignamente a trechos dos textos bíblicos.

    Aí fica fácil afirmar dessa maneira, dirão muitos, pois como comprovar que a Bíblia não relatou tudo e por que se modificou a trilha da verdadeira história?

    Não há como comprovar senão através de certos “insights” mentais, na leitura de arquivos ou memória da natureza, chamados pelos indús de arquivos akásicos.Também como provar isso para os desconfiados cérebros céticos? Também não é possível. E mesmo fiéis seguidores não conseguem ter acesso a certas informações gravadas nos anais akásicos, por se tratar de abordagens que implicam em inúmeras exigências e condições sob as quais até muitos conhecidos comunicadores desencarnados não alcançam ainda como cumpri-las integralmente.

    Restam, pois, aos leitores poucas opções, porém, sólidas: uma delas é a certeza intuitiva de que médiuns do quilate do Chico ou da Wera Krijanowski não foram ou não são dados a falcatruas e condicionamentos, ou se têm condicionamentos, serão recorrentes do inconsciente ou do sub, em expressões mínimas e desprezíveis em prejuízos ao cerne da obra. Devemos também considerar as turbulências nas comunicações mediúnicas, nem sempre tornadas nítidas e perfeitas por muitos fatores adversos, dentre esses interferências de energias negativas e fadigas dos médiuns. Afinal, não há infalíveis no mundo e se o escritor não foi perfeito em vida física por que seria posmorten?

    O que ressalta nesse modismo dos baluartes das críticas é que quase nada do espiritismo é válido, a insistência espantosa dos exigentes ao formal da doutrina e ao seu bojo de consecuções literárias a nada satisfaz. A esses, já é notória a perspicácia da pesquisa minuciosa em busca de um entrave, uma dúvida, uma referência imprópria, qualquer coisa, a fim de a tudo condenar, sequer disfarçando o rancor quase mórbido, opostamente ao ontem quando se diziam unicamente estudiosos. O ranço efetivamente é claro e pervaga nitidamente os textos e apreciações tendenciosas.

    Ótimo para o espiritismo de Kardec, aos amigos e admiradores do Chico Xavier, quando não imputam ao brasileiro a imorabilidade, pois dessa maneira a doutrina e as obras estarão sempre espontaneamente destacadas e evidenciadas. Julgue quem quiser da maneira como lhe aprouver. Assim nenhum intelectual crítico poderá debitar aos espíritas o ônus de se ter iniciado na fraqueza e falibilidade da doutrina e de seus síndicos por uma terceira pessoa senão por ele próprio.

    Mas se foi, paciência, a tribuna do mundo democrático é toda dele!

  3. Vitor Diz:

    Carlos Magno,

    eis a resposta do Montalvão (ele não postou diretamente porque estranhamente o blog não está aceitando suas mensagens):

    Prezado Carlos Magno

    Seu discurso apologético está brilhante: bem redigido, dentro dos ditames da boa retórica. Infelizmente, nos ajuda pouco a entender a mediunidade de Chico Xavier, e a mediunidade em geral. Argumentos ad hominem, por mais brilhantemente vertidos que sejam, não são material produtivo para o esclarecimento dos interessados no estudo deste tão instigante tema. O correto seria apontar as fragilidades encontradas no texto crítico e mostrar que efetivamente Chico Xavier comunicava com espíritos. Deste modo, derrubar-se-ia a hipótese apresentada pelo artigo, qual seja, a de que provinha da própria mente do médium o que ele atribuía à espiritualidade. Não o fazendo, a impressão que seu discurso transmite é a de que as apreciações, embora estejam corretas, devem ser rejeitadas, porque não servem à causa.

    A hipotética comprovação da mediunidade, que apresentou, se socorre nos “arquivos akásicos”, uma difusa concepção oriental, que não faz parte dos dogmas espiritistas, e que, como sua própria pessoa reconheceu, é muito vaga para ter sua veracidade acatada.

    Reflitamos: se por meio de cuidadoso estudo podemos demonstrar que a mediunidade de Chico Xavier provinha dele mesmo; e a forma que se encontra para contestar tal conclusão passa pela admissão de concepções místicas, improvadas, que dependem exclusivamente da fé para serem validadas, com qual opção ficaremos?

    Grande abraço.

  4. Carlos Magno Diz:

    Caro Montalvão:

    O mundo anímico mediúnico não é de fácil abordagem. Todos aqueles que unicamente a ele se reportam baseados na usual crítica por não satisfazerem suas exigências literárias, ou sempre desconfiarem dele, virão aos olhos dos espíritas pragmáticos mostrar-se cada vez mais cimentados, infelizmente.

    Construir um edifício de envernizadas críticas ao mediunismo e ao espiritismo, com fundações unicamente na literatura, é como edificar belíssimos castelos de areia as margens do vai-e-vem das ondas do mar.

    Quem verdadeiramente deseja ser um crítico ao mediunismo e a doutrina espírita, prezado Montalvão, a este é necessário basilarmente a vivência, a participação efetiva próxima e imediata, conhecendo da melhor maneira ao caráter dos médiuns, seus pensamentos e suas tendências, e se possível suas obras fora das quatro paredes de uma casa espírita ou espiritualista. E quanto mais diferentes experiências alguém obtiver nas diversas correntes da espiritualidade, como esoterismo, umbanda, candomblé, e até nessas sessões ruidosas e por vezes acachapantes em casas evangélicas, de um primitivo exorcismo ao demônio, mais ricas e substanciadas serão suas conclusões. Se bem firmadas, ou não, vai depender da sensibilidade e acuidade mental do observador, e muito de sua sinceridade em ver com olhos desnudos dos preconceitos.

    Entretanto, as experiências mais sólidas e profundas, sem a menor dúvida as terão os obreiros sinceros e destituídos do espírito crítico que mata a aspiração e obstrui os ascensos passos nos caminhos da evolução mental e espiritual. Ou seja: o seguidor e participante prático da doutrina, não há como fugir dessa condição sine qua non.

    A literatura é uma delícia dos deuses, principalmente quando apreciada em ambiente de um gabinete com ar refrigerado e bebida gelada ao dispor. Ou à suave brisa de um sol ameno das manhãs inspiradoras. Mas com todas essas amenidades, se nisso tão somente nos bastamos , ela enfastia, condiciona e ilude.

    Não há como duvidar da capacidade mediúnica do Xavier unicamente com ilações, comparações literárias estilistas e estilizadas, prezado crítico, pois mediunidade não é artigo que se venda em bancas de jornal ou “book shops”, e nem me venham com o absurdo dos céticos que desejam medir a veracidade mediúnica por métodos científicos laboratoriais. A esse ridículo somente se submetem os desejosos de fama e reconhecimentos paranormais, que acabam inexoravelmente emaranhados nas teias armadas justamente para humilhá-los e com eles se divertir.

    A mediunidade realmente detém vários estágios no seu mecanismo psíquico que não bem trabalhado ou não bem cuidado, transforma o veículo mediúnico numa arma que se volta contra seu possuidor. E se porventura isso tivesse acontecido com o Chico, bem teriam razões seus detratores de crucificá-lo. Mas para tal escopo hoje empreendido pelos teóricos, sempre serão insuficientes as buscas literárias minuciosas dos possíveis ilogismos e erros das versões ao dogmatismo bíblico, porquanto é absolutamente necessário antes de tudo provar-se que o Chico era enganado ou enganador.

    E quem irá indubitavelmente a isso provar, baseado em pesquisas capengas e em depoimentos apócrifos e comprometidos, ou observações unicamente literárias? E se os espíritos agiram por conta própria assim desejando deliberar? Hipótese? Talvez mais uma ao confronto do oceano de falácias e críticas flácidas dos opositores que jamais chegarão a provar coisa alguma.

    Grande abraço.

  5. Delano Diz:

    Sr. Montalvão, boa noite!

    O senhor também anda em dia com os ditames da retórica. Discordo, contudo, de alguns conceitos expostos.

    Afirmaste acreditar que “do exame da produção literária do médium, conjugado com outros aspectos, seja possível concluir com segurança se há real comunicação entre vivos e mortos, ou se se trata de peculiaridade psíquica”

    Evidentemente há que se conjugar muitos outros aspectos. Para o Kardecismo, o exame redativo, tomado isoladamente, nada contribui à investigação. O próprio Kardec já se pronunciou a respeito (em análise a uma comunicação de Vicente de Paulo):

    “Do ponto de vista do estilo, esta comunicação não resiste à crítica. As incorreções, os pleonasmos, os torneios viciosos saltam aos olhos de qualquer, por menos letrado que seja. Isso, porém, nada provaria contra o nome que a firma, dado que tais imperfeições poderiam decorrer da incapacidade do médium,
    conforme já o demonstramos. O que é do Espírito é a idéia.”

    Eu mesmo, embora crítico contumaz dos verdadeiros atentados à Gramática atualmente publicados sob a alcunha de “literatura espírita”, devo ressaltar que minha indignação repousa não neste aspecto, mas no fato de que, na maioria das obras atuais, o Kardecismo passa ao largo.

    Sobre a análise comparada com a Bíblia, é importante destacar que, no meio espírita, as Escrituras não ostentam rigorosamente a mesma posição ocupada nas religiões cristãs tradicionais. A Bíblia inclusive, só poderá ser corretamente entendida mediante a “chave” fornecida pelo espiritismo:

    “Uma vez isso conseguido, a beleza e a santidade da moral tocarão os espíritos, que então abraçarão
    uma ciência que lhes dá a chave da vida futura e descerra
    as portas da felicidade eterna. Moisés abriu o caminho;
    Jesus continuou a obra; o Espiritismo a concluirá.”

    A pretensão cética quanto à análise crítica da mediunidade foi bem exposta por Carlos Magno, indo ao encontro dos preceitos enunciados por Kardec:

    “As ciências ordinárias assentam nas propriedades da
    matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas da mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida.
    Querer submetê-las aos processos comuns de investigação é estabelecer analogias que não existem.” (Kardec)

    Minhas objeções à psicografia (não sou espírita) tomam outro rumo, mais voltados à própria possibilidade desta comunicação.

  6. Carlos Magno Diz:

    Cumprimento o Delano pela clarividência de seus comentários e isenção ao confessar-se não espírita.

    Quero ainda passar ao Montalvão a seguinte apreciação:
    Você esquadrinha passagens bíblicas contestando tergiversações do indicativo alterego do Chico ou desacreditado espírito comunicador. Ora, quem ao ler a obra não irá notar incontinenti às extrapolações nos textos das citadas narrativas?

    Bem disse o Delano que a Bíblia é um livro hermético e suas chaves acham-se em poder de espíritos. E eu acrescento: também de iniciados na Terra nos graus mais avançados do esoterismo, maçonaria, rosacrucianismo e muitas respeitáveis organizações, algumas milenares como os cabalistas.

    Eu menciono em meu primeiro comentário que a verdadeira história da Bíblia (e do mundo) se imanta nos registros akásicos, e não seria o despistamento de sua réplica que mudaria essa realidade. Quem não sabe disso, acorde!

    Finalmente pergunto: a obra do Chico não é espírita? Se é espírita, o comunicador virá, logicamente, se respaldar nos parâmetros e revelações da doutrina. Elementar, meu caro Watson, tal como eu citei de J.W. Rochester em O Chanceler de Ferro, embora aquela obra não se enquadre exatamente na linha kardecistas. Mas é obra mediúnica de um sábio e revelador espírito.

    Ou o amigo Montalvão desejaria que a obra fosse espírita e se ativesse ipsis litteris às passagens bíblicas fazendo tão somente uma resenha pra lá de surrada como tantas de copistas evangélicos?

    Quanto ao Chico ser o autor ou não do livro, repito: é impossível aos teóricos abordar os mecanismos mediúnicos não somente do Chico, mas de qualquer médium sem deter a vivência e conhecimento técnico da ciência espiritual.

    Desculpe, Montalvão, sua crítica quanto ao mediunismo do Chico e sua obra literária, não se sustenta, está completamente equivocada e sequer arranha o mecanismo psíquico do médium. Se o assunto já é difícil entender e avaliar por especialistas, quanto mais por leigos.

    Portanto, seu recado não se impõem pela fraqueza e anemia dos argumentos. É simplesmente mais uma crítica amadora, e seria perda de tempo analisar e comparar parágrafo a parágrafo.

    Grande abraço.

  7. Carlos Magno Diz:

    Correções:

    1. linha kardecista.

    2. seu recado não se impõe….

  8. Delano Diz:

    “Ora, quem ao ler a obra não irá notar incontinenti às extrapolações nos textos das citadas narrativas?”
    “Ou o amigo Montalvão desejaria que a obra fosse espírita e se ativesse ipsis litteris às passagens bíblicas fazendo tão somente uma resenha pra lá de surrada como tantas de copistas evangélicos?”

    Concordo com as colocações acima, Carlos Magno. Inclusive, confirma o ponto de vista de Emmanuel (Paulo e Estevão):

    “Desde já, vejo os críticos consultando textos e combinando versículos para trazerem à tona os erros do nosso tentame singelo. Aos bem intencionados
    agradecemos sinceramente, por conhecer a nossa expressão de criatura falível, declarando que este livro modesto foi grafado por um Espírito para que os que
    vivam em espírito; e ao pedantismo dogmático, ou literário, de todos os tempos, recorremos ao próprio Evangelho para repetir que, se a letra mata, o espírito
    vivifica.”

    Discordamos, porém, totalmente, quando você assoma as ordens inciáticas. Kardec defendia que o espiritismo fosse “essencialmente positivo” em suas convicções. A própria ligação (questionável) de Kardec com a maçonaria não teve repercussão relevante na Doutrina.

    Abraço a todos!

  9. Carlos Magno Diz:

    Delano:

    Discordamos, porém, totalmente, quando você assoma as ordens inciáticas. Kardec defendia que o espiritismo fosse “essencialmente positivo” em suas convicções. A própria ligação (questionável) de Kardec com a maçonaria não teve repercussão relevante na Doutrina.

    Se há espíritas que acham negativa a participação de Kardec na maçonaria, ele mesmo não achou e dela obteve conhecimentos iniciáticos que lhe valeram para construir o edifício espírita. Há documentos e uma placa na Grande Loja Maçônica Francesa sobre a filiação de Kardec. E os maçons lhe deram todo o apoio quando os retrógrados caíram-lhe de pau.

    E quem afirma que iniciações em organizações esotéricas são fatores negativos? Assim diziam os mandatários católicos, que sacrificaram dezenas senão centenas de iniciados da gnose e maçonaria.

    E sabe por quê? Eles queriam apagar para sempre que Jesus e os doze, mais João Batista, José de Arimatéia e muitas outras personalidades daquela história, fossem iniciados essênios. Os grandes profetas também o foram, bem como filósofos, tais como Platão e Sócrates. Os essênios eram ligados aos egípcios que realizavam as inciações. Não foi por acaso que a fuga de Maria e José, – alegórica ou não, – foi terminar no Egito, acobertada pelos essêncios.

    E em que isso denigre o espiritismo? Se você atentar nas entrelinhas das obras do Chico, verá como há referências claras ou veladas, sobre esse conhecimento iniciático dos personagens. E Jesus não afirmaria que ao povo somente ensinava por parábolas, mas aos seus diretamente? Sugiro a leitura de Pistis Sophia.

    Nada de negativo para a doutrina, meu caro, tudo soma e se encaixa muito bem. Conheço muitos maçons, esotéricos e rosacrucianos que militam no espiritismo e dele obtém ótimos proveitos. Por que limitar verdades tão somente às revelações de grandes espíritas?

    “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”

    Mas entendo suas dúvidas.

    Abraços.

  10. moizes montalvao Diz:

    Prezados companheiros, Magno e Delano,

    Vemos que já pintou certa controvérsia entre as posições dos dois defensores da mediunidade chicoxaveriana. Carlos Magno parece adepto de um espiritismo ultra-liberal, que alia a doutrina kardecista a várias propostas esotéricas e místicas. Já Delano demonstra maior fidelidade ao códice.

    Curioso ressaltar a existência dessas duas linhas de crença no sítio espírita: aqueles que buscam manter-se atrelados ao discurso do codificador; e os que não vêem problemas em incorporar concepções variadas, algumas delas até contestando ensinos básicos. Estes, fazem referências amiudadas a tópicos sobre os quais Kardec em momento algum discorreu, quais: corpos místicos, akásicos, prana, chacras, regressão a vidas passadas, e por aí vai…

    Tomemos, por ilustração, os corpos astrais, que alguns dizem ser sete. Para o kardecismo tal idealização é inaceitável. Os espíritos falaram unicamente do perispírito, interface entre o corpo e a alma. O que passar disso não é espiritismo kardecista. Contudo, muitos espíritas advogam a existência dos sete invólucros, sem qualquer remorso.

    Devo dizer que, uma ou outra forma como cada qual encara e vivencia sua religião merece nosso respeito, não pretendemos questionar a fé alheia, de qualquer modo, tais peculiaridades contituem material para um bom estudo.

    O que, no momento, está em discussão é a legitimidade dos contatos mediúnicos, ou seja, se existem elementos de convicção que nos levem a atribuí-los efetivamente à espiritualidade ou se podemos concluir tratar-se de manifestações advindas da singularidade psíquica dos médiuns.

    Vamos comentar as principais objeções:

    CARLOS MAGNO: Quem verdadeiramente deseja ser um crítico ao mediunismo e a doutrina espírita, prezado Montalvão, a este é necessário basilarmente a vivência, a participação efetiva próxima e imediata, conhecendo da melhor maneira ao caráter dos médiuns, seus pensamentos e suas tendências, e se possível suas obras fora das quatro paredes de uma casa espírita ou espiritualista. E quanto mais diferentes experiências alguém obtiver nas diversas correntes da espiritualidade, como esoterismo, umbanda, candomblé, e até nessas sessões ruidosas e por vezes acachapantes em casas evangélicas, de um primitivo exorcismo ao demônio, mais ricas e substanciadas serão suas conclusões. Se bem firmadas, ou não, vai depender da sensibilidade e acuidade mental do observador, e muito de sua sinceridade em ver com olhos desnudos dos preconceitos.

    RESPOSTA – correto, quem vivencia uma religião, supõe-se que a conheça intimamente e dela pode discorrer com autoridade. Mas, será este o único modo de pesquisar assuntos de cunho religioso? A vivência tende a tornar o fiel pouco crítico, e o leva a enraizar crenças sem respaldado em estudos de não prosélitos. Mesmo não sendo sua intenção, se levarmos a recomendação ao extremo poderíamos aduzir que só os loucos são capazes de entender a loucura, visto a vivenciarem. Por outro lado, sua recomendação é positiva: muito saudável para o investigador é observar de perto as práticas que almeja conhecer. No caso da mediunidade, parte importante do estudo é realizado pela análise criteriosa dos escritos mediúnicos.

    CARLOS MAGNO: A literatura é uma delícia dos deuses, principalmente quando apreciada em ambiente de um gabinete com ar refrigerado e bebida gelada ao dispor. Ou à suave brisa de um sol ameno das manhãs inspiradoras. Mas com todas essas amenidades, se nisso tão somente nos bastamos, ela enfastia, condiciona e ilude…

    RESPOSTA – sua palavra fez-me sonhar… dispondo apenas de um ventilador velho e barulhento, nesse calorão infernal, pensei: “deve ter uma cervejinha na geladeira, toma-la-ei em homenagem ao meu nobre inquiridor”, mas, triste desilusão: nem água gelada havia, restou apenas o sonho de um dia dispor de ambiente concorde com sua descrição…

    CARLOS MAGNO: Não há como duvidar da capacidade mediúnica do Xavier unicamente com ilações, comparações literárias estilistas e estilizadas, prezado crítico, pois mediunidade não é artigo que se venda em bancas de jornal ou “book shops”,

    RESPOSTA – Ao contrário, a obra mediúnica de Chico Xavier foi, quase toda, vertida em publicações, muitas das quais vendidas em bancas de jornal e “book shops”. Este é o material de que dispomos para realizar as diversas avaliações, no intento de saber com segurança o que concluir da alegada mediunidade do autor.

    CARLOS MAGNO: A mediunidade realmente detém vários estágios no seu mecanismo psíquico que não bem trabalhado ou não bem cuidado, transforma o veículo mediúnico numa arma que se volta contra seu possuidor. E se porventura isso tivesse acontecido com o Chico, bem teriam razões seus detratores de crucificá-lo. Mas para tal escopo hoje empreendido pelos teóricos, sempre serão insuficientes as buscas literárias minuciosas dos possíveis ilogismos e erros das versões ao dogmatismo bíblico, porquanto é absolutamente necessário antes de tudo provar-se que o Chico era enganado ou enganador.

    RESPOSTA – Chico provavelmente era enganado. Mas esse auto-engano tinha uma razão de ser: garantia a sobrevivência psíquica do médium. Não houvesse ele encontrado no espiritismo um ambiente que validasse seus sonhos alucinatórios, provavelmente terminaria os dias nalgum sanatório. O mesmo se dá com vários outros. De certa forma, nossos pensamentos se aproximam: concordo que a mediunidade está atrelada aos mecanismos psíquicos. Porém, acredito que eles são suficientes para explicar os fenômenos erroneamente atribuídos à espiritualidade.

    CARLOS MAGNO: E quem irá indubitavelmente a isso provar, baseado em pesquisas capengas e em depoimentos apócrifos e comprometidos, ou observações unicamente literárias? E se os espíritos agiram por conta própria assim desejando deliberar? Hipótese? Talvez mais uma ao confronto do oceano de falácias e críticas flácidas dos opositores que jamais chegarão a provar coisa alguma…

    RESPOSTA – não são observações unicamente literárias, trata-se de trabalhar o material mediúnico-literário produzido pelo Chico, a fim de extrar as ilações adequadas. Se a interpretação mediúnica, conflitante com a Bíblia, fosse alvedrio dos espíritos, isso deveria ter sido muito bem explicado. Senão ? já viu, né? ? a confusão está formada.

    Os trechos a seguir são de autoria do SR. DELANO:

    DELANO: Sr. Montalvão, boa noite! O senhor também anda em dia com os ditames da retórica.

    RESPOSTA – Muito grato. Ainda que não me julgue merecedor de tal loa, meu ego se sente recompensado ante suas belas palavras.

    DELANO: Evidentemente há que se conjugar muitos outros aspectos. Para o Kardecismo, o exame redativo, tomado isoladamente, nada contribui à investigação. O próprio Kardec já se pronunciou a respeito (em análise a uma comunicação de Vicente de Paulo):

    “Do ponto de vista do estilo, esta comunicação não resiste à crítica. As incorreções, os pleonasmos, os torneios viciosos saltam aos olhos de qualquer, por menos letrado que seja. Isso, porém, nada provaria contra o nome que a firma, dado que tais imperfeições poderiam decorrer da incapacidade do médium, conforme já o demonstramos. O que é do Espírito é a idéia.”

    RESPOSTA – seria interessante que disponibilizasse o texto sobre o qual Kardec fala, a fim de avaliarmos se está adequando ao assunto em discussão. A princípio parece-me que não: mesmo sem ter lido, suponho que o líder espírita esclarecia um caso de comunicação entre um espírito sábio e um médium culturalmente medíocre. O caso de Chico Xavier é diferente.

    DELANO: Eu mesmo, embora crítico contumaz dos verdadeiros atentados à Gramática atualmente publicados sob a alcunha de “literatura espírita”, devo ressaltar que minha indignação repousa não neste aspecto, mas no fato de que, na maioria das obras atuais, o Kardecismo passa ao largo.

    RESPOSTA – meu escrito não busca atentados à gramática, mesmo porque encontro-os, muito mais do que gostaria, em minhas próprias redações. Se observar melhor o estudo, verá que a crítica se concentra no descasamento entre o texto bíblico e a interpretação que dele fez o médium.

    DELANO: Sobre a análise comparada com a Bíblia, é importante destacar que, no meio espírita, as Escrituras não ostentam rigorosamente a mesma posição ocupada nas religiões cristãs tradicionais. A Bíblia inclusive, só poderá ser corretamente entendida mediante a “chave” fornecida pelo espiritismo:

    RESPOSTA – podemos aceitar o que nos diz. Entretanto, é importante verificar se essa “chave” de fato está abrindo a porta do conhecimento ou girando em falso.

    DELANO: “Uma vez isso conseguido, a beleza e a santidade da moral tocarão os espíritos, que então abraçarão uma ciência que lhes dá a chave da vida futura e descerra as portas da felicidade eterna. Moisés abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o Espiritismo a concluirá.”

    RESPOSTA – A “chave” a que Kardec aqui se refere não é propriamente uma “chave de revelação das Escrituras”, trata-se, sim, da idéia de que o espiritismo seja o ápice da revelação divina, que teria começado com Moisés, passando por Jesus Cristo e culminando no espiritismo. Ocorre que essa visão generosa do espiritismo é promanada pelo seu criador: católicos e protestantes a rechaçam com muita firmeza…

    A “outra chave” significa que os interessados só entenderão plenamente o conteúdo bíblico conhecendo os postulados espíritas. Só que, infelizmente para o espiritismo, muitos não concordam com tal proposição.

    DELANO: “As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas da mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida.

    RESPOSTA – Tudo bem, mas cabe, aos interessados em conhecer as propostas espíritas, o exame dessas “condições especiais” e do “ponto de partida”. Não basta apresentar-se proposição diferente das admitidas nas lides científicas e qualificá-la de ciência. É necessário o cotejamento rigoroso, a fim aferir se o discurso espiritista é de fato científico. Parece-me que, até o presente, ele ainda está longe do que diz ser.

    DELANO: Querer submetê-las aos processos comuns de investigação é estabelecer analogias que não existem.” (Kardec)

    RESPOSTA – Parece-me que o método “científico” de investigação mediúnica parte da admissão inconteste de que os espíritos efetivamente comuniquem. Este seria o axioma básico. A partir daí inferem-se regras subjetivas para identificar os espíritos merecedores de crédito e ? pimba! ? temos o processo consolidado e ratificado… o problema é que a ciência não trabalha dessa maneira…

    DELANO: Minhas objeções à psicografia (não sou espírita) tomam outro rumo, mais voltados à própria possibilidade desta comunicação.

    RESPOSTA – Interessante. Mostre algo de seu trabalho. Para nós, que buscamos respostas conclusivas sobre o assunto, qualquer linha de estudo é contributiva. Por outro lado, acredito que o exame da produção mediúnica é um dos melhores meios de investigar a autenticidade das comunicações, pois trabalhamos com o material supostamente enviado pela espiritualidade. E, em verdade, é tudo o que dispomos para nossas pesquisas. Por exemplo, se eu quiser averiguar se é possível um espírito comunicar, tenho de buscar um terceiro que faça essa intermediação, a não ser que eu me acreditasse médium, o que não é o caso. Não posso, por meu próprio esforço, evocar o espírito de minha falecida mãe e nesse contato obter a certeza de que estou dialogando com a alma desencarnada. Sou obrigado a confiar na palavra de alguém que se diz habilitado para tal comunicação. Só que, quando recebo o recado de minha genitora, desconfio do que me é dito, por não estar de acordo o que dela conheço. Então, como investigarei o assunto? Ora, pela análise daquilo que o médium produziu. Em âmbito mais amplo é o que fazemos fazer com Chico Xavier.

    CARLOS MAGNO: Quero ainda passar ao Montalvão a seguinte apreciação:
    Você esquadrinha passagens bíblicas contestando tergiversações do indicativo alterego do Chico ou desacreditado espírito comunicador. Ora, quem ao ler a obra não irá notar incontinenti às extrapolações nos textos das citadas narrativas?

    RESPOSTA – Não necessariamente. Algumas pessoas jamais leram o texto bíblico, portanto, não podem fazer comparações. Outros, apesar de terem lido, não querem se dar ao trabalho de comparar criticamente as produções.

    CARLOS MAGNO: Bem disse o Delano que a Bíblia é um livro hermético e suas chaves acham-se em poder de espíritos. E eu acrescento: também de iniciados na Terra nos graus mais avançados do esoterismo, maçonaria, rosacrucianismo e muitas respeitáveis organizações, algumas milenares como os cabalistas.

    RESPOSTA – não importa com quem a chave esteja, importa sim, conforme foi dito ao Delano, investigar se, de fato, a chave está com que diz que a possui: muitas falsas chaves estão disponíveis. Do que sei de leitura bíblica, posso dizer que com conhecimento histórico e arqueológico é possível realizar uma boa leitura dos escritos sagrados.

    CARLOS MAGNO: Eu menciono em meu primeiro comentário que a verdadeira história da Bíblia (e do mundo) se imanta nos registros akásicos, e não seria o despistamento de sua réplica que mudaria essa realidade. Quem não sabe disso, acorde!

    RESPOSTA – Ok, esta é a sua convicção e a respeito. Só que não encontrei, até aqui, razões para acreditar nisso… fique à vontade para demonstrar o quanto os akásicos podem ajudar no desvendamento dos segredos bíblicos…

    CARLOS MAGNO: Finalmente pergunto: a obra do Chico não é espírita? Se é espírita, o comunicador virá, logicamente, se respaldar nos parâmetros e revelações da doutrina. Elementar, meu caro Watson, tal como eu citei de J.W. Rochester em O Chanceler de Ferro, embora aquela obra não se enquadre exatamente na linha kardecistas. Mas é obra mediúnica de um sábio e revelador espírito.

    RESPOSTA – Exatamente. Se a comunicação fosse teosófica, os espíritos se pronunciariam teosoficamente; se fosse católica, catolicamente; se fosse protestante, evangelicamente; mesmo que uma comunicação contradiga outra. A menos que tenhamos de aceitar que do outro lado os conflitos religiosos continuam, o que tornaria as mensagens inócuas; o fato demonstra que as comunicações provêm do ambiente e das cabeças que as produzem.

    CARLOS MAGNO: Ou o amigo Montalvão desejaria que a obra fosse espírita e se ativesse ipsis litteris às passagens bíblicas fazendo tão somente uma resenha pra lá de surrada como tantas de copistas evangélicos?

    RESPOSTA – Absolutamente. Mesmo porque entre as diversas denominações evangélicas existem interpretações váriadas. A questão não é essa. O que Chico fez foi dizer coisas que o texto bíblico não dizia e jamais poderia ter dito. Além de pôr um discurso espiritista na boca de Saul, tenta fazer dele um cristão e obriga o profeta Samuel a proferir palavras descompromissadas com o contexto religioso e temporal daqueles dias. Chico Xavier poderia ter realizado um brilhante trabalho calcado no escrito bíblico, mas preferiu fazer, indevidamente, apologia espírita. Num outro site, disponibilizei uma crônica “mediúnica” baseada no mesmo texto bíblico inspirado no qual Chico escreveu “A palavra do morto”, em que mostro como o escrito poderia se manter coerente com o original. Se o Vitor quiser poderá pô-la aqui para ilustração.

    CARLOS MAGNO: Quanto ao Chico ser o autor ou não do livro, repito: é impossível aos teóricos abordar os mecanismos mediúnicos não somente do Chico, mas de qualquer médium sem deter a vivência e conhecimento técnico da ciência espiritual.

    RESPOSTA – Aceito sua palavra, apesar não concordar. Sua proposta significa bloquear a pesquisa que não seja apologética. Continuaremos nossa faina investigatória, pois nela estamos encontrando respostas.

    CARLOS MAGNO: Desculpe, Montalvão, sua crítica quanto ao mediunismo do Chico e sua obra literária, não se sustenta, está completamente equivocada e sequer arranha o mecanismo psíquico do médium. Se o assunto já é difícil entender e avaliar por especialistas, quanto mais por leigos.

    RESPOSTA – mais vale o trabalho de um leigo esforçado que o de um especialista distraído…

    CARLOS MAGNO: Portanto, seu recado não se impõem pela fraqueza e anemia dos argumentos. É simplesmente mais uma crítica amadora, e seria perda de tempo analisar e comparar parágrafo a parágrafo.

    RESPOSTA – Como exercício, seria válido analisar e comparar cada parágrafo de meu escrito, ou, ao menos os principais, se não para outra finalidade, que seja para demonstrar a fraqueza e a anemia dos argumentos. Por isso, discordo de sua manifestação, mas lutarei, até a morte, se preciso for, pelo seu direito de externá-la…

    CARLOS MAGNO: E sabe por quê? Eles queriam apagar para sempre que Jesus e os doze, mais João Batista, José de Arimatéia e muitas outras personalidades daquela história, fossem iniciados essênios. Os grandes profetas também o foram, bem como filósofos, tais como Platão e Sócrates. Os essênios eram ligados aos egípcios que realizavam as inciações. Não foi por acaso que a fuga de Maria e José, – alegórica ou não, – foi terminar no Egito, acobertada pelos essêncios.

    RESPOSTA – Apesar dessa não ser comigo, acho interessante um comentário. Os essênios constituiram um grupo religioso, que floresceu na palestina de os séculos I a.C. a I d.C. (alguns os situam em data mais recuada, no séc. II a.C.). Formavam um dos três grupos religiosos da época, os outros eram os fariseus e saduceus. Diferentemente dos outros partidos, os essênios viviam afastados das cidades, preferindo habitar regiões próximas aos desertos. A iniciação de um essênio durava cerca de cinco anos, após o quê era admitido na comunidade. Alguns estudiosos falam de essênios que viviam nos centros urbanos, porém estes devem ter sido simpatizantes que iam às comunidades buscar ensinamentos e depois continuavam suas rotinas, a elas incorporando o aprendizado obtido com os mestres. Há quem defenda que Jesus fora essênio, mas existem parcas evidências quanto a isso. Quanto a João Batista é maior a probabilidade de que tenha pertencido a esse grupo. Por constituir grupamento apartado da vida normal dos hebreus e deles haver pouca informação histórica e arqueológica tornaram-se prato feito para místicos e esotéricos. Supor que os profetas, e Sócrates e Platão, foram essênios equivale a um grande exercício de criatividade. No tempo daqueles filósofos gregos o primeiro essênio sequer nascera…

  11. Augusto Diz:

    É uma pena o que a vã filosofia e o desconhecimento da doutrina mais pura e universal seja tão forte em vocês. Um dia quando forem embora deste plano irão se arrepender profundamente e olhar pra trás com tristeza as dúvidas “científicas” que são obviamente filosóficas e religiosas disfarçadas. Que a caridade infinita de Deus poupe as almas de vocês.

  12. Carlos Magno Diz:

    Prezado Montalvão:

    O modo de suas réplicas me faz lembrar os mesmos argumentos do Vitor Moura. Seria válido o adágio: qualquer semelhança é mera coincidência?

    Sigamos mais um pouco. Sobre os essênios: realmente, conforme você muito bem “googlou”, os essênios desenvolveram sua fraternidade em mais ou menos 150 anos, indo até os 70 d.C. Expandiram-se por alguns países do Oriente médio, mas especialmente concentraram-se em comunidades, próximo a Jesus, visto seu principal papel sintetizar o suporte à missão do Cristo.

    Há muitas outras informações históricas deles. Na realidade, se organizaram segundo certas regras do budismo, cujos ensinamentos e doutrina avançariam até as margens do Mediterrâneo onde ali estancariam. O cristianismo primitivo herdou as lições budistas através dos essênios, pelo fato de Buda e Jesus estarem ligados a um desenvolvimento filosófico-religioso em dois ciclos distintos. E Jesus teve muitas passagens em monastérios budistas, onde estudou, aprendeu e ensinou.

    Por que venho com esse adendo? Pelo fato de você me ter cognominado ultra-espírita, o que não sou. Na verdade não foi minha intenção demonstrar que o espiritismo não foi um movimento isolado, nascido e criado com uma novíssima mensagem, diferente de tudo quanto antes existia. O que não é o que parece. Mas já que o assunto assim se desenvolveu fica aqui mais referências. O espiritismo do iniciado Kardec é mais um elo da corrente de movimentos, crenças e religiões que divulgam ensinamentos encadeados e eternos nos ciclos de evolução mental e espiritual das sociedades humanas.

    Não há um salvador do mundo tão somente, mas muitos, e cujos ensinamentos permanecem guardados e protegidos pelas tradições iniciáticas das mãos sepultantes de coveiros.

    Quanto ao Chico e sua mediunidade, repito, não vejo como você e outros discursivos e compiladores literários consigam por comparações, deduções, clichês, teses, antíteses, sínteses, hipóteses ou por qualquer outra ferramenta teórica sequer aproximar-se de uma verdadeira versão de que ele não “incorporava” (termo absolutamente incorreto) espíritos comunicadores. Ou que seria ou não “psicomotor”, extraordinariamente mnemônico, enganado, enganador, mentiroso, fraudador ou respirasse o espiritismo sob qualquer novo epíteto em que viesse sub-repticiamente incorrer e apoiar suas comunicações, ditas espíritas.

    Não precisamos ser loucos para perceber certos sintomas da loucura ou demência, pois muitas vezes são óbvios e facilmente detectáveis. Mas nos calhamaços de enganos populares e até oficiais, o Chico já foi disso rotulado sem que jamais tenha sido. Assim entendem os espíritas lúcidos e debatedores que não são nem loucos ou atacados pelo vírus da idiotia. Mas é impossível hoje, pelos atuais métodos, a medicina saber as causas reais da chamada loucura quando o doente não apresenta nenhuma anomalia ou disfunção cerebral, e sim unicamente mental e psíquica fora dos padrões de comportamentos tradicionais. E é outro absurdo discriminar os não inadaptados como loucos.

    Pois enorme contingente de loucos, prezado Montalvão, trancafiados em celas de clínicas ou hospícios, são assim loucos por trabalhos de magia negra ou ações obsessivas de espíritos. Até um simples seguidor evangélico de igrejas protestantes sabe disso pela observação “in loco” e vivência prática. E o usual tratamento médico dos coitados, além das camisas de força para detê-los nos casos de violência, é na base de fortíssimos sedativos, banhos gelados e choques elétricos: aplicativos legais e ilegais, alguns mais cruéis, inadequados e errados, pois a sintomática detectada na maioria dos casos não revela a causalidade que espíritas conhecem e sabem acontecer pela vivência e estudos.

    Assim, Montalvão, ao entrarmos no teor desses assuntos enveredamos sempre por um beco sem saída a despeito dos debates democráticos. Vocês teóricos e redundantes achando que pela análise literária pura e simples chegam a causalidade do mecanismo mediúnico, e nós, espíritas e espiritualistas de outras correntes, vendo nisso uma gritante e incongruente impossibilidade, pois os mistérios do mediunismo são acobertados por vários e sucessivos véus não fáceis de levantar e impossíveis conhecer através tão somente da impressão periodista ou livresca.

    Um grande abraço.

  13. Delano Diz:

    Olá Moisés Montalvão, boa tarde!

    Em primeiro lugar, fiquei em dúvida se me tomaste por espírita ou não, embora eu tenha deixado claro não sê-lo. Digo isto porque falaste, referindo-se a mim, em “defensor da mediunidade” e “fidelidade ao códice”. Na verdade, tenho algum conhecimento sobre o Kardecismo por questões familiares, pois estes livros sempre estiveram à minha disposição desde a adolescência. Logo,me acostumei a estudá-los.

    Montalvão – “O que, no momento, está em discussão é a legitimidade dos contatos mediúnicos, ou seja, se existem elementos de convicção que nos levem a atribuí-los efetivamente à espiritualidade ou se podemos concluir tratar-se de manifestações advindas da singularidade psíquica dos médiuns.”

    Justamente pelo modesto conhecimento que tenho da Doutrina, percebo que certas objeções ao Kardecismo encontram uma explicação no âmbito da Doutrina.

    O que tenho procurado (pretensamente) explicar é que as diferenças de estilo ou divergências de ordem historiográfica (ainda que a Bíblia não seja a mais fidedigna das fontes históricas), como você fez no artigo, não depõem contra a mediunidade. É algo sobre o quê Kardec e Emmanuel (Chico) se pronunciaram, várias vezes. Desta forma, não vejo em quê análises nesse sentido possam reputar a produção mediúnica a uma “singularidade psíquica”. Não pretendo diminuir o seu trabalho, digo apenas que me parece estar no caminho errado considerando a meta a que se propôs.

    É importante deixar claro que, sob qualquer ponto de vista, Chico Xavier é um fenômeno intrigante a ser estudado. Nesta parte, concordo com Carlos Magno. É preciso fugir aos rótulos fáceis.

    Não posso afirmar que ali haja comunicação com os mortos. Porém, sugerir, como costumeiramente se faz, que se trata de mera “imitação inconsciente”, me parece resumir mediocremente o problema. É a explicação que nada explica.

    Sobre minha divergência com Carlos Magno, vejo, realmente, uma clara distinção entre a linha propriamente Kardecista e a que procura estabelecer uma simbiose com os outros ramos do espiritualismo.

    Recomendo apenas que você não defina isso como “linhas de crença” dentro do Espiritismo. Primeiro porque não componho o número dos Kardecistas. Segundo porque, embora muitos pretendam afirmar, o movimento não se desmembrou. Inclusive, na minha impressão pessoal (não tenho qualquer fonte técnica para respaldá-la),os espíritas atualmente estão em sua grande maioria na mesma seara de Carlos. Baseio-me nos espíritas que conheço (e são muitos), bem como nas publicações que divulgam o avanço do Espiritismo e a acentuada modificação das práticas nos Centros Espíritas.

    Em todo caso, se esta transformação auxiliará o Kardecismo, só o tempo dirá. Por isso, não me fecho à opinião de Carlos. Simplesmente não concordo.

    Quanto a você, percebo inegavelmente talento e disposição para o estudo. Sugiro que leia, se ainda não conhecer, Herculano Pires, que tem um livro específico sobre a visão espírita da Bíblia.

    Falando neste livro, extraí a passagem abaixo, que pode servir a todos nós, espíritas ou não.

    “Penso que nós, espíritas, temos o dever de analisar as coisas de maneira serena e compreensiva, pois foi a lição de Kardec e esse é o espírito da nossa doutrina. Sim, porque o Espiritismo não é uma doutrina dogmática, de postulados rígidos, mas uma doutrina evolutiva e amplamente compreensiva, que procura entender a vida em todas as suas manifestações, entendendo, portanto, o processo geral da evolução humana. Há espíritas que condenam a Psicanálise, o Darwinismo, o Existencialismo, e outras doutrinas científicas e filosóficas, numa atitude fechada de fanáticos religiosos, sem procurarem compreender a razão de ser dessas doutrinas e o que elas representam no imenso esforço do homem para interpretar o mundo e a vida. Há outros que conde-nam a Bíblia, como há os que condenam os próprios Evangelhos, e ainda os que condenam o Cristianismo, afirmando que o Espi-ritismo nada tem a ver com ele. Todas essas atitudes dogmáticas discordam daquilo que chamamos o espírito da doutrina. O Espiritismo não condena: explica. E, explicando, justifica os erros humanos, procurando corrigi-los pela compreensão e não pela coação.”

    Encerrando-se as minhas merecidas férias, retornarei à luta do ganha-pão. Logo, minhas horas-livres de navegação serão mais escassas. Mas, sempre que possível, lhes farei uma visita.

    Um grande abraço a todos e até qualquer dia!

  14. Carlos Magno Diz:

    correção de meu último texto:

    E é outro absurdo discriminar os inadaptados como loucos.

  15. moizes montalvao Diz:

    PREZADOS, AUGUSTO, MAGNO e DELANO:

    AUGUSTO: É uma pena o que a vã filosofia e o desconhecimento da doutrina mais pura e universal seja tão forte em vocês. Um dia quando forem embora deste plano irão se arrepender profundamente e olhar pra trás com tristeza as dúvidas “científicas” que são obviamente filosóficas e religiosas disfarçadas. Que a caridade infinita de Deus poupe as almas de vocês.
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    RESPOSTA: grato, Augusto, por sua oração. Espero sinceramente que chegue ao trono do Altíssimo e produza os resultados almejados. Enquanto isso, poderia dar sua contribuição científico-filosófica, por meio de argumentos analisáveis, o que muito contribuirá para nosso esclarecimento.
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    CARLOS MAGNO: O modo de suas réplicas me faz lembrar os mesmos argumentos do Vitor Moura. Seria válido o adágio: qualquer semelhança é mera coincidência?
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    RESPOSTA – Eu e o Vitor temos concordâncias e discordâncias: travamos debates bastante produtivos, em que, cada qual, expôs e defendeu as concepções que considerava adequadas. Acredito que houve mútuo crescimento intelectual ao final desses entreveros.
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    CARLOS MAGNO: Sigamos mais um pouco. Sobre os essênios: realmente, conforme você muito bem “googlou”, os essênios desenvolveram sua fraternidade em mais ou menos 150 anos, indo até os 70 d.C. Expandiram-se por alguns países do Oriente médio, mas especialmente concentraram-se em comunidades, próximo a Jesus, visto seu principal papel sintetizar o suporte à missão do Cristo.
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    RESPOSTA – é fato que o google ajuda. Quem nunca gugou que atire a primeira pedra. Neste caso, porém, minhas fontes de consulta foram outras, nomeio-as para que, caso queira confirmar, esteja devidamente informado:
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    1. O Novo Dicionário da Bíblia. Editor organizador, J.D.Douglas, M.A., B.D., S.T.M., Ph.D. Edições Vida Nova, 1976;
    2. Os Manuscritos do Mar Morto. Geza Vermes. Editora Mercuryo, 1997;
    3. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos. William L. Coleman. Editora Betânia, 1991.
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    CARLOS MAGNO: Há muitas outras informações históricas deles. Na realidade, se organizaram segundo certas regras do budismo, cujos ensinamentos e doutrina avançariam até as margens do Mediterrâneo onde ali estancariam. O cristianismo primitivo herdou as lições budistas através dos essênios, pelo fato de Buda e Jesus estarem ligados a um desenvolvimento filosófico-religioso em dois ciclos distintos. E Jesus teve muitas passagens em monastérios budistas, onde estudou, aprendeu e ensinou.
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    RESPOSTA: você pode dizer que há “outras informações”, mas não que sejam históricas. São suposições, algumas muito criativas, de grupos esotéricos. Não há menor evidência de que os essênios tenham tido contato com budistas, muito menos que Jesus tenha passado por monastérios budistas. A hipótese negativa é mais viável.
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    CARLOS MAGNO: Por que venho com esse adendo? Pelo fato de você me ter cognominado ultra-espírita, o que não sou. Na verdade não foi minha intenção demonstrar que o espiritismo não foi um movimento isolado, nascido e criado com uma novíssima mensagem, diferente de tudo quanto antes existia. O que não é o que parece. Mas já que o assunto assim se desenvolveu fica aqui mais referências. O espiritismo do iniciado Kardec é mais um elo da corrente de movimentos, crenças e religiões que divulgam ensinamentos encadeados e eternos nos ciclos de evolução mental e espiritual das sociedades humanas.
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    RESPOSTA: não o alcunhei “ultra-espírita”, sim “espírita ultra-liberal”, sem qualquer intento pejorativo, apenas para destacar a versatilidade que exibe em incorporar postulações de escolas místicas.
    Quanto ao espiritismo ser tido elo de uma grande corrente de crenças e religiões, prefiro considerá-lo especificamente uma proposta elaborada por Allan Kardec, que retrabalhou certas crenças orientais, miscigenou-as com a filosofia positivista e deu-lhe a configuração exposta no códice doutrinário.
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    CARLOS MAGNO: Não há um salvador do mundo tão somente, mas muitos, e cujos ensinamentos permanecem guardados e protegidos pelas tradições iniciáticas das mãos sepultantes de coveiros.
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    RESPOSTA: para quem aceita essa proposição, tudo bem. Há quem considere que a salvação veio por meio de Jesus Cristo; outros a encontram nas mensagens dos espíritos; há quem a veja em recados de extraterrenos…
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    CARLOS MAGNO: Quanto ao Chico e sua mediunidade, repito, não vejo como você e outros discursivos e compiladores literários consigam por comparações, deduções, clichês, teses, antíteses, sínteses, hipóteses ou por qualquer outra ferramenta teórica sequer aproximar-se de uma verdadeira versão de que ele não “incorporava” (termo absolutamente incorreto) espíritos comunicadores. Ou que seria ou não “psicomotor”, extraordinariamente mnemônico, enganado, enganador, mentiroso, fraudador ou respirasse o espiritismo sob qualquer novo epíteto em que viesse sub-repticiamente incorrer e apoiar suas comunicações, ditas espíritas.
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    RESPOSTA: pode ser que você esteja certo, mas só o saberei se levar meu estudo adiante, como pretendo.
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    CARLOS MAGNO: Não precisamos ser loucos para perceber certos sintomas da loucura ou demência, pois muitas vezes são óbvios e facilmente detectáveis. Mas nos calhamaços de enganos populares e até oficiais, o Chico já foi disso rotulado sem que jamais tenha sido. Assim entendem os espíritas lúcidos e debatedores que não são nem loucos ou atacados pelo vírus da idiotia. Mas é impossível hoje, pelos atuais métodos, a medicina saber as causas reais da chamada loucura quando o doente não apresenta nenhuma anomalia ou disfunção cerebral, e sim unicamente mental e psíquica fora dos padrões de comportamentos tradicionais. E é outro absurdo discriminar os não inadaptados como loucos.
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    RESPOSTA: minha referência à loucura foi marginal, apenas ilustrativa. Sabemos que a palavra “louco” é denominação genérica. As diversas patologias mentais possuem classificações específicas. Com base em algumas atitudes de Chico, sobejamente conhecidas, podemos desconfiar que possuísse inclinações esquizofrênicas, mas a confirmação dessa hipótese depende de maiores pesquisas. Portanto, não estamos especificamente “diagnosticando” patologia mental em Chico Xavier; entretanto o comentário a respeito do “núcleo” validador considero pertinente.
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    CARLOS MAGNO: Pois enorme contingente de loucos, prezado Montalvão, trancafiados em celas de clínicas ou hospícios, são assim loucos por trabalhos de magia negra ou ações obsessivas de espíritos. Até um simples seguidor evangélico de igrejas protestantes sabe disso pela observação “in loco” e vivência prática. E o usual tratamento médico dos coitados, além das camisas de força para detê-los nos casos de violência, é na base de fortíssimos sedativos, banhos gelados e choques elétricos: aplicativos legais e ilegais, alguns mais cruéis, inadequados e errados, pois a sintomática detectada na maioria dos casos não revela a causalidade que espíritas conhecem e sabem acontecer pela vivência e estudos.
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    RESPOSTA: a crença de que patologias mentais são oriundas de influências demoníacas complica mais que esclarece. Embora a medicina esteja longe de oferecer terapia infalível para o tratamento dos distúrbios da mente, já consegue efetuar diagnósticos precisos e, muitas vezes, oferecer alívio aos sintomas e até mesmo reincorporar os doentes à sociedade. Banhos gelados e choques elétricos são métodos praticamente prescritos na atualidade. A eletroterapia hoje é utilizada de uma forma bastante diferente, e com maior eficiência, da que se aplicava nos anos de 1930 e 1940. Banhos gelados, salvo melhor informação, foram eliminados. O tratamento químico atual é mais eficaz e menos agressivo que no passado. Enfim, a medicina está fazendo o “dever de casa”, buscando aprimorar os recursos terapêuticos de que dispõe. Enquanto isso, a medicina mística e demonológica mantém o mesmo discurso de há séculos.
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    CARLOS MAGNO: Assim, Montalvão, ao entrarmos no teor desses assuntos enveredamos sempre por um beco sem saída a despeito dos debates democráticos. Vocês teóricos e redundantes achando que pela análise literária pura e simples chegam a causalidade do mecanismo mediúnico, e nós, espíritas e espiritualistas de outras correntes, vendo nisso uma gritante e incongruente impossibilidade, pois os mistérios do mediunismo são acobertados por vários e sucessivos véus não fáceis de levantar e impossíveis conhecer através tão somente da impressão periodista ou livresca.
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    RESPOSTA: Amigo, nossa tentativa é buscar resposta esclarecedora ante o discurso mediúnico, o qual não nos é satisfatório. Se tiver alguma argumentação que nos ajude neste mister sentir-nos-emos terrivelmente gratificados.
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    DELANO: Em primeiro lugar, fiquei em dúvida se me tomaste por espírita ou não, embora eu tenha deixado claro não sê-lo. Digo isto porque falaste, referindo-se a mim, em “defensor da mediunidade” e “fidelidade ao códice”. Na verdade, tenho algum conhecimento sobre o Kardecismo por questões familiares, pois estes livros sempre estiveram à minha disposição desde a adolescência. Logo,me acostumei a estudá-los.

    RESPOSTA: Realmente, só depois da mensagem enviada notei que afirmara objetivamente não comungar a fé kardecista.
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    DELANO: Justamente pelo modesto conhecimento que tenho da Doutrina, percebo que certas objeções ao Kardecismo encontram uma explicação no âmbito da Doutrina.
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    RESPOSTA: ótimo, mas nos ajude, apontando onde podemos encontrar estas explicações.

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    DELANO: O que tenho procurado (pretensamente) explicar é que as diferenças de estilo ou divergências de ordem historiográfica (ainda que a Bíblia não seja a mais fidedigna das fontes históricas), como você fez no artigo, não depõem contra a mediunidade. É algo sobre o quê Kardec e Emmanuel (Chico) se pronunciaram, várias vezes. Desta forma, não vejo em quê análises nesse sentido possam reputar a produção mediúnica a uma “singularidade psíquica”. Não pretendo diminuir o seu trabalho, digo apenas que me parece estar no caminho errado considerando a meta a que se propôs.
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    RESPOSTA: prezado, vários espíritas dedicados já me disseram isso: que estou no caminho errado. Infelizmente, não informam o que estaria errado na senda que ora trilho, tampouco mostram qual seria o reto caminho. O meu artigo é exemplificativo de como Chico Xavier utilizou um texto bíblico para, indevidamente, fazer apologia espírita. Há muito além disso e demonstrarei em breve. Não que eu seja contra o fato do médium defender sua fé. Ele e qualquer outro tem esse direito. O que apontei, ou tentei, foi a forma com que Chico Xavier utilizou para validar aquilo em que acreditava, e que, da forma como o fez, o leva para longe da espiritualidade. Em suma, minha pretensão foi demonstrar que o que Chico arrogava à mediunidade não se sustenta. Ficamos, pois, entre dois fogos: ou admitimos que os espíritos cometem equívocos clamorosos, o que, em sendo fato, nos levaria a concluir que muito pouco ajudariam e até mesmo complicariam nossa evolução espiritual; ou cedemos à constatação evidente, a de que as pretensas comunicações foram formuladas pela fértil mente do caritativo médium.
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    DELANO: É importante deixar claro que, sob qualquer ponto de vista, Chico Xavier é um fenômeno intrigante a ser estudado. Nesta parte, concordo com Carlos Magno. É preciso fugir aos rótulos fáceis.

    RESPOSTA: concordo, e é por isso que o estamos estudando. E também tentando fugir às rotulações. Esperamos ter sucesso…
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    DELANO: Não posso afirmar que ali haja comunicação com os mortos. Porém, sugerir, como costumeiramente se faz, que se trata de mera “imitação inconsciente”, me parece resumir mediocremente o problema. É a explicação que nada explica.

    RESPOSTA: examine os argumentos e os conteste. Desmerecê-los sem a devida apreciação não me parece a melhor maneira de avaliar o que está sendo postulado.
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    DELANO: Sobre minha divergência com Carlos Magno, vejo, realmente, uma clara distinção entre a linha propriamente Kardecista e a que procura estabelecer uma simbiose com os outros ramos do espiritualismo.
    Recomendo apenas que você não defina isso como “linhas de crença” dentro do Espiritismo. Primeiro porque não componho o número dos Kardecistas. Segundo porque, embora muitos pretendam afirmar, o movimento não se desmembrou. Inclusive, na minha impressão pessoal (não tenho qualquer fonte técnica para respaldá-la),os espíritas atualmente estão em sua grande maioria na mesma seara de Carlos. Baseio-me nos espíritas que conheço (e são muitos), bem como nas publicações que divulgam o avanço do Espiritismo e a acentuada modificação das práticas nos Centros Espíritas.

    RESPOSTA: Tudo bem. Meu pronunciamento baseou-se no fato de conhecer espíritas que se atêm ao discurso do codificador e outros que são, digamos, mais liberais. Há algum tempo, discutia eu com uma jovem muito ciosa de sua fé espiritista: ela defendia com firmeza a existência de “corpos astrais” e a regressão a vidas passadas. Quando lhe falei que lideranças espíritas não apoiavam essas formas de pensamento, respondeu-me: “tem muito líder espírita vagando pelo umbral, porque ter bloqueado verdades aos fiéis”…

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    DELANO: Quanto a você, percebo inegavelmente talento e disposição para o estudo. Sugiro que leia, se ainda não conhecer, Herculano Pires, que tem um livro específico sobre a visão espírita da Bíblia.

    RESPOSTA: Grato pelas belas palavras. Poderia ser mais preciso e nomear a qual obra se refere? Tenho algum material de Herculano Pires, que foi uma das cabeças pensantes do espiritismo brasileiro na segunda metade do século XX; caso a obra esteja em meu acervo, comprometo-me a examiná-la.
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    DELANO: Falando neste livro, extraí a passagem abaixo, que pode servir a todos nós, espíritas ou não.
    “Penso que nós, espíritas, temos o dever de analisar as coisas de maneira serena e compreensiva, pois foi a lição de Kardec e esse é o espírito da nossa doutrina. Sim, porque o Espiritismo não é uma doutrina dogmática, de postulados rígidos, mas uma doutrina evolutiva e amplamente compreensiva, que procura entender a vida em todas as suas manifestações, entendendo, portanto, o processo geral da evolução humana. Há espíritas que condenam a Psicanálise, o Darwinismo, o Existencialismo, e outras doutrinas científicas e filosóficas, numa atitude fechada de fanáticos religiosos, sem procurarem compreender a razão de ser dessas doutrinas e o que elas representam no imenso esforço do homem para interpretar o mundo e a vida. Há outros que condenam a Bíblia, como há os que condenam os próprios Evangelhos, e ainda os que condenam o Cristianismo, afirmando que o Espi-ritismo nada tem a ver com ele. Todas essas atitudes dogmáticas discordam daquilo que chamamos o espírito da doutrina. O Espiritismo não condena: explica. E, explicando, justifica os erros humanos, procurando corrigi-los pela compreensão e não pela coação.”

    RESPOSTA: por isso foi que afirmei ter sido Herculano Pires uma das cabeças pensantes do espiritismo do séc. XX.
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    DELANO: Encerrando-se as minhas merecidas férias, retornarei à luta do ganha-pão. Logo, minhas horas-livres de navegação serão mais escassas. Mas, sempre que possível, lhes farei uma visita.

    RESPOSTA: ganhar o pão, eis a sina de todos nós. Bom seria se a espiritualidade nos disponibilizasse recursos que permitissem nossa integral dedicação aos estudos. Infelizmente, nem tudo é como gostaríamos. Boa sorte na volta ao trabalho.

  16. Carlos Magno Diz:

    Caro Montalvão:

    “Supor que os profetas, e Sócrates e Platão, foram essênios equivale a um grande exercício de criatividade. No tempo daqueles filósofos gregos o primeiro essênio sequer nascera…”

    Nesse trecho você tem toda a razão de assim inferir porque eu redigi muito mal. Eu não desejei dizer que filósofos como Platão e Sócrates foram iniciados entre os essênios, mas sim, passaram por iniciações no Egito.

    Nesse caso dos filósofos, por oportuno, a ênfase não se prende à existência essênia no Oriente Médio como comunidade iniciática, mas à antiga gnose grega que do mesmo modo dos ensinamentos essênios, provieram das raízes budistas e acabaram fazendo ponte até o Egito.

    Desculpe pela má redação que redundou numa discrepância cronológica, bem observada por sua crítica.

    Outra correção, – essa foi erro mesmo, – por conta de minha falha de memória. Não há registros de Sócrates ter passado por iniciações no Egito, mas sim outros filósofos gregos, apesar de Sócrates ter sido mestre de Platão.

    Abraços.

  17. Carlos Magno Diz:

    Prezado Montalvão:

    Infelizmente para o blog do Vitor Moura, paro por aqui, apesar der arder-me a vontade imensa de contra-argumentar a todas as suas respostas. Mas estou resistindo, mesmo sabendo que a última réplica parece calar definitivamente o outro debatedor.

    Não faz mal, julguem como desejar se é esse o caso, pois ficaríamos aqui num infindável debate pelas posições assumidas e irremovíveis.

    Assim mesmo valeu. Até uma próxima!

  18. Carlos Magno Diz:

    Digo melhor ainda, de minha parte, naturalmente: felizmente para o blog do Vitor Moura, paro por aqui.

  19. Charles Xavier Diz:

    Carlos Magno, não pare agora, por favor, sem você, todos os posts seriam meras repetições de pragas e esconjuros. Tudo bem que Vitor Moura e Moizes Montalvão (o homem das mil linhas) arderão nos umbrais ou se arrependerão quando os obsessores os atacarem na senda do além, pois nada mais fizeram que buscar um pensamento isento de dogmatismos, mas sem você, Carlos Magno, este blog é um corpo sem habitáculo perispiritual.

    Sabe por que eu deixei o Espiritismo, após quase dez anos de estudos (e frequência a reuniões mediúnicas)?
    Porque todas as respostas que minha alminha inquieta de informações conseguia era um “nós não precisamos provar a vida após a morte”.

    Desculpe-me, sou ateu mas Deus gosta de mim, por isso sempre obtive as melhores notas, nunca quebrei um único osso e ganho presentes no natal. Talvez eu seja castigado post-mortem por um velhinho milenar mal-encarado por ter que buscar uma resposta em textos antigos, escritos antes da invenção da prova científica (desculpe-me Foucault, mas para mim vale mais o duplo-cego), contando estórias fabulosas sobre um Deus que fulmina cidades como formigueiros, envia ursas para matar crianças mal-criadas, coloca uma árvore pecaminosa bem no meio do paraíso com uma plaquinha “não toque”; ou mesmo sobre um homem que caminha sobre a água, transforma água em vinho, ressuscita mortos e coisas que até Padre Quevedo duvida.

    Desculpe-me, Carlos Magno, mas a religião desafia a lógica. E por isso o umbral também me espera.

    Só mais uma coisa: se existe alguma religião que chegue perto do que, possivelmente, seria uma concepção digna de Deus, é o budismo (e sua ausência de Deus). Mas Nietzsche uma vez falou: “como um cara pesando mais de cem quilos pode ensinar auto-controle a algúem?”
    (A citação foi extremamente desnecessária mas hilária)

  20. Carlos Magno Diz:

    Caro Charles Xavier, você é engraçadíssimo.
    *
    Até no codinome que imagino adotou, pois Xavier deve pesar-lhe como a cruz do credo, ou como um anátema atemporal e incestuoso. Mas se for o sobrenome que você de fato e honrosamente sustenta (desculpe, mas não creio), viva, pois Xavier é das mais tradicionais e respeitosas famílias que temos nesse nosso país.
    *
    E Charles homenageia Darwin, que foi profundamente infeliz em sua vida, pois era psicótico e casou-se com uma prima onde os fatores consangüíneos não foram compatíveis, redundando em alguns filhos fracos, doentios e problemáticos. E para piorar, inventou a teoria evolucionista absurda de que descendemos dos símeos, o que é uma inteira total e descabida sandice, humilhante para nós humanos chamados pelos antropólogos homo sapiens sapiens, além de devanear sobre as demais espécies quando a própria biologia e os fatores genéticos do DNA por si mesmos o desmentem.
    *
    Quanto aos dez anos no estudo do espiritismo, lamento pela década perdida. Bem que poderia tê-la aproveitado de outra maneira, pois há tantas distrações e passa-tempos a que se podem entregar, inclusive a jogos eletrônicos de guerras com mortandades ou, quem sabe, dependendo da escolha ou inclinação, a jogos e brincadeiras de outros naipes, por que não? A vida é nossa, nossas ações obedecem a opções individuais, até mesmo desafiando anarquicamente o estabelecido por regulamentos legalmente constituídos e pela conjuntura de leis de um país. Fazemos nós mesmos os nossos destinos independentemente de aceitarmos ou não o determinismo inflexível dos fatores de causa e efeito, tão presentes nos preceitos espíritas e esotéricos e nos postulados das ciências acadêmicas de métodos laboratoriais.
    *
    Enfim, você poderia ter exercitado sua livre escolha, ao invés de contrariado se submeter a aborrecidas reuniões doutrinárias de palestrantes ou pregadores de uma chamada religião espírita.
    *
    Eu nada conseguiria comentar sobre a declaração pretensamente axiomática: “nós não precisamos provar a vida após a morte”, pois o óbvio para uns é de uma visão abismal e infinitamente suspeitosa ou inverídica para outros. Não posso olhar com seus olhos e nem você com os meus. Portanto, não há conciliação possível nesses termos entre duas ou mais pessoas.
    *
    Somente posso afirmar por experiência pessoal que nenhuma frase ou pretensa verdade dita por quem quer que fosse repercutiu em meu íntimo sem que em ínfimas, pequenas ou grandes proporções em minha vida e circunstantes problemas, eu houvesse colocado a indicação em prática, e houvesse colhido bons ou maus resultados. Todas as afirmações conceituais que me aguçaram, mas que não consegui provar ou obter certezas íntimas as congelei depositando-as nos escaninhos das teorias – ainda que com o tempo houvesse mobilizado algumas!
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    Quanto à Bíblia, acho engraçado e até hilário quando leio ou ouço de pessoas consideradas cultas e estudiosas, entender abstrusos relatos como fatos literais sem ao menos suspeitar de um simbolismo adequado para as idades em que foram escritos, e que suportaram os milênios com o mesmo indicativo alegórico.
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    Outra tolice de filósofos, – que somente sabiam filosofar tanto a distâncias enormes dos eventos de que somente detinham notícias, como mentalmente, e que se prepararam para jogar ao mundo suas crenças raciais patrióticas e visões eivadas de personalismos, como de Nietzsche que você citou, – de que Buda teria mais de cem quilos e nenhum autocontrole. Outra infantil e ignorante tergiversação da simbologia que o budismo inteligentemente estabelece para a fina, intuitiva e inteligente percepção dos discípulos. Se assim não fosse, o induismo seria uma espectral e absurda religião equivalente às crenças de grupamentos autóctones e de primitivos caçadores de cabeças, porque acena com simbolismo de animais e aves. Enfim, mesmo que Buda tivesse tido duzentos quilos, sua pregação em nada mudaria porque se daria igualmente num plano da alma para o Nirvana e não do corpo físico para os prazeres da Terra, o que provaria da mesma maneira que os gordos e gulosos, os compulsivos e diabéticos também podem se libertar das injunções das leis da natureza e chegar à iluminação, como ele o Gautama chegou.
    *
    Finalmente, se a religião desafia a lógica mundana seria outro contra senso apoiar-se na lógica para explicar a religião, pois a religião é par com o espírito e não com o mundo material. Pois se a lógica explicasse a religião ela seria filha da lógica, logo não seria religião. Além do mais, a lógica da ciência e das filosofias materialistas nunca é absoluta, pois não existe lógica completa num mundo de relativismos. Portanto, lógica e religião, matéria e espírito se debatem e buscam se complementar sob as falsas aparências do convencional, o que nos leva a pensar que por trás das aparências há que existir o tudo ou o niilismo. Questão de ótica pessoal e de escolha para explorar.

    Abraços.

  21. Matusalém Diz:

    Olá Carlos Magno. Você precisa se atualizar. Todo conhecimento científico atual admite a teoria da evolução. Existem provas irrefutáveis(paleontologia, biologia, física, DNA, gens etc) .Só que nós espiritualistas acreditamos em um ente universal que deu causa a isso tudo que através de milhões da anos de evolução de seres primevos, deu causa a nossa existência, e não tem nada de humilhante nisso!

  22. José Valadares de Campos Diz:

    Humberto de Campos obviamente usou de liberalidade literária em seu texto. Agor, sobre a autoridade da Bíblia (não incluímos, como fez Allan Kardec, os ensinamentos morais, que os editores protestantes colocam geralmente em negrito):
    [Estudo abaixo de nossa autoria]
    Com o passar do tempo foram identificadas tantas passagens inicialmente surgidas apenas como anotações feitas por escribas e cristãos às margens dos livros do Antigo e do Novo Testamento — de onde a maioria desapareceu apenas por terem sido definitivamente incorporadas aos textos, quando foram promovidas consolidações, formando novas edições —, que elas acabaram recebendo uma denominação especial, ao serem identificadas — perícopes bíblicas.
    E chega quase a constituir regra o descaso com que foram produzidas algumas dessas inserções de novos textos… — Vemos igual negligência nas novas variantes de algumas histórias e/ou passagens, que apareceram mesmo com as primeiras, supostamente ‘originais’ quando nos guiamos pela cronologia bíblica, sendo mantidas… — Imagina-se que aqueles novos autores não puderam prever, como observou Allan Kardec, que chegaria um novo tempo, com impressões de edições em grandes quantidades que permitiriam leigos acessarem livremente as Escrituras, descobrindo tais mudanças, acréscimos, divergências, contradições, duplicidades de passagens etc… — e que com essa popularização das leituras a ousadia de alguns acabaria transpondo a barreira intimidadora de ‘livros sagrados’ para analisar textos e contextos através de críticas racionalistas, inclusive apoiadas pela Ciência, como vem fazendo a Arqueologia, e mostrando ao público o que estão descobrindo, como pioneiramente fez o filósofo sefardita nascido na Holanda, Baruch de Espinosa. — Mais tarde, certamente, essa falha de previsão foi um dos motivos de a Igreja Católica ter, por muitos séculos, proibido sua leitura aos leigos e aos membros do baixo clero, permitindo-a somente aos bispos.
    — Encontramos alguns exemplos daqueles descuidos no II Livro de Samuel, cujos textos, conforme a crença, e hoje especialmente fortalecida por expressivas descobertas da Arqueologia, começaram a ser compostos no alvorecer do século VII a.C, quando o judaísmo ainda não havia incorporado do Zoroastrismo persa as ideias e personagens que emprestou da importante religião mesopotâmica… — No segundo livro dedicado ao grande profeta nos deparamos com a primeira narrativa sobre o recenseamento realizado no começo do reinado de David: “E a ira do Senhor se tornou a acender contra Israel: e incitou a David contra eles, dizendo: Vai, numera a Israel e a Judá.”, II Sam. 24:1. Na Vulgata: “et addidit furor Domini irasci contra Israhel commovitque David in eis dicentem vade numera Israhel et Iudam.”
    Escrito bem mais tarde — acredita-se que na alvorada do século III a.C —, quando o clero hebreu já havia incorporado da mitologia babilônica o seu mais medonho personagem, Ahriman, com o nome de Satanás, o I Livro das Crônicas surgiu trazendo uma nova versão do episódio: “Então Satanás (sic) se levantou contra Israel, e incitou David a numerar a Israel.” — I Cr. 21:1. Na Vulgata: “consurrexit autem Satan contra Israhel et incitavit David ut numeraret Israhel.”. Ou seja: aquilo que antes foi descrito no II Livro de Samuel como uma ordem dada pelo próprio Deus Yhwh a David, reapareceu no primeiro Livro das Crônicas como sendo uma incitação do demônio ao rei dos hebreus…
    Há quem acredita que essa nova variante, onde temos um novo mentor espiritual do projeto, pode ter sido escrita porque no II livro dedicado ao Profeta de Ramá o autor afirmou que David, após ter recebido o resultado da contagem, admitiu ter cometido uma grave transgressão contra a lei do Senhor, e que isso acarretou um doloroso castigo aos seus súditos (sic): “Concluído o recenseamento do povo, o rei teve remorsos de consciência e disse ao Senhor: “Cometi um grande pecado, fazendo o que fiz, mas agora perdoa a iniquidade do teu servo, pois procedi como um grande insensato”! Quando David se levantou na manhã seguinte, a palavra do “Senhor” tinha sido dirigida ao profeta Gad, vidente de David, nestes termos: “Vai dizer a David: Assim fala o “Senhor”: Eu te proponho três alternativas; escolhe uma delas, e eu a farei acontecer!” Gad foi falar com David e lhe disse: “Queres que sobrevenha ao país uma fome de sete anos, ou queres fugir durante três meses diante do inimigo que te perseguirá, ou preferes três dias de peste no país? Agora reflete bem na resposta que devo levar a quem me enviou”. David respondeu a Gad: “Estou muito angustiado. Mas prefiro cair nas mãos do “Senhor”, pois ele é muito misericordioso; não gostaria de cair nas mãos dos homens”. David, portanto, escolheu a peste. Era o tempo da colheita do trigo e o “Senhor” desencadeou uma peste em Israel, desde a manhã daquele dia até o tempo fixado, de modo que morreram setenta mil homens, de Dã até Bersabéia.” — II Sam. Cap. 24:10-15, Bíblia Sagrada, edição da Folha de São Paulo, 2011. Contudo, como mostramos, nesse mesmo capítulo, II Sam. 24:1, o autor deixou bem claro que foi o Deus Yhwh, cuja ‘fúria havia mais uma vez se incendiado contra os hebreus’, que ordenara a contagem da população, ao determinar ao rei: “Vai, numera a Israel e a Judá!” (Aqui, nesse trecho, mais uma vez temos um autor empenhado em propagar a ideia de que David comandava um reino formado por dois territórios que mais tarde acabaram se separando para dar origem a duas unidades políticas distintas, após a secessão promovida por Jereboão, sem considerar que, conforme a cronologia bíblica, essa divisão só teria acontecido bem mais tarde, no começo do reinado do neto do ex-guardador de rebanhos, Roboão, filho de Salomão. Esse é mais um dos detalhes que acabaram desacreditando a ideia de que os primeiros textos surgiram durante o segundo reinado).
    Retornando.
    Realmente, esse detalhe sobre quem teria ordenado David a promover a contagem da população de Israel, como aparece em II Sam. 24:1, torna o remorso do rei e a dolorosa provação imposta aos hebreus, inexplicáveis e injustos; um deslize tão primário na estrutura lógica da narrativa que é percebido até pelos leitores menos exigentes, podendo de fato ter vindo daí o motivo do aparecimento da nova versão, que teria passado a prevalecer nas leituras feitas no Templo, onde o recenseamento foi apresentado como de inspiração demoníaca. Contudo, seguindo pela mesma esteira de raciocínio podemos entender também que o verdadeiro motivo para a composição de um novo texto, onde a decisão do rei foi apresentada como incitada pelo supremo senhor das trevas — após este ter sido importado da Babilônia, possivelmente no ministério de Esdras —, está no fato de levitas não pagarem impostos entre os judeus — por isso não eram incluídos nos censos, ocasiões em que eram feitas as atualizações dos valores dos tributos devidos ao trono por cada uma das onze tribos —, o estatuto os liberava (Num. 1:49), e o autor da passagem de II Sam. sugeriu nas entrelinhas que David tentou atropelar aquela norma da Torá… — Assim, a nova narrativa pode ter aparecido para desencorajar futuros reis de cometerem “o mesmo pecado”, já que isso poderia dar ensejos a incitações de revoltas entre a população, inspiradas pelo temor de que novas desgraças poderiam recair sobre o país, especialmente porque tais pecados eram inspirados pelo Demônio.
    Se foi realmente esse o propósito, temos aqui um novo e curioso objetivo por trás das diversas modificações que podem ser encontradas nas Escrituras — assegurar ao clero a isenção de impostos…
    Mas as divergências entre os dois livros sobre o episódio do censo não terminaram ali, como vemos no seu desfecho, que se deu com a compra de um terreno efetuada pelo ex-guardador de rebanhos, onde, mais tarde, durante o reinado de seu filho, Salomão, teria sido erguido o lendário templo de Jerusalém — o primeiro.
    A mais velha versão de como se efetuou o negócio aparece descrita assim no II Livro de Samuel, 24:18-24:
    “E Gade veio naquele mesmo dia a David: e disse-lhe: Sobe, levanta ao Senhor um altar na eira de Araúna, o jebuseu” — aqui, temos novamente um episódio onde é mostrado ao povo como coisa natural um sacerdote — homem que se apresenta como, ou que acredita ser alguém destacado por Deus para conduzir os outros à salvação — determinar aos reis o que estes deveriam fazer… — no I livro dedicado ao profeta Samuel os escribas deixaram implícito nas entrelinhas de alguns textos que o rei Saul não aceitou essa situação de subordinado, e que isso acabou lhe custando o trono, a vida e as vidas de seus principais herdeiros, tiradas por Deus… Continuando: “David subiu conforme a palavra de Gade, como o Senhor lhe tinha ordenado. E olhou Araúna, e viu que vinham para ele o rei e os seus servos: saiu pois Araúna, e inclinou-se diante do rei com o rosto em terra. E disse Araúna: Por que vem o rei meu Senhor ao seu servo? E disse David: Para comprar de ti esta eira, a fim de edificar nela um altar ao Senhor, para que este castigo cesse de sobre o povo.
    Então disse Araúna a David: Tome e ofereça o rei meu senhor o que bem parecer aos seus olhos: eis aí bois para o holocausto, e os trilhos e o aparelho dos bois para a lenha. Tudo isso deu Araúna ao rei: disse mais Araúna ao rei: O Senhor teu Deus tome prazer em ti. Porém o rei disse a Araúna: Não, porém por certo preço to comprarei, por que não oferecerei ao Senhor meu Deus holocaustos que me não custem nada. Assim David comprou a eira e os bois por cinquenta siclos de prata.”
    Já no I Livro das Crônicas, 21:18-25, na segunda versão, temos um novo vendedor — detalhe que pode indicar o propósito de lustrar o prestígio de uma outra família —, e o valor pago sofreu um reajuste monetário, ficando bem maior que o do II Livro de Samuel: “Então o anjo do Senhor disse a Gade que dissesse a David que subisse David para levantar um altar ao Senhor na eira de Ornã, jebuseu. Subiu pois David, conforme a palavra de Gade, que falara em nome do Senhor. E, virando-se Ornã, viu o anjo, e se esconderam com ele seus quatro filhos: e Ornã estava trilhando o trigo. E David veio a Ornã: e olhou Ornã, e viu a David, e saiu da eira, e se prostrou perante David com o rosto em terra. E disse David a Ornã: Dá-me este lugar da eira, para edificar nele um altar ao Senhor; dá-mo pelo seu valor, para que cesse este castigo sobre o povo. Então disse Ornã a David: Toma-a para ti, e faça o rei meu senhor dela o que parecer bem aos seus olhos: eis que dou os bois para holocaustos, e os trilhos para lenha, e o trigo para oferta de manjares; tudo dou. E disse o rei David a Ornã: Não, antes pelo seu valor a quero comprar: porque não tomarei o que é teu, para o Senhor; para que não ofereça holocausto sem custo. E David deu a Ornã por aquele lugar o peso de seiscentos siclos de ouro.”
    Não nos parece improcedente conjeturar, entre outras possibilidades, que o novo vendedor e a atualização monetária do preço, podem também ter surgido para imprimir maior credibilidade à segunda variante, de I Cr. — Observamos que as desse livro são sempre as versões mais ricas em detalhes, apesar de terem surgido bem mais tarde, conforme a cronologia bíblica. E o surgimento delas também sugerem que as primeiras variantes deixaram de ser lidas no púlpito — é difícil imaginar que versões diferentes de um mesmo episódio fossem levadas ao público, alternadamente, naquelas leituras.
    Contudo, casos como esse que vamos analisar agora sugerem que passagens da Bíblia também foram escritas, ou reescritas, com propósitos que vão além dessas funções corretivas, intimidadoras ou de acreditação, como aparentemente ocorreu nesse do censo de David. E por ser esse famoso evento — que pode ser inclusive um caso de perícope bíblica, como veremos no desfecho de sua análise — o marco que abre as cortinas da história da dinastia a qual supostamente pertencia o rei Josias, de Judá, o herdeiro do trono davídico e da promessa eterna feita ao ex-pastor pelo deus Yhwh — e por isso o único e legítimo herdeiro dos territórios do destruído reino vizinho de Israel —, é possível que a história tenha sido engendrada durante o seu reinado.

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