ESPECIAL DE NATAL! Livro “Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental” (2008) – capítulo 03

Neste capítulo, Woods mostra que a contribuição dos monges para a civilização ocidental foi imensa. Os monges ensinaram as técnicas da metalurgia, introduziram novos plantios, copiaram textos antigos, preservaram a educação, foram pioneiros em tecnologia – por muito pouco não iniciaram a Revolução Industrial –, inventaram o champanhe, mudaram a paisagem européia, acudiram aos viajantes, resgataram extraviados e náufragos.

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Atenção: Isso não é uma defesa da Doutrina Católica. Não acredito que Maria pariu virgem muito menos que continuou assim após o parto; que Jesus multiplicou pães e peixes, etc. Também abomino a discriminação que é feita contra homossexuais (ao dizer que homossexualismo é pecado)  bem como a propaganda feita contra o aborto, o incentivo ao não uso de camisinha e afins.

III.

COMO OS MONGES SALVARAM A CIVILIZAÇÃO

Os monges desempenharam um papel crucial no desenvolvimento da civilização ocidental. A julgar pelas práticas de ascese a que se dedicavam, dificilmente se poderia imaginar o enorme impacto que viriam a provocar no mundo exterior. Mas esse fato histórico surpreende menos quando nos lembramos das palavras de Cristo: Procurai primeiro o reino dos céus e tudo o mais vos será dado por acréscimo. Essa é, em poucas palavras, a história dos monges. 

INÍCIOS DO MONAQUISMO 

As formas mais antigas da vida monástica surgem já no século III[1]. Encontramo-las em São Paulo de Tebas e no mais popularmente conhecido Santo Antão do Egito (também conhecido por Santo Antão do deserto), que viveu entre os meados do século III e os do IV, e se fez eremita, retirando-se para os desertos do Egito em busca da sua perfeição espiritual pessoal; o que não impediu que o seu grande exemplo tivesse levado milhares a juntar-se a ele.

A vida dos eremitas tinha por característica que se retiravam para um lugar remoto e solitário, a fim de poderem renunciar às coisas mundanas e concentrar-se intensamente na sua vida espiritual. Viviam sozinhos ou em grupos de dois ou três, habitavam em cavernas ou em cabanas simples, e sustentavam-se com o que pudessem produzir nos seus pequenos campos ou com trabalhos como o fabrico manual de cestos. A ausência de uma autoridade que dirigisse o seu regime espiritual levou alguns deles a observar práticas espirituais e penitenciais pouco comuns. De acordo com Philip Hughes, um competente historiador da Igreja, “havia eremitas que mal comiam ou dormiam, e outros que permaneciam imóveis por semanas a fio ou se fechavam em tumbas e lá permaneciam durante anos, recebendo apenas um mínimo de comida através de fendas na parede”[2].

O monaquismo cenobítico – monges que passaram a viver juntos num mosteiro –, com o qual estamos mais familiarizados, desenvolveu-se em parte como uma reação contra a vida dos eremitas e em reconhecimento de que os homens devem viver em comunidade Essa foi a posição de São Basílio o Grande, que desempenhou um papel importante no desenvolvimento do monaquismo oriental. Não obstante, a vida eremítica nunca desapareceu completamente; mil anos depois de São Paulo de Tebas, um eremita foi eleito papa, com o nome de Celestino V.

O monaquismo oriental influenciou o Ocidente de muitas maneiras: através das viagens de Santo Atanásio, por exemplo, e dos escritos de João Cassiano – um homem do Ocidente que conhecia bem as práticas orientais. Mas o monaquismo ocidental deve muito mais a um dos seus próprios monges; São Bento de Núrsia São Bento estabeleceu doze pequenas comunidades de monges em Subíaco, a trinta e oito milhas de Roma, e depois, cinqüenta milhas ao sul, foi fundar Monte Cassino, o grande mosteiro pelo qual é lembrado. Foi aqui, por volta do ano 529, que compôs a famosa Regra de São Bento, cuja excelência se reflete no fato de ter sido universalmente adotada em toda a Europa Ocidental nos séculos posteriores.

A moderação dessa Regra, assim como a sua estrutura e ordem, facilitou a sua difusão pela Europa. Contrariamente aos mosteiros irlandeses, que eram conhecidos pelas suas severas privações (mas que, apesar disso, atraíram um considerável número de homens), os mosteiros beneditinos asseguravam aos seus monges alimentação e descanso adequados, ainda que durante os tempos penitenciais o regime pudesse tornar-se mais austero. O monge beneditino típico vivia num nível material comparável ao dos camponeses italianos da época.

Cada mosteiro beneditino era independente de todos os outros e tinha um abade que cuidava dos assuntos da casa e da boa ordem. Anteriormente, os monges tinham a liberdade de perambular de um lugar para outro, mas São Bento concebeu um estilo de vida monástico em que cada um permanecia fixo no seu próprio mosteiro[3].

São Bento também eliminou da existência do monge qualquer vestígio do seu passado no mundo, quer tivesse sido de grande riqueza ou de servidão e miséria, porque todos eram iguais em Cristo. O abade beneditino “não deve fazer distinção entre as pessoas do mosteiro (…). Um homem livre não deve ser preferido a outro nascido em servidão, a menos que haja alguma causa razoável. Porque, sejamos escravos ou livres, somos todos um em Cristo […). Deus não faz acepção de pessoas”.

Ao retirar-se para um mosteiro, o monge propunha-se cultivar uma vida espiritual mais disciplinada e dedicada a trabalhar pela sua salvação num ambiente e sob um regime que favorecesse esse propósito. A intenção dos monges não era levar a cabo grandes façanhas em benefício da civilização européia, embora tivesse chegado um momento em que viriam a abraçar o trabalho para o qual os tempos pareciam chamá-los.

Durante um período de grande turbulência, a tradição beneditina manteve-se intacta e as suas casas permaneceram como oásis de ordem e de paz. Pode-se dizer de Monte Cassino, a casa-mãe dos beneditinos, que a sua própria história refletiu essa permanência. Saqueada pelos bárbaros lombardos em 589, destruída pelos sarracenos em 884, arrasada por um terremoto em 1.149, pilhada pelas tropas francesas em 1779 e arrasada pelas bombas da Segunda Guerra Mundial em 1944, Monte Cassino recusou-se a desaparecer, pois de cada uma dessas vezes os seus monges tornaram a reconstruí-lo[4].

As simples estatísticas dificilmente podem fazer justiça às realizações beneditinas, mas a verdade e que, nos começos do século XIV, a Ordem já proporcionara à Igreja 24 papas, 200 cardeais, 7.000 arcebispos, 1.000 bispos e 1.500 santos canonizados; e, em começos do século XIV, teria contado 17.000 mosteiros, número talvez exagerado. E a sua influência não se deu somente dentro da Igreja; o seu ideal monástico foi tão exaltado em toda a sociedade que chegou a ser perfilhado por perto de vinte imperadores, dez imperatrizes, quarenta e sete reis e cinqüenta rainhas[5]. Grande parte dos mais poderosos da Europa acolheram-se, pois, à vida humilde e ao regime espiritual da Ordem beneditina, como tinha acontecido entre os bárbaros com figuras como Carlomano dos francos e Rochis dos lombardos[6].

AS ARTES PRÁTICAS 

Embora as pessoas instruídas pensem que toda a contribuição dos mosteiros medievais para a civilização ocidental se circunscreveu à busca da erudição e da cultura, não se deve passar por alto o impulso que deram às chamadas artes práticas. A agricultura é um exemplo particularmente significativo. No início do século XX, Henry Goodell, presidente do que então era o Massachusetts Agricultural College, exaltou “o trabalho daqueles grandes velhos monges ao longo de 1500 anos. Eles salvaram a agricultura quando ninguém mais poderia fazê-lo. Praticaram-na no contexto de uma nota forma de vida e de novas condições, quando ninguém mais ousava empreendê-la”[7].

É expressivo o testemunho de outro especialista: “Devemos aos monges a recuperação agrícola de grande parte da Europa”. Outro acrescenta ainda: “Em qualquer lugar em que estiveram, converteram terra bravia em campos cultivados; dedicaram-se à criação de gado e à agricultura, trabalharam com as suas próprias mãos, drenaram pântanos e desmataram florestas. Por eles a Alemanha tornou-se um país fértil”. Outro historiador aponta que “todos os mosteiros beneditinos eram uma escola de agricultura para toda a região na qual estavam situados”[8]. No século XIX, o político e historiador francês François Guizot, que não tinha especial simpatia pela Igreja Católica, observou: “Os monges beneditinos foram os agricultores da Europa: transformaram-na em terras de cultivo em larga escala, associando agricultura e oração”[9].

O trabalho manual, especialmente exigido pela Regra de São Berilo, desempenhou um papel central na vida monástica. Ainda que a Regra fosse conhecida pela sua moderação e pela aversão a penitências exageradas, os monges abraçavam com gosto as tarefas mais difíceis e menos atraentes, porque as encaravam como canais da graça e oportunidades de mortificar a carne; isso era bem evidente no trabalho de mondar e preparar a terra. A respeito dos pântanos, predominava a idéia de que não tinham nenhum valor e eram focos de pestilência. Mas os monges assumiram o desafio que representava represá-los e drená-los, e em pouco tempo conseguiram transformar o que até então era uma fonte de doenças e imundície em fértil terra cultivada[10].

Montalembert, o grande historiador dos monges do século XIX, rendeu-lhes homenagem pelo grande trabalho agrícola que empreenderam. “É impossível esquecer – escreveu – como souberam aproveitar tão vastas terras incultas e desabitadas (um quinto de todo o território da Inglaterra), cobertas de florestas e cercadas de pântanos”. Essas eram, com efeito, as características da maior parte das terras que os monges ocupavam, em parte por serem lugares mais retirados e inacessíveis – o que favorecia a vida em solidão –, e em parte por serem terras que os doadores leigos lhes ofereciam mais facilmente”[11]. Ao desmaiarem as florestas para destiná-las ao cultivo e habitação, tinham o cuidado de plantar árvores e de conservar as malas, dentro do possível[12].

Um exemplo particularmente vivo da salutar influência dos monges no seu entorno físico é o que nos dão os pântanos de Southampton, na Inglaterra. Um especialista descreve como era essa região no século VII, antes da fundação da abadia de Thorney:

“Não passava de um enorme pântano. Os charcos, no século VII, eram provavelmente parecidos com as florestas da desembocadura do Mississipi ou as marismas das Carolinas: um labirinto de errantes córregos negros; grandes lagoas, atoleiros submersos a cada maré da primavera; enormes extensões de juncos, carriços e samambaias; grandes bosques de salgueiros, amieiros e álamos cinzentos; florestas de abetos e carvalhos, freixos e álamos, aveleiras e teixos, que em outro tempo haviam crescido naquele solo baixo e fétido, agora eram engolidas lentamente pela turfa flutuante, que vagarosamente devorava tudo, embora tudo conservasse. Árvores derrubadas pelas inundações e tormentas flutuavam e se acumulavam, represando as águas sobre o terreno. Córregos desnorteados nas florestas mudavam de leito, misturando limo e areia com o solo negro da turfa. A natureza, abandonada ao seu próprio curso, corria cada vez. mais para uma selvagem desordem e caos, até transformar todo o charco em um lúgubre pântano”[13].

Cinco séculos depois, foi assim que William de Malmesbury (cerca de 1096-1143) descreveu essa região;

“É uma réplica do paraíso, onde parecem refletir-se a delicadeza e a pureza do céu. No meio das lagoas, erguem-se bosques de árvores que parecem tocar as estrelas com as suas altas e esbeltas frondes; o olhar fascinado vagueia sobre o mar de ervas verdejantes, os pés pisam as amplas pradarias sem encontrar obstáculos no seu caminho. Até onde a vista alcança, nenhum palmo de terra está por cultivar. Aqui o solo é escondido pelas árvores frutíferas; acolá, pelas vinhas estendidas sobre o chão ou puxadas para o alto sobre caramanchões. Natureza e arte rivalizam, uma suprindo tudo o que a outra esqueceu de produzir. Ó profunda e amável solidão! Foste dada por Deus aos monges, para que a sua vida mortal pudesse aproximá-los diariamente do céu”[14].

Aonde quer que tenham ido, os monges introduziram plantações, indústrias ou métodos de produção desconhecidos do povo. Aqui introduziam a criação de gado e de cavalos, ali a elaboração da cerveja, a criação de abelhas ou a produção de frutas. Na Suécia, o comércio de cereais deve a sua existência aos monges; em Parma, a produção do queijo; na Irlanda, a pesca do salmão e, em muitos lugares, as vinhas de alta qualidade. Os monges represavam as águas das nascentes a fim de distribuí-las em tempos de seca. Foram os monges dos mosteiros de Saint Laurent e Saint Martin que, observando as águas das fontes espalharem-se inutilmente pelos prados de Saint Gervais e Belleville, as canalizaram para Paris. Na Lombardia, os camponeses aprenderam dos monges a irrigação, o que contribuiu poderosamente para tornar a região tão famosa em toda a Europa pela sua fertilidade e riqueza. Os monges foram os primeiros a trabalhar na melhoria das raças do gado, em vez de as deixar evoluir ao acaso”[15].

Em inúmeros casos, o bom exemplo dos monges serviu de inspiração a muitos, especialmente incentivando-os a respeita, e honrar o trabalho manual em geral e a agricultura em particular. “A agricultura linha entrado em decadência – diz um estudioso –. O que outrora tinham sido campos férteis, estava agora coberto de charcos e os homens que deveriam ter cultivado a terra rejeitavam o arado como algo degradante”. Mas quando os monges emergiram das suas celas para cavar valas e arar os campos, “esse empenho teve um efeito mágico. Os camponeses retornaram a uma atividade nobre, mas desprezada”[16].

O papa São Gregório Magno (590-604) conta-nos uma reveladora história sobre o abade Equitius, um missionário do século VI de notável eloqüência. Quando um enviado pontifício foi ao mosteiro procurá-lo, dirigiu-se imediatamente ao scriptorium – a sala destinada à cópia dos textos –, esperando encontrá-lo entre os copistas. Mas não estava lá. Os calígrafos limitaram-se a dizer: “Está lá em baixo, no vale, cortando o feno”[17].

Os monges também foram pioneiros na produção do vinho, que utilizavam tanto para a celebração da Santa Missa para o consumo ordinário, expressamente permitido pela Regra de São Bento. Pode-se atribuir a descoberta do champanha a Dom Perignon, um monge da abadia de São Pedro, em Haut-villiers-no-Marne. Encarregado em 1688 de cuidar da adega da abadia, esse monge descobriu o champanhe misturando diversos tipos de vinho. O principio fundamental que ele estabeleceu continua a nortear até hoje a produção desse espumante[18]. Talvez não tão glamourosas como algumas contribuições intelectuais dos monges, essas tarefas cruciais foram quase tão importantes como as que contribuíram para a construção e preservação da civilização do Ocidente, numa época de tumulto e desesperança generalizados.

Os monges também deram um contributo importante à tecnologia medieval. Os cistercienses – uma Ordem beneditina reformada, estabelecida em Citeaux em 1098 – eram muito conhecidos pela sua sofisticação tecnológica: qualquer avanço obtido difundia-se rapidamente graças à vasta rede de comunicação que ligava os diversos mosteiros: é por isso que encontramos sistemas hidráulicos muito similares em mosteiros situados a grande distância uns dos outros, até mesmo a milhares de milhas”[19]. “Esses mosteiros – escreve um historiador – eram verdadeiramente as unidades fabris mais produtivas de todas as que haviam existido até então na Europa e talvez no mundo”[20].

A comunidade monástica cisterciense tinha geralmente as suas próprias fábricas para a produção de energia hidráulica, que lhes servia para moer o trigo, peneirar a farinha, lavar a roupa e tratar o couro[21]. Se o mundo da antigüidade clássica não adotou a mecanização para fins industriais em grau significativo, já o mundo medieval o fez em larga escala, como se vê por um relatório do mosteiro cisterciense de Claraval, datado do século XII, que descreve o modo como nele se usava a energia hidráulica:

“Entrando por baixo do muro exterior da abadia, que, como um porteiro, lhe dá passagem, inicialmente o arroio lança-se de modo impetuoso no moinho, contorcendo-se em um movimento revolto, primeiro para moer o trigo sob o peso das pedras, depois para agitar a fina peneira que separa a farinha do farelo. Depois de alcançar a construção seguinte, enche os tanques e entrega-se às chamas, que o aquecem para preparar a cerveja ou o licor dos monges, quando as vinhas recompensam o duro trabalho dos vinicultores com uma colheita pobre. Mas o arroio ainda não concluiu a sua tarefa. Convocam-no os lavadores, postados perto do moinho. No moinho, ocupara-se em preparar alimento para a irmandade; agora cuida-lhes da roupa. Nunca se esquiva nem se recusa a fazer qualquer coisa que lhe seja pedida. Levanta e deixa cair um a um os pesados pilões, os grandes maneios de madeira, poupando assim aos monges grandes fadigas… Quantos cavalos não cairiam esgotados, quantos homens não ficariam com os braços extenuados, se esse gracioso rio, ao qual devemos roupas e comida, não trabalhasse por nós!

“Depois de fazer girar o eixo a uma velocidade muito superior à que qualquer roda é capaz de se mover, desaparece em um frenesi de espuma; é como se ele próprio se deixasse triturar pelo moinho. Em seguida, entra no curtume, onde se mostra ainda mais aplicado e diligente no preparo do couro para o calçado dos monges; depois, divide-se em uma multidão de pequenos veios e prossegue o seu curso para cumprir os deveres que lhe são confiados, sempre atento a todos os trabalhos que requerem a sua participação, sejam eles quais forem – cozinhar, peneirar, girar, moer, regar ou lavar –. sem se recusar nunca a colaborar em qualquer tarefa. Finalmente, carrega para fora os resíduos, deixando tudo imaculado”[22].

A perícia dos monges ia das inovações de grande valor prático às curiosidades interessantes. No inicio do século XI, por exemplo, um monge chamado Eilmer voou mais de 180 metros com um planador, realizando uma façanha que seria recordada durante os três séculos seguintes[23]. Houve também entre os monges consumados fabricantes de relógios. O primeiro relógio de que temos notícia foi construído pelo futuro papa Silvestre II para a cidade germânica de Magdeburgo, por volta do ano 996. Posteriormente, outros monges foram aperfeiçoando essa técnica. Peter Lightfoot, um monge de Clastonbury, construiu no século XIV um dos mais antigos relógios que chegaram até nós e que agora se encontra, em excelentes condições, no Museu de Ciência de Londres.

Richard de Wallingford, um abade do século XIV, da abadia beneditina de Saint Albans (e um dos precursores da trigonometria no Ocidente), é famoso pelo relógio astronômico que projetou para o seu mosteiro. Diz-se que, pelo menos nos dois séculos seguintes, não apareceu outro relógio que se igualasse a esse em sofisticação tecnológica; era uma maravilha para a sua época. Não sobreviveu muito tempo: talvez tenha desaparecido entre os objetos dos mosteiros confiscados por Henrique VIII. Mas as notas deixadas pelo abade permitiram fazer um modelo e uma réplica desse relógio em escala real. Além de marcar o tempo, conseguia prever com precisão os eclipses.

OS MONGES COMO CONSULTORES TÉCNICOS 

Os cistercienses também eram conhecidos pela sua perícia em metalurgia. “Na sua rápida expansão pela Europa – escreve Jean Gimpel –, os cistercienses vieram a desempenhar um papel significativo na difusão de novas técnicas, porque o alto nível da sua tecnologia agrícola se equiparava à sua tecnologia industrial. Todos os mosteiros possuíam a sua fábrica – frequentemente tão espaçosa como a igreja e a pouca distância dela com diversas máquinas no subsolo movidas a energia hidráulica”[24]. De vez em quando, os monges recebiam em doação minas de ferro, quase sempre juntamente com os fornos necessários para extrair o metal; outras vezes, eles próprios compravam as minas e os fornos. Embora precisassem do ferro para uso próprio, houve um momento em que os mosteiros cistercienses estiveram em condições de oferecer os seus excedentes para venda; com efeito, da metade do século XIII até o século XVII, os cistercienses foram os líderes em produção de ferro na região francesa da Champagne. Sempre empenhados em melhorar a eficiência dos seus mosteiros, usavam a escória das suas fornalhas como fertilizante, pois pela sua alta concentração de fosfato eram especialmente úteis para essa finalidade[25].

Esses avanços eram parte de um fenômeno mais amplo de conquistas tecnológicas. Observa Gimpel que “a Idade Média introduziu a mecanização na Europa em uma escala que nenhuma civilização havia conhecido até então”[26]. E os monges, segundo outro estudo, foram “os hábeis consultores técnicos não remunerados do terceiro mundo daqueles tempos – isto é, da Europa após as invasões bárbaras”[27]. E prossegue:

“Com efeito, quer na mineração do sal, do chumbo, do ferio, do alumínio ou da cal, quer na metalurgia, na extração do mármore, na cuidaria, na vidraria ou na forjaria, não havia nenhuma atividade em que os monges não demonstrassem a sua criatividade e um fértil espírito de pesquisa. Desenvolveram e aprimoraram o seu trabalho até alcançarem a perfeição, e o seu know-how viria a espalhar-se por toda a Europa”[28].

 

Os arqueólogos ainda continuam a pesquisar o alcance da perícia e engenhosidade tecnológica dos monges. Em fins da década de 1990, o arqueólogo-metalurgista Gerry McDonnell, da Universidade de Bradforf, encontrou nas proximidades da abadia de Rievaulx, em North Yorkshire, Inglaterra, evidências de um grau de sofisticação tecnológica que apontava para as grandes máquinas da revolução industrial do século XVIII. (A abadia de Rievaulx foi um dos mosteiros que o rei Henrique VIII mandou fechar por volta de 1530). Explorando as minas de Rievaulx e Laskill, McDonnell descobriu a cerca de quatro milhas do mosteiro um forno construído pelos monges para extrair ferro do minério.

O tipo de forno que existia no século XVI progrediu relativamente pouco em comparação com os seus antecessores e era notavelmente ineficiente para os padrões modernos. A escória ou subproduto desses fornos continha uma concentração significativa de ferro, já que não se conseguia atingir temperaturas suficientemente altas para extrair todo o ferro do minério. Mas a escória que McDonnell descobriu em Laskill continha uma baixa quantidade de ferro, semelhante à escória hoje produzida por um moderno alto-forno.

McDonnell acha que os monges estiveram perto de construir fornos para uma produção de ferro fundido em larga escala – tal como aconteceria na era industrial –, e que o forno de Laskill foi o protótipo desses fornos. “Um dos pontos-chave foi que os cistercienses tinham todos os anos encontros regulares de abades, e isso permitia-lhes compartilhar os avanços tecnológicos que se alcançavam em qualquer parte da Europa – disse ele –. A dissolução dos mosteiros rompeu essa rede de transferência de tecnologia”. Os monges “tinham capacidade para fabricar altos-fomos que não produzissem nada além de ferro fundido. Estavam em condições de fazê-lo em larga escala, mas. ao suprimir os mosteiros da Inglaterra, Henrique VIII quebrou esse potencial”[29]. Não fosse pela cobiça do rei em apossar-se dos bens da Igreja, os monges teriam chegado aos umbrais da era industrial, com a sua explosão de riqueza, população e expectativa de vida. Em vez disso, esse avanço teve que esperar mais de dois séculos e meio.

OBRAS DE CARIDADE 

Em outro capítulo, veremos com mais detalhe quais tocam as obras assistenciais da Igreja. Por agora, limitemo-nos a mencionar que a Regra beneditina exortava os monges a ser esmoleres e a cultivar a hospitalidade. De acordo com essa Regra, como vimos, todos os que chegavam deviam ser recebidos como se fossem Cristo. Os mosteiros davam hospedagem gratuita, proporcionavam um lugar de descanso calmo e seguro a viajantes estrangeiros, peregrinos e pobres. Um antigo historiador da abadia normanda de Bec escreveu: perguntem como espanhóis, burgúndios ou quaisquer outros viajantes têm sido recebidos em Bec. Responderão que as portas do mosteiro estão sempre abertas a todos e que a todos se oferece pão gratuitamente”[30]. Era em obediência ao espírito de Cristo que davam abrigo e conforto a qualquer forasteiro.

Os monges eram igualmente conhecidos pelo empenho com que saíam em busca dos infelizes que, perdidos ou isolados quando caia a noite, necessitavam de um abrigo. Em Aubrac, por exemplo, onde tinham fundado um albergue no meio das montanhas do Rouergue, em fins do século XVI, um sino especial tocava todas as noites para chamar qualquer viandante que se tivesse extraviado ou fosse surpreendido pela intimidante escuridão da floresta. Era um sino conhecido pelo povo como “o sino dos caminhantes”[31].

Também não era infreqüente que os monges que viviam junto do mar montassem dispositivos para avisar os marinheiros dos obstáculos perigosos, ou que os mosteiros próximos tivessem provisões reservadas para acolher os náufragos. Diz-se que a cidade de Copenhague deveu a sua origem a um mosteiro estabelecido pelo seu fundador, o bispo Absalon, para socorrer os náufragos. Em Arbroath, na Escócia, os monges fixaram um sino flutuante numa rocha traiçoeira, muito conhecida na costa de Forfarshire. Em determinadas fases da maré, a rocha quase não se via, escondida pelas águas, e muitos marinheiros se apavoravam, temerosos de chocar-se contra ela. As ondas faziam soar o sino e os marinheiros se acautelavam para fugir do perigo. Até hoje, a rocha é conhecida como a Rocha do Sino”[32]. Estes exemplos são uma pequena amostra da preocupação dos monges pelas pessoas que viviam nas redondezas. Acrescente-se a isso o contributo que deram para a instrução ou reparação de pontes, estradas e outros elementos da infraestrutura medieval

O trabalho monástico com que estamos mais familiarizados é a cópia de manuscritos, tanto sagrados como profanos. Era uma ocupação considerada especialmente honrosa para os que a realizavam. Um prior cartuxo escreveu: “O diligente trabalho exigido por esta tarefa deve ser umas das principais ocupações dos cartuxos na sua clausura […]. Pode-se dizer que, em certo sentido, é um trabalho imortal, que nunca passa e permanece para sempre; um trabalho que, por assim dizer, não é trabalho; uma tarefa que se destaca por cima de todas as outras como a mais apropriada para a educação religiosa dos homens”[33].

A PALAVRA ESCRITA 

A honrosa tarefa dos copistas era difícil e exigente. Em um manuscrito monástico, lemos estas palavras: “Quem não sabe escrever pensa que não é um trabalho; mas a verdade é que, embora se sustente a pena só com três dedos, todo o corpo se cansa”. Os monges tinham de trabalhar freqüentemente no meio do frio mais cortante. Ao concluir uma cópia que fez do comentário de São Jerônimo ao Livro de Daniel, um copista monástico pedia a nossa simpatia: “Rogo aos leitores que fizerem uso deste trabalho que tenham por bem não se esquecerem daquele que o copiou: era um pobre irmão chamado Luis que, enquanto transcrevia este volume trazido de um país estrangeiro, suportou o frio e foi obrigado a terminar de noite o que não conseguiu escrever a luz do dia. Mas Tu, Senhor, serás a plena recompensa do seu esforço”[34].

No século VI, um senador romano já retirado da vida pública, que se chamava Cassiodoro, teve um primeiro vislumbre do papel cultural que os mosteiros viriam a desempenhar. Em meados desse século, fundou o mosteiro de Vivarium no sul da Itália, dotando-o de uma refinada biblioteca – a bem dizer, a única biblioteca desse período de que hoje se tem notícia – e insistiu na importância de copiar manuscritos. Parece que alguns importantes manuscritos cristãos desse mosteiro se encontram hoje na Biblioteca Lateranense, à disposição dos papas[35].

Surpreendentemente, não é a Vivarium, mas a outras bibliotecas monásticas e scriptoria, que devemos a maior parte da literatura latina antiga que chegou até nós. Nos casos em que não foram conservadas e transcritas pelos monges, essas obras sobreviveram graças às bibliotecas e escolas associadas às grandes catedrais medievais[36]. A par das suas próprias contribuições originais, a Igreja empenhou-se em preservar livros e documentos que foram de seminal importância para salvar a civilização antiga.

Descrevendo o acervo da sua biblioteca em York, o grande Alcuíno referiu-se a obras de Aristóteles, Cícero, Lucano, Plínio, Estácio, Pompeu, Trogo e Virgílio. Na sua correspondência, cita ainda outros autores clássicos, como Ovídio, Horácio e Terêncio[37]. E não eslava sozinho na sua familiaridade com os escritores antigos e no apreço por eles. Lupo (cerca de 805-862), o abade de Ferrières, cita Cícero, Horácio, Marcião, Suetônio e Virgílio. Abbon de Fleury (cerca de 950-1004), que foi abade do mosteiro de Fleury, demonstra estar particularmente familiarizado com Horácio, Salustiano, Terêncio e Virgílio. Desidério – tido como o maior dos abades de Monte Cassino, depois do próprio Bento, e que, em 1086, veio a tornar-se o papa Vítor III – supervisionou a transcrição de Horácio e de Sêneca, assim como a do De natura deorum, de Cícero, e dos Fastos de Ovídio[38]. O seu amigo, o arcebispo Alfano, que também tinha sido monge em Monte Cassino, manejava com similar fluência as obras dos escritores antigos, e citava freqüentemente Apolônio, Aristóteles, Cícero, Platão, Varrão e Virgílio, além de imitar Ovídio e Horácio nos seus versos. Santo Anselmo, enquanto foi abade de Bec, recomendou aos seus alunos a leitura de Virgílio e outros escritores clássicos, embora os aconselhasse a passar por alto trechos moralmente censuráveis[39].

O grande Gerberto de Aurillac não se limitou a ensinar lógica; também analisava com os seus alunos passagens de Horácio, Juvenal, Lucano, Pérsio, Terêncio, Eslácio e Virgílio; sabemos de conferências sobre autores clássicos que pronunciou em lugares como Saint Albans e Paderborn. Conserva-se de Santo Hildeberto um exercício escolar que compôs juntando excertos de Cícero, Horácio, Juvenal, Pérsio, Sêneca, Teréncio e outros: o cardeal John Henry Newman – o grande converso do anglicanismo do século XIX e talentoso historiador – dá a entender que Santo Hildeberto conhecia Horácio praticamente de cor[40]. O certo é que a Igreja apreciou, preservou, estudou e ensinou as obras dos antigos, que de outro modo se teriam perdido[41].

Além da cuidadosa conservação de obras do mundo clássico e dos Padres da Igreja, umas e outras primordiais para a civilização ocidental, os monges realizaram outro trabalho de incomensurável importância com a sua habilidade de copistas: a preservação da Bíblia[42]. Sem a sua dedicação a essa tarefa e as numerosas cópias que produziram, não se sabe como o texto sagrado teria podido sobreviver aos ataques dos bárbaros. Era freqüente embelezarem os Evangelhos com primorosas iluminuras artísticas, como nos famosos Evangelhos de Lindau e Lindisfarne – obras de arte e de fé.

CENTROS DE EDUCAÇÃO  

Mas os monges fizeram mais do que simplesmente preservar as capacidade de ler e escrever. Até mesmo um historiador sem qualquer simpatia pela educação monástica reconheceu: “Os monges estudaram os poemas dos poetas pagãos e os escritos dos historiadores e dos filósofos. Os mosteiros e as escolas monásticas tornaram-se. não apenas centros florescentes de vida religiosa, mas também de ensino”[43]. Outro cronista não simpatizante escreveu: “Os monges não apenas fundaram escolas e foram professores, mas também lançaram as bases das futuras universidades. Eram os pensadores e filósofos da época, e moldaram o pensamento político e religioso. A eles se deveu, tanto coletiva como individualmente, que o pensamento e a civilização do mundo antigo passassem para a Idade Média e para o período moderno”[44].

Em maior ou menor escala, ao longo dos séculos, os monges sempre foram professores. São João Crisóstomo conta-nos que, já na sua época (347-407), as famílias de Antioquia costumavam confiar a educação dos seus filhos aos monges. São Bento instruiu os filhos dos nobres romanos[45]. São Bonifácio criou uma escola em cada mosteiro que fundou na Alemanha, e, na Inglaterra, Santo Agostinho de Cantuária e os seus monges abriam escolas onde quer que se fixassem[46]. Atribui-se a São Patrício o estimulo aos estudos na Irlanda e o fato de os mosteiros irlandeses se terem convertido em importantes centros de ensino, proporcionando instrução tanto a monges como a leigos[47].

Era normal os monges complementarem a sua educação freqüentando uma ou mais das escolas monásticas estabelecidas. Abbon de Fleury, sendo já mestre das disciplinas ensinadas em sua própria casa, foi estudar Filosofia e Astronomia em Paris e Rheims, e ouvimos histórias similares sobre o arcebispo Rábano de Mogúncia. São Wolfgang e Gerberto (papa Silvestre II)[48].

É verdade que a maior parte da educação ministrada aos que não iam professar votos monásticos se deu em outros lugares, como as escolas das catedrais fundadas sob o império de Carlos Magno. Mas, mesmo que a contribuição dos mosteiros tivesse sido apenas a de ensinar os seus monges a ler e escrever, não teria sido um feito desprezível. Quando os gregos micênicos sofreram uma catástrofe no século XII a.C. – uma invasão dos dórios, segundo alguns historiadores –, o resultado foram os três séculos de completo analfabetismo conhecidos como a Era Negra da Grécia: a escrita simplesmente desapareceu no meio do caos e da desordem. Mas o empenho com que os monges fomentaram a escrita e a educação evitou que a terrível destruição que se abateu sobre os gregos micênicos viesse a repetir-se na Europa após a queda do Império Romano. Desta vez, graças aos monges, o cultivo do espírito pela leitura e pela escrita sobreviveu à catástrofe política e social.

Certos mosteiros ficaram também conhecidos pela sua proficiência em determinados ramos particulares do conhecimento. Assim, por exemplo, os monges de São Benigno (em Dijon) davam conferências sobre medicina; o mosteiro de Saint Gall tinha uma escola de pintura e gravura; e certos mosteiros alemães davam palestras em grego, hebreu e árabe[49].

Este apanhado da contribuição dos monges mal arranha a superfície de um tema imenso. Quando Comte de Montalembert escreveu, nas décadas de 1860 e 1870, uma história dos monges ocidentais em seis volumes, lamentou a sua incapacidade de oferecer algo mais que um esboço sumário de grandes figuras e grandes obras, e remetia continuamente os seus leitores para as referências nas notas de pé de página.

Como acabamos de ver, a contribuição monástica para a civilização ocidental foi imensa. Os monges ensinaram as técnicas da metalurgia, introduziram novos plantios, copiaram textos antigos, preservaram a educação, foram pioneiros em tecnologia, inventaram o champanhe!, mudaram a paisagem européia, acudiram aos viajantes, resgataram extraviados e náufragos. Quem mais na história da civilização ocidental pode ostentar um tal elenco de realizações?

Vejamos agora como a Igreja, que deu ao Ocidente os seus monges, também criou a Universidade.



[1] Philip Hughes, A History of the Church, vol. I., ed. rev., Sheed and Ward, London, 1948, págs. 139-140. Foram prenunciadas, segundo alguns historiadores, pelas “virgens”, mulheres que, desde os primeiros tempos do cristianismo, renunciavam ao casamento e se dedicavam ao cuidado dos pobres e doentes.

[2] Ibid, pág. 140.

[3] No início do século X, com o estabelecimento do mosteiro de Cluny, introduziu-se um certo grau de centralização na tradição beneditina. O abade de Cluny possuía autoridade sobre todos os mosteiros afiliados àquela casa, designando priores para dirigir as atividades cotidianas de cada um.

[4] Will Durant, The Age of Faith, MJF Books, New York, 1950, pág. 519.

[5] G. Cyprian Alston, “The Benedictine Order”, em Charles G. Hebermann, Edward A. Pace, Condé B. Pallen, Thomas J. Shahan, e John J. Wynne, eds., Catholica Encyclopedia, The Encyclopedia Press, 1913. Os artigos podem ser encontrados em transcrição em http://oce.catholic.com

[6] Alexander Clarence Flick, The Rise of the Medieval Church, Burt Franklin, New York, 1909, pág. 216.

[7] Henry H. Goodell, “The Influence of the Monks in Agriculture”, discurso pronunciado diante do Massachusetts State Board of Agriculture, 23.08.1901, em The Goodell Papers, University of Massachusetts, Amherst.

[8] Alexander Clarence Flick, The Rise of the Medieval Church, pág. 223.

[9] Cfr. John Henry Newman, Essays and Sketches, vol. 3, Charles Frederick Harrold, ed., Longmans, Green and Co., New York, 1948, págs. 264-265.

[10] Henry H. Goodell, “The Influence of the Monks in Agriculture”, pág. 11.

[11] Ibid., pág. 6.

[12] Charles Montalembert, The Monks of the West: From St. Benedict to St. Bernard, vol. 5, Nimmo, Londres, 1896, pág. 208.

[13] Henry H. Goodell, “The Influence of the Monks in Agriculture”, págs. 7-8.

[14] Ibid., pág. 8.

[15] Ibid., págs. 8-9.

[16] Ibid., pág. 10.

[17] Charles Montalembert, The Monks of the West, vol 5. págs. 198-9.

[18] John B. O’Connor, Monasticism and Civilization, P. J. Kennedy & Sons, New York, 1921, págs. 35-6.

[19] Jean Gimpel, The Medieval Machine: The Industrial Revolution of the Middle Ages, Holt, Rinchart, and Winston, New York, 1976, pág. 5.

[20] Randall Collins, Weberian Sociological Theory, Cambridge University Press, Cambridge 1986, págs. 53-4.

[21] Como aponta Jean Gimpel no seu livro The Medieval Machine, um relatório do século XII sobre a utilização da energia hidráulica no mosteiro de Claraval, na França, poderia ter sido escrito 742 vezes, já que, naquela época, era esse o número de mosteiros cistercienses que existiam na Europa. O mesmo nível de conquistas tecnológicas podia observar-se praticamente em todos eles (Randall Collins, Weberian Sociological Theory, págs. 53-4).

[22] Citado em David Luckhurst, “Monastic Watermills”, Society for the Protection of Ancient Buildings, n. 8, London, s.d., pág. 6; citado em Gimpel, págs. 5-6.

[23] Stanley L. Jaki, “Medieval Creativity in Science and Technology”, em Patterns and Principles and Other Essays, Byrn Mawr, Pasadena, Intercollegiatte Studies Institute, 1995, pág. 81, cfr. Lynn White Jr., “Eilmer of Malmesbury, an Eleven-Century Aviator: A Case Study of Technological Innovation. Its Context and Tradition”, Technology and Culture 2 (1961), págs. 97-111.

Séculos mais tarde, o pe. Francesco Lana-Terzi – não um monge, mas um padre jesuíta – estudou de um modo mais sistemático o tema do vôo, ganhando a honra de ser chamado o pai da aviação. O seu livro Prodomo alla ArteMaestra,  de 1670, foi o primeiro a descrever a geometria e a física de uma aeronave (Joseph MacDonnell, Jesuit Geometers, St. Louis, Institute of Jesuit Sources, 1989, págs. 21-22).

[24] Jean Gimpel. The Medieval Machine, pág. 67.

[25] Ibid.. pág. 68.

[26] Ibid.. pág 1.

[27] Réginald Grégoire, Léo Moulin e Raymond Oursel;. The Monastic Realm, pág. 271.

[28] Ibid., pág. 275.

[29] David Derbyshire, “Henrv Stamped Out Industrial Rcvolultion”, Telegraph, 21.06.2002. ed. britânica; cfr. também “Henry’s Big Mistake”. Discover, fev 1999.

[30] Charles Montalembert, The Monks of the West, vol. 5, págs 89-90., 225.

[31] Ibid., pág. 227.

[32] Ibid., págs. 227-28.

[33] John B. O’Connor, Monasticism and Civilization, pág. 118.

[34] Charles Montalembert, The Monks of the West, vol 5. págs. 151-2.

[35] Leighton D. Reynolds e Nigel G. Wilson. Scribes and Scholars, pág. 83.

[36] Ibid., págs. 81-82.

[37] Charles Montalembert, The Monks of the West, vol 5, pág. 145.

[38] Ibid., pág. 146; Raymund Webster, “Pope Victor III”, em Catholic Encyclopedia.

[39] Charles Montalembert, The Monks of the West, vol 5, pág. 146. Sobre todo este tema, veja-se também John Henry Newman, Essays and Sketches, vol. 3, págs. 320-21.

[40] John Henry Newman, Essays and Sketches, vol. 3, págs. 316-17.

Ao longo da história do monaquismo, encontramos abundantes evidências da devoção dos monges pelos livros. São Benedito Biscop, por exemplo, que fundou o mosteiro de Wearmouth, na Inglaterra, chegou a viajar até os lugares mais remotos com o propósito de encontrar volumes para a sua biblioteca monástica; embarcou cinco vezes com essa finalidade, e cada vez trouxe uma carga considerável (Charles Montalembert, The Monks of the West, vol. 5, pág. 139). Lupo pediu a um amigo abade que lhe permitisse copiar A vida dos Césares, de Suetônio, e implorou a outro que lhe conseguisse A Conspiração de Catilina e a Guerra jugurtina, de Salústio, além do Verrines, de Cícero, e de qualquer outro volume que fosse de interesse. Pediu a outro amigo que lhe emprestasse a Retórica de Cícero e solicitou ao papa uma cópia das Institutiones, de Quintiliano, e de outros textos.

Gerberto tinha igual entusiasmo pelos livros e ofereceu-se para ajudar outro abade a terminar algumas cópias incompletas de Cícero e do filósofo Demóstenes e a tentar localizar os manuscritos do Verrines e do De Republica, de Cícero (John Henry Newman, Essays and Sketches, vol. 3, pág. 321). Sabemos que São Mayeul de Cluny apreciava tanto a leitura que tinha sempre um livro entre as mãos quando viajava a cavalo. Também Halinard, que era abade de São Benigno de Dijon antes de se tornar arcebispo de Lyon, cultivava os mesmos gostos e fala-nos com orgulho do seu interesse pelos filósofos da Antigüidade (Charles Montalembert, The Monks of the West, vol 5, pág. 143).

“Sem estudo e sem livros”, dizia um monge de Muri, “a vida de um monge não é nada”. São Hugo de Lincoln, quando era prior de Witham, a primeira casa cartuxa da Inglaterra, teve palavras parecidas: “Os nossos livros são o nosso deleite e a nossa riqueza em tempos de paz, as nossas armas de ataque e defesa em tempos de guerra, o nosso alimento quando passamos fome e o nosso remédio quando estamos doentes” (Ibid., pág. 142).

[41] No século XI, Monte Cassino experimentou uma revivescência cultural que foi qualificada como “o mais espetacular evento singular na história do conhecimento latino do século XI” (Leighton D. Reynolds e Nigel G. Wilson, Scribes and Scholars, pág. 109). Além desse transbordar de empenho artístico e intelectual, Monte Cassino renovou o interesse pelos textos da antigüidade clássica: “De um só golpe, recuperou um grande número de textos que, de outra forma, se teriam perdido para sempre. A esse único mosteiro devemos a preservação dos Anais e das Histórias de Tácito, do Asno Dourado de Apuleio, dos Diálogos de Sêneca, do De língua latina de Varrão, do De aquis, de Frontino, e de trinta linhas raras da sexta Sátira de Juvenal, que não foram encontradas em nenhum outro manuscrito” (ibid., págs. 109-10).

[42] John B. O’Connor, Monasticism and Civilization, pág. 115.

[43] Adolf von Hamack, citado em John B. O’Connor, Monasticism and Civilization, pág. 90.

[44] Alexander Clarence Flick, The Rise of the Medieval Church, págs. 222-23.

[45] Ibid., pág. 118.

[46] G. Cyprian Alston, “The Benedictine Order”, em Catholic Encyclopedia.

[47] Thomas Cahill, How the Irish Saved Civilization. Doubleday, New York, 1995, págs. 150 e 158.

[48] Ibid.. págs. 317-9.

[49] Ibid., pág. 319.

3 respostas a “ESPECIAL DE NATAL! Livro “Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental” (2008) – capítulo 03”

  1. Carlos Diz:

    Comentário:
    .
    Os eufemismos do Woods, tais como “Igreja indispensável”, “Uma luz nas trevas”, “Como os monges salvaram a civilização”, etc, etc, refletem de imediato sua devoção a ICAR, mas também retrata o pensamento autoritário/autocrático do tipo “os fins justificam os meios”. A história que ele exalta não se resume a bucólicos monges ensinando, abrigando e protegendo os pobres de seus magníficos mosteiros, como transparece no texto. Em muitos aspectos e em diferentes épocas ela foi de uma violência sem limites, principalmente quando tratava-se de defender a “sã doutrina”. O texto praticamente tem se resumido listar dos acertos da ICAR, porém em momento algum ele discute as motivações por detrás desses “acertos”. Que os monges ensinavam é uma verdade, mas também não há como esquecer que a contrapartida do ensino era a fidelidade . A heresia, como demonstrou o Santo Ofício, poderia trazer sérias consequências ao “ingrato”.

  2. Biasetto Diz:

    Afirmar que a Igreja Católica construiu o Ocidente, é muita pretensão.

    Foi na Mesopotâmia que se desenvolveram os primeiros “códigos jurídicos” escritos. Entre os mais antigos códigos está o de Hamurábi (rei da Babilônia no século XVIII a.C.), que, em seus 280 artigos, reúne normas sobre diversos temas, como homicídios, lesões corporais, roubos, questões comerciais e escravidão.
    No Código de Hamurábi encontramos um meio para limitar a extensão da pena: é o princípio de talião, pelo qual a pena não seria uma vingança arbitrária e desmedida, mas proporcional à ofensa provocada pelo criminoso (“olho por olho, dente por dente”).

    Um dos principais responsáveis pela instituição da democracia em Atenas foi Clístenes, que ficou no poder de 510 a 507 a.C. Ele aprofundou as reformas e introduziu o regime democrático, cujo princípio básico dizia que “todos os cidadãos têm o mesmo direito perante as leis” – princípio da isonomia.
    Mas na democracia ateniense, apenas pequena parte da população masculina adulta constituía o grupo dos cidadãos. Os estrangeiros (metecos), os escravos, as mulheres e os jovens menores de 21 anos não tinham direitos políticos, sendo, assim, excluídos da vida democrática.

    Muitas instituições políticas e sociais contemporâneas têm suas raízes na Roma antiga. O principal idioma dos antigos romanos era o latim, a língua-mãe de idiomas como o português, o espanhol, o francês, o italiano e o romeno. O direito romano, por sua vez, tornou-se referência básica para a criação de grande parte das normas e instituições jurídicas de vários povos contemporâneos. Além disso, nas cidades atuais do Ocidente, são inúmeras as construções inspiradas em anfiteatros, basílicas e templos romanos. Cidadania e cidadão são palavras que vêm do latim civitas: o termo indicava a convivência das pessoas que participavam das decisões sobre os rumos da sociedade.
    O Senado (do latim senex = velho, ancião) era um conselho formado por velhos cidadãos, responsáveis pela chefia das grandes famílias (génos), ligadas entre si por laços de parentesco e culturais.
    A Assembleia Curial compunha-se de cidadãos (soldados) agrupados em cúrias (conjunto de dez clãs). Tinha como principais funções eleger altos funcionários e aprovar ou rejeitar leis.

    Outras conquistas foram obtidas pelos plebeus que, antes dessas lutas, não podiam participar das decisões políticas, exercer cargos da magistratura ou casar-se com patrícios. Algumas dessas conquistas foram expressas na forma de leis, como as abaixo mencionadas:
    – Lei das Doze Tábuas (450 a.C.) – juízes especiais (decênviros) organizaram e compilaram normas jurídicas, que seriam escritas e aplicadas a patrícios e plebeus. Embora o conteúdo dessas normas fosse, por vezes, favorável aos patrícios, o código escrito serviu para dar clareza às regras, evitando-se, com isso, muitas arbitrariedades.
    – Lei Canuléia (445 a.C.) – autorizava o casamento entre patrícios e plebeus. Na prática, foram os plebeus ricos que conseguiram casar-se com patrícios.
    – Eleição dos magistrados plebeus (367-366 a.C.) – os plebeus foram conseguindo, lentamente, ter acesso às mais diversas magistraturas romanas. Em 366 a.C., foi eleito o primeiro cônsul plebeu, cargo mais elevado na magistratura.
    – Lei que proibia a escravização por dívida – por volta de 366 a.C., foi decretada uma lei que proibia a escravização de romanos por dívida (muitos plebeus haviam se tornado escravos dos patrícios por causa de dívidas). Em 326 a.C., a escravidão de romanos foi definitivamente abolida.

    Diante do clima de tensão, os irmãos Tibério e Caio Graco, tribunos da plebe, tentaram promover uma reforma social (133-122 a.C.), com o objetivo de melhoras as condições de vida da população plebéia.
    Propuseram, inclusive, uma reforma agrária, mas acabaram mortos.

    Durante o governo de Justiniano (527-565), soberano bizantino, os juristas bizantinos modificaram aspectos do antigo direito romano, adaptando-o às necessidades de uma nova sociedade marcada pelo cristianismo. Esse trabalho deu origem ao Corpus juris civilis, uma extensa obra constituída de leis, decretos, normas e códigos, entre eles o chamado Código de Justiniano.

    Após a morte de Pepino, sucedeu-lhe no trono seu filho Carlos Magno, que governou os francos de 768 a 814.
    Os francos comandados por Carlos Magno submeteram diversos povos germânicos e conquistaram um vasto território. Com isso, Carlos Magno adquiriu prestígio e poder no mundo cristão, chegando a receber do papa Leão III o título de imperador do Novo Império Romano do Ocidente, em 800. Pretendia-se reviver a antiga unidade do mundo ocidental, agora sob o comando de um imperador cristão. Além disso, a Igreja católica desejava a proteção de um soberano poderoso e cristão que possibilitasse a expansão do cristianismo.
    “Como chefe de um império imenso, Carlos Magno armazenou tesouros (jóias, camafeus, marfins, sedas preciosas) provenientes de todo o mundo conhecido. Mas o que ele nos deixou de mais importante foram os livros, não só os textos, como também as ilustrações e as encadernações.” (Kenneth Clark)

    O cristianismo fundamentou uma série de elementos culturais que marcaram as sociedades europeias da Idade Média: os costumes, as normas éticas, a produção literária, o ideal das figuras heroicas, a criação artística. Além da cultura oficial, promovida, em grande parte, pelas autoridades da Igreja e pelos governos feudais, havia também muitas criações populares. Enquanto a cultura oficial era austera e consagrava a divisão social dominante, a cultura popular era impregnada de humor.
    A cultura popular manifestava-se por meio dos festejos carnavalescos das encenações teatrais burlescas (cômica, satírica), dos gracejos dos “bufões” e “bobos” das paródias que recriavam trechos da Bíblia (evangelhos, salmos etc.), das orações e hinos religiosos, das lendas clássicas.

    “A atividade crítica foi uma das características mais notáveis do movimento humanista. Uma atividade crítica voltada para a percepção da mudança, para a transformação dos costumes, das línguas e das civilizações. Uma visão, portanto, mais atenta aos aspectos de modificação e variação do que aos de permanência e continuidade. O choque entre este ponto de vista e os dos teólogos tradicionais, que defendiam os valores da Igreja e da cultura medieval, não poderia ser mais completo. Para esses, nenhuma mudança contava que não fossem as mudanças do interior da alma: a escolha feita por cada um entre o caminho do bem, indicado pelo clero, e o do mal, aconselhado pelas forças satânicas. Os humanistas, por sua vez, voltavam-se para o aqui e o agora, para o mundo concreto dos seres humanos em luta entre si e com a natureza, a fim de terem um controle maior sobre o próprio destino.” (Nicolau Sevcenko)

    Algarismo, álgebra e álcool são palavras de origem árabe e nos remetem a dois campos do conhecimento em que os árabes foram notáveis: a matemática e a química. Mas, além dessas palavras, poderíamos citar muitas outras: açúcar, açougue, algodão, alfaiate, azeite, algema, esfirra, quibe.

    * Adaptado de: História Global – Brasil e Geral. Gilberto Cotrim. Editora Saraiva.

  3. André Ribeiro Diz:

    Afirmar que a Igreja Católica construiu o Ocidente, é muita pretensão (II)

    Como se pode afirmar que a igreja católica construiu a civilização ocidental, sabendo que:
    I – o teatro praticamente foi criado pelos gregos, antes de Cristo, destacando-se nomes como Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristófanes. Sendo que as obras desses autores continuam sendo reverenciadas e recriadas em nossos dias.
    II – a filosofia é outra criação grega, destacando-se nomes como Sócrates, Platão e Aristóteles. O helenismo fez surgir Zenão (336-263 a.C.), criador do estoicismo; Epicuro (342-271 a.C.), que pregava o hedonismo.
    III – a geometria, também no contexto do helenismo, desenvolveu-se com Euclides, assim como a astronomia e a geografia, com Hiparco e Eratóstenes, lembrando-se ainda, das contribuições de Arquimedes, na física.
    IV – o “pai da medicina”, foi o grego Hipócrates (460-377 a.C.).
    V – outro grego, Heródoto (484-425 a.C.) ficou conhecido como o “pai da história”. Sendo que outro grego, Tucídedes (460-396 a.C.), é reconhecido como o criador da história crítica.
    VI – os gregos criaram os Jogos Olímpicos, por volta de 776 a.C. Sendo que foram interrompidos no ano de 392 d.C., assim como quaisquer manifestações religiosas do politeísmo grego, pelo imperador romano Teodósio I, após converter-se para o cristianismo. Só voltando a acontecer no ano 1896, por iniciativa do francês Pierre de Fredy, conhecido com o barão de Coubertin.
    VII – a mitologia, tão presente em nossa cultura, é outra criação grega.
    VIII – grande parte da arquitetura moderna, foi fortemente influenciada pelas obras gregas e, principalmente, romanas.
    IX – o Renascimento, movimento literário, artístico e científico, que marcou presença em diversos países europeus, nos séculos XV e XVI, procurou resgatar os valores culturais greco-romanos, que haviam se tornado secundários, ao longo dos séculos V ao XIV, exatamente o período em que a igreja católica se fortaleceu e se enriqueceu. É verdade, que alguns membros do alto clero apoiaram e financiaram alguns artistas plásticos. Porém, o Renascimento foi responsável pela valorização do homem (antropocentrismo), fazendo oposição à extrema “divinização” pregada e difundida nas sociedades feudais (teocentrismo).
    X – foi graças à Revolução Industrial e o Iluminismo, transformações surgidas no século XVIII, de caráter burguês, crítico, liberal, racionalista, anti-clerical e anti-absolutista, que o mundo ocidental deu um grande salto rumo às pesquisas científicas e o desenvolvimento tecnológico.
    .
    Continua …

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