O Caso de Imad Elawar, Parte 4 (1995 – Ian Stevenson Responde a Leonard Angel)

Apresento a resposta de Stevenson a Leonard Angel, que só veio a lume em 1995 simplesmente porque a revista Skeptical Inquirer não avisou a Stevenson da crítica de Angel ao caso do menino Imad Elawar (uma atitude que mostra falta de seriedade, a meu ver). A Skeptical Inquirer, tal como fez com Leonard Angel, cortou bastante da resposta de Stevenson, mas abaixo segue a resposta completa a qual o biólogo brasileiro Julio Siqueira gentilmente me enviou após contactar o próprio Stevenson, que ainda era vivo na época. O Julio ainda escreveu um artigo analisando os comentários de Angel e a resposta de Stevenson. Esse artigo será em breve apresentado aqui. Fiquem agora com a réplica de Stevenson a Angel.

Se eu pudesse ter certeza de que os leitores da SKEPTICAL INQUIRER examinariam o meu relatório do caso Imad Elawar (Stevenson, 1974), eu não teria necessidade alguma de responder a crítica de Leonard Angel à minha investigação do caso (Angel 1994). Os leitores do meu relatório rapidamente veriam que as declarações de Angel possuem graves omissões sobre importantes informações que eu incluí no relatório, como também enfatizam inapropriadamente certas discrepâncias nos testemunhos e verificações. Eu comentarei algumas delas.

            Em primeiro lugar, ao contrário da afirmação de Angel, o caso de Imad Elawar foi submetido a prévios exames minuciosos, sendo que o mais notável deles é o que foi feito por Roll (1984). Roll não questionou a veracidade das declarações de Imad sobre a vida de Ibrahim Bouhamzy, mas chamou a atenção para o considerável número de declarações igualmente corretas sobre o tio [por casamento] de Ibrahim, Said Bouhamzy. Ele sugeriu que Imad tinha duas correntes de memórias em sua consciência, e que o caso dele era de dupla reencarnação (como os povos de algumas culturas acreditam ser possível). Na minha resposta (publicada na mesma edição da crítica de Roll), assinalei que, apesar de algumas declarações de Imad sobre Said realmente serem corretas, nada menos do que 16 delas se aplicavam a Ibrahim, mas não a Said. Nós não deveríamos ficar surpresos com o fato de que algumas declarações, especialmente as que se referem a nomes de parentes, sejam igualmente verdadeiras para duas ou mais pessoas que são intimamente relacionadas, como Ibrahim e Said eram.

Angel sugere que eu “reorganizei” as declarações de Imad quando as apresentei em forma de tabela após primeiro resumir o que os pais dele me disseram sobre elas. No meu relatório, informei aos leitores que os pais de Imad tinham tentado dar sentido às referências inicialmente fragmentadas que ele havia feito a várias pessoas diferentes. Eu disse: “A família dele reuniu todas essas afirmações. Achavam… Embora eu procurasse saber exatamente o que o próprio Imad havia dito, os pais dele me comunicaram, como tendo sido ditas por ele, algumas das conclusões que eles próprios haviam tirado na tentativa de encontrar um padrão coerente nas declarações dele” (Stevenson, 1974, p. 277). Embora Angel cite a palavra “achavam”, ele não faz referência ao resto do parágrafo em que essa palavra é citada e leva o leitor a pensar nesse momento que eu estou lhes dizendo exatamente o que Imad disse e que eu alterei isso quando apresentei as afirmações dele em forma de tabela (Tabulação Um do meu relatório). Ao compilar a tabulação eu fiz o melhor que pude para ir além das deduções que os pais de Imad fizeram e listar o que eu acredito que tenham sido as declarações reais de Imad. Logo após o título da tabulação eu alertei os leitores declarando: “Em alguns itens, indiquei o aspecto vago das declarações de Imad (ou de seus pais) a respeito de um determinado parentesco, usando pontos de interrogação ao redor do parentesco marcado, por exemplo, ‘irmão’.” Angel não menciona o meu aviso ou as aspas que usei e refere-se a esses parentes como filho, irmão, e assim por diante. Angel também não menciona que os pais de Imad reconheceram que eles haviam feito deduções com base nas declarações de Imad (ver a página 315 do meu relatório), e ele não me dá crédito por ir além dessas deduções e encontrar uma pessoa falecida (diferente da que os pais de Imad esperavam), cuja vida correspondia estreitamente às declarações de Imad.

É verdade que quando fui pela primeira vez a Khriby eu tinha aceitado as deduções dos pais de Imad sobre Mahmoud Bouhamzy. Mas poucas das declarações de Imad Elawar se encaixavam na vida de Mahmoud, então eu tentei encaixá-las em outras pessoas da família, até que cheguei a Ibrahim. Angel se refere à minha descrição do fracasso em encontrar uma correspondência entre as declarações de Imad e a vida de Mahmoud como “desconcertante”. Fiquei, no entanto, muito mais do que desconcertado, e em uma passagem omitida por Angel eu disse que o caso “em duas ocasiões pareceu se dissolver em fragmentos não relacionados e irrelevantes (Stevenson, 1974, p. 280). Angel afirma que eu entendi “bem no fim que o menino acreditava que a vida passada tinha morrido em conseqüência do acidente” (Stevenson, 1974, p. 319). Isso está errado. No texto completo, do qual Angel tirou esta citação, eu me referi à confusão de Imad. Antes, eu havia escrito: “Imad nunca chegou a dizer que o acidente fatal com o caminhão ocorrera com ele; ele simplesmente o descreveu em detalhes” (Stevenson, p. 277). E depois, na pág. 303 do meu relatório, eu me refiro à possibilidade de uma “fusão de imagens na mente de Imad de ‘lembranças’ relacionadas à doença de Ibrahim e o acidente fatal do seu amigo Said.” Como eu disse, Roll enfatizou essa possibilidade.

Angel me repreende por eu não indicar exatamente quando Imad mencionou pela primeira vez que ele acreditava que tinha vivido uma vida anterior em Khriby. É razoavelmente certo, porém, que ele o fez quando começou a falar sobre a vida anterior quando tinha menos de dois anos. O pai dele o havia repreendido por ter mentido. Os avós de Imad (que eram observadores atentos do caso) me disseram que quando Imad era muito pequeno ele disse que era de “Tliby” (Khriby). Esta pronúncia deve ter ocorrido antes que ele pudesse pronunciar o nome corretamente. Eu mencionei isso em meus Comentários ao item 12 da Tabulação Um em meu relatório. Imad tinha cerca de dois anos quando reconheceu espontaneamente um homem de Khriby que tinha se casado com uma garota de Kornayel (a aldeia de Imad) e que ocasionalmente vinha para Kornayel. Aliás, não é incomum que pais de crianças como Imad menosprezem ou ignorem o que a criança está dizendo até que ela faça algumas declarações surpreendentes, ou, como no caso de Imad, um reconhecimento espontâneo que eles achem difícil ignorar.

Angel chama a atenção para o uso da palavra “poço” em conexão com dois tanques ou recipientes de grandes dimensões utilizados para armazenar suco de uva. No registro deste item pode ter ocorrido um erro de tradução. Lembro aos leitores que as declarações de Imad foram feitas em árabe e traduzidas para o francês para que eu pudesse entendê-las. Um menino de 5 anos, a idade de Imad na época, certamente saberia a palavra para poço, mas ele poderia não conhecer outra palavra para descrever esses tanques ou grandes recipientes. Ele poderia então ter-se voltado novamente para a palavra poço. O fato é que ele disse corretamente que na casa havia dois grandes tanques ou recipientes para líquidos, um dos quais ficava vazio quando o outro estava cheio. Estive em muitas casas no Líbano e não me lembro de ter visto dois tanques ou recipientes para líquidos similares aos da casa de Ibrahim.

As alegações de Angel sugerem que confiei demasiadamente na verificação do testemunho de Haffez Bouhamzy, primo de Ibrahim Bouhamzy. Eu não posso dizer se Angel fez esta declaração sem a devida consideração por malícia ou por descuido. Seja qual for o caso, ela parece arriscada, porque qualquer um que volte ao meu relatório pode ler (na página 283) o seguinte: 

Ao final da minha estada no Líbano, em março de 1964, as verificações das declarações atribuídas a Imad Elawar partiram, em grande parte, de apenas uma testemunha, o Sr. Haffez Bouhamzy… Eu não tinha motivos para duvidar do relato do Sr. Haffez Bouhamzy, mas acreditei que deviria compará-lo com o de outras testemunhas. Assim, resolvi voltar ao Líbano, o que fiz em agosto do mesmo ano. 

Depois desta passagem, forneço os nomes dos outros informantes que entrevistei em agosto de 1964. Angel não menciona esta segunda viagem ao Líbano feita com o propósito explícito de ampliar as verificações. Ele declara que Haffez Bouhamzy foi quem comprovou 28 itens, o que é verdade. O que ele omite é que destes itens apenas 5 dependiam unicamente da verificação de Haffez Bouhamzy. (Nesta contagem eu omiti o item 1 da Tabulação Um do meu relatório; embora eu tenha mencionado na tabulação somente Haffez Bouhamzy como a tendo atestado, vários outros informantes obviamente também o fizeram). Para todos os outros itens corretos e verificáveis eu encontrei uma ou mais pessoas que os atestassem. Imad também fez 20 outras declarações corretas que não foram confirmadas por Haffez. Eu tabulei 61 declarações nas duas tabulações do meu relatório (além dos reconhecimentos de Imad). Dessas, 49 estavam corretas sobre Ibrahim, 5 não foram verificadas, 6 estavam incorretas e uma permaneceu incerta. Dois dos itens que listei como incorretos eram em parte corretos ou incertos.

Angel desqualificou Haffez Bouhamzy como um informante confiável porque ele disse incorretamente que Ibrahim Bouhamzy teve tuberculose da coluna. Porém, ao enfatizar este erro, Angel omite a confirmação de outros informantes sobre todas, com exceção de uma, das 23 verificações de Haffez para as quais existia um outro verificador. Ao confirmar as declarações de Haffez, Nabih Bouhamzy deu um testemunho valioso, porque ele não tinha estado presente quando eu entrevistei Haffez. (Haffez estava presente durante a minha entrevista com Nabih.). Tendo também morado nos Estados Unidos, ele falava inglês, o que descarta possíveis erros de tradução. Eu entrevistei o irmão de Ibrahim, Fuad, sem Haffez estar presente. Em uma nota de rodapé, nas páginas 281-282 do meu relatório do caso, eu chamei atenção para a concordância entre o testemunho de Fuad e o de Haffez em relação a outros tópicos não relacionados à enfermidade final de Ibrahim. Angel não menciona esta nota de rodapé ou a concordância quase uniforme dos outros informantes com Haffez.

Na preparação desta resposta, consultei as minhas notas originais feitas no Líbano e nelas li que Ibrahim tinha recebido tratamento para pneumotórax. A possível importância deste detalhe passou despercebida antes, e eu não mencionei isso no meu relatório, mas vou fazê-lo agora. A operação (pneumotórax artificial) de introdução de ar no espaço entre o pulmão e a parede torácica (cavidade pleural) era um popular tratamento para tuberculose pulmonar durante os anos 1930 e 1940, antes da introdução dos antibióticos a superarem. O ar forçado para a cavidade pleural fechava o pulmão e, se tudo corresse bem, destruiria as cavidades nele e facilitaria a cicatrização. A operação era realizada com anestesia local. Embora a agulha para introduzir o ar pudesse ser inserida em diferentes locais, os preferidos eram na parte de trás da axila (sovaco) ou na parte superior das costas (Alexander, 1937, p. 232). Fuad Bouhamzy, que me disse que Ibrahim tinha recebido tratamento para pneumotórax, não disse onde a agulha cirúrgica foi inserida, mas se presume – e é até provável – que a agulha tenha sido introduzida nas costas de Ibrahim. Se isso aconteceu, Ibrahim teria que passar por uma cirurgia nas costas e saberia disso: e se ele disse isso para Haffez, este último poderia ter concluído, de forma compreensível, embora incorreta, que a tuberculose de Ibrahim também tivesse afetado a sua coluna. Este é um ponto menor, mas, desde os meus primeiros dias na investigação destes casos, eu tentei entender como as discrepâncias em testemunhos diferentes surgiam, o que parece algo melhor do que afastar um ou ambos os informantes discrepantes julgando os sem valor.

Angel afirma que eu concluí que Imad estava se referindo à vida de Ibrahim baseado em provas insuficientes. Ele afirma corretamente que alguns dos nomes pessoais e das características da propriedade são (e foram) comuns no Líbano e que podem ser verdade para muitas pessoas. Vou fazer duas observações sobre isso. Primeiro, esses itens devem ser tomados como um grupo completo, e não um por um. Temos de nos perguntar quão provável é que todas as afirmações de Imad se apliquem a outros homens libaneses. A resposta é zero. Em segundo lugar, algumas das afirmações individuais eram específicas por si mesmas para Ibrahim. Como exemplos temos a declaração correta de Imad sobre a últimas palavras de Ibrahim (item 70 da Tabulação Dois do meu relatório), o seu conhecimento de como Ibrahim conversava com os amigos quando ele estava morrendo (item 64 da mesma tabulação), e de onde Ibrahim mantinha sua arma (item 65 da mesma tabulação). A referência a Jamileh (a amante de Ibrahim, cujo nome Angel escreveu errado repetidas vezes) também era específica à vida de Ibrahim. Angel não considerou as declarações dos membros da família de Ibrahim sobre Jamileh porque nenhum dos três informantes menos qualificados – nenhum deles membros da família Bouhamzy – confirmou o relacionamento de Ibrahim com ela.

A referência de Angel à “maleabilidade” de Imad mostra o tipo de artifício enganoso que ele está disposto a empregar quando tenta demonstrar algo. Ele não diz aos seus leitores que o meu intérprete (que eu não conhecia) ofereceu a Imad um suborno considerável se ele aceitasse como verdadeiras as palavras que ele colocaria em sua boca. E ele não menciona que Imad rejeitou os esforços para enganá-lo quando ele foi convidado a reconhecer um retrato na casa de Ibrahim (ver item 69 da Tabulação Dois do meu relatório). O item 49 da minha Tabulação Um oferece outro exemplo da resistência de Imad às tentativas de enganá-lo.

Em conclusão, eu gostaria de mencionar que, desde a minha investigação do caso Imad, meus colegas e eu estudamos outros casos que apresentaram um problema semelhante: o de encontrar uma pessoa que combine exatamente com as declarações do sujeito. Os leitores interessados podem achar exemplos em relatórios – escritos por mim mesmo e por outros investigadores – de outros casos com registros escritos feitos antes da verificação (Mills, Haraldsson, e Keil 1994; Stevenson 1977; Stevenson e Samararatne 1988; e Haraldsson 1992). Nosso empenho em tais casos não é apenas o de achar uma pessoa falecida que combine com as declarações da criança; nós desejamos estar certos de que as declarações não combinam com a vida de mais ninguém. Eu acredito que o caso de Imad Elawar alcança este padrão e continuo a acreditar que esse é um dos mais fortes casos que investiguei. Desde a sua investigação, encontramos outros tão bons ou mais fortes. É, portanto, tolice da parte de Angel alegar que se ele pudesse desacreditar o caso de Imad Elawar, o seu trabalho estaria terminado. 

Referências 

Angel, Leonard. 1994. Empirical evidence for reincarnation? Examining Stevenson’s “most important” case. SKEPTICAL INQUIRER, 18:481-487.

Haraldsson, Erlendur. 1992. Children claiming past-life memories: Four cases in Sri Lanka. Journal of Scientific Exploration, 5:233-261.

Mills, Antonia; Haraldsson, Erlendur, and Keil; H. H. Jurgen. 1994. Replication studies of cases suggestive of reincarnation by three independent investigators. Journal of the American Society for Psychical Research, 88:207-219.

Stevenson, Ian. 1974. Twenty Cases Suggestive of Reincarnation, 2nd ed. rev. Charlottesville: University Press of Virginia.

Stevenson, Ian. 1977. Cases of the Reincarnation Type: II. Ten Cases in Sri Lanka. Charlottesville: University Press of Virginia.

Stevenson, Ian, and Godwin Samararatne. 1988. Three new cases of the reincarnation type in Sri Lanka with written records made before verification. Journal of Nervous and Mental Disease, 176:741. (Veja também relatórios mais detalhados destes casos no Journal of Scientific Exploration, 1988, 2:217-238.) 

Ian Stevenson, M.D.

Carlson Professor of Psychiatry

Department of Psychiatric Medicine

Division of Personality Studies

Box 152 Health Sciences Center

 University of Virginia

Charlottesville, Virginia  22908

U.S.A. 

Referênca original: Ian Stevenson Replies to Leonard Angel (1995)

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Este artigo foi traduzido para o português por Vitor Moura Visoni e revisado pela Inwords.

Uma resposta a “O Caso de Imad Elawar, Parte 4 (1995 – Ian Stevenson Responde a Leonard Angel)”

  1. André Ribeiro Diz:

    Vítor, parabéns por tuas pesquisas. Muito boas, mesmo que também estejam sujeitas às críticas. Seu trabalho é sério e bem direcionado.
    Gostei muito dos posts. Peço licença pra indicar este vídeo, fugindo do assunto aqui, mas dentro da lógica de teu blog.
    http://www.youtube.com/watch?v=VPFLXoTV8kk&feature=related
    Quem gostar, veja os outros vídeos.

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