Os Nomes das Personagens no livro Há Dois Mil Anos de Chico Xavier

Este estudo feito pelo senhor José Carlos Ferreira Fernandes demonstra que os nomes das personagens do livro Há Dois Mil Anos não seguem as regras de construção dos nomes romanos, o que ocasiona problemas gravíssimos – e, a meu ver, insolúveis – para sua veracidade histórica. Embora isso não conste no estudo, o próprio nome da personagem principal – Públio Lentulus – contém um erro gritante: o prenome “Públio” é aportuguesado, o cognome “Lentulus” é apresentado no original latino. Com certeza, a personagem não seria denominada desse modo em sua época. Seria mais razoável que ele se denominasse ou “Públio Lêntulo” (aportuguesando tudo), ou “Publius Lentulus” (deixando tudo no nominativo latino). Contudo, não se quis entrar nesse tipo de detalhe.

 

O estudo completo, com os Apêndices, pode ser baixado neste link.  

Primeira Parte:  

O Que Podem nos Dizer os Nomes  

Introdução:

O sistema onomástico romano era regido pelo costume (isto é, não havia nenhuma lei obrigando que se seguisse formalmente tal ou qual caminho), mas o costume, em geral, tinha em Roma (sociedade conservadora por excelência) virtualmente a mesma força da lei. Tal sistema, obviamente, evoluiu ao longo dos vários séculos da existência da civilização romana, mas o modelo vigente ao longo da República (o sistema do tria nomina) foi, de longe, o mais marcante e característico, influenciando e enquadrando de forma decisiva todas as modificações ulteriores. É a esse modelo republicano clássico que se refere o presente estudo, sendo ele ainda, basicamente, dominante sob os Júlio-Cláudios. Uma série de modificações, ou tendências de modificações, já atuantes por essa época, serão também oportunamente discutidas[1].  

No sistema clássico do tria nomina, um cidadão romano portava (como a expressão indica) três nomes distintivos: o prenome (praenomen), o nome, ou nome gentílico, ou gentilício (nomen), e (opcionalmente) o cognome (cognomen). Uma série de considerações referentes a cada uma dessas partes constituintes do nome de um cidadão romano serão tratadas a seguir, bem como alguns assuntos correlatos.

Prenome:  

O prenome caracterizava individualmente cada pessoa; nos tempos mais antigos, o prenome era, muito provavelmente, a única designação pessoal, seguindo inclusive do modelo usual indo-europeu “x, filho de y”[2]. O número de prenomes, originariamente muito grande, e extensivo inclusive às mulheres, decresceu paulatinamente a partir da adoção do nome gentílico. Na época republicana, seu número já se tinha reduzido a uns poucos, muitos dos quais exibiam uma forma padrão de abreviatura. O Apêndice I listra uma boa amostra dos prenomes utilizados na época republicana, com as suas abreviaturas, se as possuíssem. 

Os prenomes “numerais” (de Quinto a Décimo) eram considerados originariamente pelos estudiosos como enumerativos da ordem de nascimento dos filhos, mas o fato de se iniciarem com o quinto (por que não os anteriores?) e de pararem no décimo (e os posteriores?) sugere, ao invés, que se referiam, primitivamente, ao mês do calendário em que haviam nascido seus portadores (Quintilis, Sextilis, September, October, November e December, respectivamente os 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º meses do calendário primitivo[3]). A forma “Octavus” é conhecida apenas a partir de seu nome gentílico derivado, “Octavius”. Deve-se notar que o conhecimento acerca da origem desses prenomes “numerais” já se encontrava obliterada na época republicana. 

Não apenas era relativamente restrito, na época republicana, o conjunto de prenomes que os pais podiam dar aos filhos homens[4], mas também havia a tendência (que se deve interpretar como um costume, não como uma necessidade imperiosa) de o pai dar aos seus filhos homens, na ordem de seu nascimento, seu próprio prenome (ou o de seu pai) e depois, sucessivamente, os prenomes dos ascendentes paternos masculinos em linha direta (avô paterno, bisavô paterno, trisavô paterno, etc.). Tal costume muito contribuiu para fazer com que, em certas famílias, o leque de possibilidades de uso de prenomes diminuísse ainda mais, sendo utilizados apenas, na prática, uns poucos. Assim, por exemplo, entre os Júlios são atestados apenas os prenomes Gaio, Lúcio, Sexto, Vopisco (uma vez) e Gneu (uma vez); entre os Cornélios, são atestados os prenomes Aulo, Gneu, Lúcio, Marco, Públio, Sérvio e Tibério, sendo que entre os Cornélios Cipiões somente são atestados os prenomes Gneu, Lúcio e Públio, e entre os Cornélios Lêntulos republicanos apenas os prenomes Gneu, Sérvio, Lúcio, Públio e Tibério (este último apenas uma vez, referido ao pai do cônsul de 275 aC). Havia também prenomes que eram exclusivos de algumas famílias: Cesão era exclusivo dos Fábios, e Ápio, dos Cláudios patrícios.

Nome, ou Nome Gentílico, ou Gentilício: 

O nome, ou nome gentílico, ou gentilício (assim chamado porque definia uma “gens”, isto é, um conjunto de pessoas que descendiam de um mesmo ancestral por via masculina legal, e que pode ser considerada como uma “família”, em sentido lato), na época republicana configurava-se na espinha dorsal da onomástica romana. Indicava a família agnática de seu portador (ou seja, a família de seu pai legal, fosse ele natural ou adotivo), conferia-lhe o seu status de patrício ou de plebeu, e era inclusive legado aos libertos, juntamente com o prenome do ex-senhor. 

Os nomes gentílicos originaram-se dos patronímicos, como se pode notar por muitos deles, nos quais a derivação a partir de um prenome é notória (assim, o prenome Décimo gerou o gentílico Decímio; Julo, o gentílico Júlio; Lúcio, o gentílico Lucílio; Marco, o gentílico Márcio[5]; Nono, o gentílico Nônio; Otavo ou Oitavo, o gentílico Otávio; Públio, o gentílico Publílio; Quinto, o gentílico Quíncio; Sérvio, o gentílico Servílio; Sétimo, o gentílico Septímio; Sexto, o gentílico Sêxtio; Tito, o gentílico Tício; Tulo, o gentílico Túlio, etc.). Muitos dos prenomes que originaram nomes gentílicos desapareceram do uso comum, ou passaram a ser atestados apenas como cognomes. Outros gentílicos tiveram origens diferentes, p. ex. ocupações, ofícios, ou o tipo de produto agrícola característico da gens (assim, os Fábios derivam seu gentílico, muito provavelmente, do cultivo de favas, ou feijões). 

Originando-se de patronímicos ou de atribuições específicas dos membros de uma gens, os gentílicos possuíam uma forma afim ao genitivo, ou seja, uma forma adjetiva: todos terminavam em “-ius” ou “-ilius” (Iulius, Claudius, Pompeius, Lucilius – para as gentes dos Júlios, Cláudios, Pompeus e Lucílios, respectivamente). Outras terminações traem uma origem itálica, mas não latina: assim, por exemplo, gentílicos em “-idius” ou “-iedius” são de origem osca (Ovidius); os gentílicos em “-na” são de origem etrusca (Perpena, Cecina); os gentílicos em “-enus” ou “-ienus”, por sua vez, indicam uma origem no Piceno ou na Úmbria (Vettulenus, Salvidienus).

Cognome: 

Os cognomes, no início apelidos de cunho estritamente pessoal, originaram-se muito cedo, talvez desde o início da República[6], e referiam-se inicialmente a alguma característica marcante da personagem que o portava. Podia se tratar de alguma circunstância ligada ao seu nascimento – p.ex., o cognome Posthumus, Póstumo, para o filho nascido após a morte do pai; ou de alguma característica física peculiar – p.ex., Nasica (Násica, para uma pessoa de nariz adunco), Rufus (Rufo, ruivo), Barbatus (Barbato, barbado), Casca (Casca, envelhecido), Laevinus (Levino, canhoto); ou de alguma característica psicológica peculiar – como Pius (Pio, piedoso, dedicado ao dever), Probus (Probo, virtuoso), Lentulus (Lêntulo, vagaroso, no sentido de “ponderado”[7]), Lepidus (Lépido, amável); Brutus (Bruto, rude); Cato (Catão, esperto, sagaz); ou de alguma profissão – como Agricola (Agrícola, agricultor, fazendeiro), Pictor (Píctor, pintor artístico), Faber (Fáber, marceneiro ou carpinteiro); ou do cultivo de algum produto específico – como Caepio (Cepião, de caepa ou caepe, cebola), Piso (Pisão, de pisum, ervilha), Cicero (Cícero, de cicer, grão-de-bico); ou mesmo de uma circunstância especial da vida da personagem – como Scipio (Cipião, de scipio, “bastão”, porque, ao que se diz, o primeiro dos Cipiões servia piedosamente como guia a seu velho pai cego[8]), etc. 

De simples apelido, passou, algumas vezes, a ser utilizado por todos os descendentes legais masculinos, criando-se assim uma stirps (um, “ramo”, ou “estirpe”) numa gens (num conjunto de pessoas que descendiam, ou julgavam descender, de um único ancestral masculino legal). Desse modo, a gens Cornélia, uma das mais prestigiosas da aristocracia patrícia, possuía várias stirpes ilustres, duas das quais serão presença constante neste trabalho: os Cornélios Lêntulos e os Cornélios Cipiões. Mas havia outras: os Cornélios Dolabelas, os Cornélios Maluginenses, os Cornélios Cossos, os Cornélios Escápulas, os Cornélios Cétegos, os Cornélios Cinas, os Cornélios Silas… 

O processo podia seguir um passo adiante, com o surgimento, dentro de uma stirps, de várias sub-ramificações, com mais um apelativo distintivo, um segundo cognome, que se denominava agnomen: assim, p.ex., os Cornélios Cipiões Africanos ou os Cornélios Cipiões Násicas, entre os Cipiões; ou, já na época imperial, os Cornélios Lêntulos Getúlicos e os Cornélios Lêntulos Cipiões, entre os Lêntulos. Alguns desses agnomes originaram-se de nomina triumphalia, epítetos dados a generais vitoriosos e relativos aos povos que haviam vencido ou conquistado em campanhas memoráveis: os Cipiões Africanos receberam tal agnome a partir de Públio Cornélio Cipião, cônsul 205 e 194 aC, vencedor de Aníbal (batalha de Zama Régia, 202 aC), concluindo de forma brilhante a Segunda Guerra Púnica e consolidando o poder romano no mundo mediterrâneo; os Lêntulos Getúlicos receberam o seu a partir da vitória de Cosso Cornélio Lêntulo, procônsul da África sob Augusto, sobre os berberes gétulos, conforme há de ser visto noutra parte deste trabalho. 

Deve-se notar que nem todos os cognomes ou agnomes originaram stirpes ou sub-ramificações, e que nem todas as famílias agregaram cognomes. Assim, p.ex., Marco Antônio, o famoso general de Júlio César, possuía apenas o prenome (Marco) e o nome gentílico (Antônio, indicando que pertencia à família dos Antônios), sendo o mesmo caso de Gaio Mário (prenome “Gaio” e nome gentílico “Mário”), outro famoso general da geração anterior. Mas eram, no geral, exceções.

O Sistema de Tribos: 

Para fins militares e eleitorais, os cidadãos romanos, desde os tempos mais remotos, estavam inscritos em unidades denominadas tribos[9]. Havia originariamente três tribos (Tities, Ramnes e Luceres, cuja origem é incerta), formadas ao menos em parte com base no parentesco. Organizados dessa forma, os cidadãos se reuniam numa “assembléia por cúrias” (comitia curiata, em que cada uma das três tribos se sub-dividia em dez “cúrias”, unidades de votação). Uma reforma posterior, atribuída ao rei Sérvio Túlio (datas convencionais de reinado: 578-535 aC), modificou tal sistema, recriando as tribos com o caráter de meras circunscrições territoriais. Passaram a existir, a partir dessa reforma, 20 (ou 21) tribos, 4 “urbanas” (no perímetro da cidade de Roma: eram as tribos Sucusana ou Suburana, Esquilina, Colina e Palatina)[10] e 16 (ou 17) “rurais”, nas cercanias da cidade, na “zona rural romana”, ager romanus (Voltínia, Votúria, Emília, Lemônia, Horácia, Papíria, Pupínia, Menênia, Camília, Cornélia, Sérgia, Pólia, Fábia, Clustumínia, Galéria, Romília e, talvez, Cláudia[11]); o número de 21 tribos já se encontrava estabelecido, com certeza, em 494 aC. À medida que o Estado romano se expandia na Itália, novas tribos foram sendo criadas, a fim de incorporar territórios que tivessem sido anexados ao ager romanus, nos quais cidadãos romanos fossem enviados como colonos e/ou a cidadania romana fosse concedida aos habitantes nativos. Desse modo, quatro novas tribos foram criadas em 389 (ou 387) aC, após a derrota e destruição de Veios e o controle definitivo do sul da Etrúria (Estelatina, Tromentina, Sabatina e Arniense), mais duas em 358 aC, com o fim de controlar e guarnecer a região sul do Lácio (Pomptina e Publília), mais duas em 332 aC, após a submissão definitiva dos latinos (Mécia e Escápcia), mais duas em 318 aC no Lácio e no sul da Campânia (Oufetina e Falerina), mais duas em 299 aC na região dos Équos (Aniense e Terentina) e enfim as duas últimas em 241 aC, na região dos sabinos e picentinos, após a vitória na Primeira Guerra Púnica e a consolidação final da conquista da Itália (Velina e Quirina), perfazendo-se assim o total de 35 tribos. Tal número não mais foi modificado, todos os novos territórios agregados ao ager romanus foram, a partir daí, distribuídos entre as tribos existentes. Assim, as tribos deixaram de se constituir em blocos territoriais compactos, passando a incluir tratos separados de território em toda a Itália; quando, após a Guerra Social (90-88 aC), toda a Itália ao sul do Rubicão foi admitida à cidadania romana, o processo se completou. 

Mesmo no período imperial, ao menos no Alto Império, requeria-se dos cidadãos romanos que estivessem inscritos numa tribo. O método de distribuição dos novos cidadãos originários de fora da Itália nas 35 tribos é obscuro, e parece que nenhum critério consistente foi seguido, mas notou-se, p.ex., que os cidadãos da Gália Narbonense (sul da França) eram alistados preferencialmente na tribo Voltínia, ao passo que os originários das províncias orientais o eram geralmente nas tribos Colina e Quirina. 

Organizados em tribos, os cidadãos reuniam-se numa “assembléia por tribos” (comitia tributa), sendo que cada tribo contava com um voto; o voto de cada tribo era obtido a partir da maioria dos membros dessa tribo presentes na assembléia[12]. Como se viu, as tribos eram circunscrições territoriais; para pertencer a uma determinada tribo, o cidadão deveria ter suas propriedades (ou sua propriedade principal, sua residência, domus) no território da respectiva tribo[13]. Ao mudar para uma residência localizada no território duma outra tribo, deveria mudar de tribo. Contudo, a não ser que voluntariamente comunicasse tal fato aos censores, por ocasião dos censos qüinqüenais, ou então que fosse descoberto e a isso obrigado pelos mesmos censores, podia permanecer indefinidamente, bem como seus descendentes, numa tribo “inadequada”. A assembléia por tribos elegia os magistrados menores (qüestores e edis[14]), portadores de auctoritas, não de imperium[15], bem como os tribunos da plebe, magistrados invioláveis que eram considerados os protetores dos plebeus. 

Apresentação Formal do Nome de um Cidadão Romano: 

Na República, um cidadão romano (como quer que fosse conhecido privadamente) apresentava formalmente seu nome na seguinte ordem: [Prenome] + [Nome]; a fim de melhorar a identificação, e dado o número relativamente limitado de prenomes após a adoção do sistema dos nomes gentílicos, passou-se a acrescentar (embora não de forma constante) o nome do pai e, algumas vezes, o do avô. Quando os cognomes e agnomes passaram a adquirir um caráter mais fixo, servindo inclusive para a identificação de stirpes, e não mais de simples indivíduos, passou-se a acrescentá-los, após a filiação. Enfim, desde pelo menos a época de Cícero (viveu c.106-43 aC), passou-se também a incluir, de forma abreviada, logo após a filiação, a tribo em que o cidadão estava alistado. Esse modelo: 

[Prenome] + [Nome Gentílico] + [Filiação] + [Tribo] + [Cognome e Agnome(s)]

rapidamente tornou-se padrão, sendo encontrado abundantemente na epigrafia tanto do final da República quanto do início do Império (embora, é claro, nem sempre fosse seguido em sua totalidade, principalmente quando a inscrição se referia a terceiros)[16]. Assim, a “titulatura completa” de Júlio César, o famoso general, conquistador das Gálias e amante de Cleópatra, era a seguinte: 

C. IVL. C. F. C. N. FAB. CAESAR 

que deveria ser lida como: G(aius) Iul(ius) G(aii) f(ilius) G(aii) n(epos) Fab(ia tribu) Caesar, e que é convenientemente traduzido para a língua portuguesa da seguinte forma: “Gaio Júlio César, filho de Gaio, neto de Gaio, inscrito na tribo Fábia”. “Gaio” era o seu prenome, “Júlio” era o seu nome gentílico, indicando que pertencia à gens Júlia, “César” era o seu cognome, indicando que pertencia ao ramo (stirps) dos Césares dentro da gens Júlia, o prenome de seu pai legal (que, no caso, era o seu pai natural também) era Gaio, o prenome de seu avô legal (que, no caso, era o seu avô natural também) era igualmente Gaio, e ele encontrava-se inscrito, para fins eleitorais, na tribo Fábia. 

O conjunto formado por [Prenome] + [Nome] + [Cognome], denominado tria nomina, constituía-se na essência do sistema onomástico romano, o marco distintivo de um cidadão romano, mesmo ao longo do Império, e apesar das modificações que se foram introduzindo, que serão mais abaixo detalhadas. 

Mulheres: 

Embora primitivamente haja indícios de que teria havido prenomes específicos para mulheres, a introdução do nome gentílico fez com que elas passassem a ser conhecidas apenas pela forma feminina do gentílico de seu pai. Desse modo, todas as filhas de um Júlio César se chamavam, indistintamente, “Júlia”, e todas as filhas de um Cornélio, qualquer que fosse a sua stirps, eram simplesmente “Cornélia”. Quando havia a necessidade de diferenciar entre várias irmãs, podiam ser utilizados determinados qualificativos que funcionavam como se fossem “cognomes”, p.ex. Maior (“a mais velha”) e Minor (“a mais moça”)[17]; se houvesse muitas irmãs, elas podiam ser simplesmente numeradas (Prima, Secunda, Tertia, etc.)[18]. 

Não era usual, ao menos nas grandes casas da aristocracia patrícia, que as mulheres sequer portassem os cognomes das várias stirpes; ao contrário, isso parece ter sido muito mais comum na aristocracia plebéia: as filhas dos Cláudios Marcelos eram Cláudias Marcelas, as dos Cecílios Metelos eram Cecílias Metelas, as dos Lívios Drusos eram (usualmente) Lívias Drusilas, as dos Lívios Ocelas, Lívias Ocelinas (os cognomes podiam ser postos no diminutivo afetuoso, com as desinências “-illa” ou “-ina”). 

Libertos e Novos Cidadãos: 

Os libertos tomavam o prenome e o nome de seu ex-senhor; não tomavam, contudo, o seu status social (p.ex., não se tornavam patrícios por seu ex-senhor ser um patrício), e nem a sua tribo (os libertos eram sempre inscritos numa das quatro tribos urbanas). Podiam tomar como cognome o seu apelativo anterior, ou mesmo algum outro. Assim, o escravo Tirão, quando foi libertado por seu senhor Marco Túlio Cícero, passou a se chamar Marco Túlio Tirão; esse Tirão, a propósito, é tradicionalmente considerado como o inventor da estenografia. Ele e Ático, um amigo de Cícero, colecionaram e editaram a correspondência do ilustre romano. 

Um liberto não exibia, em sua titulatura, o nome de seu pai, mas sim o prenome de seu ex-senhor, seguido da abreviatura “l” ou “lib” (de libertus); Tirão, portanto, apresentar-se-ia formalmente como: M. TVLLIVS M. L. TIRO, que deveria ser lido M(arcus) Tullius M(arci) l(ibertus) Tiro, “Marco Túlio Tirão, liberto de Marco”. No caso de se tratar do liberto de uma mulher, como a mulher não possuía prenome, utilizava-se no lugar da filiação a expressão “) L”, que era lida tradicionalmente “Gaiae libertus/liberta” (liberto/a de Gaia, “Gaia” aí significando simplesmente “uma mulher”). O prenome que o liberto tomava, no caso, era o do pai da ex-senhora (se se tratasse de uma liberta, obviamente não tomaria prenome algum). 

Provincianos, quando admitidos à cidadania romana, tomavam o prenome e o nome do cidadão que havia patrocinado a sua causa (na época imperial usualmente, embora nem sempre, o prenome e o nome do Imperador reinante), embora retivessem sua filiação original[19]. 

Adoção: 

Desde a época republicana, a adoção era um costume bastante comum no seio da aristocracia romana, constituindo-se no “remédio para o acaso”[20], permitindo suprir a ausência de um herdeiro masculino, perpetuando o nome (nomen) da família e, por assim dizer, superando o tacão do Destino. Em matéria de adoção, os aristocratas romanos costumavam ser muito mais liberais do que as pessoas ricas de hoje em dia, encarando o assunto com grande naturalidade, e adotando como filhos não apenas menores de idade, mas também adultos. Apenas cuidavam que o adotado tivesse algum vínculo “de sangue”, ainda que longínquo e indireto, com o adotante. Desse modo, buscavam-se os candidatos à adoção geralmente na parentela por linha materna, usualmente um primo, um sobrinho ou um sobrinho-neto[21]. 

Deixando de lado uma série de detalhes técnicos, pode-se dizer que havia dois tipos distintos de adoção: a adoção plenária e a adoção testamentária.

Adoção Plenária: 

A adoção plenária (que era a única forma juridicamente reconhecida de adoção) era um ato solene e formal, estando o adotante ainda vivo; a partir desse ato, o adotado tornava-se parte da gens do adotante, ficando sob seu pátrio poder[22]. Passava a exibir o status social do adotante (p.ex., se o pai adotivo era patrício, o adotado automaticamente passava a ser também um patrício; ao contrário, se era um plebeu, o adotado, mesmo tendo sido outrora patrício, passava a ser um plebeu); além disso, automaticamente passava a ser inscrito na tribo do pai adotivo. Nesse tipo de adoção, o adotado tomava o prenome, o nome e o cognome de seu pai adotivo, passando a exibir como filiação o prenome de seu pai adotivo. Toda a sua nomenclatura anterior era abandonada, mas ele acrescentava à sua nova nomenclatura um agnome derivado de sua gens original, com a desinência “-ianus”. 

O caso mais célebre, e que pode perfeitamente servir de exemplo, foi o do Cipião Africano mais novo. Públio Cornélio Cipião Africano, áugure 180 aC, filho do grande Cipião Africano que havia derrotado Aníbal, tinha uma saúde frágil que o impediu tanto de prosseguir na carreira pública (obteve apenas um posto sacerdotal, o de áugure) quanto de gerar descendentes. Desse modo, para perpetuar a ilustre linha dos Cipiões Africanos, adotou um primo materno, um dos sobrinhos de sua mãe, filho de Lúcio Emílio Paulo, cônsul 182 e 168 aC. Esse jovem, originariamente um Emílio Paulo, tomou o prenome (Públio), o nome (Cornélio), o cognome (Cipião) e o agnome (Africano) de seu pai adotivo, acrescentando-lhes mais um agnome, “Emiliano”, para fazer lembrar que sua origem residia nos Emílios: tornou-se, assim, Públio Cornélio Cipião Africano Emiliano; foi cônsul em 147 aC e em 134 aC; em 146 aC, como procônsul, destruiu de vez Cartago, na Terceira Guerra Púnica, e em 134 aC obteve grandes vitórias na Espanha, derrotando e arrasando a cidade de Numância[23]. 

Adoção Testamentária: 

Quanto à adoção testamentária (que, juridicamente, não era considerada pelos peritos em leis de Roma como uma forma de adoção), era uma das cláusulas que acompanhavam um testamento: o adotante tornava o adotado o seu herdeiro principal, ou universal, sob a condição de que ele tomasse o seu prenome e nome (e também, em alguns casos, o seu cognome)[24]. Não era um ato solene e formal; era uma simples condição a ser obedecida por parte do herdeiro (assim como outras que podiam constar no testamento), já estando o pai “adotivo” morto, para que pudesse entrar em posse de sua herança: uma condicio nominis ferendi. Nesse caso, como se tratava de mera cláusula testamentária, podia inclusive ser ordenada por mulheres (ao contrário da adoção plenária): por meio desse artifício, uma viúva sem filhos podia perpetuar (ou esperar perpetuar) o seu nome gentílico (o prenome do adotado era, nesses casos, o do pai da adotante). 

A nomenclatura daquele que era adotado testamentariamente procurava seguir em tudo os procedimentos da adoção plenária; assim, Tito Pompônio Ático (109-32 aC), o amigo de Cícero do qual se falou mais acima, ao ser adotado testamentariamente, aos 53 anos de idade, por seu tio materno Quinto Cecílio (e entrando na posse de 10 milhões de sestércios), tomou o nome de Quinto Cecílio Pomponiano Ático. 

Isso, contudo, não fez de Ático um Cecílio: tal “adoção”, não sendo juridicamente uma adoção, não podia mudar o status do “adotado”, e nem a sua tribo. Assim, no caso mais famoso de adoção testamentária, quando (após os Idos de Março de 44 aC) Gaio Júlio César adotou testamentariamente o seu sobrinho-neto Gaio Otávio (o futuro Augusto), este passou a se chamar Gaio Júlio César Otaviano; mas não se tornou, pela simples formalidade de obedecer a uma condicio nominis ferendi testamentária, um patrício, e nem obteve a transferência de sua posição de sua tribo original Escápcia para a tribo Fábia de seu pai “adotivo”. 

Evidentemente, no caso específico de Otaviano, havia muito em jogo, politicamente falando, na adoção testamentária efetuada pelo falecido Júlio César: o nome de César era em si um ativo preciosíssimo, e não admira que Otaviano o tivesse logo tomado e se apresentasse sempre, a partir de então, como “o filho de César”, ou simplesmente como “César”. Nas circunstâncias políticas turbulentas, por ocasião da morte do ditador e da encarniçada luta política que se seguiu, contudo, a própria validade do seu testamento estava aberta a discussão, e Otaviano resolveu antecipar-se: após ter tomado pé da situação, neutralizado os assassinos de César, expulsando-os da Itália, e se acertado, bem ou mal, com Marco Antônio, fez (43 aC) com que sua adoção fosse formalmente reconhecida pela assembléia por cúrias[25]. 

A adoção testamentária tornou-se cada vez mais comum a partir dos finais da República: afinal, um testamento podia ser refeito e modificado inúmeras vezes, caso o candidato à “adoção” não se mostrasse satisfatório, ou caso mudasse o humor (ou as conveniências, ou as alianças políticas) do adotante. 

Modificações Posteriores no Sistema de Tria Nomina: 

O sistema do tria nomina passou a apresentar, a partir dos últimos tempos republicanos e da primeira época imperial, a de Augusto (31 aC – 14 dC) e dos Júlio-Cláudios (14 – 68 dC), modificações crescentes. Tais modificações, contudo, eram ainda relativamente raras (imperando no período o sistema do tria nomina em suas formas gerais) e, mais ainda, ocorriam quase exclusivamente no seio das famílias aristocráticas senatoriais (novas ou antigas). Tinham como objetivo primordial relembrar antigas glórias (reais ou fictícias), bem como tornar mais evidentes as linhagens matrilineares, tanto quanto as patrilineares, a par de suas alianças, algo que quedava-se muito difícil, ou mesmo impossível, no antigo sistema, no qual apenas a linhagem paterna importava. 

Quanto a isso, as mais importantes dessas tendências eram as seguintes: a) uso de antigos cognomes como prenomes; b) uso do gentílico materno, e não do paterno; c) acúmulo de cognomes e, principalmente, d) uso de dois ou mais gentílicos (fenômeno conhecido como “polinomia”).

Uso de Antigos Cognomes como Prenomes: 

O uso de antigos cognomes como prenomes é típico (e quase exclusivo) da aristocracia patrícia na época de Augusto, virtualmente desvanecendo-se depois. Mesmo entre os Lêntulos, “Cosso” (um antigo cognome de uma stirps já então extinta da gens Cornélia) foi usado como prenome por Cosso Cornélio Lêntulo, o patriarca dos Lêntulos Getúlicos; o prenome, assim, fazia referência às origens históricas e gloriosas dos Cornélios, aos “bons velhos tempos”. O exemplo mais interessante, contudo, foi o de Quinto Fábio Máximo (cônsul sufeta 45 aC), que deu a seus dois filhos os prenomes de “Paulo” e “Africano”: Paulo Fábio Máximo (cônsul 11 aC) e Africano Fábio Máximo (cônsul 10 aC). Mas havia razões: Quinto descendia de Quinto Fábio Máximo, pretor 181 aC.; não tendo filhos, adotou um dos filhos de Lúcio Emílio Paulo (cônsul 182 e 168 aC), que se tornou Quinto Fábio Máximo Emiliano (cônsul 145 aC) e deu continuidade aos Fábios. Isso explica o “Paulo”; quanto ao “Africano”, deve-se notar que (como comentado mais acima) Lúcio Emílio Paulo deu um outro de seus filhos à adoção dos Cipiões Africanos (o já citado Públio Cornélio Cipião Africano Emiliano Numantino, destruidor de Cartago e de Numância); desse modo, o sufeta de 45 aC convenientemente “descobriu” suas longínquas relações genealógicas (diretas) com os Emílios Paulos e (bem indiretas) com os Cornélios Cipiões Africanos, e aplicou-as a seus dois filhos. O orgulhoso exclusivismo e a busca de prestígio são aí bem claros[26].

Uso do Gentílico Materno, ao invés do Paterno: 

De acordo com a onomástica romana tradicional, o gentílico passava do pai para todos os seus filhos e filhas legalmente reconhecidos como tais. A partir da época dos Júlio-Cláudios, contudo, podia ocorrer que, às vezes, o gentílico materno fosse muito mais importante, ou famoso, do que o paterno; e, nesses casos, podia acontecer que o pai preferisse dar a seus filhos, ou principalmente às suas filhas (a fim de “valorizá-las” para um futuro casamento) não o seu gentílico, mas o da família de sua esposa. O caso mais interessante, quanto a isso, diz respeito a Popéia Sabina, a Moça, a segunda esposa do imperador Nero (o Imperador com ela se casou aos 30 de junho de 62 dC, e ela morreu no verão de 65 dC, grávida, ao que se diz por causa de um pontapé que Nero, enfurecido por causa de brigas domésticas, lhe deu). Ela era filha de Tito Ólio e de Popéia Sabina. Ólio era um parvenu de origem obscura, mas Popéia Sabina, a Velha, era a filha de Gaio Popeu Sabino (morto em 35 dC), cônsul 9 dC, governador da Mésia c. 12 a 35 dC, governador também da Macedônia e Acaia c. 15 a 35 dC, honrado com os ornamentos triunfais em 26 dC por suas campanhas na Trácia; assim, a filha de Tito Ólio, que deveria ter se chamado “Ólia”, exibiu, ao invés, o gentílico (e o cognome) de seu prestigioso avô materno: Popéia Sabina. 

Acúmulo de Cognomes: 

Quanto ao acúmulo de cognomes, continuou apenas uma tendência que vinha desde a República, estendendo-se agora, a pouco e pouco, inclusive às mulheres. Entre os Lêntulos, por exemplo, alguns se agarraram a velhos cognomes de diferentes stirpes já extintas da gens Cornélia: desse modo, houve Cornélios Lêntulos Maluginenses, Cornélios Lêntulos Cétegos e, principalmente, Cornélios Lêntulos Cipiões. Todos eles reivindicavam, direta ou indiretamente, ascendência cipiônica, e descendiam portanto, em última análise, dos Lêntulos Marcelinos republicanos, a partir do casamento de Públio Cornélio Lêntulo Marcelino (monetalis 101 aC) com Cornélia, filha de Públio Cornélio Cipião Násica Serapião (cônsul 111 aC); esse, aliás, é mais um indício de que nenhum Lêntulo da época imperial podia descender de Lêntulo Sura, como “Emanuel” diz que descendia – mas isso será visto com muito mais detalhes noutra parte deste trabalho.

Uso de Dois ou Mais Gentílicos (“Polinomia”): 

O uso de vários gentílicos iniciou-se ainda na época de Augusto, mas de uma forma limitadíssima, e sempre ligado a casos da alta aristocracia[27]. Um exemplo que, se não é o primeiro, é um dos primeiros, diz respeito ao caso dos Pinários. Lúcio Pinário Escarpo, sobrinho (ou, mais provavelmente, sobrinho-neto) de Júlio César (a partir da irmã mais velha de César, Júlia Maior, que desposou um Pinário), teve dois netos, Lúcio (que desposou uma Cornélia) e Gneu (que desposou uma Emília). Como o gentílico “Pinário”, apesar de sua origem patrícia, não era por si só dos mais famosos, e como o uso do nome de César poderia parecer crime de lesa-majestade aos olhos da dinastia reinante, a dos Júlio-Cláudios, os filhos de Lúcio e Gneu (que eram primos direitos), a fim de apresentarem uma titulatura mais “impressionante”, tiveram acrescentados à sua nomenclatura os gentílicos de suas mães: foram Gneu Pinário Cornélio Clemente (cônsul sufeta c. 70 dC, e legado da Germânia Superior: notem-se os dois gentílicos, “Pinário” e “Cornélio”) e Gneu Pinário Emílio Cicatrícula (cônsul sufeta c. 72 dC; os gentílicos são “Pinário” e “Emílio”). A família sobreviveu por mais duas gerações: o neto de Clemente, Gneu Pinário Cornélio Severo, foi cônsul sufeta 112 dC; quanto a Cicatrícula, deve ter-se casado com uma Pompéia Longina[28], e seu filho, Gneu Pinário Emílio Cicatrícula Pompeu Longino (com três gentílicos, “Pinário”, “Emílio” e “Pompeu”), teve uma carreira bem fora do comum: amigo pessoal do Imperador Domiciano, foi cônsul sufeta 90 dC, governador da Panônia 96-98 dC e logo depois, já sob Trajano, da Mésia Superior 98-105 dC; nesse último ano, emboscado, derrotado e capturado pelo rei dos dácios, Decébalo, durante as guerras dácicas de Trajano, cometeu suicídio, como se esperaria de um nobre, para evitar trair ao inimigo segredos militares romanos[29]. 

Além dessa família, que podia se gabar de possuir laços de sangue com os Júlios Césares, foi averiguado um caso distinto que, de qualquer modo, confirma a regra: o de Sexto Sotídio Estrabão Libuscídio, novo-rico e senador do tempo de Augusto, natural de Canúsio (hoje Canosa), curador das margens do Tibre[30] e governador da Galácia[31]. Sua nomenclatura possui dois gentílicos (“Sotídio” e “Libuscídio”), ambos encontrados apenas em Canúsio, e em nenhuma outra parte[32]. Mais uma vez, está-se diante de um membro da aristocracia (no caso, da aristocracia municipal italiana que ascendeu ao Senado de Roma) o qual, com seus dois gentílicos, mostrava que em suas veias corria o sangue das duas mais importantes famílias de sua terra. Novamente, o duplo gentílico indicando prestigiosas ligações ou alianças familiares[33]. 

Um caso de duplo gentílico pode ser também pesquisado entre os Lêntulos. É provável que o Salvidieno Orfito que foi cônsul 51 dC, adotado por um Cornélio Lêntulo Cétego, e responsável pela sobrevivência dos Cornélios Lêntulos depois do séc. I dC, não utilizasse seus dois gentílicos (“Cornélio” e “Salvidieno”); mas, mesmo que os utilizasse, havia ganhado um deles por adoção testamentária, o que o tornaria um caso de “duplo gentílico” um tanto falseado. Assim, o único caso da espécie talvez seja justamente o de Marco Júnio Silano Lutácio Cátulo (gentílicos “Júnio” e “Lutácio”), o último dos Lêntulos “de sangue” historicamente atestados. O pai de Marco foi o Décimo Júnio Silano que foi cooptado para o colégio sacerdotal dos sálios palatinos em 63 dC e que, provavelmente, casou-se com uma Lutácia (talvez a última descendente dessa gens). Esse Décimo foi adotado testamentariamente por um Décimo Júnio Silano, filho de Lúcio Júnio Silano (cônsul sufeta 26 dC) e neto do famoso Décimo Júnio Silano, Iuliae adulter, exilado por Augusto e que Tibério fez retornar; Décimo, o pai de Marco, era filho natural de um Lêntulo Getúlico (quer Gneu, quer Cosso, provavelmente Gneu). 

Mas os duplos (ou múltiplos) gentílicos (ou seja, a polinomia) foram, desde o início, bem mais freqüentes entre as mulheres das famílias nobres: exibiam-lhes o pedigree de forma mais completa (ou seja, por linha materna tanto quanto paterna, algo que o tria nomina tradicional não permitia), a fim de torná-las mais “atraentes” no mercado de casamentos (principalmente casamentos com os novos-ricos que, mais e mais, dominavam os cargos públicos e os comandos militares – e, como todos os novos-ricos de todos os tempos, fascinados pela “tradição”, embora muitas vezes desconhecendo-a totalmente). Quanto a isso, o estudo atento da prosopografia das famílias aristocráticas a partir de Augusto mostra, em termos de prioridade cronológica, sete casos interessantes, dois bastante incertos, e cinco já estabelecidos. 

Um primeiro caso (provável, mas de forma alguma certo) de duplo gentílico numa dama da aristocracia foi o da segunda esposa de Calígula (com quem ele se casou em fins de 37 ou inícios de 38 dC, e de quem logo se divorciou). Seu nome é dado como Lívia Orestila pelo historiador Suetônio e como Cornélia Orestina pelo historiador Cássio Dião[34]. Talvez ambos os historiadores estivessem corretos, e a dama em questão ostentasse dois gentílicos, “Cornélia” e “Lívia”. Ela era, talvez, relacionada com (filha de?) Públio Cornélio Cipião Orestino, tribuno militar sob Augusto e Tibério, em cujas veias, como se verá, corria o sangue dos Lêntulos Marcelinos. Cipião Orestino pode ter-se casado com uma nobre Lívia, e teria dado à filha o nome de Cornélia Lívia Orestina (ou Orestila: ambas as formas são diminutivos femininos afetuosos do cognome “Orestes”, e ambas são possíveis)[35]. 

Um segundo caso (também provável, mas ainda incerto) é o da segunda esposa do futuro Imperador Cláudio, Lívia Medulina (que morreu no mesmo dia de seu casamento), filha de Marco Fúrio Camilo (cônsul 8 dC e procônsul da África 17 dC) e de Lívia, filha de Marco Lívio Druso Libão (cônsul 15 aC e irmão, por adoção, de Lívia, a esposa de Augusto). Sendo a filha de um Fúrio Camilo, esperar-se-ia que ela se chamasse “Fúria”, ou mesmo “Fúria Camila”, mas seu nome foi Lívia Medulina (sendo “Medulino” um antigo cognome dos Fúrios), embora Suetônio nos informe que ela também se chamava “Camila”[36]. Portanto, seu nome completo seria algo como Fúria Lívia Medulina Camila. Se assim foi, constituir-se-ia numa boa amostragem de linhagens nobres, ostentando o nome dos patrícios Fúrios, descendentes do lendário Camilo, e o dos Lívios, agora importantes por causa de Lívia, esposa de Augusto e mãe de Tibério… 

A partir dos meados do séc. I dC, o fenômeno começa a tornar-se mais comum, e encontram-se já, para essa época, cinco exemplares comprovados[37]. O primeiro diz respeito a Cornélia Cetegila Emília Plancina (gentílicos “Cornélia” e “Emília”), filha de Sérvio Cornélio (Lêntulo Cétego Cipião) Salvidieno Orfito, cônsul 51 dC e procônsul da África 62-3 dC, da qual falar-se-á mais tarde; seu nome fala totalmente de suas prestigiosas conexões matrilineares: os Cornélios Lêntulos Cétegos, os Emílios Lépidos e os Munácios Plancos, estando nele completamente ausente o gentílico paterno original, “Salvidieno”. O segundo refere-se a Nerácia Antéia Rufina Névia Deciana (três gentílicos, “Nerácia”, “Antéia” e “Névia”), dos nobres Nerácios, irmã do jurista Lúcio Nerácio Prisco, cônsul sufeta 87 dC e legado da Panônia 95 dC, e filha de Lúcio Nerácio Prisco, notável de Sepino, e de uma Antéia Rufina irmã de Públio Anteu Rufo (ou Rufino), que foi cônsul sufeta 51 dC. O terceiro refere-se a Árria Plária Vera Priscila (gentílicos “Árria” e “Plária”, respectivamente de suas linhagens paterna, dos Árrios Priscos, e materna, dos Plários Veros), que se casou com Mânio Acílio Glabrião, cônsul 91 dC, originário de distintíssima família da aristocracia plebéia, e que foi a mãe de Mânio Acílio Glabrião, cônsul 124 dC e procônsul da África 139-40 dC. Um quarto caso atestado foi o de Licínia Cornélia Volúsia Torquata (três gentílicos: “Licínia”, “Cornélia” e “Volúsia”), filha de Marco Licínio Escriboniano Camerino e neta, por linha materna, de Quinto Volúsio Saturnino, cônsul 56 dC, ele mesmo filho de Lúcio Volúsio Saturnino, cônsul 3 dC (que se havia casado com uma Cornelia Scipionum gentis filha de Lúcio Cornélio Lêntulo, cônsul 3 aC). Enfim, um quinto caso atestado com segurança é o de Umídia Quadratila Ascônia Segunda (gentílicos “Umídia” e “Ascônia”), que foi a irmã de Gaio Umídio Quadrato, cônsul sufeta em 118 dC. 

Todas essas tendências, ainda largamente minoritárias na primeira metade séc. I dC, foram se tornando progressivamente mais freqüentes a partir da segunda metade do séc. I dC, ao longo de todo o séc. II dC e na primeira metade do séc. III dC, culminando nas grandes modificações que, após a Constituição Antoniniana de 212 dC, a onomástica romana sofreria no Baixo Império (e que não interessam aqui esmiuçar). Contudo, mesmo essa lenta evolução seguiu a sua própria lógica interna, e estava ainda nos seus primeiros passos na época dos Júlio-Cláudios. A polinomia, em particular, era um fenômeno ainda relativamente raro, largamente feminino, e restrito, de qualquer modo, às grandes casas aristocráticas. Quanto às pessoas comuns, e mesmo quanto à maioria dos aristocratas de sexo masculino atestados no período, os testemunhos epigráficos (principalmente no que diz respeito às inscrições tumulares) repetem o mesmo panorama: o uso de um único gentílico, quer ancestral, quer (quando se tratavam de libertos) tomado dos antigos senhores, quer (quando se tratavam de novos cidadãos) tomado usualmente do imperador reinante.

A Onomástica de “Há Dois Mil Anos”: 

Está-se agora em condições de se discutir com um certo detalhe, sob o ponto de vista da verossimilhança histórica, a onomástica romana presente no livro “Há Dois Mil Anos”. Os que acompanharam o presente trabalho até aqui (e que, no mínimo, devem ser louvados por seu interesse e paciência) podem agora perceber que não se trata de um simples detalhe; somente alguém que genuinamente tivesse vivido na época (ou que tivesse conhecimentos muito mais do que médios acerca da civilização romana da época) poderia aventurar-se a escrever uma memória (ou um romance) ambientado naquele tempo e em que não fossem cometidas incorreções no que diz respeito aos nomes escolhidos para as personagens. 

Isso, principalmente, porque, se o sistema onomástico romano é, por um lado, bem diferente do nosso, por outro legou-nos uma grande quantidade de seus prenomes, nomes e cognomes, que são atualmente utilizados no nosso sistema onomástico de forma bastante diferente daquela na qual o eram em seu habitat originário, por assim dizer. 

Assim, tomem-se, à guisa de exemplo, dois dos nomes romanos mais famosos: “Júlio César” e “Marco Antônio”. Atualmente, pode-se dar a uma criança o nome de “Júlio César”, que funciona como um “primeiro nome” composto (como “João Paulo” ou “Maria Clara”); também se pode dar a uma criança, como “primeiros nomes” simples, tanto “Júlio” quanto “César”, separadamente. Assim, para nós, “Júlio”, “César” e “Júlio César” são todos, indistintamente, “primeiros nomes”, algo bastante próximo aos prenomes romanos. Contudo, para os romanos, originariamente, “Júlio” e “César” eram elementos onomásticos bem distintos entre si, e nenhum dos dois era um prenome: “Júlio” era um nome gentílico, ou seja, um nome familiar, que passaria a todos os filhos e filhas de seu portador e, pelos seus filhos homens, aos seus netos e netas, e assim sucessivamente. “César”, por outro lado, era um cognome, que poderia identificar quer uma pessoa por suas características peculiares, quer uma stirps específica dentro da gens Júlia[38]. 

Qualquer que fosse o caso, nem “Júlio” e nem “César”, muito menos uma combinação “Júlio César”, poderiam ser utilizados como “primeiros nomes”, ou prenomes, por parte dos antigos romanos, embora todos esses elementos possam ser utilizados como “primeiros nomes” atualmente[39]. Algo similar ocorre com “Marco Antônio”. Tanto “Marco Antônio” quanto “Marco” (ou “Marcos”) e “Antônio” podem ser utilizados atualmente como “primeiros nomes”. Ora, para os romanos, “Marco” podia efetivamente ser utilizado como primeiro nome (pois era um prenome); mas “Antônio” não o poderia, pois se tratava de um nome gentílico, ligado à gens Antônia. Assim, embora hoje em dia nosso sistema onomástico utilize uma série de elementos de origem romana, seu uso atual é bastante diferente daquele dos próprios romanos – porque os sistemas onomásticos são fundamentalmente diferentes, embora utilizem alguns elementos comuns. 

Some-se a isso o fato de que os romanos podiam ser conhecidos na intimidade, ou no trato do dia-a-dia, de formas bastante diferentes, em que se podia usar um prenome, um nome ou um cognome. “Gaio Júlio César, filho de Gaio, neto de Gaio, da tribo Fábia”, era usualmente conhecido simplesmente pelo cognome, “César”; Marco Antônio era conhecido usualmente por seu nome gentílico, “Antônio”; e o Imperador Calígula (reinou 37-41 dC), cujo nome completo era Gaio Júlio César Germânico, era conhecido dos contemporâneos pelo seu prenome, “Gaio”[40]. Some-se a isso o fato de que não era incomum que determinadas personagens fossem referidas, principalmente nos escritos históricos, com uma combinação de dois elementos, fosse de prenome e cognome (p.ex., “Quinto Metelo” para Quinto Cecílio Metelo), ou de nome e cognome (p.ex., o já mencionado “Júlio César” para Gaio Júlio César), ou mesmo de prenome e nome, quando a personagem não ostentava cognome (p.ex., “Marco Antônio” e “Gaio Mário”). E, quanto às mulheres, eram citadas apenas, como não podia deixar de ser, pelo gentílico feminino (“Júlia”, “Emília”, “Lívia”, “Calpúrnia”, “Otávia”, etc. – todas formas femininas de nomes gentílicos), ou, algumas vezes, somente pelo cognome, se o tivessem (“Metela” para uma Cecília Metela, “Marcela” para uma Cláudia Marcela; uma Lívia Drusila podia ser mencionada como “Lívia”, “Drusila” ou “Lívia Drusila”, dependendo do contexto). 

Essa seria a situação encontrada por qualquer um que, nos dias atuais, manuseando apenas as fontes históricas escritas não oriundas da epigrafia (quer as primárias, se tivesse talento e conhecimento para tanto, quer, especialmente, as secundárias e mesmo terciárias), se dispusesse a nomear, “do modo romano”, personagens de ficção. Se não conhecesse a onomástica romana (e um conhecimento razoável de tal onomástica passa inevitavelmente pela epigrafia), e tendo diante de si, a partir das fontes históricas consultadas, todos aqueles modos citados anteriormente, pelos quais os romanos eram conhecidos no dia-a-dia, inevitavelmente tenderia a confundir nomes, prenomes e cognomes num verdadeiro melting pot, e também tenderia, muito naturalmente, a impor a tais elementos (muitos dos quais, como se viu, ainda hoje utilizados, principalmente como “primeiros nomes”) a estrutura onomástica moderna, qual seja, basicamente “Primeiro Nome + Nome de Família”. Para alguém que assim pensasse, “Júlio César” seria classificado, quase certamente, do seguinte modo: “Júlio” = primeiro nome; “César” = nome de família. E, o mais importante: tenderia a aplicar tal esquema também às mulheres; as várias formas de gentílicos femininos que encontrasse referindo-se a mulheres seriam inevitavelmente consideradas como formas femininas de “primeiros nomes”, confirmando o fato de que suas formas masculinas eram também “primeiros nomes” masculinos. Assim, ao encontrar uma mulher referida como “Júlia”, tomaria tal elemento como um “primeiro nome” feminino, uma forma feminina do “primeiro nome” masculino “Júlio” (como, modernamente, o par Carlos/Carla, ou João/Joana); tenderia, enfim, se quisesse levar a sua pseudo-sofisticação a extremos, a “completar” os nomes de algumas personagens femininas com uma forma feminina do que considerasse serem os “nomes de família” de seus pais, ou maridos. E assim fechar-se-ia o ciclo de auto-enganação. 

Ora, é esse justamente o panorama vislumbrado na obra “Há Dois Mil Anos”; ao longo de toda ela, perpassa uma total ignorância acerca da onomástica romana, inadmissível numa entidade que havia sido, segundo ela própria, na época, um senador de uma das mais distintas famílias do patriciado. E, tão importante quanto isso, os erros cometidos seguem um padrão, justamente o padrão de alguém que, candidamente, tenta adaptar uma miscelânea de elementos romanos, pinçados provavelmente a partir de fontes terciárias e de uma cultura de almanaque, à estrutura onomástica moderna, sua conhecida. Ver-se-ão, a partir de agora, alguns exemplos marcantes desse padrão, por assim dizer, “emanuelino”. 

Públio Lêntulo (ou Públio Lentulus): 

A personagem principal é apresentada, ao longo de toda a obra, pelo seu prenome e pelo seu cognome, o que é razoável no que se refere a uma casa aristocrática, já que determinados cognomes estavam indelevelmente ligados a determinadas gentes (assim, no meio aristocrático, “Metelo” somente podia referir-se aos Cecílios; “Marcelo” somente podia referir-se aos Cláudios plebeus; “Nero” ou “Druso” somente podiam referir-se aos Cláudios patrícios; “Lêntulo” e “Cipião” somente podiam referir-se aos Cornélios, etc.). Portanto, a apresentação “Públio Lêntulo”, que é em si correta, ocorre por economia, não pelo fato de a personagem em questão pertencer à “família” dos Lêntulos. Não obstante, o autor do livro parece não captar esses detalhes: a relação de Públio Lêntulo com a gens Cornélia, aparentemente, era-lhe um tanto obscura ou problemática, e ele se refere a Lêntulo, de forma ambígua, como “descendente da orgulhosa gens Cornelia” (pág. 9), e o apresenta, aparentemente na sua titulatura completa, como “Públio Lentulus Cornelius” (pág. 17). Deve-se notar, contudo, que tal relação e que tal apresentação são inadequadas: Públio Lêntulo não era “descendente” da gens Cornélia; ele era membro da gens Cornélia; sua “família”, por assim dizer, era a “família” (gens) Cornélia e, dentro da “família” Cornélia, ele pertencia ao ramo (stirps) dos Lêntulos; o que definia sua condição familiar (e patrícia) era o fato de ser um Cornélio, de poder ligar-se, como os demais Cornélios (Cipiões, Dolabelas, etc.) a um mesmo antepassado legal masculino comum. Adicionalmente, o cognome se seguia ao nome gentílico: a titulatura completa desse Lêntulo seria Públio Cornélio Lêntulo, e não Públio Lêntulo Cornélio. Tem-se a impressão de que algum tipo de relacionamento entre os Lêntulos e os Cornélios era conhecido do autor, que, contudo, não sabia muito bem como encaixar as peças. 

Portanto, dentro do esquema anteriormente apresentado de encaixar elementos da onomástica romana na onomástica moderna, o autor, aparentemente, considerou “Públio” como um “primeiro nome” e “Lêntulo” como um “nome de família”. Nessa reconstituição, todos os parentes de Públio Lêntulo deveriam ser, obrigatoriamente, Lêntulos, mudando apenas os seus “primeiros nomes”. 

Sálvio Lêntulo: 

O único parente de Públio Lêntulo mencionado no livro (além de sua esposa e filhos) denomina-se Sálvio Lêntulo. Nele se nota claramente o esquema moderno “Primeiro Nome” + “Nome de Família” adaptado a elementos “romanos”. Sendo parente de Públio Lêntulo, “deveria” ter o nome familiar de Lêntulo, a esse nome antepondo-se um “primeiro nome” retirado do repertório de elementos romanos a seu dispor. Todavia, “Sálvio” não é um prenome, mas sim um nome gentílico[41]. Um “Sálvio Lêntulo” jamais seria parente de um “Cornélio Lêntulo”: o primeiro pertenceria à gens Sálvia, o segundo à gens Cornélia; teriam apenas, por acaso, um mesmo cognome, o que não indicava necessariamente parentesco algum (o parentesco legal era indicado pelo nome gentílico). O autor, assim, tomou erradamente “Sálvio” como um “primeiro nome”. Há ainda uma série de dificuldades com essa personagem, mas serão analisadas posteriormente; por enquanto, basta a informação de que, pelo nome, não poderia se tratar de um parente de Públio Lêntulo.

A Esposa, o Filho e a Filha (Lívia, Marcus e Flávia Lentúlia): 

A esposa de Públio Lêntulo é denominada Lívia (um gentílico feminino; indica, assim, que a dama em questão pertencia à gens Lívia – não que o seu “primeiro nome” fosse Lívia…). Se era casada com um aristocrata da velha cepa patrícia, então essa Lívia deveria ser, ela mesma, de nobre origem, ou seja, deveria pertencer aos Lívios da aristocracia e, portanto, deveria ter algum grau de parentesco, ainda que distante, com Lívia Drusila, a esposa de Augusto e mãe do Imperador Tibério (reinou 14-37 dC)[42]. Até aí, tudo bem. O casal teve dois filhos, um (o que seria mais tarde raptado) chamado Marcus, e uma filha, chamada Flávia Lentúlia. 

Há alguns problemas com esse Marcus: o prenome Marcus (Marco) jamais foi utilizado pelos Cornélios Lêntulos; conforme visto, os prenomes registrados nessa stirps foram Gneu, Sérvio, Lúcio e Públio[43]; nunca se utilizou o prenome “Marco” entre os Lêntulos. Obviamente, pode-se argumentar que, na época imperial, foi utilizado entre os Lêntulos (especificamente entre os Lêntulos Getúlicos) o prenome “Cosso”; mas “Cosso” era originariamente o cognome de uma antiga stirps da gens Cornélia, e as razões de seu uso já foram explicadas. Nenhuma razão se pode obter, por outro lado, para o uso de “Marco”, raríssimo na gens Cornélia, e ausente tanto entre os Lêntulos quanto entre os Cipiões. Sua escolha é muito estranha, para se dizer o mínimo, e parece encaixar-se no mesmo esquema: uso de um “primeiro nome” romano, escolhido ao acaso do conjunto disponível, junto com o “nome de família”. 

Muito pior, contudo, é o nome da filha, Flávia Lentúlia (!!!). A menina era filha de um Cornélio Lêntulo e de uma Lívia; se o pai seguisse o uso patrício tradicional, ela chamar-se-ia Cornélia, e nada mais. Admitindo-se, contudo, que os pais fossem menos “tradicionalistas”, e mais abertos a algumas novidades já presentes na onomástica romana na primeira época imperial, algumas possibilidades poderiam ser consideradas para a denominação dessa menina; em ordem decrescente de probabilidade, seriam elas: 

a)      Cornélia, a denominação mais provável, utilizando apenas o gentílico paterno, ainda atestada entre os Cornélios da época imperial, inclusive entre os próprios Cornélios Lêntulos[44];

b)      Cornélia Livila, na qual ao gentílico paterno acrescentar-se-ia uma forma diminutiva “cognominizada” do gentílico materno, indicando que a moça em questão era filha de um Cornélio e de uma Lívia;

c)      Cornélia Lívia, uma polinomia, na qual, ao gentílico paterno acrescentar-se-ia o gentílico materno, também para se indicar que a moça em questão era filha de um Cornélio e de uma Lívia;

d)      Lívia Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico materno, acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome “Lêntulo”; dar-se-ia ênfase ao fato de a menina ter em suas veias sangue dos Lívios, sem desdenhar o fato de que também tinha sangue dos Cornélios Lêntulos;

e)      Cornélia Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno, acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome “Lêntulo”;

f)       Cornélia Lívia Lentulina (ou Lentulila), mesmo caso anterior, mas com o uso de dois gentílicos, o paterno e o materno (polinomia); enfim,

g)      Cornélia Livila Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno, acrescentar-se-iam como cognomes uma forma “cognominizada” do gentílico materno e uma forma conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome paterno. 

Todas essas opções são, ao menos, plausíveis (sendo que a mais provável é a tradicional “Cornélia”, sem mais nada); no entanto, o nome escolhido foi a aberração “Flávia Lentúlia”, em termos onomásticos romanos uma autêntica monstruosidade: por que utilizar como nome gentílico da criança a forma gentílica feminina “Flávia”, se ela era uma Cornélia, e não uma Flávia, e se, além do mais, sua mãe era uma Lívia, e não uma Flávia? E (horror dos horrores!), por que acrescentar a esse gentílico extemporâneo uma forma adjetivada do cognome paterno (“Lentúlia”), de forma a torná-lo como que um gentílico, algo jamais atestado no meio e na época? Mas essa monstruosidade tem a sua razão de ser se se considera como raciocinaria alguém que tentasse adaptar elementos “romanos” à estrutura onomástica moderna, para fins de criar um nome feminino. Pois, sendo filha de “Públio Lentulus”, a menina “tinha que ter” uma forma feminina de seu “nome de família” – daí a criação “Lentúlia”; a essa forma feminina do “nome de família” deveria anteceder o seu “primeiro nome”; e, do repertório de “elementos romanos”, escolheu-se o nome “Flávia” (considerado como um “primeiro nome”, e não como aquilo que era, a forma feminina do nome gentílico “Flávio”). “Flávia Lentúlia” é um dos melhores exemplos, se não o melhor, em todo o livro, da ignorância do autor acerca das mais elementares regras onomásticas vigentes na sociedade romana que diz retratar.

A família de Sálvio Lêntulo:

Informa-se que Sálvio Lêntulo é casado com uma dama chamada Fúlvia Prócula, tendo o casal uma única filha, chamada Aurélia (págs. 36, 39, 42 e 43). Se a esposa desse Sálvio Lêntulo denominava-se Fúlvia, então ela era originária de uma gens Fúlvia, talvez mesmo dos Fúlvios da aristocracia plebéia (Fúlvios Flacos e Fúlvios Nobiliores). Desse modo, a progênie do casal tinha, em princípio, que levar o gentílico paterno (“Sálvio”), eventualmente com o uso do gentílico materno (“Fúlvio”), ou de algo dele derivado, num caso semelhante às opções listadas acima para o caso de “Flávia Lentúlia”; esperar-se-ia uma Sálvia, ou Sálvia Fulvila, ou mesmo Sálvia Prócula (já que o cognome da mãe era “Prócula”), etc., mas, mais uma vez, o padrão se repete: a filha se chama Aurélia, isto é, exibe a forma feminina do gentílico da gens Aurélia (aonde foram parar os Sálvios e os Fúlvios?). Deve começar a se tornar claro ao leitor o caminho seguido pelo autor: “Aurélia” é aqui considerada (como “Sálvio” e “Fúlvia”) não como um gentílico (indicando alguém pertencente à gens Aurélia), mas apenas como um “primeiro nome”. 

Deve-se notar ainda um pequeno detalhe: Fúlvia Prócula tem uma irmã, chamada Cláudia, casada com Pôncio Pilatos. Ora, nos documentos do assim denominado “ciclo de Pilatos” (do séc. IV dC e épocas posteriores), o nome da esposa do mesmo era justamente “Cláudia Procla”, sendo “Procla” a variante comum grega para o cognome latino “Prócula”[45]. Desse modo, o autor do romance seguiu aqui a tradição medieval, amplamente conhecida nos meios cristãos, principalmente nos meios católicos populares (o “meio cultural” originário de Francisco Cândido Xavier), e não autênticas memórias ou lembranças da época de Cristo. Mais ainda, utilizou o cognome “Prócula” como se fosse um “nome de família”, ligando entre si as irmãs “Fúlvia” e “Cláudia”. Os nomes “Fúlvia” e “Cláudia” são utilizados não como os gentílicos que eram (relacionados às gentes dos Fúlvios e dos Cláudios), mas sim como meros “primeiros nomes”, no sentido moderno. 

A família de Flamínio Severus: 

O amigo de Públio Lêntulo, Flamínio Severo (ou Severus), é casado com uma Calpúrnia, tendo dois filhos, Plínio e Agripa (pág. 37). Notam-se, mais uma vez, as mesmas inconsistências: o pai pertence à gens Flamínia (originariamente uma gens da aristocracia plebéia), e a mãe à gens Calpúrnia (talvez aos Calpúrnios Pisões, uma prestigiosa casa da aristocracia plebéia[46]). O gentílico “Calpúrnio” era bem mais famoso do que o gentílico “Flamínio”, e esperar-se-ia que os filhos, a par de seus prenomes, ostentassem combinações do tipo “Flamínio Calpurniano”, ou mesmo “Flamínio Pisoniano”, ou até duplos gentílicos na forma “Flamínio Calpúrnio”. Todavia, um se chama Plínio (ou seja, pertencente à gens Plínia: aonde foram parar os Flamínios e os Calpúrnios?), ao passo que o outro ostenta o cognome (ou prenome?) Agripa. Repete-se assim o “modus operandi” do autor do livro, tentando encaixar no modelo “Primeiro Nome” + “Nome de Família” elementos “romanos”: “Flamínio”, “Calpúrnia”, “Plínio” e “Agripa” passam por meros “primeiros nomes”, sendo que o “nome de família” em questão era “Severo”, como entre as duas irmãs era “Prócula”, e como em outro lugar era “Lentulus” (ver pág. 49: “… família Severus”; pág. 240: “ali mesmo, no palácio dos Severus, encontraram-se os membros da família Lentulus…”; pág. 223-24: “… os irmãos Severus”; pág. 223: “… Plínio Severus”; pág. .247: “Agripa Severus”). 

Deve-se notar que “Severus” não é um gentílico, mas sim um cognome, aliás relativamente comum, utilizado em várias épocas por diversas gentes. O autor do livro, contudo, considera-o como nome de família, e lhe antepõe uma série de gentílicos (esses sim, nomes de gentes, de famílias), que supõe serem apenas “primeiros nomes”[47].

Emiliano Lúcios: 

O marido de Aurélia é denominado Emiliano Lúcios (págs. 261, 269 e 279). “Emiliano” é uma forma adjetivada do gentílico “Emílio”, utilizado originariamente para um Emílio que fosse adotado plenariamente por outra gens (veja-se o caso, já comentado, de Públio Cornélio Cipião Africano Emiliano, originariamente um Emílio Paulo). Também podia ser utilizado, principalmente a partir da época imperial, para denotar o fato de que a personagem em questão, por linha materna, descendia de um Emílio[48]. “Lúcios”, por outro lado, parece ser o plural do prenome “Lúcio”. Assim, a personagem em questão é denominada de modo sui generis: por um derivativo do gentílico “Emílio” como “primeiro nome”, seguido por uma forma ao que parece plural do prenome “Lúcio” como “nome de família”, ou seja, por um cognome seguido por um prenome. O autor foi, sem dúvida, extremamente infeliz (ou deu muito azar) na escolha desse nome… 

Sulpício Tarqüínio: 

Tem-se enfim a pérola “Sulpício Tarqüínio”, o grande litor de Pilatos (pág. 279), que comandou os soldados pretorianos encarregados de escoltarem Públio Lêntulo de um pequeno porto no litoral da Judéia até Jerusalém (pág. 40). Quanto a litores, pretorianos e legionários, esse assunto será visto com mais vagar numa outra parte do presente ensaio; aqui, interessa-se pelo nome da personagem. Tem-se um caso óbvio de polinomia; o “litor” ostenta dois gentílicos, “Sulpício” e “Tarqüínio”. Algo muito estranho que alguém, nessa época, que não pertencia à nobreza, sequer à ordem eqüestre, pudesse ostentar dois gentílicos; no mínimo, algo digno da mais alta admiração. Mais ainda, um desses gentílicos, “Tarqüínio”, de origem etrusca, era o mesmo da casa real dos Tarqüínios, que havia outrora dado dois reis a Roma – um gentílico não mais atestado nos meios romanos desde a expulsão dos reis de Roma (c. 509 aC) e da morte de Tarqüínio, o Soberbo, no exílio, em Cumas (c. 496 aC). Assim, “Emanuel” brinda seus leitores com um litor comandante de legionários pretorianos na Palestina, no tempo de Cristo, cuja nomenclatura (de prenome ignorado) ostenta dois gentílicos, um dos quais referente à última casa real de Roma, e não mais atestado desde os inícios do séc. V aC; sem dúvida, uma personagem excepcional, por qualquer ângulo que se a queira analisar… 

Conclusão da Primeira Parte: 

Crê-se ter ficado clara para os leitores a grande deficiência do livro “Há Dois Mil Anos” no que se refere ao modo como suas personagens romanas são denominadas. A nomenclatura das personagens, repetida e consistentemente, não revela conhecimento, mínimo que seja, do sistema onomástico romano (tria nomina), mesmo considerando-se as modificações já em gestação no período de Augusto e dos Júlio-Cláudios. Ao contrário, nota-se um nítido esquema de se encaixar aleatoriamente, numa estrutura onomástica moderna de tipo [Primeiro Nome] + [Nome de Família], uma série de elementos onomásticos romanos desgarrados de seu contexto original, podendo ser todos pinçados de fontes secundárias ou terciárias, revelando-se o autor incapaz de distinguir entre prenomes, nomes e cognomes. Assume destaque especial o uso de inúmeros nomes gentílicos como “primeiros nomes”, tanto para homens quanto para mulheres, uso esse talvez encorajado ao autor pelo fato de ele encontrar, em suas fontes, muitos desses gentílicos em forma tanto masculina quanto feminina, o que, a seu ver, indicaria que poderiam ser atribuídos tanto a homens quanto a mulheres como “primeiros nomes”. 

As deficiências apontadas são por demais reiteradas, seguindo além disso um mesmo padrão de erro, para que, mesmo não se levando em consideração outros fatores, se possa considerar o livro como inspirado por uma entidade que tivesse vivido na época, ainda mais como um membro da aristocracia patrícia. 

Por fim, deve-se notar que a onomástica de “Há Dois Mil Anos” somente pode ser defendida se se apelar, a cada instante, para exceções à evidência das fontes primárias (escritas e epigráficas), ou para hipóteses mirabolantes e ad hoc, não confirmadas pelo estado da arte do conhecimento da onomástica do período. Apesar de eventuais exceções e variações, a onomástica romana da última era republicana e da primeira época imperial tinha uma coerência interna e seguia regras gerais amplamente presentes na maior parte dos casos estudados; tanto tal coerência quanto tais regras encontram-se virtualmente ausentes da obra em análise. 

NOTAS: 

[1] Para questões onomásticas, remete-se o leitor ao artigo “Roman Personal Names”, págs. 1.024 a 1.026 de HORNBLOWER, Simon, & SPAWFORTH, Antony, The Oxford Classical Dictionary, Third Edition, Oxford University Press, Nova York, 1996, bem como à rica bibliografia anexa ao referido artigo. Também são bastante interessantes as observações constantes em SETTIPANI, Christian, Continuité Gentilice et Continuité Familiale dans les Familles Sénatoriales Romains à l’époque imperiale – Mythe et Réalité, Unity of Prosopographical Resarch, Linacre College, Oxford, 2000, principalmente págs. 13 a 16 e 53 a 58. Na Internet, alguns portais que fornecem informações interessantes são (entre outros): www.uvm.edu/~bsaylor/rome/nomenclature.html (Roman Personal Nomenclature), www.barca.fsnet.co.uk/rome-names.htm (Roman Names) e, também www.romanistik.uni-mainz.de/ifr/onomastik/roman_names.htm (Roman Names). 

[2] Assim, p.ex., no grego, Aléksandros Philíppou (“Alexandre, [filho] de Filipe”). Como o nome do pai encontrava-se no genitivo, não havia possibilidade de se confundir com o nome da pessoa, de modo que podia mesmo colocar-se à frente (p.ex., Telamônios Aías, “Ájax, [filho] de Telamon). Nesses patronímicos reside a origem do nomen latino. 

[3] Foram posteriormente acrescentados mais dois meses após December, Ianuarius e Februarius. Desde 153 aC os cônsules passaram a assumir suas funções no dia primeiro de janeiro (Ianuarius), e essa data, que iniciava o ano consular, passou formalmente, desde a reforma de Júlio César, a marcar o início do ano civil. Assim, dezembro, originariamente o 10º mês, passou a ser o 12º. O mês de Quintilis teve seu nome mudado para Iulius (julho), em honra a Júlio César, e o mês de Sextilis teve o seu mudado para Augustus (agosto), em honra a Augusto, o primeiro Imperador. 

[4] A adoção do nome gentílico (nomen) fez desaparecer o prenome feminino; as mulheres passaram a ser designadas a partir da forma feminina do nome gentílico paterno, conforme será visto.

[5] O gentílico Marcius provém de Marcus, mas o gentílico Martius provém de Marte (Mars), o deus da guerra. Ambos acabam sendo transcritos como “Márcio” em língua portuguesa. Havia uma certa confusão entre os próprios romanos a respeito desses dois gentílicos. 

[6] São atestados já na tumba dos Cornélios Escápulas (epitáfio mais antigo: o de Públio Cornélio Escápula, cônsul 328 aC, ditador 306 aC, sumo pontífice a partir do ano seguinte), bem como na (mais famosa) tumba dos Cornélios Cipiões (epitáfio mais antigo: o de Públio Cornélio Cipião Barbato, cônsul 298 aC). Ver FLOWER, Harriet I., Ancestor Masks and Aristocratic Power in Roman Culture, Clarendon Press, Oxford, 1996, págs. 166, 174 e 181. 

[7] Muitos consideram que Lentulus (que é, em si, uma forma diminutiva) derive de lens, lentilha; o mais provável é que derive de lentus, lento, não no sentido físico, mas no sentido do que pondera bastante antes de tomar uma decisão; se derivasse da palavra para lentilha, o mais razoável seria esperar uma forma como Lento (que poderia transcrever-se em língua portuguesa como “Lentão” – vejam-se os paralelos cicer/Cicero, pisum/Piso, caepa/Caepio). Se “Lêntulo” está mesmo ligado à qualidade da ponderação, então trata-se de um cognome bastante apropriado à família, que foi perita na arte da sobrevivência política. 

[8] Assim informa Macróbio, Saturnálias, livro I, cap. 6o: patrem pro baculo regebat. O apelido teria, então, passado para todos os seus descendentes. Mas o “bastão” em questão também pode ter-se originado de alguma campanha militar bem sucedida; seria o “bastão de comando”. É bom não confundir Cipião (Scipio), cognome de um ramo dos Cornélios, com Cepião (Caepio), cognome de um ramo dos Servílios. 

[9] Ver, p.ex., o verbete “Tribus”, no já citado The Oxford Classical Dictionary, págs. 1550-51. 

[10] A tribo Sucusana ou Suburana situava-se entre as colinas Viminal e Quirinal; a tribo Esquilina situava-se na região da colina Esquilina; a tribo Colina situava-se na região da colina Quirinal; enfim, a tribo Palatina situava-se na região da colina Palatina. 

[11] Alguns desses nomes (como Cláudia, Fábia, Cornélia) eram também nomes de gentes famosas; é possível que o nome dessas tribos se originasse das famílias à época dominantes em sua área. Discute-se igualmente se a tribo Cláudia fazia parte da relação original das tribos servianas, ou se teria sido agregada pouco depois; isso, porém, é um mero detalhe de nenhuma importância prática. 

[12] Desse modo, cidadãos residentes em locais muito distantes da cidade de Roma eram prejudicados, já que lhes era bem mais difícil atender às assembléias. 

[13] Os libertos, contudo, eram inscritos exclusivamente em qualquer uma das quatro tribos urbanas. 

[14] Tanto os edis ditos “curuis” (2, a partir de 365 aC) quanto os edis ditos “da plebe” (2 desde 494 aC; 4 a partir de 45 aC); a diferença entre suas funções dizia respeito apenas a tecnicalidades e precedência honorífica. 

[15] Cônsules, pretores, ditadores e mestres de cavalaria possuíam imperium, ou seja, autoridade absoluta, não restrita somente a tarefas executivas, mas também o poder de interpretação e execução da lei (incluindo o poder condicional de proferir sentenças de morte) e o comando de tropas em guerra (nesse caso, o poder de proferir sentenças de morte era incondicional, isto é, não admitia apelação, fora dos muros de Roma). Cônsules e pretores eram eleitos pelos cidadãos reunidos numa “assembléia por centúrias” (comitia centuriata), de que mais tarde se falará; um ditador (dictator) e seu auxiliar, o mestre de cavalaria (magister equitum) não eram eleitos, mas nomeados pelos cônsules, a pedido do Senado, por no máximo seis meses, em situações de emergência. Edis (inicialmente auxiliares dos tribunos, depois encarregados também da manutenção de prédios e vias públicas, do bom uso das terras públicas e da organização de vários espetáculos públicos) e qüestores (inicialmente 2, 4 desde 421 aC, 8 desde 265 aC e finalmente 20 no tempo de Sila; eram magistrados com importantes atribuições financeiras, que efetuavam pagamentos por conta do Estado e recebiam as taxas devidas) eram portadores de auctoritas, ou seja, do poder de fazer cumprir a lei existente, estritamente dentro de seus limites, em virtude de seu cargo, e eram eleitos pela assembléia por tribos. Tal assembléia também elegia os tribunos da plebe (tribuni plebis), inicialmente 2, depois 10. Tecnicamente, não eram magistrados, mas protetores dos plebeus; não possuíam nem imperium e nem auctoritas, mas simplesmente potestas (literalmente “força”, i.e., poder de fato): suas pessoas eram consideradas invioláveis, e possuíam: a) o poder de, mesmo não sendo senadores, participarem das reuniões do Senado e aí proporem medidas de interesse dos plebeus, e b) o poder de veto (ius intercedendi) sobre os atos de qualquer cidadão ou magistrado (incluindo-se pretores e cônsules, excluindo-se os ditadores) que, injustamente, ameaçasse a pessoa de um plebeu (tal poder de veto somente valia dentro dos muros de Roma, e até uma milha além dos limites da cidade). Podiam também (do mesmo modo que os cônsules e pretores) convocar a assembléia por tribos. 

[16] Veja-se, p.ex., SHERK, Robert K., Translated Documents of Greece and Rome, vol. 6 – The Roman Empire: Augustus to Hadrian, Cambridge University Press, Cambridge, 1988, passim. 

[17] Assim, as duas filhas que Marco Antônio teve com Otávia (irmã de Augusto), ambas obviamente Antônias, eram distinguidas com os apelativos Antonia Maior e Antonia Minor. 

[18] Assim, p.ex., no caso de Iunia Tertia (Júnia Tércia), meia-irmã de Marco Júnio Bruto, o assassino de César. Ela desposou Gaio Cássio Longino (pretor 44 aC, também envolvido na conspiração) e sobreviveu a seu marido e irmãos, morrendo 64 anos depois da batalha de Farsalos, velha, rica e orgulhosa, sob o império de Tibério, no ano 22 dC (cf. Tácito, Anais, livro III, cap. 76). 

[19] O que podia causar algumas titulaturas bem curiosas, p.ex. a referida na inscrição AE 1927, 0002, de Corinto, dedicada “a Gaio Júlio Espartiático, filho de Lacão, neto de Euricles, da tribo Fábia” (G[aio] Iulio Laconis f[ilio] Euryclis n[epoti] Fab[ia tribu] Spartiati[co]); cf SHERK, op. cit., pág. 208. 

[20] Sêneca o Retor, Controvérsias, livro II, parte 1, cap. 17: Adoptio fortunae remedium est. 

[21] Veja-se SETTIPANI, op. cit., págs. 34-35. 

[22] Havia dois tipos de adoção plenária, consoante o adotado estivesse: a) sob o pátrio poder de seu pai natural (nesse caso, havia a transferência do pátrio poder do pai natural para o novo pai legal), ou b) independente do pátrio poder de seu pai natural, ou seja, sui iuris (nesse caso, a pessoa perdia a sua liberdade, passando a ficar sob o pátrio poder do pai adotivo). A diferença entre os dois tipos dizia respeito apenas a minúcias técnicas e a detalhes cerimoniais, podendo ambos ser considerados sob uma mesma rubrica.

[23] Após seus feitos na Espanha, recebeu ainda mais um agnome, resultante de um nomen triumphalis: Numantino. Daí, passou a ser designado como Públio Cornélio Cipião Africano Emiliano Numantino. Não teve filhos, e com ele extingui-se a stirps dos Cornélios Cipiões Africanos. 

[24] Em princípio, também a filiação, mas nem sempre; o importante na adoção testamentária era a perpetuação formal do nome gentílico (tanto que, em alguns casos, nem mesmo o prenome era tomado). 

[25] Veja-se Apiano de Alexandria, As Guerras Civis, livro IV, cap. 98. Discute-se muito se, na ocasião, Otaviano, além de obter a validação do testamento de César, também passou da plebe para o patriciado; se assim foi, Otaviano não se tornou um patrício por ter sido adotado testamentariamente por César, e sim pelo fato de a assembléia por cúrias ter passado uma lex curiata a qual, além de especificamente declarar, de forma solene, válido o testamento de Júlio César, também tratou de forma geral do status de Otaviano como patrício (ambos os assuntos estavam dentro da competência da assembléia por cúrias). A época era revolucionária, e diante da força das armas e do poder do dinheiro, era muito pouco provável que a validade do testamento de César, ou a transferência (adlectio) de Otaviano para o patriciado (se é que tal transferência se deu nessa ocasião) fossem negadas. De qualquer forma, o mais importante para ele, no momento, não era tanto a sua transição para o patriciado, mas sim o reconhecimento formal e solene da validade do testamento de César (que lhe daria acesso, além de a vastos recursos monetários, a uma justificativa plausível para a sua luta pelo poder e pelo controle da clientela do falecido ditador). A ambigüidade da situação é sublinhada pelo fato de que Otaviano dispensou sempre atenções especiais tanto à tribo Escápcia quanto à Fábia, cf. Suetônio, Sobre as Vidas dos Césares, Vida de Augusto, capítulo 40, parágrafo 2o: …Fabianis et Scaptiensibus tribulibus suis dies comitiorum, ne quid a quoquam candidato desiderarent, singula milia nummum a se dividebat. (“…distribuindo a seus companheiros das tribos Fábia e Escápcia mil sestércios por cabeça, de suas posses pessoais, nos dias das eleições, a fim de impedir que votassem em candidatos que não os seus.”). 

[26] Algo semelhante ocorreu no seio dos Cláudios Neros patrícios: os cognomes “Nero” e “Druso” foram ocasionalmente utilizados como prenomes. 

[27] Ver SETTIPANI, op. cit., passim. 

[28] Talvez filha, ou neta, de Gaio Pompeu Longino Galo, cônsul 49 dC e depois procônsul da Macedônia. 

[29] Ver Cássio Dião, História Romana, livro LXVIII, cap. 12. Esse Cicatrícula filho pode se tratar do “Gneu Pompeu Longino” atestado como comandante da Décima Legião, Fretensis, e portanto governador da Judéia c. 86 dC (CIL III, 857). 

[30] Cf. CIL VI, 1.237 = ILS 5.925. 

[31] Cf. AE 1976, 653 (=1978, 789 e 1989, 727). 

[32] Ver Ronald Syme, La Révolution Romaine, traduit de l’anglais par Roger Stuveras, Gallimard, 1967, cap. XXIV, pág. 342 e nota nº 58 da referida fonte. Para Sotídio: CIL IX, 349 e 397; para Libuscídio: CIL IX, 338, 348, 387 e 6.186 

[33] É um caso bastante semelhante ao dos primos Gaio Sálvio Liberal Nônio Basso e Lúcio Flávio Silva Nônio Basso. Ambos eram originários de Urbe Sálvia (a atual Urbisaglia), no Piceno; ambos possuíam dois gentílicos (“Sálvio” e “Nônio” para um, e “Flávio” e “Nônio” para outro); suas mães eram duas irmãs, Nônias Bassas (ou Bassianas, ou Bassilas), uma casada com um Flávio Silva, outra com um Sálvio Liberal. Gaio Sálvio Liberal Nônio Basso foi cônsul sufeta em 85 (ou 87) dC e depois procônsul na Macedônia. Lúcio Flávio Silva Nônio Basso foi comandante da Décima Legião, Fretensis, e desse modo governador da Judéia, c.72-c.74 ou talvez até 81 dC; ele foi o responsável pela finalização da guerra judaica, cercando e capturando Massada em 73 ou 74 dC; foi honrado com um consulado ordinário em 81 dC. O cursus honorum de Flávio Silva encontra-se detalhado na inscrição comemorativa da construção, por ele financiada, de um anfiteatro em sua cidade natal (AE 1969/70, 183a e 183b). 

[34] Suetônio, op. cit., Vida de Gaio, cap. 25, parágrafo 1o; Cássio Dião, op. cit., livro LIX, cap. 8o. 

[35] Curiosamente, esse é o único caso registrado possível de um “Lêntulo” que se casou com uma “Lívia” e que teve uma “filha”. Evidentemente, tem-se um descendente dos Lêntulos Marcelinos, que abandonou seu cognome original e tomou o de “Cipião”; portanto, sem nenhuma ligação com Lêntulo Sura. E a filha em questão foi, ainda que brevemente, uma Imperatriz (se bem que o ter sido casada com Calígula não deve ser considerado necessariamente algo agradável, ou de que se orgulhar). 

[36] Suetônio, op. cit., Vida de Cláudio, cap. 26, parágrafo 1o. 

[37] Veja-se SETTIPANI, op. cit., passim. 

[38] “Júlio”, como se viu, origina-se da forma adjetivada de um prenome, Julo (Iulus – Iulius). Quanto a “César”, os próprios romanos pensavam que se originava do fato de que o primeiro da stirps tivesse nascido a partir da operação que, ainda hoje, se chama “cesariana” (caesus ab utero matris – “cortado do útero materno”). Embora engenhosa, a explicação é implausível, pois uma operação desse tipo, na época, mataria tanto a mãe quanto o bebê. O mais provável é que o nome derive da raiz indo-européia comum que significa “cabeludo”. 

[39] Isso sem falar na combinação mais bizarra “César Júlio”. Embora se possa dar a uma criança, atualmente, o “primeiro nome” composto de César Júlio (apesar disso não ser muito comum), para um romano tal combinação, como prenome, seria triplamente impossível: a) por não existirem prenomes compostos; b) pelos elementos constituintes serem um nome e um cognome, portanto inviáveis para serem utilizados como prenomes, e c) porque a própria ordem dos elementos estava invertida, antepondo-se o cognome ao nome. 

[40] Ainda criança, desfilou como mascote diante das tropas da fronteira germânica, comandadas por seu pai Germânico, ganhando dos soldados o apelido de “Botinha” (Caligula, diminutivo de caliga, a bota militar), pelo qual tornou-se conhecido da posteridade (cf. Tácito, Anais, livro I, cap. 43, parágrafo 3o, e Suetônio, op. cit., Vida de Gaio, cap. 9o, parágrafo 1o). 

[41] Foi, p.ex., o gentílico do Imperador Marco Sálvio Otão (reinou 69 dC); ele era originário de uma família aristocrática de Ferêncio, no sul da Etrúria, os Sálvios Otões, que ascendeu ao Senado romano sob Augusto. 

[42] Tibério (seu nome completo, antes de ser adotado por Augusto, era Tibério Cláudio Nero) não era filho de Lívia com Augusto, mas sim de Lívia com seu primeiro marido, Tibério Cláudio Nero, o Velho. Ao passo que Augusto, por nascimento, era um plebeu (um Otávio originário da aristocracia municipal italiana, da cidade de Vélitras, na região dos volscos), Tibério, por nascimento, era um patrício (um Cláudio Nero, de uma das mais antigas famílias da aristocracia patrícia romana). 

[43] E Tibério, uma única vez, referido ao pai do cônsul de 275 aC, que é registrado nos Fastos Consulares Capitolinos como L. Cornelius Ti. f. Ser. n. Lentulus Caudinus. 

[44] Apenas como um exemplo, veja-se Tácito, Anais, livro XV, cap. 22, parágrafo 2ª, acerca da nomeação (em 62 dC), após a morte de Lélia, de Cornélia, “da família dos Cossos”, como virgem Vestal (defunctaque virgo Vestalis Laelia, in cuius locum Cornelia ex familia Cossorum capta est). Trata-se de Cornélia, filha de Cosso Cornélio Lêntulo Getúlico e neta do famoso Gneu Cornélio Lêntulo Getúlico, cônsul 26 dC, quase certamente a mesma que, sob Domiciano, seria enterrada viva, acusada de adultério. 

[45] A crítica histórica mais abalizada, quando aplicada ao conjunto de textos conhecido como “ciclo de Pilatos”, fornece indícios bastante fortes (mesmo seguros) de que os referidos documentos não passam de “fraudes piedosas” do séc. IV dC ou de épocas posteriores, com escasso ou nenhum valor histórico: esse é o “estado da arte” atual da questão. Com efeito: muito pouco sendo conhecido acerca de Pôncio Pilatos, quer pelos Evangelhos, quer por fontes históricas diretas (Fílon de Alexandria e Flávio José), a mitologia e a insaciável curiosidade do público cristão acerca daquele que, ao menos formalmente, foi o responsável pela morte de Cristo logo fizeram brotar toda uma exuberante literatura paralela. Eusébio, bispo de Cesaréia da Palestina (História Eclesiástica, livro II, cap. 7), escrevendo no primeiro quartel do séc. IV dC, é o primeiro que explicitamente informa que Pilatos havia caído em desgraça no reinado de Calígula (37-41 dC), sendo exilado para as Gálias e tendo ao fim se suicidado em Viena, na Narbonense (a atual Vienne, na Provença – não confundir com Viena da Áustria); antes dele, rigorosamente falando, nada há a esse respeito. O opúsculo Mors Pilati (“A Morte de Pilatos”) narra inclusive as peripécias de seu corpo: após a morte de Pilatos, seu corpo foi inicialmente jogado no Tibre (mas ele não havia morrido em Vienne?), mas as águas mostraram-se tão perturbadas por espíritos malignos que ele foi retirado e enviado a Viena das Gálias, sendo afundado então no Ródano: um monumento em Viena, chamado “a tumba de Pilatos”, ao que se diz, ainda pode ser visto. Como as águas do Ródano igualmente o rejeitaram, o corpo foi novamente removido, indo, dessa vez, para o lago de Lausanne, onde foi novamente atirado. Contudo, mais uma vez recusado, o seu último lugar de repouso acabou sendo um lago profundo numa montanha chamada “Pilatus” (de fato “pileatus”, “coberta de nuvens”), próxima a Lucerna; toda Sexta-Feira Santa, conforme consta na piedosa narrativa, o corpo reemerge das águas e lava suas mãos… 

Na igreja copta etíope, Pôncio Pilatos é reverenciado como santo. De acordo com a tradição etíope, ele secretamente converteu-se ao Cristianismo após a morte de Jesus, influenciado por sua esposa Cláudia Procla – Pilatos e Cláudia são ambos comemorados no Sinaxário etíope no dia 25 de junho. Nas igrejas ortodoxas (rito bizantino), Cláudia é comemorada como santa, mas não Pilatos (isso porque os Evangelhos narram que a esposa de Pilatos – à qual não é dado um nome, mas convenientemente batizada pela piedade posterior, sabe-se lá com base em quê, como “Cláudia Procla” – exortou o marido a não condenar Jesus). Ainda, em algumas narrativas de tradição ortodoxa oriental, diz-se que Pilatos suicidou-se, roído pelo remorso de haver sentenciado Jesus à morte. 

A falsificação do séc. IV dC denominado “Atos de Pilatos” (originariamente escrito em grego) apresenta (em alguns manuscritos) um prefácio que informa ser o escrito derivado das atas oficiais preservadas no praetorium de Jerusalém (!!!). Apesar de o original em língua “hebraica” desse documento ser atribuído a Nicodemos, o título “Evangelho de Nicodemos” que lhe é dado é ainda posterior. Nada no texto sugere que se trate da tradução de um original em hebraico, ou mesmo aramaico. Essa falsificação ganhou crédito ao longo da Idade Média e influenciou poderosamente numa série de narrativas legendárias acerca da Crucifixão; sua popularidade é atestada pelas várias traduções em inúmeras línguas, cada uma delas com suas respectivas variantes e acréscimos ao original. Assim, têm-se as famílias “grega” (a original), “siríaca”, “copta”, “armênia” e “latina”; as versões latinas foram impressas inúmeras vezes nos séculos XV e XVI. Alguns manuscritos latinos contêm como apêndice (ou continuação) a Cura Sanitatis Tiberii (“Cura de Tibério”), a mais antiga forma atestada da lenda de Santa Verônica. 

Esses “Atos de Pilatos” consistem em três secções, cujos respectivos estilos revelam três autores distintos, de três épocas distintas. A primeira secção (capítulos I a XI) contém narrativas dramáticas e folcloricamente coloridas acerca do julgamento de Jesus, claramente baseadas no capítulo 23 do Evangelho de São Lucas. A segunda secção (capítulos XII a XVI) lida com a Ressurreição. A terceira secção consiste num apêndice, denominado Descensus ad Infernos (“Descida à Morada dos Mortos”), claramente de origem latina e ausente tanto do texto grego original quanto das versões orientais (siríaca e armênia) que derivam diretamente do grego. Nessa narrativa, Leucius e Charinus, as duas almas ressuscitadas após a Crucifixão, relatam ao Sinédrio as circunstâncias da descida de Cristo ao Limbo. 

Eusébio de Cesaréia, apesar de mencionar “atos de Pilatos” que haviam sido pretensamente narrados por São Justino o Mártir (c.100 – c. 165 dC) e por Tertuliano (c.162 – c. 224 dC), não demonstra o menor conhecimento dos “atos” da forma como foram anteriormente descritos. Desse modo, e como Santo Epifânio de Eleuterópolis, arcebispo metropolitano de Chipre, refere-se a “atos de Pilatos” já semelhantes aos citados (c. 376 dC), a obra, ao menos em sua forma primitiva, quase certamente origina-se nos meados do séc. IV dC. 

Os demais materiais legendários concernentes a Pilatos incluem a já citada tradição copta de sua conversão ao Cristianismo e também uma tradição ocidental que pinta a sua alma como “penada”, condenada a uma infindável perambulação. Há igualmente uma carta forjada reportando a Crucifixão, pretensamente de Pilatos e endereçada ao Imperador Cláudio (reinou 41-54 dC), incluída na falsificação pseudepigráfica conhecida como “Atos de Pedro e Paulo”. Essa carta não guarda qualquer relação com os “Atos de Pilatos”, e é também ocasionalmente inserida na “Paixão de Pedro e Paulo” do pseudo-Marcelo. 

Enfim, o opúsculo Mors Pilati (“Morte de Pilatos”) constitui-se duma lenda de origem ocidental, pintando Pilatos como um monstro, não como um santo; é, algumas vezes, anexado aos “Atos de Pilatos” (“Evangelho de Nicodemos”), de origem grega. Na narrativa da “Morte de Pilatos”, conta-se que o Imperador Tibério, doente, e instruído por sonhos, manda à Judéia um certo Volusiano a fim de obter de Cristo a sua cura. Na Judéia Pilatos procura encobrir o fato de que havia condenado Jesus à morte; mas Volusiano encontra Verônica, a qual mostra-lhe o pano (sudário) com a face de Cristo crucificado milagrosamente impressa, contando-lhe então toda a verdade acerca da morte de Jesus. O sudário é levado a Roma, onde cura o Imperador. Tibério então manda chamar Pilatos a Roma; ele apresenta-se ao Imperador usando o manto de Cristo, o que faz com que o soberano pense em perdoá-lo; mas, tão logo o tira, o Imperador muda de idéia, e manda executá-lo. Seu corpo, ao ser lançado no Tibre, endemoninha de tal modo a água que é retirado e levado a Viena das Gálias (cujo nome é confundido com via gehennae, “caminho do inferno”) e jogado no Ródano, iniciando-se a peregrinação já narrada mais acima. Essa versão, combinada com outras anedotas referentes a Pilatos, foi incorporada na “Narrativa Dourada” (Legenda Aurea) de Tiago de Voragine, miscelânea semi-fantasiosa de vidas de santos e narrativas piedosas que se constituiu num dos “best-sellers” da Baixa Idade Média. Concluindo a relação de escritos relativos a Pilatos, há também uma “Relação de Pilatos” (Anaphora Pilati), uma “Carta de Herodes a Pilatos” e uma “Carta de Pilatos a Herodes”, todos textos espúrios do séc. V dC, ou de época posterior. 

Especificamente no que diz respeito ao sudário com a face de Cristo milagrosamente gravada (a mais santa e autêntica imagem do Salvador, por ser acheiropoiêtês, isto é, “não feita por mãos humanas”), a tradição conta que Santa Verônica (ou Berenice) era uma mulher hierosolimitana a qual, movida pela piedade, ofereceu a Jesus, quando Ele carregava Sua cruz ao Gólgota, um lenço (sudarium) para enxugar o suor do rosto. Jesus aceitou a oferta e, depois de usar o lenço, devolveu-o a Verônica, com a imagem de Seu rosto miraculosamente gravada. A origem dessa lenda piedosa prende-se às imagens do rosto de Cristo postas à veneração nas igrejas de Roma, nos inícios da Idade Média; a mais antiga dessas imagens, a qual servira de modelo para a confecção de todas as outras e que, no tempo do papa João VII (c. 705 dC), encontrava-se na basílica de Santa Maria Maior, era objeto duma devoção muito mais intensa, quase supersticiosa, pois era tida como uma representação fidedigna das feições de Jesus; por isso era denominada “Vera Icon” (“Imagem Verdadeira”), expressão logo transformada, na linguagem comum, em “veronica”. Ainda no séc. XIII encontram-se ilustrações do sudarium intituladas figura Domini quae Veronica dicitur (“face do Senhor, chamada verônica”). Progressivamente, contudo, a imaginação popular ligou o nome da relíquia ao nome de uma pessoa, tecendo a seguir uma série de lendas acerca dessa pretensa “Verônica” e inserindo-a no “ciclo de Pilatos”. É bom não confundir esse lenço com o assim denominado “Sudário de Turim”. 

[46] Significativamente, no livro “Há Dois Mil Anos” o conspirador Gaio Calpúrnio Pisão é simplesmente denominado “Caius Pisão” (pág. 389); se Calpúrnia era de origem nobre, certamente era parente de Pisão – mas isso não é sequer mencionado. Obviamente porque, para o autor, o conspirador “Caius Pisão” pertencia à “família” dos Pisões, sendo “Calpúrnia” apenas um “primeiro nome” feminino. 

[47] Um caso bastante semelhante diz respeito, sem dúvida, ao Imperador Nero, que, ao longo do livro, é reiteradamente denominado “Domício Nero” (págs. 272, 285, 312, 321, 322, 325, 326, 327, 341, 380, 389, 390): “Domício” seria o seu “primeiro nome”, e “Nero” o seu “nome de família”. De fato, “Domício” é um gentílico, e “Nero” é um cognome (algumas vezes prenome) específico dos Cláudios patrícios, que o Imperador ganhou de seu pai adotivo, o Imperador Cláudio (o qual era um patrício, da stirps dos Cláudios Neros). 

O futuro Imperador Nero nasceu no ano 37 dC, filho de Gneu Domício Enobarbo (cônsul 32 dC) e de Vipsânia Agripina, a Moça (filha de Germânico e irmã de Calígula); seu nome original foi Lúcio Domício Enobarbo. Era assim, por nascimento, um Domício Enobarbo, pertencente de qualquer forma a uma das mais prestigiosas casas da aristocracia plebéia (com uma folha de serviços ininterrupta por sete gerações, desde Gneu Domício Enobarbo, cônsul 192 aC, até ao pai de Nero), enfim elevada ao patriciado por Augusto. Após a morte do pai (40 dC), e depois de algumas peripécias, a mãe finalmente conseguiu casar-se (48 dC) com o tio, o Imperador Cláudio (Tibério Cláudio Nero Germânico; reinou 41-54 dC), conseguindo que ele adotasse seu filho (50dC) e, mais ainda, o colocasse por primeiro na linha de sucessão. 

Ao ser adotado pelo padrasto, Lúcio Domício Enobarbo passou a ostentar o nome de Nero Cláudio Druso Germânico, tornando-se conhecido pela posteridade simplesmente como “Nero”. O fato de ter tomado um prenome diferente do de seu pai adotivo indica uma adoção testamentária (obviamente tornada pública, assinalando o rapaz para a sucessão). O Imperador Cláudio já possuía um filho natural, Britânico (Tibério Cláudio Germânico Britânico), nascido em 41 dC de sua esposa anterior, Valéria Messalina; não obstante tenha sido preterido na linha sucessória, era, ainda assim, um rival em potencial. Desse modo, logo após a morte de Cláudio (em 54 dC, ao que se diz envenenado pela esposa), Agripina arranjou para que o jovem fosse também envenenado (55 dC). Deve-se notar que Nero, quando Imperador, sempre revelou desprezo pelo nome de sua família original, “Domício Enobarbo”, considerando um insulto se se lhe dirigissem desse modo (cf. Suetônio, op. cit., Vida de Nero, cap. 7º, parágrafo 1º; também cap. 41, parágrafo 1o). 

[48] Veja-se, p.ex., o caso análogo do Imperador Vespasiano (Tito Flávio Vespasiano). Seu pai chamava-se Tito Flávio Sabino, e sua mãe, Vespásia Pola (Suetônio, op. cit., Vida de Vespasiano, cap. 1º, parágrafos 2º e 3º). 

[49] e [49bis] O latim não possuía, originariamente, uma letra para o som “g”; daí, a letra “c” servia tanto para um som quanto para o outro. Os nomes, então escritos “Caius” e “Cnaeus” eram, na prática, pronunciados como “Gaius” e como “Gnaeus”; mesmo após a introdução da letra “G” (um “C” com um traço horizontal) para diferenciar os sons, as abreviaturas desses nomes, por tradição, continuaram a ser escritas com “C”. Insistir em escrever Caius (ou Caio) e Cnaeus (ou Cneu) denota ou ignorância, ou extremo pedantismo.

64 respostas a “Os Nomes das Personagens no livro Há Dois Mil Anos de Chico Xavier”

  1. SeriousBusiness Diz:

    De novo isso? Já vi pelos menos outros dois ou três tópicos discutindo o mesmo assunto.

    Eu não acredito na historicidade de “Há dois mil anos”. Mas é perfeitamente aceitável que esses nomes tenham sido alterados por fins estéticos, para se adptar melhor ao leitor brasileiro contemporâneo (Pelo que consta, o Emmanuel ate´ faltou que ia adaptar a história antiga para uma linguagem moderna) .

    Eu mesmo acho que o nome “Flávia Lentulus” é muito mais marcante que “Cornélia Flavilia Lentulina”, e assim por diante…

    t+

  2. Vitor Diz:

    De novo, sim e não. Eu nunca tinha colocado esse estudo de forma completa no blog. Apenas trechos. Quanto à linguagem moderna, o que o Emmnuel diz exatamente é:

    Tenho-me esforçado, quanto possível, para adaptar uma história tão antiga ao sabor das expressões do mundo moderno, mas, em relatando a verdade, somos levados a penetrar, antes de tudo, na essência das coisas, dos fatos e dos ensinamentos.

    Veja que ele fala em adaptar apenas as expressões, mas que vai relatar a verdade, penetrando, antes de tudo, na essência dos fatos. Assim o próprio Emmanuel coloca em primeiro lugar a veracidade histórica do que está narrando. Não dá para aceitar, portanto, adaptações que comprometam a veracidade histórica. Infelizmente, é isso que acontece.

  3. SeriousBusiness Diz:

    Esse negócio de nome não tem nada a ver, sério mesmo.

    Se um jornal divulgar uma notícia de um crime e usar nomes fictícios – como é comum, a essência das coisas, dos fatos não vai ter sido alterada por conta disso.

    t+

  4. Vitor Diz:

    Mas um nome não é uma expressão para ser adaptada. Uma expressão é isso, por exemplo:

    You be hanged!

    Literalmente, isso quer dizer: “Que você seja enforcado!” Mas não existe essa expressão em português, então você adapta para “Macacos me mordam!” Isso é adaptar uma expressão.

    Além disso, se o Emmanuel queria adaptar os nomes também, por que não adaptou o próprio nome dele, deixando ou tudo em português ou tudo em latim? Em vez disso, ele misturou português e latim! Cadê a adaptação?

  5. Juliano Diz:

    Não li o texto todo, mas irei ler. Mas do pouco que li, resta claro que ele é essencialmente técnico. E, em face do texto técnico acima, caso tivesse ocorrido “o fenômeno da psicografia”, e o livro “Há dois mil anos” fosse de fato psicografado pela personalidade espiritual posta ao público com o nome Emmanuel, no mínimo este espírito deveria deixar claro a situação dos nomes romanos descrita acima. Pois ele não viveu naquele período? Não estava quando da psicografia no plano espiritual, onde a lucidez é muito maior? Ele não é colocado como um espírito evoluído? Porém não o faz. Com certeza a patrulha vai vir dizendo que o importante é a mensagem em si, e não a forma. Mas isto contradiz o dito rigorismo do espírito personagem Emmanuel.
    Eu não sei Vitor se você leu o comentário que fiz do no “post” comparativo seu do Emmanuel com o Ashtar. Cada vez mais me convenço que a coisa toda vai na linha lá colocada. Algo do tipo, dependendo do contexto, até Papai Noel vira figura histórica com defensores ferrenhos.

  6. SeriousBusiness Diz:

    Vitor,

    Por que os nomes não poderiam ser adptados? E por que seria obrigatório adptarem-se todos os nomes e não somente os que soassem mais esdrúxulos? E o que garante que o nome do personagem não é, também, uma adaptação?

    Abraços

  7. Vitor Diz:

    Bom, os nomes no livro são adaptados. Como já disse o senhor José Carlos uma vez:

    “É de praxe aportuguesar os nomes próprios gregos e romanos. Da mesma forma, os antigos romanos latinizavam os nomes gregos (grafando, p.ex., “Alexander” ao invés de “Aleksandros”, “Plato” ao invés de “Platôn”, “Athenae” ao invés de “Athênai”, “Corinthus” ao invés de “Korinthos”, etc.). Assim, grafamos normalmente “Júlio César”, e não “Iulius Caesar”; “Marco Antônio”, e não “Marcus Antonius”; “Aníbal”, e não “Hannibal”; “Nápoles”, e não “Neapolis”; “Cartago”, e não “Carthago”; “Éfeso”, e não “Ephesus”; mesmo “Lugduno”, e não “Lugdunum”, etc.”

    Agora, já que era para adaptar, ele tinha que padronizar tudo! Ou tudo para o latim, ou tudo para o português! Misturar os dois não dá! Simplesmente não tem sentido. Isso sim deixa o nome esdrúxulo!

  8. SeriousBusiness Diz:

    A adaptação da qual fala o artigo é linguística, eu estou falando de algo com fins somente estéticos msm.

    Os nomes ficaram bonitos como constam no livro. “Flavia Lentulus” soa bem melhor que “Cornélia Livila Lentulina”, p.ex .

    Por que ele teria que padronizar tudo, se a adptação porventura pretendida fosse somente estética e não técnica?

  9. Vitor Diz:

    Mas Publius e Lentulus terminam da mesma maneira. Se ele achou que esteticamente ficava melhor adaptar Publius para Públio, por que não fez o mesmo para o Lentulus, adaptando-o para Lêntulo? Há uma falta de coerência aí, ainda que considerando meros padrões estéticos.

  10. SeriousBusiness Diz:

    De repente haja mesmo incoerência, ou ele utilizou “Públio” por que é um nome que existe aqui no País enquanto “Lentulus” não existe ou não existia à época; ou então nem foi ele, a adaptação foi feita pelo revisor do livro, ou então ele achou que ficava melhor dessa forma. São inúmeras possibilidades. Como vamos poder ter absoluta certeza do que realmente houve?

  11. Emmanuel Diz:

    Para os leitores brasileiros, a questão dos nomes pode parecer de importância secundária, mas não é; afinal, por aqui estamos acostumados, e achamos até mesmo normal, que pais inventem os nomes de seus filhos de acordo com o gosto pessoal. Mas, em Portugal, por exemplo, o Estado restringe os prenomes com os quais as crianças podem ser registradas, de acordo com uma lista fixa. Prenomes estrangeiros, geralmente, costumam ser aportuguesados, embora o mesmo não acorra com os nomes de família; dessa forma, Guilherme Shakespeare é como muitas traduções apresentam o autor das obras “Hamlet” e “Romeu e Julieta”. Dei um exemplo moderno, de um contexto bastante diverso ao discutido, mas ele serve para mostrar que, em contextos culturais mais imbuídos de tradição, a onomástica costuma seguir padrões bem rígidos.

    Para um português, o nome Wandirsley é uma aberração não apenas por soar esdruxulamente aos ouvidos, mas sobretudo por ser totalmente estranho aos nexos simbólicos que formam a cultura e os costumes de seu país. Num romance que se passa em Portugal, seria totalmente implausível que alguma personagem tivesse tal nome, a menos, é claro, que se tratasse de um imigrante brasileiro.

    O que dizer então de um meio aristocrático em que, ao contrário do que acontece no período moderno, a ideia de “clã”, ou de família, está acima da ideia de indivíduo? Para sociedades como a romana, e em outras nas quais o lugar de nascimento determina o papel de cada sujeito em sua comunidade, é muito importante que se saiba quem foram seus antepassados e a que família você pertence, pois, afinal de contas, é a família em que você nasce que determina quem você é (isso nas sociedades ditas “tradicionais”). Além disso, há a noção de que o individuo é quem perpetua a memória do grupo, do clã, portanto deve carregar consigo os nomes dos seus – e isso é especialmente agudo ao se levar conta sociedades que trazem formas residuais de culto religioso aos antepassados, como a grega e a romana antigas. Nesses contextos, as normas onomásticas costumam ser muito pouco flexíveis.

    Parece-me que falta um pouco de perspectiva histórica a quem ache que o argumento da “liberdade poética”, ou adaptação para o gosto estético atual, justifica erros grosseiros na representação da realidade configurada pela obra. A meu ver, tais erros rompem completamente com os pressupostos de verossimilhança da ficção histórica, quanto mais em uma obra que se pretende como sendo o relato fidedigno de uma pessoa que de fato teria vivido na época representada, pois nesse caso os problemas de verossimilhança deixam de ser concernentes à estilística e à crítica literária para se tornarem problemas históricos e filológicos.

    De minha parte, que estudo e trabalho com crítica literária já faz mais de sete anos, a hipótese de uma adaptação de nomes antigos ao ouvido moderno numa obra de caráter, vá lá, histórico, é absolutamente inédita e difícil de engolir. Quando isso acontece, geralmente costuma ser imputado à ignorância do autor com relação à época representada por ele.

    Mesmo num filme todo em inglês que se passa, sei lá, na França do começo do século XVII encontramos uma rainha “Margot” e não uma rainha “Daisy”, mesmo, repito, que o filme seja todo rodado em inglês.

  12. SeriousBusiness Diz:

    Emmanuel/JCFF

    “A meu ver, tais erros rompem completamente com os pressupostos de verossimilhança da ficção histórica”

    Disse bem: ao seu ver…

    É como vc disse: para o brasileiro a invenção de nomes é algo secundário. Por coincidência foi justamente para os brasileiros que o livro foi escrito.

    E o livro é um romance…

    t+

  13. Gilberto Diz:

    Reitero Emmanuel (o humano): sou ator e conheci muitos atores da velha guarda que chamavam Hamlet de “Amleto”. Mas acho forçar a barra achar que Xavier fez isso de propósito. Ele desconhecia detalhes técnicos e históricos importantes, o que acaba por apontar os seus trabalhos na direção da “ficção” em vez de relatos históricos. Essa teoria edifica o trabalho de Xavier e não o desacredita como guru, benfeitor e consolador na hora mais difícil, que é a da morte de quem se ama.

  14. Emmanuel Diz:

    Serious Business,

    “A meu ver” foi uma forma excessivamente cuidadosa para dizer que, de fato, erros grosseiros, do tipo apontado pelo autor do artigo que estamos comentando, rompem completamente com os pressupostos de verossimilhança da ficção histórica. Tais pressupostos não são, ao contrário do que se possa pensar, subjetivos; eles são formulados conceitualmente a partir de certos princípios aceitos pela teoria literária como disciplina. Dizer que o princípio da verossimilhança, como o apreendemos na “Poética” de Aristóteles, por exemplo, é subjetivo é como dizer que outros conceitos filosóficos, como “dialética”, também o são.

    O mínimo que se espera de uma ficção histórica é que ela nos traga uma visão plausível do contexto por ela representado. Mas o que eu queria realmente ressaltar, o principal da minha argumentação, é que os erros com relação à onomástica já seriam um problema caso se tratasse pura e simplesmente de uma ficção de temática histórica, mas não é esse o caso. O que já seria complicado, torna-se infinitamente mais problemático quando é sugerido que os eventos narrados realmente aconteceram. É a partir desse ponto, o da efetividade, o da veracidade do ocorrido, que a análise estética para e começam a análise histórica e a filológica. Se o romance traz eventos efetivamente ocorridos e narrados por quem os teria vivido, mais do que verossimilhança, espera-se exatidão ou, no mínimo, equívocos que façam algum sentido dentro do contexto histórico apresentado. É comum que pessoas se equivoquem em sua interpretação do mundo que as cerca (por isso nenhum relato histórico é cem por cento confiável), mas há certos aspectos que não podem ser ignorados. Será crível uma pessoa que se engane com relação ao nome de todas as pessoas envolvidas em seu relato? Acho que não.

    Sintetizando minha opinião, o que pode não ter ficado muito claro no comentário anterior, é que acho extremamente difícil de acreditar que o tal espírito Emmanuel, relatando algo que teria vivido numa outra encarnação, ignorasse regras e costumes tão arraigados na sociedade que pretende retratar. Se não ignorava tais costumes, mas preferiu deliberadamente desconsiderá-los para não causar nenhum estranhamento aos ouvidos de seus contemporâneos (preferiu falsear os fatos ao invés de retratá-los com a maior exatidão possível), então como saberíamos se o autor, quem quer que ele seja, não distorceu outras coisas em seu relato, ou até mesmo se não mentiu em tudo? O autor, ou editor, estaria minando a credibilidade de sua história (que é de suma importância no caso de um relato que se quer verídico) em nome de um ganho no mínimo discutível e secundário (não causar estranhamento ao ouvido de seus contemporâneos). Parece-me uma péssima troca, um artifício bobo e frívolo, que faz pouco da inteligência e da sensibilidade dos leitores!

    Agora não sei se entendi bem sua colocação de que “o livro é um romance”… Pois bem, um romance pode perfeitamente ser enquadrado na categoria de “ficção histórica”, como os romances de Walter Scott, talvez os mais célebres do gênero. Mas o livro de Chico Xavier pretende ser um pouco mais do que isso; pretende ser muito mais histórico do que ficção, ou estou enganado?

    Sim, o livro foi escrito para o público brasileiro, mas não se passa no Brasil, tão pouco as personagens são brasileiras. É uma questão de verossimilhança das mais básicas.

  15. Emmanuel Diz:

    P.S.: Só para deixar claro meus conceitos: “romance” é uma forma literária, assim como “conto” e “novela” também o são; “ficção histórica” é um gênero.

  16. Emmanuel Diz:

    Agora que me dei conta… Serious Business sugeriu que o autor do artigo e eu somos a mesma pessoa (Emmanuel/JCFF)? Muito perspicaz o rapaz… e precipitado! Não sou, nem sequer conheço, o sr. José Carlos Fernandes.

  17. bo Diz:

    Até Papai Noel vira figura histórica com defensores CEGOS e doutrinados. Cheio de falácias, hipóteses ad hoc, non-sequitur. Tudo pra salvar os amigos imaginários.

  18. Antônio Carlos Diz:

    É incrível como há pessoas fanáticas e sectárias, que querem acreditar – talvez para valorizar a própria existência e, ter, enfim, um motivo para viver – em fraudes de toda espécie. Acho que este site presta um grande serviço à inteligência nacional – tão enfraquecida -, na medida em que desmistifica atividades simplesmente fantasiosas, que muitos veem como verdadeiras. Creio que as chamadas “pessoas esclarecidas e entendidas”, deveriam pensar duas vezes antes de sair por aí avalizando tolices.

  19. Sonia N. Diz:

    bo:

    Papai Noel já virou figura histórica. É ele, inclusive, que domina a cena do nascimento do Jesus, anulando completamente a importância do aniversariante, nesta e nas futuras gerações.

    Você poderia informar QUEM É O AUTOR DESSA FALÁCIA?

  20. Roberto Diz:

    Srs,

    Apresento-lhes à seguir a opinião do próprio acusado Emmanuel/Públio Lentulus através da psicografia de Chico Xavier em “Vinha de Luz” de 1952, muito antes destas experiências de materialização autênticas, sobre este este libelo difamatório engendrado pelas mentes doentes dos irmãos JRP, Vitor Moura (espírita impostor), José Carlos (mentor da pretensa pesquisa dita histórica) e Mori (editor do site cético):

    ” PERANTE A MULTIDÃO

    “E outros, zombando, diziam: Estão cheios de mosto” – (Atos, 2:13)

    A lição colhida pelos discípulos de Jesus, no Pentecostes, ainda é um símbolo vivo para todos os aprendizes do Evangelho, diante da multidão.

    A revelação da vida eterna continua em todas as direções.

    Aquele “som como de um vento veemente e impetuoso” e aquelas “línguas de fogo” a que se refere a descrição apostólica, descem até hoje sobre os continuadores do Cristo, entre os filhos de todas as nações.

    As expressões do Pentecostes dilatam-se, em todos os países, embora as vibrações antagônicas das trevas.

    Todavia, para milhares de ouvintes e observadores apenas funcionam alguns raros apóstolos, encarregados de preservarem a divina luz.

    Realmente, são inumeráveis aqueles que, consciente ou inconscientemente, recebem os benefícios da celeste revelação; entretanto, não são poucos os zombadores de todos os tempos, dispostos à irreverência e à ironia, diante da verdade.

    Para esses, os leais seguidores do Mestre estão embriagados e loucos. Não compreendem a humildade que se consagra ao bem, a fraternidade que dá sem exigências descabidas e a fé que confia sempre, não obstante as tempestades.

    É indispensável não estranhar o assédio desses pobres inconscientes, se te dispões, efetivamente, a servir ao Senhor da Vida. Cercar-te-ão o trabalho, acusando-te de bêbado; criticar-te-ão as atitudes, chamando-te covarde; escutar-te-ão as palavras de amor, conservando a ironia na boca. Para eles, a tua abnegação será envilecimento, a tua renúncia significará incapacidade, a tua fé será interpretada à conta de loucura.

    Não hesites, porém, no espírito de serviço. Permaneces, como os primeiros apóstolos, nas grandes praças, onde se acotovelam homens e mulheres, ignorantes e sábios, velhos e crianças …

    Aperfeiçoa tuas qualidades de recepção, onde estiveres, porque o Senhor te chamou para intérprete de Sua Voz, ainda que os maus zombem de ti.”

    Francisco Cândido Xavier, Pelo Espírito Emmanuel “

  21. Roberto Diz:

    E agora algumas considerações que fiz ao Vitor quando este se manifestou no site do ceticismo aberto (quem quiser ler a íntegra do argumentos, réplicas e tréplicas, consulte o site do colega e discipulo do Vitor Moura, o Espírita Impostor, o ” http://www.ceticismoaberto.com/paranormal/3417/chico-xavier-e-a-fraude-de-otlia-diogo-a-irm-josefa/comment-page-3#comment-119479 “.

    Mais uma vez, também o digo, se você tivesse respondido a minha pergunta objetivamente, e não com este apanhado esparso e inconclusivo, não precisaríamos estar voltando ao ponto de início.

    Sobre provas da existência de Jesus, em registros históricos, você diz, candidamente, que “desde bastante cedo há evidências claras acerta do movimento cristão em si, e nelas, acerca de seu fundador”.

    EVIDÊNCIAS claras, para um bom entendedor do português, não significa PROVA nem tampouco um REGISTRO HISTÓRICO. O único apoio para esta tua pseudo evidência é a própria Bíblia, nos atos dos apóstolos. Inacreditável. Convenhamos, você está zombando da inteligência dos interessados fazendo trocadilhos de palavras expostas em abundantes frases vazias.

    Qual é a evidência histórica da existência do próprio Paulo de Tarso, além da Bíblia, para te basear nele para evidenciar a existência de Jesus?

    Afora isto, pífio e desabonador, tu prossegues usando “Atos dos Apóstolos” com prova, citando Seutônio e incríveis alusões-geográficas, e referindo-te à Tácito quando cita a perseguição aos cristão e não ao próprio Jesus posto que Ele já havia morrido 31 anos antes. Esta estratagema torna mais miseravelmente desonesta a tua prova, tua e a deste José Carlos.

    Prosseguindo, quanto a Públio, você diz que “não é necessário conhecer todos os 600 senadores romanos”, eu te digo que sim, é necessário que hajam referências à todos os 600, caso sejam 600 ao todo.

    Devo te dizer que MUITA COISA, meu caro investigador histórico, não é TUDO. Muita coisa significa muita coisa, bastante coisa, sem nem sequer atribuir uma proporção à quanto é bastante e quanto é pouca coisa, ou seja, muita coisa pode ser 0,1% da população terrena, e pouca coisa pode ser o planeta terra na nossa galáxia.

    Tudo, pelo contrário, é simplesmente tudo.

    Então, o “muita coisa” desta “pouca coisa” que é a obra deste Settipani não oferece prova alguma de qualquer coisa à respeito do Públio Lentulus, por mais “detalhadíssima” que você diga que ela seja.

    Agora, a prosápia que usastes para argumentar sobre ser Jesus pouco importante aos possíveis historiadores daqueles tempos, e de que um senador romano seria alvo deste interesse, pelo círculo de ação política, então, novamente, apresente o registro histórico que comprove a existência dos outros 599 senadores. Busque na genealogia deles, na obra deste Settipani ou de outro qualquer, uma prova conclusiva de que eram 600 com seus nomes e sobrenomes, com seus cargos políticos e sua proximidade com o imperador da época. Faça isto para que eu não tenha que ficar EXAUSTIVAMENTE lendo teus registros ocos e frágeis.

    Afinal, tu queres ENGANAR À QUEM?

    Os cristãos que se viam diante das feras famintas, nos circos romanos do primitivismo e da barbárie, não foram buscar um “registro histórico” para se entregarem pacificamente, em meio à hosanas à Jesus. Confiantes na imorredoura mensagem transmitida de boca em boca, de pergaminho em pergaminho, sem a assinatura Dele, sem uma letra sequer talhada por Ele, mas movidos pela fé inabalável e arrebatadora que marcou em definitivo a história da humanidade, deixando seu sangue na arena como testamento de amor ao Mestre, que inspiraria os que os sucederiam nesta ciclópica jornada de libertação da humanidade através do amor e não da espada, da humildade e não do cetro dos poderosos, do perdão e não da vingança e perseguição.

    Jesus e os profetas anteviram a decadência insuportável dos valores morais, a indiferença e o egoísmo campeando os quadrantes planetários em forma de guerras, doenças, pobreza, fome, luxúria, materialismo, exploração dos fortes sobre os fracos, e por consequência, os eventos dramáticos que o suceder de erros, cegueira e irrisão provocariam na humanidade. Meus caros, os tempos são chegados. Estejamos preparados para o encontro marcado com a colheita de nossas obras, boas ou más, e tu Vitor, avia-te a ser cobrado com maior severidade posto que dizes que sabias destas coisas, e eis aí a tua condenação posto que muito será cobrado de quem muito recebeu. Se não soubesses não terias pecado.

  22. Vitor Diz:

    Roberto,
    quer dizer que todos os que não concordam com o Emmanuel são mentes doentes? No meu entender, quem parte desse princípio já está doente. Além disso, é preciso muita fé para acreditar que aquelas materializações foram autênticas, Roberto. Muita fé também pode ser sinal de uma mente doente, veja diversos atentados terroristas que possuem a fé como combustível. Quanto ao seu último post, hoje à noite ou amanhã pela manhã haverá uma resposta. Suas considerações merecem comentários mais detalhados, e daí a demora.

  23. Sonia N. Diz:

    Roberto:

    Que alívio saber que não estou sòzinha nestes argumentos, a respeito desta “pesquisa de encomenda”, travestida de “ceticismo em busca da verdade”!!!???

    Não tenho passado pelo Ceticismo Aberto, por isso, não sabia das tuas argumentções, muito semelhantes às minhas.
    Tenho feito também minhas pesquisas.

    Poderíamos trocar informações, se fosse do teu agrado e/ou interesse

    Abração

  24. Vitor Diz:

    As pesquisas da Sônia usam como fonte exclusiva o google, como ela mesma admitiu.

  25. Sonia N. Diz:

    Você quer dizer que o Google não tem nada confiável?

  26. Vitor Diz:

    Estou dizendo que as pesquisas baseadas exclusivamente no google tem altíssima probabilidade de serem puro lixo, especialmente a do tipo que você se propõe (histórica). E a sua pesquisa não é exceção. Tenho certeza que o José Carlos mostrou problemas gritantes em sua pesquisa.

  27. Sonia N. Diz:

    Eu não postei pesquisa nenhuma, ainda.

  28. Vitor Diz:

    Você há tempos colocou sua pesquisa no 4shared, e o Senhor José Carlos analisou, tenho certeza absoluta disso.

  29. Sonia N. Diz:

    Vitor:

    Não era uma pesquisa. Eu simplesmente “colei” alguns artigos que encontrei, muitos dos quais, de sites evangélicos, a respeito da História do Catolicismo Romano, em resposta ao desafio do Sr. José Carlos. Ele desafiou-me a PROVAR, HISTORICAMENTE, que a Igreja do Catolicismo Romano, foi criada à custa de ganância e de poder (afirmações minhas, em comentários trocados com ele). Ao ser “repreendida” pelo Sr. José Carlos, passei então, a seguir a orientação dada por ele, ou seja, comecei a pesquisar os sites do Google, indicados por ele. Alguns, católicos, outros, históricos. Mas, ainda estou pesquisando. Não, postei nada sobre isso, em lugar algum, porque ainda não terminei. Há muito material a ser pesquisado.

    Agora, você afirma que toda pesquisa realizada através do google, tem altíssima probabilidade de “ser puro lixo”, fico mais ainda na dúvida, quanto à pesquisa do Sr. José Carlos. Porque, se foram essas as referências que ele me deu, com certeza, são essas mesmas que o auxiliaram em sua pesquisa.

    Dá margem a muitas elocubrações…

  30. Vitor Diz:

    Agora você diz que não é pesquisa. Não era o que você dizia antes. De qualquer forma, releia o que escrevi. Eu disse “pesquisas baseadas EXCLUSIVAMENTE no google tem altíssima probabilidade de serem puro lixo”. Tenho certeza que o senhor José Carlos indicou-lhe livros também.

  31. Roberto Diz:

    Vitor,

    Se tu acha que é preciso muita fé para acreditar nas materializações, eu te digo que precisa ter muito mais fé ainda para acreditar que tu gasta o teu tempo tentando inventar problemas nas psicografias de Chico Xavier baseado neste teu guru José Carlos. Quêm é este vivente? Que se apresente. O que faz da vida. Acredita no quê? Qual o seu interesse?

    Engraçado né, os pontos de vistas, tão distintos, o meu e o teu.

    Você se aventurou a acusações sem provas. O ônus é teu.

    Prove que os 25 participantes da materialização não viram a materialização, que foram enganados pela genial prestidigitadora Otília, que de tão genial foi pega tolamente 6 meses depois em fraudes de materialização, mas que nesta época não teve nenhum, absolutamente nenhum abono de Chico Xavier.
    Acaso Chico Xavier, por ter participado dos fenômenos de materialização de irmã Josepha, se tornou responsável legal da infeliz para sempre?

    Prove, e espero que tente, que Publio não existiu. Palavras bem costuradas com nomes de romanos e historiadores (será? não são comentadores talvez?) não são suficientes. Seja convincente para continuar valendo à pena o contraponto.

    E respondendo-te digo que não és doente por não concordar com Emmanuel, mas podes fazer tal papel se adotares a filosofia do tal José Carlos sem usar o discernimento, a razão, e passar a acusar com títulos bombásticos para chamar público para teu blog, acusando sem provas no mínimo razoáveis de que Chico Xavier fosse tudo o que dizes, sem pudor, sem limites, ser, como plagiador, fraudador, mentiroso, doente mental que achava que via e falava com espíritos, enfim criatura, um balaio de baboseiras tão inacreditáveis, tão infantis, que sim, estás com a mente doente, estás fascinado no propósito de destruir.

    Faça algo de útil a sociedade. Desmascare então Chico Xavier, Emmanuel, Divaldo Franco, até Kardec, mas não creia que todos são néscios para aceitar esta argumentação vazia, pobre e má intencionada, agora, se é para ficar nesta lenga-lenga, neste amontoado de palavras ferinas e mentirosas, abstenha-se do inconveniente de te comprometer com tua própria consciência pois somos todos absolutamente responsáveis pelas nossas obras, sem embargo.

    Até agora, só o que demonstras-te com este teu blog, é uma imensa vontade de aparecer, se pondo como desmistificador apoiado na ciência quando de ciência NADA se vê aqui, só um apanhado de barbaridades irresponsáveis e levianas.

  32. Roberto Diz:

    Como disse Bezerra de Menezes, aceito o repto, e nem vou pedir o que ele pediu para tal, ou seja, que o materialismo apresentasse um desesperado, sofredor, atormentado pelas dores físicas e morais, pelo peso a vergar-lhe os ombros diante dos desafios, um que seja que tivesse sido consolado por este materialismo, por este ceticismo que se faz enganador e mundano, ou por este teu falso espiritismo que escondes sobre o nome de espirita experimentador quando não passas de um caluniador irresponsável com mania de grandeza. Faça-te o último pois os últimos serão os primeiros, faça como fez Chico Xavier se quiser ser grande em algo que valha à pena.

    Vamos trocar impressões até que eu tenha tempo.

  33. Sonia N. Diz:

    Vitor:

    O Sr. José Carlos não indicou nenhum livro. Com certeza, por ter eu comentado que não tive oportunidade de “estudar”, tanto quanto ele. Aliás, logo em seguida a esse meu comentário no blog sobre “Há dois mil anos”, ele fez questão de postar referências inteiramente em francês e inglês, demonstrando o quanto é gentil e generoso com as pessoas.

  34. Vitor Diz:

    Ele te indicou um livro sim, Sônia, tanto que você diz que ele lhe postou referências. No caso, ele disse exatamente:

    “Christian Settipani é uma das maiores autoridades atuais em genealogia (pequena nota biográfica em: http://en.wikipedia.org/wiki/Christian_Settipani); sua obra de 2000, “Continuité gentilice et continuité familiale dans les familles sénatoriales romaines: mythe et réalité” (uma das obras que utilizei), é uma das boas fontes para o conhecimento das famílias nobres romanas do período imperial, inclusive os Cornélios Lêntulos, com abundante análise documental e epigráfica. Um “adendo” a seu livro está disponível gratuitamente na Internet, no seguinte endereço: (http://www.linacre.ox.ac.uk/Linacre/resources/docs/research/prospographical/addrome.doc/view), ligado à seção de Prosopografia e de Genealogia do Linacre College, da Universidade de Oxford – sim, a Oxford da Inglaterra. Consulte esse “adendo”, veja, por ele, o grau de sofisticação e de cuidado do trabalho, e o nível de detalhes a que se consegue chegar a partir do cotejamento de todas as fontes históricas sobreviventes – textos, moedas, inscrições… ”

    Seu problema com francês e inglês é SEU problema. Pague um tradutor, se não entender o que dizem. É o que eu fiz e faço quando preciso ler algo numa língua que não entendo. Tudo na vida tem suas dificuldades.

  35. Vitor Diz:

    Roberto,

    eis a resposta do Sr. José Carlos:

    Prezado sr. Roberto, e Demais que esposam a autenticidade histórica de “Públio Lêntulo”:

    Com relação a suas observações, sr. Roberto, acerca da historicidade de “Públio Lêntulo”, uma das pretensas encarnações do espírito-guia de Francisco Cândido Xavier, que a si mesmo denominou-se “Emanuel”, segue um conjunto de considerações que, espero, venha a esclarecer a situação, de uma vez por todas. Vários argumentos já discutidos foram reelaborados; outros novos foram acrescentados. Peço-lhe, sr. Roberto, bem como aos eventuais leitores, que me perdoem o tamanho desta mensagem, mas, diante das circunstâncias, é absolutamente necessário se descer a detalhes. Procurei desenvolver o argumento da forma mais coerente e didática possível, recuperando todo o cerne da discussão desde o seu início – algo que, em parte, vem progressivamente se perdendo, tendo em vista as inúmeras falácias e subterfúgios que sucessivamente têm poluído os debates. Como a argumentação de V.Sa. apareceu tanto no “blog” “Obras Psicografadas”, do sr. Vítor Moura, quanto no “Ceticismo Aberto”, do sr. Kentaro Mori, enviei o presente material a ambos, a fim de o disponibilizarem da forma que julgassem mais adequada. Afora novas evidências históricas e/ou documentais que o sr. venha por bem acrescentar, os vários posicionamentos quedam-se definidos; os leitores, assim, após cuidadosa leitura e ponderada reflexão, podem se pronunciar, íntima ou publicamente, a respeito. Quanto a eventuais dúvidas, desde que de caráter estritamente histórico, e dentro do tema tratado, desde já coloco-me à disposição.


    PRIMEIRA PARTE – APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA, E DEMONSTRAÇÃO DE QUE NÃO HÁ COMO SUSTENTAR RACIONALMENTE A HISTORICIDADE DE “LÊNTULO”

    Inicialmente, tratemos da questão de “Públio Lêntulo”; tentando recuperar, como se costuma dizer, “o fio da meada”, os seguintes itens podem ser enunciados:

    1) Desde a época da morte de Jesus (30-33 dC) até ao séc. XV dC, não há, em nenhum escritor, historiador ou cronista, quer cristão, quer pagão, qualquer menção a um “Públio Lêntulo” contemporâneo de Cristo que tivesse exercido algum tipo de missão na Judéia e, de lá, escrito um relatório sobre Jesus ao Senado romano (ou ao Imperador). Isso é um FATO.

    2) Uma descrição de Cristo, principalmente de seu rosto, tida como “constando nos anais dos Romanos”, aparece pela primeira vez no “Prólogo” da “Vida de Cristo” de Ludolfo, o Cartuxo, que escreveu nos finais do séc. XIV – mas tal descrição não traz o nome de ninguém, muito menos o de nenhum “Lêntulo”. Ela é versada no típico “latim eclesiástico” medieval, inclusive com uma série de expressões de clara influência bíblica (hebraísmos).

    3) A partir do séc. XV, uma série de manuscritos aparecem, repentinamente, com a citação virtualmente “verbatim” da citada descrição constante no “Prólogo” da “Vida de Cristo” de Ludolfo, desta vez atribuindo-a a um certo “Públio Lêntulo”, “procônsul” ou “chefe dos habitantes de Jerusalém” (“praeses Hierosolymitanorum”), antecessor de Pilatos.

    4) A identificação de “Lêntulo” é variável nesses manuscritos (“procônsul” ou “chefe dos habitantes de Jerusalém” – sendo que nenhuma dessas denominações foi, alguma vez, a dos prefeitos ou procuradores romanos da Judéia na época de Cristo); igualmente, a carta é endereçada ao Senado (quando deveria ter sido endereçada ao Imperador, já que a Judéia era uma província senatorial, tanto na época de Cristo quanto depois); enfim, “Lêntulo” é identificado, em vários dos manuscritos, como “antecessor de Pilatos”, quando se sabe que o antecessor de Pilatos na procuradoria foi Valério Grato; e mais, tem-se, a partir das obras do historiador Flávio José, o elenco completo de todos os prefeitos/procuradores romanos da Judéia (de 4 aC a 41 dC, e de 44 dC a 66 dC), sendo que, em tal lista, NÃO CONSTA nenhum Lêntulo.

    5) Todos esses detalhes históricos, mais o estilo da carta (escrita, como citado, num “latim medieval”, um tipo de linguagem que um oficial romano jamais empregaria), mais o fato de não haver nenhum traço do referido documento por mil e quatrocentos anos (surgindo ele, convém mais uma vez lembrar, como que do nada, no séc. XV), e mais a ausência de qualquer referência nas fontes históricas romanas a um “Públio Lêntulo” contemporâneo de Cristo que houvesse exercido algum tipo de missão na Judéia, fizeram com que o documento fosse considerado espúrio, e o seu “autor”, fictício, pelo consenso dos historiadores – e isso desde o séc. XVI.

    6) Tal situação não impediu, contudo, que o documento permanecesse vivo, ou melhor, “latente”, como uma espécie de texto “devocional”, entre protestantes também, mas principalmente em certos meios populares católicos. Note-se que uma das leituras que, ao longo de sua convalescença, levou Santo Inácio de Loiola à conversão foi justamente a “Vida de Cristo” de Ludolfo, o Cartuxo. De tempos em tempos, o interesse pelo documento reaparecia, como uma espécie de “testemunho pagão contemporâneo” da existência de Cristo, para ser esquecido logo depois, diante da evidenciação de sua flagrante fraude e de seu caráter apócrifo (pelos motivos acima elencados).

    7) Em 1939, ao psicografar “Há Dois Mil Anos”, Francisco Cândido Xavier contou com a orientação, ao que se diz, dum “guia” espiritual, o qual se auto-denominou Emanuel. Emanuel, nessa obra, revelou que teria sido, numa de suas encarnações passadas, justamente o senador “Públio Lêntulo” (bisneto por linha paterna de Lêntulo Sura, o conspirador catilinário), contemporâneo de Cristo, que com Ele conviveu na Palestina, para onde havia sido mandado em missão especial; sobre Ele teria mandado um relatório ao Senado (ou ao Imperador). Depois de muitas peripécias, teria participado do “complot” aristocrático para depor Nero (68 dC), servindo depois no conselho de guerra de Tito, durante a etapa final da guerra judaica, estando presente na queda de Jerusalém (70 dC). Morrera na erupção do Vesúvio, em Pompéia, no ano 89 dC. Essa, bem resumidamente, sua “encarnação” como Públio Lêntulo.

    E esses são, em linhas bem gerais, os fatos relativos a Lêntulo. Ora, a identificação do “guia” Emanuel com esse “Públio Lêntulo” é extremamente problemática, para se dizer o mínimo. Pelos seguintes conjuntos de razões:

    PRIMEIRO) Inicialmente, pelo conjunto de evidenciações históricas já citadas acima, nos itens “1” a “5” anteriores: a identidade apóia-se num documento espúrio (pois foi a “carta” que originou “Lêntulo”), que não tem nenhuma ligação com a época de Cristo, aparecendo como que “do nada” cerca de mil e quatrocentos anos após a Sua morte. Note-se que o conhecimento de tais fatos já estava amplamente disponível a QUALQUER UM que se dispusesse a pesquisar o assunto com um mínimo de seriedade, no próprio ano de 1939, como demonstrarei mais adiante;

    SEGUNDO) Também pelo fato de que uma análise cuidadosa da genealogia dos Lêntulos, possível a partir das pesquisas históricas dos séculos XIX e XX (e consolidadas e resumidas, entre outras, nas obras altamente técnicas e respeitáveis de historiadores ou genealogistas como, p.ex., Ronald Syme [“The Roman Revolution” e “The Augustan Aristocracy”], G. V. Sumner [“The Orators in Cicero’s Brutus – Prosopography and Chronology] e, principalmente, Christian Settipani [“Continuité Gentilice et Continuité Familiale dans les Familles Sénatoriales Romaines à l’Époque Impériale: Mythe et Realité]), torna evidente de forma cabal que: a) nenhum dos Lêntulos presentes na era imperial descendia de Lêntulo Sura, o conspirador catilinário; b) nenhum dos parentes de Lêntulo citados na psicografia “Há Dois Mil Anos” tinha atestação histórica; e c) nenhum dos Lêntulos atestados historicamente na época de Cristo apareciam em “Há Dois Mil Anos”. Este item é tratado com detalhes em minha pesquisa, disponível no “blog” “Obras Psicografadas”;

    TERCEIRO) Igualmente, pelo fato de que a descrição das estruturas político-administrativas constantes na psicografia “Há Dois Mil Anos” não conferem com o que a pesquisa histórica atesta para o lugar e para a época (missão dum “senador” na província judaica, que era imperial e procuratoriana; presença de “tropas legionárias” na Judéia segundo a psicografia, algo que nunca ocorreu até à revolta de 66-72 dC; cargo pretensamente exercido por Lêntulo em Esmirna, quando tal cargo não existia; Lêntulo como membro do “conselho de guerra” de Tito, quando se conhece, por Flávio José, a composição exata desse conselho, lá não aparecendo nenhum Lêntulo; etc.). Estes aspectos também são tratados, com detalhes, em minha pesquisa, no citado “blog”;

    QUARTO) Também, pelo modo como as personagens romanas são nomeadas na psicografia “Há Dois Mil Anos”. O modo como “Emanuel” nomeia seus (pretensos) confrades romanos é totalmente incoerente com a maneira pela qual os romanos eram efetivamente nomeados na época. Este aspecto é tratado, com detalhes, num trabalho meu à parte, também constante no “blog” “Obras Psicografadas”;

    QUINTO) Continuando, pela própria descrição do rosto de Cristo constante na “carta de Lêntulo”. Tal descrição do rosto de Jesus (como o adulto barbado, de cabelos compridos cortados ao meio, etc.) somente originou-se a partir dos finais do séc. IV dC, não tendo ligação com nenhuma tradição genuína rastreável à época do próprio Cristo, ou à época apostólica. Tal imagem somente se consolidou para a representação de Cristo, lentamente, entre os séculos V dC e IX dC, tornando-se a imagem “padrão”, ou “canônica”, após a superação da querela iconoclasta em Bizâncio (843 dC). Portanto, apenas isso seria suficiente para colocar a redação da “carta de Lêntulo” numa época posterior ao séc. V dC, ou, mais provavelmente, após o séc. IX dC – como se viu, os mais antigos manuscritos são do séc. XV dC, sem NENHUMA atestação anterior. Portanto, a “carta de Lêntulo” NÃO É um testemunho histórico autêntico da época de Jesus, mas sim um documento falso, forjado quando a imagem canônica de Jesus já estava, por assim dizer, “estabelecida”, e que seguiu justamente tal imagem. Este aspecto é tratado na continuação de minha pesquisa, também constante no referido “blog”; embora ainda incompleta, o que já está publicado é suficiente para mostrar que a imagem canônica de Jesus, que é a da descrição de Cristo na “carta de Lêntulo”, não se originou e consolidou na época do próprio Jesus, sendo, ao contrário, posterior em séculos;

    SEXTO) Enfim, pela própria ausência de citação da referida carta, bem como de seu autor, entre os séculos I e XV dC – mais especialmente, durante a “querela das imagens”, a “questão iconoclasta”, que transcorreu entre os anos de 726 e 843 dC, e que dizia respeito à licitude da representação de imagens (de Cristo, da Virgem, dos Anjos e Santos) nas igrejas. Todo tipo de argumento foi utilizado, quer a favor, quer contra as imagens; todo tipo de documento “antigo”, quer autêntico, quer não, foi “desencavado” e exibido por ambos os campos em conflito. Ora, se, na época, já existisse a “carta de Lêntulo”, ela certamente teria sido utilizada pelo partido favorável às imagens (os “iconódulos”) para justificar seus pontos de vista (como usaram, p.ex., a lenda do “Mandylion” de Edessa, que originou a do Santo Sudário). Teria sido um argumento contundente – um testemunho contemporâneo do próprio Jesus, citado por um pagão! No entanto, há um silêncio total, mesmo durante a querela das imagens, acerca da “carta de Lêntulo”. E nenhum dos historiadores ou cronistas bizantinos posteriores cita, quer o documento, quer o seu autor – mesmo o crédulo e detalhista Nicéforo Calisto Xantópulo, do séc. XIV, que cita tudo, que coleciona todas as “lendas piedosas” cristãs, antigas ou modernas, todas as tradições, verdadeiras ou não; mesmo ele não tem uma única palavra sobre esse “Lêntulo”… Tal aspecto ainda será por mim tratado em detalhes, na continuação de minha pesquisa, mas, para a presente discussão, basta o que aqui foi dito – a “carta de Lêntulo” não foi citada por nenhum historiador ou cronista, cristão ou pagão, até ao séc. XV, e, o que é mais estranho, esteve totalmente ausente das disputas encarniçadas ocorridas na época da “querela das imagens” (726 a 843 dC), quando, se existente, teria sido muito útil ao partido “iconódulo” (que foi o partido que, ao fim, venceu a disputa).

    Então, por tudo isso, sr. Roberto, deve ficar claro que a historicidade de Lêntulo, e a sua identificação com o “espírito-guia” Emanuel é sumamente problemática, e extremamente improvável. Note, sr. Roberto, que, até aqui, trata-se de fatos, não de conjecturas. Mas o irônico é que a implausibilidade de “Lêntulo” já era conhecida mesmo no distante ano de 1939; é o que demonstraremos na próxima parte.


    SEGUNDA PARTE – DEMONSTRAÇÃO DE QUE A IMPLAUSIBILIDADE HISTÓRICA DE “LÊNTULO”, ESTABELECIDA PELA HISTORIOGRAFIA EM GERAL, ERA CONHECIDA EM 1939, INCLUSIVE NO BRASIL, SENDO, ALÉM DISSO, DE RÁPIDA PESQUISA E FÁCIL CONSTATAÇÃO

    No final da década de 1930, quando, no interior de Minas Gerais, um certo “espírito-guia”, chamado “Emanuel”, reivindicou a identidade de “Públio Lêntulo”, o contemporâneo de Cristo, etc., essa pretensão já podia ser, ao menos em suas linhas gerais, checada. Os espíritas kardecistas se orgulham de seu racionalismo, bem como de sua “fé raciocinada”. Não são ignorantes, como os demais, que simplesmente “crêem”; eles, ao contrário, “entendem”, são “científicos” – são “evoluídos”. Portanto, nada mais razoável (creio eu, sr. Roberto) que um mínimo de investigações fossem efetuadas acerca da nova “maravilha”, trilhando-se inclusive as orientações do próprio Kardec. Ora, na ocasião (1939), já estava disponível a edição de 1913 da “The Catholic Encyclopaedia”, com um artigo bem detalhado acerca desse “Públio Lêntulo”, demonstrando cabalmente sua implausibilidade histórica – esse artigo, aliás excelente, encontra-se “online”, e pode ser lido no seguinte endereço: http://www.newadvent.org/cathen/09154a.htm.

    Contudo, mesmo que se suponha que, no Rio de Janeiro, então capital federal, tal obra não estivesse disponível, ou então que fosse de difícil consulta, na Biblioteca Nacional duas obras de referência já se encontravam presentes, e traziam informações interessantes sobre esse “Lêntulo”.

    A primeira é a “La Grande Encyclopédie” (Paris, H. Lamirault et Cie. Éditeurs), que já estaria disponível (já que a obra em questão foi publicada por Lamirault entre os anos 1886 e 1902; ademais, os volumes ostentam um carimbo datado de 1935 do catálogo da “Bibliotheca Nacional”). No tomo 22, pág. 18, após a enumeração dos Lêntulos históricos (esses, sim, existentes…), pode-se ler: “Le Publius Lentulus, prédécesseur supposé de Pilate en Judée, auquel on a atribué une lettre ao Sénat décrivant la physiognomie de Jésus-Christ, n’as pas de caractère historique”. (tradução livre: O Públio Lêntulo, suposto predecessor de Pilatos na Judéia, a quem se atribui uma carta ao Senado descrevendo o aspecto físico de Jesus Cristo, não tem comprovação histórica).

    A segunda é o “Dictionnaire de la Biblie”, de F. Vigouroux e outros, Letouzey & Ané Éditeurs, Paris, 1908 (portanto, também disponível na época da “aparição” de “Lêntulo” nos confins das Gerais). No seu quarto tomo (quatrième tome), entre as colunas 167 e 172, encontra-se um detalhado verbete acerca de “Publius Lentulus”. Alguns trechos fundamentais:

    “Publius Lentulus: personnage immaginaire auquel on attribué une lettre apocryphe décrivant la personne de Notre Seigneur. Il est pensé avoir été gouverneur de la Judée, avant Ponce Pilat, et avoi écrit la lettre qui suit au Sénat romaine.” (tradução livre: Públio Lêntulo: personagem imaginária, à qual se atribui uma carta apócrifa descrevendo as feições de Nosso Senhor. Pensa-se ter sido governador da Judéia, antes de Pôncio Pilatos, e ter escrito a carta seguinte ao Senado Romano).
    (…)
    “L’Epistula Lentuli se trouve en manuscrit dans de nombreuses bibliothèques. Elle fut imprimé d’abord dans La ‘Vita Iesu Christi’ de Ludolphe Le Chartreux, qui parut in-fo à Cologne, 1474, Prooemium, 14 (t. I. pag. 10, de l’édition de Paris, 1870), et à Nuremberg em 1491 dans l’Introduction aux oeuvres de Saint Ansèlme de Cantobéry (E. von Dobschütz, ‘Christusbilder’, 309-10, et L. Hain, ‘Repertorium Bibliographicum’, t. I, 1826, n. 1163, p. 126), ainsi que dans les ‘Opuscula’ du même docteur, sans date. Plus tarde, elle fut reproduite dans l’Ecclesiastica Historia per Aliquot Studiosos et Pios Viros in Urbe Magdeburgica, connue sur le nom de ‘Centuries de Magdebourg’, 13, in-8º, Bâle, 1559-1574, t. I, p. 344. Elle a eté souvent réimprimée depuis, en particulier dans plusieurs collections de livres apocryphes du Nouveu Testament. L’auteur de cette lettre s’était visiblement proposé de satisfaire la pieuse curiosité des fidèles, avides de détails sur la personne de Notre-Seigneur.” (tradução livre: A carta de Lêntulo chegou-nos em vários manuscritos, presentes em inúmeras bibliotecas. Foi impressa pela primeira vez na “Vida de Jesus Cristo”, de Ludolfo o Cartuxo, em Colônia, 1474, proêmio, fólio 14 (tomo I, pág. 10, da edição de Paris, 1870), e em Nuremberg, em 1491, na Introdução às obras de Santo Anselmo da Cantuária, segundo E. von Dobschütz, ‘Christusbilder’, 309-10, e L. Hain, ‘Repertorium Bibliographicum’, t. I, 1826, n. 1163, p. 126. Também nos “Opúsculos” do mesmo Doutor, sem data. Mais tarde, ela foi reproduzida na “História Eclesiástica” […], conhecida como as “Centúrias de Magdeburgo”, 13 volumes, in-8o, Basiléia, 1559-1574, tomo I, pág. 344. Foi reimpressa várias vezes depois, particularmente em numerosas coleções de apócrifos do Novo Testamento. O autor de tal carta propunha-se claramente a satisfazer a curiosidade piedosa dos fiéis, ávidos de detalhes acerca da fisionomia de Nosso Senhor).
    (…)
    “La lettre de Lentulus est une composition apocryphe; la caractère apocryphe de cette lettre est indubitable. Les copistes savent trop quel titre donner à son auteur prétendue; ce titre varie dans la plupart des manuscrits qu’on en connait; les uns l’appelent proconsul, d’autres gouverneur ou ‘praeses Hierosolymitanorum”, etc. Leur embarras provient de ce qu’il n’y a jamais eu à Jérusalem ni en Judée de gouverneur de nom Lentulus.” (tradução livre: A carta de Lêntulo é uma composição apócrifa; o caráter apócrifo de tal carta é indubitável. Os copistas mal sabiam ao certo que titulatura utilizar para seu pretendido autor, que varia, na maior parte dos manuscritos conhecidos, quer de “procônsul”, quer de “governador”, ou de “chefe dos Hierosolimitanos”, etc. Seu embaraço provinha de que jamais houve em Jerusalém, ou na Judéia, um governador de nome Lêntulo).
    (…)
    “D’ailleurs, un Romain n’aurait jamais pu employer plusieurs des expressions qu’on lit dans la lettre: ‘propheta veritatis’, ‘filii hominum’; ce sont là des hébraïsmes, et le dernier est emprunté au Ps. XLIV, 3. La dénomination de ‘Jesus Christus’ trahit aussi une époque postérieure et est emprunté au Nouveau Testament. Enfin, sans relever d’autres détails, notons que, si elle avait été écrite par um procurateur de Judée, elle aurait été adressée non au Sénat, mais à l’empereur, parce que la Syrie, dont faisait partie la Judée, était une province impériale, et non une province sénatoriale.” (tradução livre: Ademais, um romano jamais empregaria algumas das expressões que constam na carta; “propheta veritatis” [profeta da verdade], “filii hominum” [filhos dos homens] – são hebraísmos, e a última expressão é tomada emprestada do Salmo 44, vers. 3. A denominação de “Jesus Cristo” trai também uma época posterior, e é um empréstimo do Novo Testamento. Enfim, sem entrar noutros detalhes, note-se que, se tal carta tivesse mesmo sido escrita por um procurador da Judéia, estaria endereçada não ao Senado, mas ao Imperador, porque a Síria, donde fazia parte a Judéia [como apêndice administrativo], era uma província imperial, e não uma província senatorial).
    (…)
    “Aucun ancien écrivain ecclésiastique n’a parlé de la lettre de Lentulus, quoiqu’ils aient si souvent cité les autres écrits apocryphes connues de leur temps.” (tradução livre: Nenhum escritor eclesiástico antigo menciona a carta de Lêntulo, apesar de mencionarem inúmeros outros escritos apócrifos, conhecidos em seu tempo).
    (…)
    “Le manuscrit d’Iéna qui contient l’Epistula Lentuli part à la fin ces mots: ‘Explicit epistula Iacobi de Columna, anno Domini 1421 reperit eam in annalibus Romae, in libro antiquissimo in Capitolio ex dono Patriarchae Constantinopolitani’. Si l’on peut s’en repporter à cette note, la lettre aurait donc été envoyée de Constantinople au XVe siècle, comme présent à la cour romaine et un Jacques Colonna, de l’illustre familie de ce nom, l’aurait travée em 1421 au Capitole et insérée dans les Annales de Rome. Mais le patriarche de Constabntinople n’avait pu envoyer em Italie que des manuscrits grecs et le premier auteur de la Epistula Lentuli dut s’en servir pour la composer. Sa parenté avec le portrait tracé par Nicéphore [Callixte Xantopoulos] est incontestable: l’un et l’autre ont puisé à des sources communes. D’aprés E. von Dobschütz, ‘Christusbilder’, p. 330, elle est probablement pour le fond d’origine grec, mais elle a été rédigée en latin, en Occident, au XIIIe siècle ou au XIVe siècle; elle a reçu de quelque humaniste du XVe siècle ou du XVIe siècle la forme nouvelle sous l’aquelle elle s’est répandue partout dans l’Église latine”. (tradução livre: O manuscrito de Iena que contém a carta de Lêntulo menciona em nota o seguinte: “Dum documento arquivado em 1421 nos anais da cidade de Roma, no Capitólio, por Tiago Colonna, a partir dum livro antiqüíssimo, doado pelo patriarca de Constantinopla”. Se se pode acreditar em tal observação, a carta teria sido enviada de Constantinopla no séc. XV, como um presente à corte pontifícia, e um Tiago Colonna, da ilustre família dos Colonnas, o fez inserir em 1421 nos Anais da cidade. Mas o patriarca de Constantinopla somente enviou a Itália manuscritos gregos, e o primeiro autor da carta de Lêntulo teria [nesse caso] de se servir de um para a compor. A semelhança entre a [descrição de Cristo presente na] carta de Lêntulo e a figura traçada por Nicéforo Calisto Xantópulo é incontestável; ambas podem ter uma fonte comum. De acordo com o parecer de E. von Dobschütz, ‘Christusbilder’, p. 330, ela provavelmente tem como base um original grego, tendo sido redigida em latim no Ocidente no séc. XIII ou XIV, recebendo então retoques de humanistas dos séculos XV e XVI, até atingir a forma que se expandiu pelo Ocidente a partir de então).

    Tais textos, repito, estavam disponíveis a qualquer um que os quisesse consultar, em 1939. A mim me custaram umas poucas horas de pesquisa na Biblioteca Nacional, na Cinelândia, Rio de Janeiro, para obter essas informações. A qualquer espírita, na época, teria custado mais ou menos o mesmo tempo (pois não utilizei busca eletrônica, indo diretamente ao salão de livros de referência e manuseando enciclopédias e livros antigos de História). No entanto, torna-se claro que as pretensões do “guia” Emanuel de ser esse implausível “Lêntulo” foram tomadas pelos espíritas ao pé da letra, com credulidade ímpar, tanto então quanto depois. Causa espécie o fato de a FEB, p.ex., não se ter dado ao trabalho de investigar a situação (que era séria e importante, e merecedora de especial atenção) no mínimo que fosse.

    Assim sendo, teria sido perfeitamente possível conhecer-se, na época, a fragilidade da alegação da identidade do “guia”. Tal tipo de pesquisa teria sido uma das primeiras, e principais, e mesmo primárias, responsabilidades dos próprios espíritas – trata-se de tal tópico a seguir.


    TERCEIRA PARTE – DEMONSTRAÇÃO DE QUE O ÔNUS DA PROVA SEMPRE COUBE, DESDE O INÍCIO, AOS PRÓPRIOS ESPÍRITAS, QUE, AO CONTRÁRIO JAMAIS SE DIGNARAM A INVESTIGAR O ASSUNTO, ACEITANDO TUDO MECANICAMENTE; E DESCRIÇÃO DOS POSTERIORES SUBTERFÚGIOS UTILIZADOS PELOS ESPÍRITAS, OU POR ALGUNS DELES, PARA FUGIREM DE TAL ÔNUS

    O ônus da prova pertence a quem afirma algo por primeiro, e, mais especialmente ainda, a quem usufrui de tal informação para fins de prestígio, ou de fortalecimento doutrinário. Ora, esse é justamente o caso dos espíritas kardecistas brasileiros, no geral, e da FEB, em particular, no caso “Emanuel”/“Lêntulo”. Contra todo o consenso histórico já disponível (e exemplificado à exaustão nos itens anteriores), afirmaram (e afirmam) não apenas que “Públio Lêntulo” existiu, mas também que era o “guia” Emanuel, do médium Francisco Cândido Xavier. Assim, quanto a isso:

    PRIMEIRO) Teriam os espíritas kardecistas que demonstrar, a partir de seus “protocolos de validação”, que, efetivamente, o que estava ocorrendo com Xavier era a incorporação, ou auxílio (ou qualquer outro nome técnico que tenham para o fenômeno) duma “entidade”, dum “espírito”.

    SEGUNDO) Teriam, igualmente, que demonstrar que tal “entidade” (“guia”) era, de fato, efetivamente, quem dizia ser – ou seja, o tal “Públio Lêntulo”, senador romano, contemporâneo de Cristo, bisneto de Lêntulo Sura, etc. Deve-se notar, sr. Roberto, que isso era, e é, e sempre será, OBRIGAÇÃO DOS ESPÍRITAS, e OBRIGAÇÃO ELEMENTAR. Tal verificação cabal de identidade somente seria decentemente possível a partir da demonstração histórica da existência de tal personagem, refutando e derrubando todo o consenso histórico então existente (como agora) – e isso a partir de evidenciação histórica sólida (documentos autênticos, achados arqueológicos, pesquisas epigráficas, numismáticas, etc.), não de simples “revelações mediúnicas”, bem entendido.

    Quanto ao primeiro item, não é o assunto desta mensagem; suponho apenas que haja documentação comprobatória razoável e suficiente acerca das “manifestações” do “guia”, de modo a, de acordo com os princípios gerais enunciados por Kardec, bem como em obediência aos princípios desenvolvidos e explicitados pela FEB, garantir, com um mínimo de plausibilidade e de racionalidade, que o que ocorria era mesmo a manifestação duma “entidade”, não uma alucinação, ou o inconsciente de Xavier, ou algo pior. Com certeza tais protocolos existem, podendo ser consultados e analisados a qualquer tempo por pesquisadores interessados; mas isso não diz respeito ao que ora se discute.

    Concentrando-nos, então, no segundo item: o ônus da prova, no “affair” Lêntulo, É DOS ESPÍRITAS; são eles (ou aqueles dentre eles que sustentem a identidade do “guia”) que devem demonstrar, RACIONAL e EXAUSTIVAMENTE, a pretensão histórica da identidade de Emanuel. Tanto quanto é de meu conhecimento, isso nunca foi feito. A identidade do “guia” foi aceita sem discussão pelo meio espírita kardecista brasileiro, ao menos em seu todo, e isso desde o início. Nenhuma pesquisa minimamente séria, que seja de meu conhecimento, foi levada adiante, sequer iniciada. Quanto a isso, todos aqueles que (espíritas ou não), por qualquer razão que seja, venham a duvidar de tal identidade, têm apenas a obrigação de expor suas “dúvidas razoáveis” a esse respeito, e esperar a resposta espírita.

    Enfatizando bem este último ponto (e isso tem que ficar muito bem claro, porque às vezes se perde), são os espíritas kardecistas que acreditam na identidade do “guia” que a têm que provar, porque foram os espíritas que por primeiro acreditaram e afiançaram a referida identidade, e dela colheram todos os louros possíveis em termos de prestígio e de “confirmação” de fenômenos (psicografias) e de doutrina. Assim, aos demais, cabe-lhes, se considerarem tal identidade não suficientemente estabelecida, pelas razões que forem, a apresentação de suas dúvidas razoáveis – obviamente, “dúvidas razoáveis”, não simplesmente “dúvidas incessantes”.

    De minha parte, creio ter deixado bem claro que há dúvidas MUITÍSSIMO MAIS QUE MERAMENTE RAZOÁVEIS acerca da existência (o que não dizer da plausibilidade histórica) da referida identificação. Todos aqueles que sustentam a plausibilidade e/ou a verdade da citada identificação, então, que a provem. Convido-o, sr. Roberto, e a qualquer outra pessoa, espírita ou não, a tomar a si tal função – DEMONSTRAR que Públio Lêntulo existiu, que foi contemporâneo de Cristo, que era bisneto de Lêntulo Sura, que participou do conselho de guerra de Tito, etc. Fazer, enfim, o que os espíritas deveriam (e poderiam) ter feito desde o início, mas que, aparentemente, não fizeram, sabe Deus a razão.

    Se o sr., sr. Roberto, ou qualquer outro espírita, não pode demonstrar tal coisa, então, seguindo os próprios ditames de Kardec, teria, por mera prudência que fosse, que descartar a identificação – em prol de sua própria doutrina, seguindo a sua tão decantada “fé raciocinada”. Lembre-se do que o próprio Codificador enunciou:

    “O Espiritismo, pois, não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. (…) Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.” (“A Gênese”, cap. I, “Caráter da Revelação Espírita”, seção 55, pág. 59 da última edição disponível para “download” no portal da FEB)

    “Lançar anátema ao progresso, por atentatório à religião, é lançá-lo à própria obra de Deus. É ao demais, trabalho inútil, porquanto nem todos os anátemas do mundo seriam capazes de obstar a que a Ciência avance e a que a verdade abra caminho. Se a Religião se nega a avançar com a Ciência, esta avançará sozinha.” (“A Gênese”, cap. IV, “Papel da Ciência na Gênese”, seção 9, pág. 116, idem)

    “Somente as religiões estacionárias podem temer as descobertas da Ciência (…) Uma religião que não estivesse, por nenhum ponto, em contradição com as leis da Natureza, nada teria que temer do progresso e seria invulnerável.” (“A Gênese”, cap. IV, “Papel da Ciência na Gênese”, seção 10, págs. 116-117, idem)

    “Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade.” (“O Evangelho segundo o Espiritismo”, cap. XIX, “A Fé Transporta Montanhas”, item “A Fé Religiosa – Condição da Fé Inabalável”, seção 7, pág. 388, idem) —
    E, principalmente,

    “Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos velhos provérbios. Não admitais, portanto, senão o que seja, aos vossos olhos, de manifesta evidência. Desde que uma opinião nova venha a ser expendida, por pouco que vos pareça duvidosa, fazei-a passar pelo crisol da razão e da lógica e rejeitai desassombradamente o que a razão e o bom-senso reprovarem. Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea.” (“O Livro dos Médiuns”, cap. XX, “Da Influência Moral do Médium”, item 230, pág. 340, idem)

    Diante das circunstâncias, contudo, o que tenho pessoalmente observado é a recusa dos espíritas em analisar a questão. Ao contrário, delineiam nitidamente quatro subterfúgios, três dos quais serão aqui examinados, sendo o quarto tratado com especial detalhe na próxima parte:

    A) Ataques “ad hominem”;

    B) Acusações de prolixidade ou “verborragia”;

    C) O fato da psicografia “Há Dois Mil Anos” ser uma mera “obra de ficção”, sendo a identidade do “guia” Emanuel, assim, algo secundário;

    D) A comparação da historicidade de Lêntulo com a de Jesus e/ou Paulo de Tarso, subentendendo-se que, da mesma forma que Lêntulo é implausível historicamente, tanto Jesus quanto Paulo de Tarso também o são, o que não impede a sua aceitação.

    Quanto às acusações à minha pessoa, passo por alto; qualquer um que se dê ao trabalho de ler as mensagens do “blog” “Obras Psicografadas” referentes ao tema as poderá, se quiser, evidenciar.

    Quanto às acusações de prolixidade ou de “verborragia”, são obviamente falaciosas, evidenciando a total falta de argumentos daqueles que querem, a todo custo, justificar o injustificável – e, convenientemente, confundindo (ou procurando fazer os leitores confundirem) um tratamento cuidadoso e detalhado com “prolixidade” ou “verborragia”. Textos ou mensagens relativamente longos ocorrem pelo simples fato de que se quer analisar a questão da melhor forma possível, cotejando-se todos os pontos de vista, e mais, justificando todas as posições tomadas. A bibliografia por mim utilizada é citada e comentada, item a item, no próprio corpo de pesquisa, e várias notas de rodapé procuram elucidar detalhes específicos. A questão, ao menos a meu ver, é séria, e merece um tratamento assim cuidadoso, justamente para se evitarem assertivas gratuitas; e o próprio autor colocou-se, mais de uma vez, à disposição para elucidar quaisquer pontos referentes à análise histórica em si. Inclusive, os espíritas vangloriam-se de seu elevado nível intelectual, estando bem representados (assim asseveram) entre as camadas mais cultas e mais instruídas da população. Pela lógica, dever-se-ia esperar que recebessem bem estudos detalhados e minuciosamente documentados; que não titubeassem em os ler e em os analisar (utilizando tanto seus cérebros privilegiados quanto as premissas de sua “fé raciocinada”); e que, enfim, sem subterfúgios, e muito menos sem acusações gratuitas, refutassem, embasadamente, os pontos que julgassem duvidosos, ou mal documentados. Os leitores são convidados a ler as sucessivas trocas de mensagens, referentes a este tópico, no “blog” “Obras Psicografadas”, e a julgarem se, porventura, essa foi, no geral a atitude de tão “evoluídas” pessoas.

    Quanto ao fato de a psicografia “Há Dois Mil Anos” reduzir-se a uma mera obra de ficção, já foi aqui demonstrado que tal tese não se sustenta. Basta uma simples pesquisa num veículo de busca na Internet, o “Google”, p.ex., com nomes do tipo “Emmanuel”, ou “Lentulus”, para se verificar que os diversos portais espíritas consideram Emanuel EFETIVAMENTE como tendo sido, numa de suas encarnações passadas, a referida personagem – e sem serem em absoluto desencorajadas a isso por parte da liderança espírita kardecista. Ou seja, para os espíritas kardecistas, ao longo das últimas décadas, a autoridade do “guia” repousa, em larguíssima medida, na veracidade de sua identidade como “Públio Lêntulo”, sem que tenham sido avisados de que a obra seria apenas “ficção”, e a identificação do “guia”, um assunto secundário.

    Aliás, o caráter não ficcional da psicografia “Há Dois Mil Anos” (apesar do uso ambíguo da palavra “romance”) é explicitado, pelo próprio “guia”, na Introdução à mesma, intitulada “Na Intimidade de Emanuel – Ao Leitor”. Os trechos a seguir são, quanto a isso, cristalinos:

    “Leitor, antes de penetrares o limiar desta história, é justo apresentemos à tua curiosidade algumas observações de Emmanuel, o ex-senador Públio Lentulus, descendente da orgulhosa ‘gens Cornelia’, recebidas desse generoso Espírito, na intimidade do grupo de estudos espiritualistas de Pedro Leopoldo, Estado de Minas Gerais”.

    “Em 7 de setembro de 1938, afirmava ele em pequena mensagem endereçada aos seus amigos encarnados: ‘Algum dia, se Deus mo permitir, falar-vos-ei do orgulhoso patrício Públio Lentulus, a fim de algo aprenderdes nas dolorosas experiências de uma alma indiferente e ingrata. Esperemos o tempo e a permissão de Jesus’”.

    “Emmanuel não esqueceu a promessa. Com efeito, em 21 de outubro do mesmo ano, voltava a recordar, noutro comunicado familiar: ‘Se a bondade de Jesus nos permitir, iniciaremos o nosso esforço, dentro de alguns dias, esperando eu a possibilidade de grafarmos as nossas lembranças do tempo em que se verificou a passagem do Divino Mestre [i.e., Jesus] sobre a face da Terra’”.

    “Durante todo o esforço de psicografia, o Autor deste livro [i.e., Emanuel] não perdeu ensejo de ensinar a humildade e a fé a quantos o acompanham. Em 30 de dezembro de 1938, comentava, em nova mensagem afetuosa: ‘Agradeço, meus filhos, o precioso concurso que me vindes prestando. Tenho-me esforçado, quanto possível, para adaptar uma história tão antiga ao sabor das expressões do mundo moderno, mas, em relatando a verdade, somos levados a penetrar, antes de tudo, na essência das coisas, dos fatos e dos ensinamentos. Para mim essas recordações têm sido muito suaves, mas também muito amargas. Suaves pela rememoração das lembranças amigas, mas profundamente dolorosas, considerando o meu coração empedernido, que não soube aproveitar o minuto radioso que soara no relógio da minha vida de Espírito, há dois mil anos. (…)’”

    “No dia 4 de janeiro de 1939, grafava ele [i.e., Emanuel] esta prece, ainda com respeito às memórias do passado remoto: (…) ‘Diante de meus pobres olhos, desenha-se a velha Roma dos meus pesares e das minhas quedas dolorosas… Sinto-me ainda envolto na miséria de minhas fraquezas e contemplo os monumentos das vaidades humanas… Expressões políticas, variando nas suas características de liberdade e de força, detentores da autoridade e do poder, senhores da fortuna e da inteligência, grandezas efêmeras que perduram apenas por um dia fugaz!… (…) Ante minh’alma surgem as reminiscências das construções elegantes das colinas célebres; vejo o Tibre que passa, recolhendo os detritos da grande Babilônia imperial, os aquedutos, os mármores preciosos, as termas que pareciam indestrutíveis… Vejo ainda as ruas movimentadas, onde uma plebe miserável espera as graças dos grandes senhores, as esmolas de trigo, os fragmentos de pano para resguardarem do frio a nudez da carne. Regurgitam os circos… Há uma aristocracia do patriciado observando as provas elegantes do Campo de Marte e, em tudo, das vias mais humildes até os palácios mais suntuosos, fala-se de César, o Augusto!… (…)’”

    O sr., sr. Roberto, e também qualquer leitor, leiam os trechos acima selecionados e vejam se aí não há a pretensão clara, por parte do próprio Emanuel, de que a psicografia “Há Dois Mil Anos” efetivamente contava suas memórias REAIS como “Públio Lêntulo”, suas recordações da antiga Roma…

    Portanto, resumindo o que até aqui foi DEMONSTRADO:

    A) Um (pretenso) espírito-guia apresentou-se a um médium dos confins das Gerais, no final da década de 1930, como tendo sido “Públio Lêntulo”, um senador romano contemporâneo de Cristo, bisneto de Lêntulo Sura, etc.; tanto a autenticidade da manifestação quanto a identidade do “guia” foram considerados autênticos pelo movimento espírita kardecista brasileiro, como um todo;

    B) Não se tratou a identificação de mero “nom de plume”, e nem a psicografia de ficção – a identificação do guia foi tomada por ele, por seu médium Xavier e pelo movimento espírita brasileiro como um todo como algo efetivo e como fato consumado, e suas peripécias na antiga Roma e na Judéia como fatos REAIS;

    C) O ônus da prova, tanto no que se refere à autenticidade do fenômeno quanto à identidade da “entidade”, cabem a quem por primeiro os esposou, e com eles lucrou – aos espíritas kardecistas brasileiros, que, quanto a isso, aparentemente nada fizeram, limitando-se a aceitar tais alegações como um rebanho de ovelhas aceita a orientação de seu pastor;

    D) No entanto (como sobejamente demonstrado), tal personagem já era considerado fictício pela historiografia séria na própria época das referidas manifestações – sendo inclusive perfeitamente possível, e relativamente fácil, a qualquer pessoa interessada obter as informações necessárias quanto a isso;

    E) Os estudos posteriores (principalmente de índole genealógica, prosopográfica e epigráfica) apenas confirmaram e fortaleceram a total implausibilidade da existência desse “Lêntulo”, bem como de sua “carta”, endereçada ao Senado romano (ou ao Imperador);

    F) Tal implausibilidade diz respeito à existência da referida personagem, à sua descrição do mundo romano de sua época e ao modo como nomeava as personagens romanas da própria psicografia – tendo sido tudo isso, igualmente, demonstrado quase “ad nauseam” em minha pesquisa;

    G) Todos esses dados, que perfazem uma dúvida MUITO ALÉM DA MERAMENTE RAZOÁVEL acerca da identidade do referido guia, foram apresentados do modo mais cuidadoso e documentado possível, em pesquisas disponíveis no “blog” “Obras Psicografadas”, bem como nos respectivos comentários que se seguiram;

    H) Ao invés de fazer o que tinham que fazer DESDE O INÍCIO (ou seja, PROVAR RACIONAL E OBJETIVAMENTE, inclusive contra o consenso historiográfico tanto da época quanto posterior, a existência efetiva desse Lêntulo, e mais, a identificação de tal personagem com o “guia” Emanuel), ou então de examinar as evidências apresentadas e a questão em si, os espíritas kardecistas, fiéis sem dúvida à sua “fé raciocinada”, somente puderam apresentar: a) ataques “ad hominem”; b) acusações (infundadas) de prolixidade ou de “verborragia” (a fim de esconder sua ignorância e sua falta de argumentos minimamente razoáveis); c) alegar que “Há Dois Mil Anos” era uma mera “obra de ficção”, sendo então a identidade de “Emanuel” algo secundário – algo desmentido pelo próprio livro; d) escorar-se na comparação entre a historicidade de “Lêntulo” e a de Jesus e/ou Paulo de Tarso.

    Fazer o que tinham que fazer – provar seus pontos de vista, mostrar que Lêntulo existiu, e que foi Emanuel – isso não foi feito. Na próxima (e última parte), analisa-se o último dos subterfúgios utilizados pelos espíritas kardecistas para tentar justificar o injustificável – alegar que, sendo as “evidências históricas” de Jesus, ou de Paulo de Tarso, tão “fracas” quanto as de “Lêntulo”, então não se poderia, por isso, descartar “Lêntulo”.


    QUARTA E ÚLTIMA PARTE – O MAIS RECENTE DOS SUBTERFÚGIOS INTENTADOS PELOS ESPÍRITAS: A COMPARAÇÃO DA HISTORICIDADE DE “LÊNTULO” COM A HISTORICIDADE DE JESUS E/OU DE PAULO DE TARSO

    Basicamente, em termos do subterfúgio em questão, assevera-se que personagens como Jesus, ou mesmo Paulo de Tarso (São Paulo Apóstolo), têm atestação histórica tão superficial quanto a de “Lêntulo” (sendo Jesus basicamente conhecido a partir dos Evangelhos canônicos, e Paulo basicamente a partir de suas cartas, e do livro neotestamentário dos Atos dos Apóstolos). Não obstante, tanto Jesus quanto Paulo são considerados personagens históricas, reais. Assim, desse modo, e seguindo o mesmo princípio, “Lêntulo”, apesar de sua implausibilidade histórica, também deveria ser considerado “ipso facto”, ou existente a partir dos testemunhos que se possuem, ou a ele dever-se-ia dar, ao menos, o “benefício da dúvida”. Ou, pondo-se o argumento sob outra forma, defender a implausibilidade/inexistência de “Lêntulo” implicaria automaticamente em, por coerência, defender o mesmo tanto para Jesus quanto para Paulo.

    Uma primeira explicação de nossa parte, centrada nos diferentes tipos de testemunhos históricos que se poderiam, ou deveriam, esperar, foi rejeitada pelo sr., sr. Roberto, com base nos pressupostos citados no parágrafo anterior.

    Tal linha de argumentação, aparentemente coerente, e mesmo poderosa, revela-se, contudo, quando se a examina com mais detalhe, totalmente falaciosa. Examinaremos a questão com detalhe a partir de agora.

    Em primeiro lugar, deve-se insistir nos, e mesmo enfatizar os, diferentes tipos de testemunhos históricos que podem sobreviver a respeito de determinadas épocas, ou mesmo referentes a determinadas pessoas. O argumento geral que antes já havíamos esboçado, ou seja, de que se tratam de dois casos substancialmente diferentes (por um lado, “Lêntulo”; por outro, “Jesus/Paulo”) foi negado, mas não foi absolutamente refutado – mesmo porque não pode sê-lo. Convém repeti-lo, ainda que resumidamente, e firmar sua coerência e inatacabilidade.

    O tipo de testemunho histórico, ou de evidência histórica, referente a determinada pessoa, dependerá da importância relativa que tal pessoa teve em sua vida. Portanto, pode-se esperar que pessoas poderosas, ou ligadas diretamente ao círculo de poder (como, no caso da Roma Imperial dos Júlio-Cláudios, os próprios Imperadores e os senadores) tenham legado à posteridade uma quantidade maior de testemunhos acerca de si, quer nas fontes históricas (historiadores, poetas, etc.), quer, mesmo, no importantíssimo testemunho epigráfico. Isso, aliás, é assim em qualquer época, ou lugar – a memória dos poderosos tem maior probabilidade de deixar vestígios. Especificamente nos dois conjuntos de personagens considerados (por um lado “Lêntulo”, por outro “Jesus/Paulo”), um referia-se (pretensamente) a um membro duma das mais distintas famílias do patriciado, com ligações diretas com o círculo do poder; outro referia-se a “judeus comuns”, que sequer sacerdotes eram, iniciador um e propagador outro duma (então) obscura seita messiânica judaica. Portanto, independente de qualquer outra coisa, dever-se-ia esperar uma probabilidade maior de testemunhos contemporâneos (ou imediatamente pós-contemporâneos) sobreviventes de “Lêntulo” do que de “Jesus/Paulo” (isso para não mencionar os próprios Imperadores).

    Isso é um fato, e um fato lógico, que não foi em absoluto refutado, e que não pode sê-lo.

    Obviamente, nem todos os “600 senadores”, e suas respectivas famílias, deixaram testemunhos, quer nas fontes históricas, quer na epigrafia (embora o período em questão, de Augusto e dos Júlio-Cláudios, seja, contrariamente ao que alguns sábios espíritas disseram, um dos mais bem documentados da História romana, conforme aliás já se demonstrou); o simples fato de se estar “entre os maiorais” não era, necessariamente, passaporte para a sobrevivência histórica. E o fato de se ser “humilde” ou mesmo “marginal” não era também, em absoluto, uma condenação ao esquecimento. Não obstante, os “humildes” e “marginais” somente se tornavam conhecidos quando, por alguma razão, criavam problemas – eles próprios, ou seus adeptos posteriores. Assim, Espártaco, o escravo trácio fugitivo, que aterrorizou a Campânia nos fins da República, garantiu sua sobrevivência histórica, ao passo que muitos senadores do mesmo período caíram no total olvido. E o mesmo se diga, quanto a isso, de Jesus, ou de Paulo de Tarso, ou mesmo dos Apóstolos. Em sua própria época, quando vivos, eram ainda por demais insignificantes para deixarem, DIRETAMENTE, testemunhos seus nas fontes históricas romanas, mesmo na epigrafia. Jesus, como não escreveu nada, não deixou nenhum testemunho direto; quanto a Paulo, deixou algumas de suas cartas, e aspectos de sua vida foram narrados por seu auxiliar e companheiro de missão, o médico Lucas de Antióquia, no escrito neotestamentário denominado “Atos dos Apóstolos”.

    Mas não seria esse, justamente, o caso de “Lêntulo”? Deve-se inicialmente levar em conta que a personagem em questão (se existente) estava (segundo seu próprio testemunho ao longo da psicografia “Há Dois Mil Anos”) no mais íntimo círculo do poder; que, em termos genealógicos, tinha uma história familiar bem pouco usual, sendo bisneto, por linha paterna, de Lêntulo Sura, o conhecidíssimo conspirador catilinário imortalizado por Cícero e por Salústio (duas fontes históricas importantes do final da República); que, posteriormente, havia estado entre os “patrícios” que urdiram a conspiração contra Nero; que havia servido na própria guerra judaica, ao lado de Tito, como “consultor” e como membro do conselho de guerra. Ora, trata-se duma carreira notável, e importante – muito acima da média. Após a deposição e o suicídio de Nero (68 dC), que pôs fim à dinastia Júlio-Cláudia, seguiu-se uma rápida mas sangrenta guerra civil (68-69 dC), quando quatro Imperadores sucessivamente disputaram o trono (Galba, Otão, Vitélio e Vespasiano). Com a vitória deste último, general competente, que inaugurou a nova dinastia dos Flávios (69-96 dC), todos os seus partidários (e “Lêntulo” foi, por força do que ele próprio narrou em “Há Dois Mil Anos”, um partidário dos vitoriosos Flávios – chegando a lutar ao lado do filho de Vespasiano, Tito, na campanha judaica, e com um cargo importante) foram regiamente recompensados. Há abundantes evidências, principalmente epigráficas, desse processo. “Lêntulo”, um dos “vitoriosos”, ou melhor, estando no “lado correto”, teria também de sê-lo; pela lógica da época, teria de ter obtido pelo menos um consulado sufeta; teria, assim, deixado algum rastro na História, e mais: forçosamente teria sido mencionado por Flávio José na sua “Guerra Judaica”. O historiador judeu, ex-guerrilheiro, agora protegido dos Flávios, fatalmente não se furtaria em escrever umas poucas linhas que fossem acerca dessa notável carreira, desse notável e leal servidor da nova dinastia – ainda mais com o seu peso familiar, dos Cornélios Lêntulos, uma das mais antigas e prestigiosas casas da aristocracia patrícia… E, no entanto, não apenas não cita, em nenhum lugar de suas obras, esse “Lêntulo”, como também se dá ao trabalho de mencionar a composição do “conselho de guerra” de Tito, antes do assalto final a Jerusalém – no qual não constava nenhum “Lêntulo”… Maldita história!…

    A situação, portanto, por si só, já é um tanto desconfortável. Esse “Lêntulo” não é citado em parte alguma, nem mesmo no lugar que disse que ocupava (o “conselho de guerra” de Tito), e, por outro lado, de todos os Lêntulos citados no período (e são muitos), nenhum se encaixa no seu perfil, nenhum “é ele”, e mais, nenhum desses citados e documentados descende de Lêntulo Sura, o conspirador catilinário…

    Assim, a questão dos diferentes tipos de testemunhos ou de evidências históricas já cria uma situação problemática para esse “Lêntulo”. Claro, ainda não se trata, neste ponto, dum “caso perdido”; afinal, se Jesus e Paulo têm os textos neotestamentários, “Lêntulo” tem, a seu favor, tanto a sua “carta” quanto o inefável testemunho emanuelino.

    Tudo isso posto, e “esquecendo-se”, por um momento, que, afinal, não somos nós que temos que demonstrar à exaustão que “Lêntulo” não existiu, mas sim os espíritas que têm que demonstrar, à exaustão, que ele, ao contrário, existiu, as duas considerações a seguir são suficientes para derrubar totalmente a suposta comparação entre os casos de “Lêntulo”, por um lado, e de “Jesus/Paulo”, por outro, pondo as coisas em seu devido lugar:

    A) Os Evangelhos canônicos, os Atos dos Apóstolos e as cartas paulinas são, efetivamente, fontes históricas, confeccionadas quer contemporaneamente, quer pós-contemporaneamente aos eventos que narram, ou às personagens que descrevem – sendo como tais consideradas por todos os historiadores sérios. Têm, além disso, uma “corrente de transmissão” bem estabelecida e ininterrupta desde então. Ao contrário, os “testemunhos” acerca de Lêntulo não são, em absoluto, nem fontes históricas, e nem podem exibir uma “corrente de transmissão” estabelecida ou ininterrupta: tem-se, ao cntrário, uma “carta” forjada no séc. XV dC, ou, na melhor das hipóteses, nos finais do séc. XIV dC, que surge do nada, de repente, sem nenhum testemunho anterior, a par duma “psicografia” do ano de 1939…

    B) Além disso, os escritos neotestamentários, principalmente os Atos dos Apóstolos (que, quanto a isso, pode ser confrontado com um maior número de situações histórico-geográficas verificáveis por outros testemunhos), são fontes históricas confiáveis, preservando inclusive informações perdidas que somente foram reencontradas recentemente, mercê de pesquisas arqueológicas. Por outro lado, os “testemunhos” de Lêntulo (sua “carta” e a “psicografia” “Há Dois Mil Anos”) são um amontoado de equívocos e de erros históricos (como já se demonstrou).

    Agora, analisemos com vagar cada uma das assertivas, “A” e “B”.

    Os textos dos Evangelhos canônicos (principalmente), mas também os Atos e os demais textos do Novo Testamento têm, quanto a seus textos, ou a parte deles, testemunhos FÍSICOS (papiros) que remontam ao início do séc. II dC – sendo, assim, pós-contemporâneos aos eventos que narram, e às personagens que descrevem. Com efeito, o fragmento de papiro denominado P52 (“Papiro Rylands”, originariamente um códice, atualmente na Biblioteca John Rylands, em Manchester, Reino Unido) é datado, pelos mais eminentes papirólogos mundiais, do início do séc. II dC (110-125 dC), e exibe fragmentos do Evangelho de João: o diálogo de Pilatos com os judeus (cap. 18, vers. 31-33) e com Jesus (idem, vers. 37-38). O assim denominado “Papiro de Oxirrinco 3523” (P90), atualmente no Museu Ashmoleano de Oxford, Reino Unido, mostra igualmente porções do Evangelho de João (18:36 a 19:7), sendo datado pelos especialistas nos meados do séc. II dC. Em 1935, foi publicado outro papiro, denominado “Papiro Egerton 2” (do nome de seu comprador e proprietário), datável do período 130-150 dC, o qual mostrava trechos aparentemente presentes nos quatro Evangelhos canônicos. O papiro denominado “Bodmer II” (P66), de c. 200 dC, na Biblioteca Bodmeriana de Genebra, contém quase todo o Evangelho de João, em 154 páginas numeradas, escritas em maiúsculas. Para uma tabela dos principais manuscritos neotestamentários sobreviventes (tanto papiros quanto pergaminhos), com suas datações estimadas, pode-se consultar com proveito http://www.skypoint.com/members/waltzmn/MSConv.html; especificamente para detalhes acerca dos principais papiros (que englobam os mais antigos testemunhos), ver http://www.skypoint.com/members/waltzmn/ManuscriptsPapyri.html.

    Portanto, evidencia-se uma sucessiva e contínua cadeia de transmissão dos textos do Novo Testamento, inicialmente via papiros, posteriormente via pergaminhos, desde o início do séc. II dC (época imediatamente pós-contemporânea aos eventos narrados e às pessoas referidas), até ao séc. XV dC e à invenção da imprensa de tipo móvel. Quanto aos papiros, atualmente há cerca de 100 espécimes (numerados P1 a P98), cobrindo do início do séc. II dC ao séc. VII ou VIII dC. Quanto aos códices (livros em pergaminho), cobrem do séc. IV dC ao séc. XV dC, havendo mais de 4.200 espécimes: a) os denominados “maiúsculos” (unciais), cobrindo do séc. IV ao X dC, são em torno de 210 (entre eles se contam os famosos Códice Vaticano, Códice Sinaítico e Códice Alexandrino); b) os “minúsculos” (cursivos) vão do séc. IX ao XV, somando cerca de 2.400 espécimes; c) enfim, os “lecionários” (contendo os trechos das Sagradas Escrituras que eram lidos publicamente nas funções litúrgicas), cobrem do séc. VI dC ao séc. XV dC, sendo mais de 1.600.

    Compare-se, assim, toda essa cadeia de transmissão, toda essa massa de testemunhos, que vai quase à época dos próprios eventos, com o que se tem a respeito de “Lêntulo”. Conforme já se comentou (e se demonstrou) nesta mensagem, não há NENHUMA menção a “Lêntulo”, em nenhum manuscrito de qualquer espécie, em papiro ou pergaminho, em obras sobreviventes ou em palimpsestos, até ao séc. XV dC. Mil e quatrocentos anos, aproximadamente, sem menção de qualquer espécie; depois, uma série de manuscritos da “carta”, repletos (como se viu) de erros e de incoerências a respeito tanto da personagem quanto de seu cargo e de sua situação. E, mais uns trezentos anos, e eis que surge… a “psicografia” “Há Dois Mil Anos”, de 1939, que dá mais alguns “detalhes” da personagem (bisneto de Lêntulo Sura, membro do “conselho de guerra” de Tito, etc.), detalhes esses ou inverificáveis e inverossímeis, ou então francamente desmentidos por fontes históricas independentes.

    E, adicionalmente, a essa “cadeia de transmissão”, notam-se, para os testemunhos neotestamentários, já alusões (como comentado) nas próprias fontes históricas, pagãs ou mesmo judaicas, a partir do instante em que o “movimento cristão” se tornou conhecido: as citações já comentadas em Suetônio, em Tácito, em Plínio o Moço; mesmo as alusões tanto a João Batista quanto a Jesus (o “Testimonium Flavianum”) em Flávio José (esposo a autenticidade parcial do “Testimonium”, seguindo o raciocínio de John P. Meier no 1o volume de sua coleção “Um Judeu Marginal”).

    Isso tudo quanto à “tradição manuscrita” e à “cadeia de transmissão”, de um lado para “Lêntulo”, de outro para “Jesus/Paulo”, bem como as menções nas próprias fontes históricas pós-contemporâneas. Nada disso ocorre com “Lêntulo” – nem de longe; ao contrário, mil e quatrocentos anos de silêncio, até ao surgimento da “carta” apócrifa, e mais de mil e novecentos anos até à escrita da “psicografia”. Mas não se trata, em absoluto, apenas disso – apenas da antiguidade e da persistência da “cadeia de transmissão”. Trata-se da própria exatidão dos textos.

    No caso de “Lêntulo”, examinando-se a “carta” e a “psicografia”, encontram-se ambas eivadas de contradições. Não se trata apenas, assim, de implausibilidade de identificação. A “carta” é um documento flagrantemente apócrifo, cheia de inexatidões (já examinadas em detalhe nesta mensagem); quanto à “psicografia”, basta ler minha própria pesquisa, disponibilizada no “blog” “Obras Psicografadas” (em seu texto integral, ou numa tabela resumida), ou o trabalho acerca da onomástica romana presente em “Há Dois Mil Anos”, para se ter a relação de todas essas incoerências, inadmissíveis em alguém que, pretensamente, teria vivido na época.

    Os “testemunhos” de “Lêntulo”, assim, são tanto descontínuos (intervalo de uns mil e quatrocentos anos entre os eventos narrados e as pessoas envolvidas e o primeiro “testemunho” disponível, a tal “carta”) quanto flagrante e demonstravelmente incorretos.

    Não é o que ocorre com as fontes neotestamentárias referentes a Jesus e/ou Pedro. A partir de agora, faz-se uma pequena análise acerca dos “Atos dos Apóstolos”, que se constituem, por suas características de “narrativa”, como a fonte que mais se presta a desafios/comparações de índole histórico-geográfica com o que se poderia averiguar por testemunhos independentes; seria o que de mais próximo haveria da “psicografia” “Há Dois Mil Anos”. Não obstante, enquanto esta se revela nitidamente incorreta e não confiável, aqueles se revelam confiáveis, e mesmo exatos. Uns poucos exemplos:

    A) A menção à “coorte itálica” presente na Cesaréia Marítima (Atos, 10:1-2), coincidente com a indicação de tropas auxiliares com esse nome presentes na região síria nessa época (assunto inclusive citado em minha pesquisa);

    B) As fomes no tempo de Cláudio: citadas em Atos, 11:27-30, fato confirmado tanto por Suetônio (“Vida de Cláudio”, par. 18) quanto por Tácito (“Anais”, livro 12, cap. 45) e por Cássio Dião (“História Romana”, epítome do livro 60, cap. 11); trata-se, no caso, daquela que ocorreu em 44-45 dC, a pior delas;

    C) O caso do altar “ao deus desconhecido” em Atenas: cf. Atos, 17;22-25. Com efeito, Pausânias (“Descrição da Grécia”, livro I, cap. 1, seção 4), que visitou Atenas entre 143 e 159 dC, fala de altares dedicados pelos atenienses “aos deuses desconhecidos”; Diógenes Laércio, na sua biografia de Epimênides de Cnossos (“Vidas e Doutrinas dos Filósofos”, livro I, cap. 10, seção 10), fala de ovelhas soltas em Atenas durante uma peste e imoladas cada uma, de acordo com as instruções de Epimênides, onde se deitava, “ao deus do lugar”, concluindo: “Desse modo, até aos nossos dias se podem achar na Ática altares sem dedicatória a um deus conhecido, como memoriais desse acontecimento”. Enfim, Filóstrato (“Vida de Apolônio de Tiana”, livro 6, cap. 3) faz seu biografado mencionar o fato de que em Atenas eram erguidos altares até mesmo a deuses desconhecidos;

    D) A expulsão dos judeus de Roma, sob Cláudio: ao retornar a Corinto, depois de ter estado em Atenas, Paulo encontrou um judeu chamado Áquila, natural do Ponto, recém chegado da Itália com sua esposa Priscila (ou Prisca), já que Cláudio havia expulsado os judeus de Roma (cf. Atos, 18:2). Com efeito, houve tal expulsão (cf. Suetônio, “Vida de Cláudio”, par. 25). O casal voltará a Roma mais tarde (carta aos romanos, 16:3);

    E) Galião como procônsul da Acaia: Galião é mencionado como procônsul da Acaia em Atos, 18;12-17. Com efeito, uma inscrição comemorativa de Delfos (SIG 2, 801-D), datada de 53 dC, e descoberta (em etapas) entre 1885 e 1910, permite localizar Lúcio Júnio Galião Aneano (irmão de Sêneca o Filósofo, e adotado por Lúcio Júnio Galião) como procônsul da Acaia no período 51-52 dC (detalhes específicos acerca dessa inscrição délfica no seguinte endereço: http://www.kchanson.com/ANCDOCS/greek/gallio.html);

    F) Os magistrados da Tessalônica, corretamente denominados “politarcas”: cf. Atos, 17:1-9, especialmente o versículo 6 (no original grego). Esse termo permaneceu virtualmente esquecido, mas pôde ser recuperado, a partir das escavações modernas: embora os magistrados epônimos da Tessalônica fossem “sacerdotes” (“hiereis”), os oficiais encarregados da administração eram, efetivamente, os politarcas. Cf. “Eponymous Officials of Greek Cities II” – Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik 84, 1990, págs. 231–295; como oficiais (mas não epônimos) na Tessalônica, pág. 249; como epônimos em Caradro, no Épiro, pág. 236; em Anfípolis, págs. 248-249; e na Beréia, págs. 249-250;

    G) Os Sérgios Paulos de Chipre e a missão na Galácia: estando Paulo e Barnabé em missão na ilha de Chipre (de onde Barnabé era originário), converteram o governador da ilha, o procônsul Sérgio Paulo (Atos, 13:4-12); zarpando então de Pafos, dirigiram-se ambos para a Ásia Menor; desembarcando em Perga da Panfília, adentraram-se até Antióquia da Pisídia, ao norte (Atos, 13:13-14). Ora, uma série de recentes descobertas arqueológicas, tanto em Chipre quanto em Roma e em Antióquia da Pisídia, lançam uma nova luz sobre esse trecho do livro:

    G.1) Duas inscrições gregas em Chipre mencionam Sérgios Paulos: a) uma, de Solos, encontrada em 1877, menciona um “procônsul Paulo”: “Apolônio a seu pai […] consagrou este recinto e o respectivo monumento, de acordo com os desejos de sua família […] tendo ocupado os ofícios de agorânomo, prefeito, secretário e sacerdote, e estando a cargo dos registros oficiais. Erigido no dia 25 do mês de Demarquexúsio, no décimo terceiro ano [de Cláudio, i.e., 53-54 dC]. E ele [Apolônio] também alterou a lista dos decuriões, com o auxílio de assessores, sob Paulo o [proc]ônsul (“epi Paulou [anthy]patou”)”. A inscrição em si data de 53-54 dC, mas a reorganização da lista dos decuriões (senadores municipais) é mencionada como fato anterior – ou seja, esse [Sérgio] Paulo havia sido procônsul de Chipre algum tempo antes; b) outra, de Citéria (atualmente no Museu Metropolitano de Arte de Nova York), numa placa de mármore azulado, refere-se a um decreto regulamentando sacrifícios e oferenda, mencionando “[…]iou Kaisaros Sebastou kai [epi] Kointou Ser[ghiou] [Paulou anthypatou?]”, citando um Quinto Sérgio [Paulo], atuante em Chipre provavelmente sob o império de Gaio (Calígula), 37-41 dC;

    G.2) De modo complementar, outra inscrição em latim (GIL VI.3 1.545), encontrada em Roma em 1887, menciona um Lúcio Sérgio Paulo como um dos curadores das margens do Tibre (“curatores riparum et alvei Tiberis”) sob Cláudio (“ex auctoritate Ti. Claudi Caesaris Aug. Germanici”, i.e., entre 41-54 dC);

    G.3) Enfim, duas inscrições encontradas em Antióquia da Pisídia mencionam membros dessa família: a) a primeira em 1912 menciona “Lúcio Sérgio Paulo, o moço, filho de Lúcio” (sendo que houve um Lúcio Sérgio Paulo cônsul sufeta em 72 ou em 78 dC); b) a segunda em 1913 menciona uma Sérgia Paula, filha de Lúcio, casada com Gaio Caristânio Frontão, que, por sua vez, foi cônsul ordinário em 90 dC.

    G.4) A partir daí, e via estudos complementares, Settipani (“Continuité Gentilice”, pág. 114) pôde reconstituir a árvore genealógica dos Sérgios Paulos: a) primeira geração: dois irmãos, Lúcio (que foi curador das margens do Tibre, e procônsul de Chipre 46-48 dC) e Quinto (procônsul de Chipre na época de Calígula); b) segunda geração: o filho de Lúcio, Lúcio Sérgio Paulo, o Moço, cônsul sufeta 72 ou 78 dC; c) terceira geração: seus dois filhos: Lúcio Sérgio Paulo, quatuórviro encarregado da limpeza das ruas de Roma (“quattuorvir viarum curandarum”) e cônsul designado para 96 dC, e Sérgia Paula, a esposa de Gaio Caristânio Frontão, que foi cônsul 90 dC.

    G.5) Estabelece-se assim todo o nexo da referida passagem dos “Atos”: confirma-se a proeminência dos Sérgios Paulos em Chipre na época de Calígula e de Cláudio (37-54 dC), i.e., na época em que Paulo e Barnabé lá atuaram; e mais, o fato de que a família tinha interesses no interior da Ásia Menor, na região da Pisídia e da Galácia (centro em Antióquia da Pisídia), para onde, logo após Chipre, Paulo e Barnabé se dirigiram.

    Que os exemplos listados acima sirvam para demonstrar a confiabilidade histórica dos “Atos”, sendo que os três últimos (“E”, “F” e “G”) referem-se a DETALHES PERDIDOS DESDE HÁ MUITO, E QUE SOMENTE PUDERAM SER RECUPERADOS EM ÉPOCAS RECENTES. Compare-se tal situação com a mixórdia tanto da “carta de Lêntulo” quanto da “psicografia” “Há Dois Mil Anos”, onde pululam equívocos e erros, como já exaustivamente se demonstrou.

  36. Vitor Diz:

    Assim sendo, torna-se evidente que qualquer tipo de comparação entre a situação de “Lêntulo” e de “Jesus/Paulo” é falaciosa. No primeiro caso, não apenas não há fontes históricas (durante mil e quatrocentos anos NENHUMA menção a Lêntulo), mas os testemunhos (a “carta” e a “psicografia”) mostram-se eivados de contradições, enganos e erros. No segundo caso, lidam-se, ao contrário, com genuínas fontes históricas, que mostram não apenas uma “cadeia de transmissão” ininterrupta desde a época imediatamente pós-contemporânea, mas exibem igualmente um alto grau de exatidão histórica, inclusive em assuntos há muito perdidos e esquecidos, e que somente recentemente puderam ser novamente trazidos à luz.

    É justamente por isso que, em termos da evidenciação histórica, não há dúvidas acerca da existência real quer de Jesus, quer de Paulo de Tarso; o que não ocorre com “Lêntulo” – o consenso histórico rejeita tanto a “carta” quanto a própria identidade da pessoa que a teria escrito.

    Tome-se, para finalizar, um testemunho entre tantos: o posicionamento duma prestigiosa obra de referência para toda a época greco-romana, e que não pode, em absoluto, ser acusada de credulidade ou de parcialidade, o “The Oxford Classical Dictionary” terceira edição, Simon Hornblower e Antony Spawforthy Editors, Oxford University Press, 1996 – da Oxford do Reino Unido; e escrito via colaboração de especialistas nos vários temas. Na pág. 1.128, consta uma pequena biografia de São Paulo Apóstolo, tratado normalmente como uma figura histórica:

    “St Paul was a convert from Pharisaic to Messianic Judaism as a result of a mystical experience (Gal 1:12 and 16) when he believed himself called to be the divine agent by whom the biblical promises about the eschatological ingathering of the pagans would be fulfilled. That transference of allegiance led him to renounce his previous religious affiliations (Phil. 3:6f), even though the form of his religion remains in continuity with apocalyptic Judaism. We know him as the result of letters which he wrote over a period of about ten years to maintain communities of Jews and gentiles in Rome and several other urban centres in a pattern of religion which enjoined faithfulness to Jesus Christ as the determining factor in the understanding of the Mosaic Law. His subordination of the Law inevitably led to conflict with Jewish and Christian opponents who suspected him of antinomianism and apostasy. His doctrine of justification by faith was hammered out as a way of explaining his position in relation to Jewish Law. He commended Christianity as a religion which was both the fulfillment of the Jewish tradition and also the negation of central precepts like food laws and circumcision, though he was emphatic in his rejection of idolatry. In his letters we have clear evidence of the emergence of identifiable Christian communities separate from Judaism with a loose adherence to the Jewish tradition as interpreted by Paul. At the end of his life he organized a financial offering for the poor in Jerusalem from the gentile churches he had founded. According to Acts his journey to Jerusalem with this collection preceded his journey to Rome where later Christian tradition suggests that he died in the Neronian persecution. The letters in the New Testament which are widely assumed to be authentic are Romans, 1 and 2 Corinthians, Galatians, Philippians, 1 Thessalonians, and Philemon, and possibly Colossians and 2 Thessalonians. Ephesians and 1 and 2 Timothy and Titus are probably pseudonymous. This last group of documents indicates the direction of the Pauline tradition after the apostle’s death when accredited teachers began to be ordained to ensure the preservation of the apostolic traditions and institutions in the face of emerging Gnosticism and antinomianism”. (artigo sob responsabilidade de Christopher C. Rowland, Dean Ireland’s Professor de Exegese e Escrituras Sagradas da Universidade de Oxford).

    Igualmente, no artigo “Christianity” (págs. 325-28), a figura de Jesus é, naturalmente, tratada como histórica: “(…) Christianity began as a Jewish sect and changed its relationship with the Jewish community at a time when both groups were affected by later Hellenism (…) The first followers of Jesus inhabited a political system, the Roman empire, that regarded Jews as singular. (…) Jesus lived, therefore, in a divided Palestine. The rule of Rome and the fortunes of her Jewish allies seemed secure; but the cruelty of Herod had kept alive strong forces of resistance and revolt. (…) It is likely that Jesus reflected several tendencies in the Judaism of his day. Followers saw him variously as a forerunner of the rabbis, holy man, wonder worker, rebel, and prophet. Attempts to decide how he saw himself have proved difficult. (…)” (artigo sob a responsabilidade de Philip Rousseau, Professor Associado de História, Universidade de Auckland, Nova Zelândia).

    Não obstante, é inútil procurar-se, nesta obra de referência, por “Públio Lêntulo” (apesar de constarem vários Lêntulos históricos, reais). Que fique tudo isso como um testemunho do “estado da arte” atual da historiografia a respeito de tais assuntos.

    Obviamente, a reação de alguns a todos os argumentos e demonstrações detalhadas constantes desta mensagem já é esperada: acusações de “verborragia”, de que se trata de texto “longo”, etc.; igualmente, torcerão os argumentos, taparão os próprios olhos e teimarão em não aceitar as evidências. Não obstante, toda a questão foi exposta da forma mais completa e documentada possível, com o máximo de cuidado; mesmo assim, tenho certeza, será vilipendiada por alguns, que, ao contrário, não poderão contrapor argumentos plausíveis e racionais a cada uma das constatações e demonstrações ora feitas, e nem, muito menos, arcar com os desafios lançados. Como última mensagem àqueles que persistem se agarrando à autenticidade de “Lêntulo”, que confeccionem então, se têm tanta confiança em seus próprios conhecimentos, um trabalho detalhado sobre o assunto, demonstrando racionalmente, e com evidências palpáveis, seus pontos de vista, e o apresentem como trabalho histórico sério, para publicação. A presente mensagem procurou, assim, encerrar, de vez, as discussões sobre o assunto, até que contra-argumentos efetivos (e não acusações e ilações desesperadas de fanáticos) sejam apresentados.


    PÓS-ESCRITO: TRÊS DIÁLOGOS IMAGINÁRIOS

    Até aqui cuidei de demonstrações – nada foi inventado, e nada do que foi dito o foi sem justificativa, e justificativa detalhada (ao contrário do que ocorre com os defensores de “Lêntulo”, que esbravejam, mas não mostram nada). Portanto, creio que, agora, posso permitir-me, sr. Roberto, um pequeno exercício de ficção – em três diálogos. Dois deles eu, sinceramente, gostaria de ter travado; o outro é o que, infelizmente, venho sendo forçado a travar.

    A) PRIMEIRO DIÁLOGO

    Duvidador Leal: Então, sobre minhas pesquisas históricas que derrubam a identificação do espírito “guia” “Emanuel”, que me dizes?

    Espírita Kardecista: Li tudo, e reli. Andei pesquisando por fora, mandei-te aquelas dúvidas, que me respondeste… e, realmente, o argumento, em seu conjunto, é coerente.

    Duvidador Leal: Então, reconheces que as evidências são acachapantes?

    Espírita Kardecista: Tenho que reconhecer. Mas isso ainda me parece um sonho… Digo, algo incrível. Olha, não é pela tua pesquisa, é que… Bem, alguém da envergadura moral de Xavier ter sido enganado assim, por tantos anos…

    Duvidador Leal: Ora, há, quanto a isso, outras explicações; para início de conversa, quem é que pode garantir que o fenômeno foi, em si, algo ligado à mediunidade? Tu bem sabes que não acredito nessas coisas… Poderia ter sido o subconsciente de Xavier; isso em absoluto o desmereceria em termos morais.

    Espírita Kardecista: Cá já entramos num outro tipo de assunto, que não gostaria de abordar contigo, ao menos não por enquanto. Tu negas tais fenômenos, eu os aceito. Deves ter motivos para a tua negação, mas eu te asseguro que tenho motivos para a minha aceitação. Assim, me é difícil simplesmente aceitar tuas conclusões, e simplesmente dizer que tudo não passou de fantasia… Como é que as esferas espirituais não interferiram? E como se pôde construir tanta coisa boa, e tanto bem pôde ser feito a tantos, a partir duma mentira?

    Duvidador Leal: É uma frase velha, mas creio que ainda vale: “os desígnios de Deus são imperscrutáveis” (bonito, não?)… Olha, tu falas em “mentira”, mas talvez esse conceito seja inadequado, ao menos para a situação como um todo. Claro, a identificação desse tal “Emanuel” com “Lêntulo” é, efetivamente, insustentável; é uma mentira, para se falar as coisas como elas são; mas Deus escreve certo por linhas tortas. Talvez te sirva, e aos teus confrades, como lição para não aceitardes qualquer coisa como um bando de carneiros. Talvez sirva, ao fim, a nós todos, para nos ensinar um pouco de humildade, por que não?…

    Espírita Kardecista: Como assim?

    Duvidador Leal: Bem… a ti, mostrando que teus dogmas (e, quanto a isso, deves reconhecer que esse culto a Xavier já se transformou, para muitos dos teus, num dogma; e o nome do homem, num mantra…) são tão falíveis, e ocos, e irrisórios, quanto quaisquer certezas de origem humana; e a nós, mostrando-nos que, mesmo diante duma situação assim tão intratável, torta desde o início – bem, mesmo diante disso, Deus pôde extrair algo de bom para o auxílio de muitos…

    Espírita Kardecista: É, talvez… Mas ainda tenho que digerir isso. As conseqüências são sérias, tu bem sabes. Não é algo que se proclama tocando a trombeta diante de si… Deixa-me um pouco, depois discutiremos esses assuntos…

    B) SEGUNDO DIÁLOGO

    Espírita Kardecista: E aí? Que fizeste das minhas observações sobre aquela tua pesquisa?

    Duvidador Leal: Ora, li tudo, e reli. Andei pesquisando por fora, mandei-te aquelas dúvidas, que me respondeste… e, realmente, tenho que concluir que não há o que ser desconsiderado.

    Espírita Kardecista: Não era nada tão sólido assim quanto te parecia, não?

    Duvidador Leal: Mas o fato é que pesquisei tudo, e com detalhe, e ao longo de tanto tempo… E o consenso historiográfico…

    Espírita Kardecista: É, sim, eu sei. Essas descobertas são, de resto, recentíssimas. Sabes, quando mencionaste a questão epigráfica, pus-me a pesquisar o assunto, e dei (talvez por sorte, mas Deus saberá se apenas por isso) com os resultados daquelas escavações – as do Egito, em Crocodilópolis, e os achados naquele desvão até então desconhecido da biblioteca do monastério de Santa Catarina… Bem, tu sabes dos detalhes, já t’os mostrei…

    Duvidador Leal: Sim, sim, e é algo absolutamente inacreditável. Muda tudo. Todo um ramo até então desconhecido dos Lêntulos, toda uma evidenciação manuscrita dos meados do séc. II dC, se não de antes, sobre os registros enviados ao Imperador. É, não há o que dizer; só não te tiro o chapéu porque não uso um.

    Espírita Kardecista: Tudo bem; as coisas são assim. Olha, creio que, no fim, todos acabamos ganhando. Porque as tuas pesquisas esclareceram muitas coisas; e, afinal, se não fosse por elas, talvez essas novas descobertas passassem despercebidas a todos nós. Sim, eu te digo: todos lucramos: tu ganhaste mais conhecimento, nós confirmamos insofismavelmente um tesouro que já julgávamos possuir. Tínhamos prata, agora temos ouro; e tu tens, ao fim, a tua verdade, pela qual lutaste. Não é mesmo?

    Duvidador Leal: Bem, isso é verdade…

    Espírita Kardecista: Agora, somente nos resta irmos além em nossos debates – aceitas então a mediunidade?

    Duvidador Leal: Alto lá! Devagar com o andor; há muitas coisas ainda para se pensar. Quero dizer, ainda tenho que digerir isso. As conseqüências são sérias, tu bem sabes. Não é algo que se proclama tocando a trombeta diante de si… Deixa-me um pouco, depois discutiremos esses assuntos…

    C) TERCEIRO “DIÁLOGO”

    Duvidador Leal: Então, sobre minhas pesquisas históricas que derrubam a identificação do espírito “guia” “Emanuel”, que me dizes?

    Chicólatra Fanático: Que derrubam o quê! Tu não sabes o que dizes! Não entendes nada disso!

    Duvidador Leal: Não leste o texto?…

    Chicólatra Fanático: Aquele amontoado verborrágico? Aquela montanha de raciocínios farsescos? Ridículo! O que é que tu pensas da vida, afinal? Vai fazer algo de útil! Quem é que pensas ser?

    Duvidador leal: São evidências históricas; está tudo bem documentado, e…

    Chicólatra Fanático: E eu lá me importo com essa tal de “história oficial”? É tudo tendencioso! As verdades não estão nesses documentos encardidos, ou nessas inscrições empoeiradas! Há uma conspiração para esconder as verdades – e somente nós, os iniciados nas ciências esotéricas, temos acesso a isso! Tu não passas dum bufão!

    Duvidador Leal: Mas, e as evidências? Que evidências tens para o que afirmas? Lançar tudo ao desconhecido e ao místico é fácil, explica qualquer coisa… e portanto não explica nada…

    Chicólatra Fanático: Cala-te! Já te disse, não sabes o que fazes; não enxergas um palmo adiante do nariz… Além do mais, o que importa é a mensagem, é tudo o que Chico construiu, a ajuda e o consolo que prestou a tanta gente…

    Duvidador Leal: Ninguém nega isso, e nem isso está sob discussão; mas permanece o fato de que …

    Chicólatra Fanático: Permanece nada! Ficas tu aí com essa tua ciência, com esses textos empolados, posando de superior… Tu me achas um estúpido? Por que alguém pesquisaria tanto, apenas para denegrir a excelsa memória de Chico? Tens algum motivo oculto, claro que tens! Ou então estás sendo assediado por forças malignas! E teus conhecimentos de nada valem, eu repito; só os iniciados é que detêm, verdadeiramente, o mistério das coisas!…

    Duvidador Leal: Não se trata disso, e tu bem o sabes. Mas é algo importante, e que deve ser enfrentado. E eu não afirmo essas coisas gratuitamente!… Aliás, o teu próprio Kardec recomendou não apenas prudência, como também uma investigação cuidadosa e racional nesses casos… repudiarem-se dez verdades sendo preferível a aceitar-se uma só mentira…

    Chicólatra Fanático: Bah! Quem pensas ser para me ensinares Espiritismo? Logo tu? Esses teus tratados de nada valem; esses historiadores eram todos céticos, materialistas, contrários à verdadeira espiritualidade… Tudo falso!

    Duvidador Leal: Caramba, nem todos! Aliás, nem a maioria! São historiadores e estudiosos de várias épocas e tendências; seu consenso tem valor. E as próprias evidências têm valor, falam por si! Se és contra, apresenta evidências contrárias!

    Chicólatra Fanático: Têm valor nada! Além do mais, que grande importância assim tem a identidade desse Publius? É tudo simbólico, o livro é ficção, o que vale é a mensagem!

    Duvidador Leal: Não, em absoluto! O “guia” nunca deu a entender que o que revelava de si próprio fosse ficção! E sua própria autoridade deriva de sua identificação…

    Chicólatra Fanático: Bah, és um detrator, apenas isso! Então, diga-me lá, Jesus, ou Paulo, têm, eles mesmos, essa tal de “evidenciação histórica” a seu favor? Não são citados apenas na Bíblia? No entanto, ninguém duvida de sua existência! Eu sei o que tu queres, bufão: tu queres negar tudo, és um cético, ou um maldito papa-hóstia, marionete duma conspiração satânica, instrumento das forças das Trevas, com o objetivo de mostrares a inexistência tanto do Publius quanto do Mestre Jesus!

    Duvidador Leal: Caramba, nada disso! Uma coisa não tem nada a ver com a outra; o tipo de evidência que se tem para Jesus, ou para Paulo, é totalmente diferente do que se tem para “Lêntulo”…

    Chicólatra Fanático: E não podes provar, assim, que ele não existiu!

    Duvidador Leal: Mas são os espíritas que têm que provar que ele existiu, e não eu que ele não existiu! No que me tange, mostrei que há dúvidas muitíssimo mais que razoáveis contra sua existência; e, voltando à historicidade de Jesus e de Paulo, não apenas há fontes históricas sobre eles desde épocas bastante próximas aos eventos, fontes essas que se estendem continuamente a partir de então, como essas fontes são confiáveis. E quanto a “Lêntulo”? O silêncio de mil e quatrocentos anos; depois, uma “carta” cheia de equívocos; e, ao fim, após mais uns quinhentos anos, uma “psicografia” mal-arranjada e cheia de incorreções!

    Chicólatra Fanático: Tu falas, muito, falas demais, vomitas palavras e textos! Quero todos os seiscentos senadores! Cada um, e suas famílias! Quero tudo! Não provaste nada! Chico é imbatível! E sua miserável “ciência”, e seu miserável racionalismo, de nada valem! Bah!

    —(*)—

    Os leitores, se puderem, adivinhem qual dos três diálogos é o que, miseravelmente, se vem travando…

  37. Roberto Diz:

    José Carlos,

    Te parabenizo pela epopéia de buscar provas para a inexistência de Emmanuel assim, tão denodadamente..

    Certamente tivestes que ler o romance Há 2000 Anos “Ad nauseum” pois parece-me que não entendeste o que continha nele.

    Alias, o testemunho de vida de Chico Xavier mostrou para ti que ele era um homem fraudador, mentiroso, louco varrido que falava consigo mesmo e inventava amigos imaginários qual criança solitária. Chico Xavier era esta negação que tu te arrojou a buscar provas de ser ou a construir com esforço hercúleo de arauto da verdade, de defensor da fé cega, de mantenedor do ideal kardecista, de caçador de bruxas ilusionistas.

    Li todo o teu texto. Fui reler para ver o caminho da resposta mas, como ficou exaustivamente grande.

    Para acertar melhor o teu alvo, recomendo, se quiseres, tirar a mira da citação sobre a tal carta que surgiu por encanto no sec. XV pois não foi psicografada por Emmanuel através de Chico ou de qualquer médium. Não te desgaste tanto batendo nesta mesma tecla pois o teu textão ficou na maior parte do tempo focado nisto de forma repetitiva. Deixe as pesquisas para o início dos tempos de Cristo.

    Mas é assim ó, estes moínhos parecidos com dragões que tentas espetar, hum, sei lá sabe, mas o dragão tá parecendo muito grandioso que temo que a tua lança afiada não vai fazer estrago considerável neste gigante da humildade, da caridade, do desprendimento, da cristandade, da tolerância e da honestidade.

    Se tu queres, vai firme José Carlos, leve teu fiel escudeiro Vitor Moura que por certo chegarás à verdade. Conheças a verdade e ela te libertará, não é assim. Tu vais para lá e a chicolatraiada ou chicoraiada vai para o outro lado, oposto ao teu, tentando se esforçar ao máximo para fazer de suas vidas uma ínfima parcela do que Chico Xavier fez da sua.

    Alegues, ou acuse-nos, os admiradores de Chico Xavier, os consolados, encorajados, assistidos, esperançados que foram vítimas deste embusteiro mentiroso e farsante, de que somos anti-kardec, de que temos a fé cega como orientadora, e coisa e tal, e tal e coisa, mas isto não te trará o sucesso que almejas pois a força do bem é soberana aos ataques das trevas.

    Ah, mas aí tu farás um diálogo imaginário dizendo que os chicólatras te atacaram com ameaças de trevas, e aí vai choramingar, escrever livros de contra-provas imaginárias, mas fazer o quê não é? Tu sabes que eu acho que sou tão soberbo quanto tu porque não aprendi o suficiente com o exemplo do Chico Xavier para ser tolerante e amoroso o quanto eu precisaria.

    Vai saber né José e Vitor? Vai saber se não vamos nos encontrar lá nas trevas exteriores para purgar nossa estultícia transbordante de orgulho e gastar milênios de recuperação até retomarmos o ponto de partida do hoje, quando poderíamos ter aproveitado melhor nossos talentos?

    Bom, concluo que saio do teu blog tranquilizado porque se tu me revelasses novidades sérias eu certamente teria que revisar meus conceitos e restabelecer novos rumos quanto à vida e obra de Chico Xavier e de Emmanuel, e abandonaria o erro para seguir a premissa principal do espiritismo que é: FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO, ou seja, prosseguiria buscando agir como Chico agia tão bem posto que a vida dele foi a caridade em pessoa.

    Pobre de mim, tão atrasado.

    Obrigado pelo belo trabalho inconclusivo mas dedicado, e pela consideração das respostas.

  38. sabrina Diz:

    Desculpa Vitor se te chamei de covarde, vc não é isto não, o negócio está tão quente aqui, que eu me exaltei com vc, infelizmente agente erra e nós espíritas não somos difente de ninguém, não é esta a postura que eu aprendi nas obras de Chico, que eu tanto admiro, quem me dera fosse 1% igual a ele. Vou me retratar, meu irmão.

  39. Roberto Diz:

    E concluo minha participação, dizendo o que Chico não diria, pois é muito superior moralmente do que eu:

    Gritemos a altos brados, anunciemos nos jornais, extra, extra, criemos páginas no msn, uol, bol, aol, chamemos a Globo, Record, CNN, Al Jazera, CBN, BBC,…, convoquemos a ONU, o FMI, a CIA, o governo de Israel, a Al Qaeda, o Hugo Chaves Bolivariano, o Lula Messiânico, o Dunga e o Maradona, vamos todos, juntos, unidos, reverenciar a maior descoberta da história da humanidade: o ilustríssimo “ad nauseum” demonstra INCANSAVELMENTE que JESUS CRISTO existiu através de “indícios e evidências” históricas, e “DE UMA VEZ POR TODAS” soluciona o enigma que acompanha o planeta Terra há mais de 2000 anos.

    Especula-se que haveremos de modificar nosso calendário novamente pois o tempo passará a ser contado AC e DC, ou seja, Antes de Carlos e Depois de Carlos, começando pelo aniversário do José Carlos, JC, compreenderam? Será a redivisão da história.

    Agora, à partir deste evento espetacular, poderemos todos erguer um altar escarlate onde o mais novo pop-star, mais rutilante luminar da humanidade, o José Carlos, ladeado de seu fiel escudeiro Vitor Moura, haverão de receber as oferendas de todas as nações pois são todas devedoras deste ilustre, incomparável, inigualável, magistral “historiador” que se baseou mormente no livro de um especialista em nomes francês, o Settipani, para provar muitas e tantas coisas, o mesmo Settipani que se negou a apresentar a árvore genealógica de Jesus Cristo, o mesmo que diz “o mais provável é que seja tal e qual, etc.”, um adivinho moderno, às vezes.

    À partir da descoberta que mudará o rumo de todas as religiões do planeta, inconteste, que norteará a conduta política de todos os governantes e de todo o populacho, nada mais será como era antes.

    Rendamos todos graças ao cientista, historiador, espírita experimentador, magnânimo, que lançou luz sobre as trevas da ignorância que avassalava as gerações por séculos e séculos.

    Muitos tentaram, mas ELE conseguiu.

    Agora ele prosseguirá suas pesquisas fatais e empenhar-se-á para desmascarar o furibundo inexistente espírito de Emmanuel, guia, alterego, inconsciente coletivo, ou o que valha, do quadrilheiro Francisco Cândido Xavier.

    Este homem que dizimou nações, massacrou criançinhas, abusou da ignorância de multidões iludindo-as com mentiras desprezíveis somente para arrecadar fortunas que fingidamente destribuiu na totalidade, morrendo numa falsa humildade, numa falsa simplicidade, numa teatral serenidade para que todos pensassem que ele era uma boa pessoa, que construiu seus impérios em regiões ermas e ignaras que nenhum ser vivente ainda as encontrou para se deleitar das maravilhas do luxo, conforto, prazeres que tal oasis de riqueza proporcionou ao astuto Chico Xavier, que para lá ia sem ninguém saber, das 3 da manhã até às 7, aproximadamente, que magnetizou com tamanho poder a mente dos seus adeptos, chamados chicólatras, que os mesmos se empenharam em agradecê-lo por tudo o que receberam de sua pretensa caridade, e ainda o continuam fazendo, vítimas do ilusionismo magnetizador de longa duração, uma verdadeira lavagem cerebral. Muitos acham que o efeito do magnetismo do amor com o qual ele enfeitiçava seus coevos tende a se propagar para sempre caso o José Carlos não os salve deste hipnotismo em massa.

    Chico será desmascarado “ad nauseum” pelo José Carlos, ou melhor, já foi, EXAUSTIVAMENTE desmascarado, que o acusa também de distorcer a doutrina de Allan Kardec, o espiritismo, com influências de espíritos zombeteiros que enganaram Chico Xavier (ou ele o sabia ou fingia receber espíritos moralizados) convocando-o a fingir-se de cristão para estimular as multidões à trabalharem até a madrugada, diariamente, perdoando, compreendendo, se sacrificando, estudando o exemplo de Jesus para espalharem doações de alimentos, dinheiro, consolo e esperança.

    Bom, resta a todos nós, filhos da Terra, agradecer pela vida e obra de José Carlos, que tanto bem faz a humanidade, e refugar a vida e obra do criminoso Chico Xavier, que tanto mal nos fez, que tão poucos livros, uns 417, escreveu repleto de mentiras.

    Louvemos o blog templário do Sr. José Carlos, o “Duvidador Leal”, nosso mantra doravante, berço de toda verdade “ad nauseum”, de todo o FATO que não pode ser absolutamente refutado, onde se encontra “com vagar” tudo o que precisamos saber sobre os quadrilheiros chicólatras, e por onde conseguiremos esclarecer “qualquer dúvida, desde que estritamente histórica” pois ele se colocou à disposição, magnanimamente.

    E eis que poderemos aguardar, em breve, o novo repto sendo vencido pelo Dom Quixote moderno, Sr. José Carlos, juntamente com seu escudeiro Sancho Pança, na figura de Vitor Moura, que haverão de descrever novamente, “ad nauseum”, todas as farsas em que mergulham os Kardecólatras. Esperemos os novos capítulos que o gênio, o nosso “em definitivo” irá escrever, aguardando também os sensacionais capítulos dos diálogos imaginários em três versões onde ele exercerá o papel principal de Sr. Duvidador Leal.

    O Duvidador Leal nos promete iniciar uma carreira de guru escritor e tentará bater o recorde do falsário Chico Xavier escrevendo mais de 417 livros, aos quais ele doará na íntegra todos direitos autorais para o bem da humanidade, posto que o seu oponente só fez obras de iniquidade com o fruto dos seus, e nunca se quedou a responder este e outros tantos ataques.

  40. Roberto Diz:

    Sonia,

    Já enviei email para o Willian.

    Saudações.

  41. Boni Diz:

    Roberto por que você não poupa as constantes insinuações a cerca moral do Vitor Moura, como se ele, por um acaso, fosse salvar bebês de serem estuprados ou se ele irá doar seus próprios orgãos do corpo ou reverer o valor trabalhos intelectuais para os necessitados ou famintos, e começa a refutar as centenas de argumentos apresentados por ele? Todos os trechos que você escreve possuem irônias ácidas a cerca da moral das pessoas envolvidas, como se aqui fosse sediada uma briga de egos pra ver quem está chegando ao céu mais rápidamente, quando na verdade aqui reside a paciência do Vitor Moura apontando centenas de evidências para no fim afirmar que, provávelmente, personagens históricos foram inventados. Até agora os argumentos não foram refutados. Até agora só se fizeram questionamentos a cerca da motivação e apelos cegos à tradição e a moral.

  42. Roberto Diz:

    Boni,

    Esperei provas, li atentamente o artigo, busquei as fontes utilizadas e citadas pelos autores como sendo as principais, as mais marcantes: a de Settipani e depois o dicionário da universidade Oxford.

    Infelizmente não encontrei estes dados conforme alegaram. Pensei: Vou comprar o livro, estudá-lo por completo pois este assunto me interessa sobremaneira. Olhei o índice remissivo, li alguns capítulos e desanimei ao ver alguma deduções do próprio Settipani pois não vi certeza mas alguns achismos, algumas adivinhações. Não valia à pena. Pedi algo melhor e aí me ofereceram o dicionário Oxford como algo inquestionável.

    Novamente, lá fui eu procurar o que um dicionário de história poderia provar, sendo que a pretensão deste dicionário é falar sobre TODA a história das civilizações antigas tendo um volume insuficiente, ao meu entender, de conteúdo e espaço para tratar tantos detalhes minuciosos como o caso da descendência do conspirador Publio Sura, avô de Publio/Emmaneul.

    Neste ínterim descubro que o José Carlos FF é um clérigo católico e o Vitor seu discípulo dedicado, e que utilizam-se de literatura católica como referências fidedignas do que ocorreu na história. Puxa, daí não dá para ser feliz não sabe? Logo a igreja Católica, uma instituição mundana apegada ao poder financeiro e político, que procura preservar seu campo de ação custe o que custar, combatendo à ciência ferozmente desde sempre, enfim, é triste viu.

    Diga-me uma obra científica que a igreja católica promoveu? Diga qual fato histórico que não foi derrogado, excomungado seus autores, mortos até, para preservar os interesses do dogmas e da “santidade” dos seus líderes? Lembro que somente recentemente vi os donos desta igreja católica admitiram a possibilidade de haver algum sentido nos trabalhos de Darwin (um pequeno atraso de mais de um século) e confesso que desanimei à prosseguir.

    Depois recebi uma lista de 31 títulos de livros que presume-se tenham sido TODOS eles lidos e estudados pelos autores (Vitor ou JCFF) e que depois de TODA esta respeitável bibliografia ser analisada os autores afirmaram serem as principais referências os de Settipani e depois o dicionário Oxford.

    Decidi então esperar que hajam estudos mais realistas, menos religiosos e mais científicos, menos tendenciosos, menos opinativos. Quando surgirem certamente serão apresentados à comunidade mundial na forma de uma obra, que será avaliada por historiadores verdadeiros e não pela santa sé ou pela opinião de um blogueiro que fica escondido atrás de sofismas e verborragia. Quando ocorrer será feito um grande serviço à humanidade comprovando a falsidade ideológica do mentor espiritual de Chico Xavier, pois toda a mentira deve ser combatida e desmascarada.

    Como o que move o mundo dos materialistas, ou dos “experimentadores”, é o dinheiro ou orgulho, não faltará público para comprar seus nobilitantes trabalhos científicos, não faltarão católicos, evangélicos e até mesmo espíritas para enriquecerem e devotarem honrarias e admiração aos autoes, pois se um filme como este do Chico Xavier levou multidões aos cinemas, só na estréia, batendo todos os recordes brasileiros, convenhamos que haverá grandes chances de uma obra destas garantir fama e dinheiro para os novos REFORMADORES e DESMASCARADORES?

    Para ti Boni, as evidências estão sendo contadas às centenas. Para mim não.
    Boni, faça como eu fiz e pelo menos “comece” a estudar o Settipani e depois o dicionário Oxford. Vá direto ao ponto que interesse neste caso (Lentulo Sura e Lentulo seu neto). Peça para os dois católicos aí de cima te ajudarem dando não a opinião deles, mas as páginas dos livros onde constam as fontes inequívocas geradoras de suas conclusões, não aceite um balaio de livros, de títulos pomposos como sendo “evidências claras” e definitivas.

    Se fosse para apresentar títulos de livros, convenhamos, Chico Xavier têm 417 de excelentíssima qualidade, tanto literária quanto moral, e outros médiuns também trouxeram ao mundo muitas outras obras que corroboram assuntos e ocorrências idênticas ao que contém nos de Chico. Procurar nestes 417 livros uma ÚNICA demonstração de que o autor espiritual e o próprio Chico Xavier promoveram a mentira como meio de se alcançar os objetivos elevados da vida, consoante Jesus e as obras da codificação, será uma tarefa inglória, mas válida. Boa sorte para os que tentarem pois terão muito à ganhar.

    Ah, dirão, mas se Publio não existiu então é uma mentira e todo o resto esta contaminado por uma mentira! E eu direi: realmente, se for mentira que existiu Publio toda a obra de Emmanuel e de Chico estarão condenadas, sem embargo, não há dúvidas disto, serão 75 anos de mediunidade ininterrupta, de doação, de sacrifício, de humildade, de solidariedade, de testemunho de uma vida absolutamente cristã que serão colocados em xeque-mate. Vão em frente, provem isto.

    Deixo para os ilustres pesquisadores católicos esta tarefa, os quais têm inclusive a covardia de não se apresentarem tal qual verdadeiramente são, de se esconderem atrás de um enunciado de Kardec para dar maior credibilidade para seus artigos (me refiro ao “espírita experimentador” do Vitor e ao “pesquisador histórico” do JCRR).

    A gloriosa missão de desmascarar toda esta mentira será melhor alcançada se eles fizerem como Chico Xavier fez, sendo autênticos, se revelando ao mundo, mostrando claramente quem são, o que fazem da vida, no que acreditam e não só no que “não acreditam”.

    Quem se apresenta como benfeitor da humanidade, que diz que “ESTÁ NA HORA DO POVO SABER A VERDADE…” (palavras do Vitor), e que “TEM O OBJETIVO DE CONSTRUIR ALGO MELHOR: UM ESPIRITISMO MENOS CEGO, MENOS FANÁTICO, MAIS RACIONAL …” (também palavras do Vitor) e quer fazer isto sem passar pelo nível mais básico, mais rudimentar de um espírita, segundo o próprio Kardec e segundo a autodenominação que o Vítor se dá de ser um ESPÍRITA EXPERIMENTADOR, que resumindo significa o que ele é o tipo de espírita que não se interessa pela parte MORAL da doutrina, só se interessa pelos fenômenos.

    Ora, para que os espíritos se manifestaram no mundo físico? Para o deleite dos experimentadores? Para aumentar os seus lazeres ou gerar fatos curiosos que alimentarão seus orgulhos de pseudo cientistas, pseudo espíritas? Não exigirão estes sempre mais e mais proezas tornando os fenômenos um verdadeiro circo de entretenimento e não um motivo para atentarem para a moral desta história toda, para as consequências que de tais fenômenos se depreendem?

    Bem Boni, esta é a minha opinião. Prefiro dedicar meu tempo e atenção na busca do aprendizado para as pessoas que creem que a moralidade é um atributo de caráter de um HOMEM DE BEM, e que ela precisa ser valorizada e perseguida SEMPRE assim como fez Chico Xavier. Quem está ainda no jardim da infância do espiritismo NÃO PODE SE ARROJAR À REFORMADOR do mesmo.

  43. Sonia N. Diz:

    Roberto:

    Uma emoção sem precedentes…

    Aplausos, abraços, flores, beijos, tudo de bom…!

  44. José Carlos Ferreira Fernandes Diz:

    Sr. Roberto:

    Em primeiro lugar, eu não sou clérigo católico. Não teria vergonha nenhuma em ser um, seria até motivo de orgulho para mim, e procuraria seguir tal vocação, se a tivesse, da melhor forma possível. Mas não sou. Cuidado com o que o sr. fala; se possível, não minta mais. Há um limite para a paciência das pessoas.

    Quanto ao assunto que aqui se discute (e do qual o sr., e alguns outros, tentam, a todo o custo, e desesperadamente, se desviar), há uma maneira bem simples de resolver, de uma vez por todas, essa situação: ao invés de continuarem vomitando injúrias, calúnias e mentiras, simplesmente leiam os trabalhos de pesquisa (pelo que falam, nem isso fizeram direito) e refutem, um a um, os argumentos que lá constam. Se a bibliografia não presta, apresentem então obras melhores. E mais: façam o que os espíritas tinham que ter feito desde o início: DEMONSTREM, racional e convincentemente, que Públio Lêntulo existiu, que foi bisneto por linha paterna de Lêntulo Sura, que exerceu um cargo em Esmirna, que esteve em missão na Palestina, que conviveu com Cristo, que escreveu sobre ele às autoridades romanas, que participou da conspiração contra Nero, que serviu no conselho de guerra de Tito, que morreu na erupção do Vesúvio. PROVEM ISSO. O ÔNUS DA PROVA É SEU.

    Só lhe peço, sr. Roberto, que pare com essas baixas calúnias que vem fazendo. Se não por mim, ao menos pelos leitores deste “blog”. Embora isso possa até me dar algum trabalho, e me consumir tempo precioso, se isso continuar sou capaz de as listar, uma a uma, com a respectiva refutação, a fim de que fique claro para todos (se é que já não está) não apenas a sua falta da mais elementar boa educação, mas também o seu fanatismo, a sua irracionalidade e a sua total ausência de argumentos para debater ou refutar os temas aqui tratados.

    Sim, claro, eu sei que esta mensagem não adiantará de nada. O sr. continuará se comportando como vem se comportando até aqui. Mas que isso fique patente a todos os que acompanham este “blog”. Eu o DESAFIO, sr. Roberto, e também a quaisquer outros, a fazerem a coisa mais simples que poderiam ter feito, e que não fizeram até agora: já que a minha pesquisa, e a minha bibliografia, não prestam, já que eu não passo dum católico miserável, que só quer denegrir São Chico Xavier, ENTÃO PROVEM QUE PÚBLIO LÊNTULO EXISTIU, que foi tudo aquilo que Emanuel disse que era, e mais, que era o próprio Emanuel. Elaborem uma pesquisa acerca disso, e a publiquem. Creio que o sr. Vítor Moura não se furtará em lhes ceder espaço aqui para tal publicação. Vamos. Façam isso, se forem capazes. Não há pressa. Pesquisem. Mostrem bibliografia “decente”, já que a minha “não presta”. Se estão com a razão, então conseguirão fazer isso. É algo bem mais digno do que ficarem, como estão, ladrando impropérios.

    Quanto à sra., sra. Sônia N, ainda estou esperando a sua resposta: aquelas suas duas fontes de consulta da brilhante “pesquisa” que a sra. fez, para provar que a Igreja Católica não valia nada, refiro-me à a sra. Mary Schultze, do “Centro de Pesquisas Religiosas” (aquela de “Fátima, a deusa do cascalho; ver em http://www.maryshultze.com/articles.php), e ao pessoal do texto sobre as concordatas da Igreja, do portal http://www.espada.eti.br, eles estão certos ou estão errados no que pensam do Espiritismo? Basta uma palavra, sra. Sônia, “sim” ou “não”…

    JCFF

  45. Sonia N. Diz:

    Sr. José Carlos:

    Por que tanto nervosismo? Para quem está de posse da verdade, o senhor não está muito convincente…

    Essas duas “pesquisas” que o senhor atirou-me à cara, no final de sua mensagem, já foram devidamente esclarecidas em outra postagem, que o senhor com certeza, acompanha, pois, responde prontamente a qualquer comentário contrário aos seus, principalmente quando ganham meus aplausos. Isso também já reparei.

    Quanto à sua última pergunta, respondo já:
    – Eles estão certos DO QUE acreditam; por isso combatem o Espiritismo, da mesma forma como combatem a Igreja Católica.

    Quanto à pesquisa, não pense que estou parada. Tenho pesquisado, mas, em outras fontes. As APÓCRIFAS, que vocês tanto desprezam. Não cantem hosanas, antes do tempo.

    Cuidado com as emoções, Sr. José Carlos… lembre-se das suas recomendações.

  46. José Carlos Ferreira Fernandes Diz:

    Ah, antes que me esqueça, sr. Roberto:

    O sr diz, referindo-se à obra de Settipani: “olhei o índice remissivo, li alguns capítulos e desanimei ao ver alguma deduções do próprio Settipani pois não vi certeza mas alguns achismos, algumas adivinhações. Não valia à pena.”

    Quais capítulos, exatamente, o sr. leu? Que tábuas genealógicas, nesses capítulos, especificamente, o sr. consultou?

    Dê exemplos das “deduções” e dos “achismos” que encontrou. E explique por que são “deduções” e “achismos”. O sr., é claro, como profundo conhecedor de Genealogia e de Prosopografia romana, deve poder explicar isso muito melhor do que o pessoal do Centro de Pesquisas Prosopográficas (Unit for Prosopographical Research) do Linacre College, da Universidade de Oxford… Claro, logo se vê que é “gentinha”, muito dada a “deduções” e a “achismos”…

    Quero saber quais capítulos leu, onde achou “achismos” e “adivinhações”, e por que são “achismos” e “adivinhações”. Se são isso, então o sr. tem coisa melhor a propor. Então, proponha. Encare isso também como um DESAFIO.

    Quanto ao “The Oxford Classical Dictionary”, ele é, como o próprio título diz, um dicionário referente à civilização clássica, não a todas as civilizações antigas. Creio que o sr. sabe a diferença, não, sr. Roberto? Ele não foi a única fonte consultada, e foi mostrado como um exemplo de fonte respeitável que considera “Jesus” e “Paulo” como personagens históricas, ao contrário do seu ídolo “Públio Lêntulo”. Mas se, para si, ele “não presta”, então me dê a referência dum dicionário decente de história clássica no qual esse “Públio Lêntulo” apareça como uma personagem histórica. Encare isso como mais um DESAFIO.

    JCFF

  47. José Carlos Ferreira Fernandes Diz:

    Sra. Sônia,

    Simplesmente responda à minha pergunta sem subterfúgios. Eles estão certos ou estão errados?

    JCFF.

  48. José Carlos Ferreira Fernandes Diz:

    Sra. Sônia,

    Complementando: quem está de posse da verdade DEMONSTRA o que afirma, e não acusa gratuitamente.

    E muito cuidado com o manuseio dos Apócrifos. Eles já foram analisados exaustivamente por vários críticos e historiadores, de diversas tendências, religiosos ou não, e a conclusão unânime sempre foi a de que não prestavam como fontes históricas do Cristianismo primitivo. Espero que tenham algo mais a mostrar, em termos de evidência, do que os Apócrifos. Mas, enfim… vão adiante…

    JCFF.

  49. Sonia N. Diz:

    Sr. José Carlos:

    ONDE o senhor pensa que está?

  50. Sonia N. Diz:

    Sim, os apócrifos não têm nenhum valor… já foram analisados exaustivamente…claro, claro. O senhor, sempre tão PATERNAL, tão JUDICIOSO.

  51. José Carlos Ferreira Fernandes Diz:

    Sra. Sônia,

    Simplesmente responda à minha pergunta sem subterfúgios. Eles estão certos ou estão errados?

    JCFF.

  52. Sonia N. Diz:

    Roberto:

    O Sr. José Carlos disse para você:
    “Só lhe peço, sr. Roberto, que pare com essas baixas calúnias que vem fazendo. Se não por mim, ao menos pelos leitores deste “blog”. Embora isso possa até me dar algum trabalho, e me consumir tempo precioso, se isso continuar sou capaz de as listar, uma a uma, com a respectiva refutação, a fim de que fique claro para todos (se é que já não está) não apenas a sua falta da mais elementar boa educação, mas também o seu fanatismo, a sua irracionalidade e a sua total ausência de argumentos para debater ou refutar os temas aqui tratados”.

    Quem lhe pede agora, Roberto, sou eu, em nome de todos os leitores do blog. Por misericórdia, cuidado com o que você escrever daqui prá frente, para o Sr. José Carlos, senão ele pode cumprir a “ameaça” que nos fez de: “sou capaz de as listar, uma a uma, com a respectiva refutação”… E, pelo amor de Deus, chega de tortura!

    Mesmo porque, o principal você já falou, por enquanto. Portanto, permaneçamos na graça do Senhor… rsss

    Aplausos, abraços, flores, estrelas…tudo de bom!

  53. Sonia N. Diz:

    Sr. José Carlos:

    Eu já lhe respondi!

    Repito: ONDE o senhor pensa que está? E QUEM o senhor PENSA que é?

    1 – 2 – 3 – ACORDE!

  54. José Carlos Ferreira Fernandes Diz:

    Sra. Sônia,

    Novamente: apenas responda à minha pergunta, sem subterfúgios. Eles (a sra. Mary Schultze e o pessoal da “Espada”) estão certos ou estão errados? (A) “Sim, eles estão certos”; (B) “Não, eles estão errados”; por piedade, incluirei uma terceira opção: (C) “Não sei”. Responda, sra. Sônia N.

    JCFF.

  55. Sonia N. Diz:

    José Carlos:

    Não mexa com quem tá quieta!

    Você tá querendo outro versinho?! Posso até tentar…

    Mas, aí você vai correr pro Vitor, prá fazer queixa de mim, igualzinho da outra vez…

  56. José Carlos Ferreira Fernandes Diz:

    Sra. Sônia N:

    A sra. não está quieta – ao contrário, vem distribuindo insultos gratuitos. E eu não quero seus versos risíveis,quero apenas uma simples resposta: estavam certos ou estavam errados sobre o que falaram acerca do Espiritismo. Uma só palavra basta.

    JCFF.

  57. Bruno Diz:

    Caros Senhores,
    Voces poderiam mandar pro meu email ou me indicar uma forma de receber o estudo do Sr. José Carlos Ferreira sobre o livro “HÁ DOIS MIL ANOS”.
    Muito obrigado por manterem esse blog, estudei o artigo aqui e adimiro suas posturas cientificas, quanto a maioria dos comentarios contras apenas lamento eles nao serem baseados em argumentos em cima de vossos trabalhos, mas sim juizos de valor
    Grato se eu puder ser atendido.
    Bruno.

  58. Pinheiro Martins Diz:

    Depois de tanto tempo afastado, eis que me vejo obrigado a intervir, desta vez em favor de “Sonia N.”. Será que o sr. José Carlos Ferreira Fernandes não percebeu que sua própria pergunta já tem um vício lógico implantado? A autora por ele citada, a sra. Mary Schultze, é “evangélica” e tem interesse em difamar quaisquer outras religiões que não sejam a dela. Ela mesma vai adorar ver espíritas, católicos e ateus (disfarçados de “cientistas céticos”) engalfinhados numa luta inglória para imporem suas respectivas ideologias. E isto a Sonia N. já percebeu, inclusive tendo nos chamado atenção para o fato, em um de seus posts. Resumindo: as informações fornecidas pela sra. Mary Schultze servem tanto para os católicos atacarem os espíritas, quanto para os espíritas atacarem os católicos. Por isso não poderão ser considerados totalmente “verdadeiros”. Quando eu estava completando minha graduação em História na UFRJ, com uma monografia sobre cristianismo primitivo (que cheguei até a publicar), consultei fontes de vários historiadores, vinculados a várias correntes historiográficas (deveria dizer: ideológicas), incluindo ateus e marxistas, pois sabia que não poderia confiar somente nas fontes de referência escritas por católicos e protestantes. E isto apesar de, tanto naquela época como até hoje, continuar consultando livros escritos por eruditos católicos e “evangélicos”. Mas, por via das dúvidas, também não deixo de prestar atenção no que escrevem os ateus, os céticos, os materialistas… Finalmente: a Sonia N. não pode responder “sim” ou “não” ao sr. José Carlos Ferreira Fernandes porque ela percebeu que cairia numa armadilha, qualquer que fosse a resposta que desse. É obvio que os livros e artigos de Mary Schultze, por serem orientados por uma agenda ideológica (nem tão) oculta, que visa denegrir tanto o catolicismo quanto o espiritismo, devem estar repletos de verdades e mentiras, habilmente misturadas. Não dá para dizer “sim” ou “não” à tudo o que ela escreve. Assim como muitas críticas que se fazem aos espíritas são válidas, entre as quais as de que eles não gostam de estudar (e eu que sou espírita, e fui discriminado por ser culto e estudioso, e, portanto, visto como uma espécie de “ameaça ao movimento”, sei muito bem o quanto isto é verdade…), outras não o são. O mesmo se dirá dos ataques de Mary Schultze à Igreja Católica: algumas coisas que ela escreveu são até válidas, mas muita coisa parece teoria da conspiração. Será que todo católico é fariseu, hipócrita, perseguidor de evangélicos e espíritas? Não! Será que todo espírita é burro, inculto, desconhece a Bíblia, não sabe o que é ciência? Nem todos… Então, pelo amor de Deus, admita que estava querendo envolver a Sonia N. em uma armadilha retórica, própria de sofistas, e pare de insistir em arrancar dela uma resposta que O SENHOR SABE MUITO BEM QUE NÃO PODE SER DADA, POIS NÃO EXISTE. Também estudo alguma coisa de Filosofia, sr. José Carlos, e sei, graças a ela, que nem tudo é ciência positiva… Nem tudo é “sim ou não”. Já está claro, aqui neste “site”, que todos nós temos agendas ideológicas, que defendemos como sendo “a verdade”, e o que é pior, utilizando critérios específicos, próprios, para caracterizá-la. Só que o critério utilizado para “provar” minha verdade não serve para provar a sua. E o senhor não vai aceitar os critérios da Sonia N. e da Mary Schultze, não é verdade? [Se vocês não estão entendendo onde quero chegar, leiam, estudem a obra do epistemólogo Paul Feyerabend, a começar pelo seu clássico “Contra o método”, já publicado no Brasil, em português mesmo, ninguém precisa ler inglês ou alemão para isso.] Sr. José Carlos, creia-me, admiro seu trabalho, concordo que “Publio Lentulus”, como personagem histórica real, não tenha existido (é uma personagem literária, quer aceitemos isto ou não), mas daí erguer uma bandeira de guerra contra toda a obra de Chico Xavier, aí já é demais! E olha que eu também acho o tal do Emmanuel (o guia do Chico) um chato, um moralista enfadonho! Mas nem por isso saio por aí querendo “detonar” toda a sua obra.

    Deixo aqui a todos os envolvidos nesta triste, pedante e desagradável querela, os meus votos de boa saúde, e de que Deus tenha piedade de todos, quaisquer que sejam suas respectivas religiões (ou mesmo que não tenham nenhuma). Isto inclui a mim, claro.

    Meus respeitosos cumprimentos a todos.

    Sebastião Pinheiro Martins

    P.S.: Perdoem-me a “verborragia” deste post. Cheguei atrasado a esta discussão, me horrorizei com o tom que ela ganhou e não pude deixar de tentar dar um “fechamento” mais adequado a ela. Principalmente depois de ter visto o Sr. José Carlos insistir, tantas vezes, para que Sonia N. desse uma resposta inexistente a uma pergunta falaciosa… francamente!

  59. Pinheiro Martins Diz:

    P.S.2: A propósito, antes que o Sr. José Carlos me corrija por este pequeno detalhe (e, só por causa disso, queira desmoralizar tudo que eu escrevi e venha escrever no futuro), eu sei que ele não utilizou propriamente as expressões “sim ou não” quando tentava colocar a Sonia N. em xeque-mate com sua pergunta falaciosa. A resposta que Sr. José Carlos era se o material de Mary Schultze era “certo ou errado”. O que dá no mesmo, mas levando-se em conta o rumo que a discussão tomou, é melhor eu me precaver.
    P.S.3: Sim, sei que cometi alguns erros gramaticais nos meus posts. Quem disse que professor também não erra?
    Só espero que os participantes desse debate “civilizado” não invalidem tudo o que escrevi só por causa disso. E durma-se com um barulho desses! 🙂

  60. Pinheiro Martins Diz:

    Errata: “A resposta que o Sr. José Carlos exigia era…”

  61. Vitor Diz:

    Caro Pinheiro Martins,
    creio que o que o Sr. José Carlos quis mostrar à Sônia é justamente que ela estava se utilizando de uma fonte não confiável, e a pergunta dele era uma forma de a Sônia percebê-lo. Não vejo problemas nisso.

    Quanto a Paul Feyerabend, me perdoe, mas a melhor palavra que encontro para defini-lo é “pateta”. Há diversas críticas a ele, e que você encontra em um livro também em português chamado “O Método nas Ciências Naturais e Sociais”. Nesse livro, você verá como ele interpretou Popper errado várias vezes, e isso é algo grave, pois ele foi aluno de Popper. E há diversas outras críticas a suas ideias.

    E não é o Sr. José Carlos que está abrindo uma guerra contra toda a obra de Chico Xavier. Se há alguém, sou eu, exclusivamente eu. Essa guerra tem como objetivo fazer com que as pessoas tenham um olhar bem mais crítico não só ao Chico, mas a diversos outros médiuns. O Sr. José Carlos está apenas informando que Emmanuel não é quem diz ser. As conclusões disso ele deixa a critério de cada um.

  62. Breno Azevedo Diz:

    Por que exatamente vocês se debruçam tanto tempo, e com tal riqueza de detalhes (quer reais, quer pinçados, quer descontextualizados) neste tema? É imperioso assumirmos posições claras e focar nos reais objetivos de cada coisa.

    Qual o ponto? “Não existe mediunidade”, “Chico era 100% fraudador” ou “Em inúmeras obras de Xavier existem erros, provavelmente passados pelo espírito”?

    De uma forma objetiva, a obra possui um enredo extremamente interessante e envolvente, fazendo-nos refletir bastante sobre nossos próprios egos super-inflados. Somente aí já apresenta grande e inconteste valor. Discussões sobre o seu valor histórico, ainda que defendidas pelo seu narrador, são de secundária importância, até por não apresentar nenhuma grande novidade histórica que pudesse, caso evidenciada, acrescentar ao conhecimento humano.

    No contra-ponto, os verdadeiros espíritas têm a obrigação de já ter notado que o MEB (movimento espírita brasileiro) tem um caráter muitas vezes mais “igrejista” do que o apresentado por Kardec, que recomendava reuniões familiares semanais para estudo e prece, o “evangelho no lar”. Creio que é daí que advém o quase endeusamento de um médium que, por mais prolífico que tenha sido, não mais fez ao longo da vida que declarar sua falibilidade e limitação humana.

    Mais importante ainda, os verdadeiros espíritas já deveriam ter notado que nossos principais adversários NÃO são os anti-chiquistas, e sim os materialistas. Ora, se os tais “anti-chiquistas” existem é sim por culpa de uma parcela dos espíritas brasileiros.

    Agora, quanto aos materialistas, estes sim. Criminosos conscientes ou inconscientes, aumentam, ainda que indiretamente, o número de suicídios e atos de covardia moral (principalmente os legais) presentes na raça humana. O processo se agrava escorado em novos parâmetros de pseudo-ciência (agora oficializados), à medida em que destrói a esperança e os valores enquanto anestesia e embrutece a alma de tantas pessoas que, se aliviadas do seu torpe jugo mental, poderiam estar servindo ao bem maior.

    Estes sim, adversários declarados de Kardec, adversários do progresso moral da humanidade e que devem, por dever de consciência, ser os nossos adversários.

    Se são vocês que se encontram aqui, travestidos de “anti-chiquistas”, saiam das sombras. Apresentem-se e aí sim colocaremos à luz todos os nossos contra-pontos à vossa nefasta e miópica pseudo-lógica, serva autômata de um egocentrismo exacerbado, incapaz de admitir algo acima de si mesmo.

    A estes não caberá qualquer espécie de carinho cúmplice da parte dos verdadeiros espíritas. Quanto ao Vítor, já disse e repito que nos presta um serviço quando nos põe – aqueles que se prezam enquanto estudiosos espíritas – a pesquisar. É um hábito salutar e necessário que devemos todos nutrir. Isto independente das inúmeras adulterações e “ocultações de cadáver históricos” de que a história, enquanto disciplina de registro humano, já se viu vítima. Nada desculpa a falta de dedicação ao estudo e a pesquisa, até para favorecer o razoável benefício da dúvida embasada, em todos os assuntos de nosso interesse.

    Saudações fraternas!

  63. José Marcos Diz:

    Muito interessante esse debate acerca da existência de Públio Lentulus. Acredito que só exista uma única maneira de se resolver a pendência: escavando o provável local da residência em que o senador romano viveu seus últimos dias, nas proximidades de Pompeia. Segundo o livro de Chico Xavier, o dia em que o Vesúvio entrou em erupção era um dia festivo em Pompeia. Nesse dia, ocorrera a visita de um questor romano. Ele estava no anfiteatro da cidade, quando a erupção teve início. Em sua vida, Chico Xavier psicografou centenas de cartas escritas por pessoas falecidas a seus familiares. Muitas dessas cartas continham assinaturas idênticas a dos falecidos e possibilitaram que os parentes encontrassem objetos que o falecido descrevia. Desconheço a existência de alguém que tenha recebido essas missivas de Chico Xavier e tenha contestado sua veracidade. Ao contrário, as entrevistas com essas pessoas mostram a emoção que sentiram ao ler as cartas psicografadas. Há uma grande probabilidade, baseado nas cartas psicografadas, de que Públio Lentulus tenha, realmente, existido. Encontrar sua residência em Pompeia haveria de trazer à tona documentos históricos da mais elevada importância.
    Saudações.

  64. João Roberto Diz:

    Emmanuel quando escreveu seus romances, não tinha compromisso com fatos hitóricos, ele só escrevia romances. No Ha 200 mil anos, podemos fazer um estudo psicológico do comunicante, bem como de suas idéias religiosas, e fica evidente a sua visão anti-semita. Em mais de uma dezena de vezes, Emmanuel, em conformidade com a tradição católica, vai defender a idéia de que foram o judeus e não os romanos, os responsáveis pela morte de Jesus, chegando ao ponto do absurdo de mostrar um Pilatos todo caridoso e preocupado em defender e salvar a vida de Jesus, ou seja, defendendo uma visão católica. O livro Há 2000 anos cheira a sacristia do começo ao fim. Contraria Kardec (almas gêmeas e multiplicação dos pães) contraria o bom senso, e fere a inteligência. Com toda certeza, não deve ser levada a sério como fonte de pesquisa histórica, mas tão somente como um “romance”. Só o estudo sério de Kardec, pode nos livrar de tantas calamidades que são publicadas no meio espirita, porque só estudando Kardec, a pedra de toque do Espiritismo, é que vamos ter o bom senso e a racionalidade para avaliar as comunicações espíritas.

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