Decifrando Antonia (2ª versão)

Marcio fez algumas modificações em seu texto sobre o mais forte caso de regressão hipnóticas a vidas passadas. Inseriu o item do italiano e mais notas. Sendo assim, segue a nova versão. Para quem quiser baixar o texto, basta clicar aqui (versão doc) ou aqui (versão pdf).

DECIFRANDO ANTONIA 

Decifra-me ou te devoro!

Esfinge de Tebas 

Marcio Rodrigues Horta[1] 

Thomas Kuhn afirmou que uma revolução científica resulta antes da reinterpretação dos dados existentes que do acúmulo de fatos novos[2]. Infelizmente, trata-se aqui de uma contrarrevolução, pois tenciono evidenciar que o conhecimento excepcional apresentado por Laurel Dilmen (LD) pode resultar de uma ocorrência rara da mente humana, mas não necessária ou prioritariamente de reencarnação. Para mim, convicto da sobrevivência após a morte e simpatizante da reencarnação, não é uma situação confortável escrever um texto como este; aliás, considerando meus escritos anteriores, parece um fado evidenciar fraude nos[3] ou que os textos reencarnacionistas que li não demonstraram seus termos[4]. Como muitos, acreditei inicialmente que o caso Antonia, pesquisado por Linda Tarazi, reunia condições para ser o corvo branco de William James; tanto que resolvi fazer uma nova tradução para o português do artigo Um caso inusual de regressão hipnótica com alguns aspectos inexplicados[5], publicado em 1990, visto que a existente não me agradava. Entrementes, ao trabalhar mais proximamente ao texto, pude perceber que dentro dele pulsava uma explicação mais econômica dos dados existentes[6], que talvez dispensasse qualquer tema metafísico para dar conta dos aspectos apresentados. 

HISTÓRIA FACTUAL & ESTRANHAS LACUNAS 

Na década de 80, Tarazi investigou alegações reencarnacionistas feitas sob hipnose por sua paciente LD, constatando que muitos fatos nelas contidos são verdadeiros, embora alguns só possam ser averiguados em livros por demais especializados, em documentos existentes em arquivos de um município espanhol e da Igreja Católica. Não obstante, um aspecto que salta aos olhos e que a própria investigadora se deu conta é que a narrativa fornecida por LD era lacunada, pois: 

“Os episódios eram incompletos e fora de ordem cronológica, mas ela continuou a divulgar fatos detalhados que haveriam de ser encontrados apenas em fontes obscuras”. 

Salientando os acertos de LD, Tarazi não desenvolveu um estudo crítico acerca da importância do que os espaços vazios ocultam. Todavia, alguns aspectos históricos problemáticos são:

1º) a nacionalidade alemã de Erika (a mãe de Antonia) e de sua dama de companhia. Embora possível, a presença de duas alemãs germanófonas no interior de uma ilha americana no início da colonização espanhola (meados do séc. XVI) é muito pouco provável – a narrativa não explicou suas presenças ali em nenhuma passagem. O nome completo de Erika também não foi fornecido, tornando muito difícil a averiguação[7].

2º) A viagem de Antonia à Alemanha. Segundo a narrativa, Erika, deprimida pela ausência do marido, foi “visitar seu irmão Karl” em Leipzig. Com efeito, caminhando para meados do séc. XX, a infante LD pôde viajar para Dresden com sua mãe porque era relativamente fácil fazê-lo. Vivemos num mundo em grande medida livre e, se tiverem dinheiro, as pessoas vão praticamente onde querem (inclusive as mulheres), alcançando rápida e seguramente seu destino. Assim, apesar da depressão econômica, membros de uma família de classe média baixa americana que desejassem fazer uma viagem longa podiam reunir economias, obter dinheiro emprestado num banco, pedir a familiares etc[8]. E no séc. XVI? Seria simples sair de Hispaniola, uma ilha no recém-descoberto Novo Mundo, e alcançar o miolo continental da Saxônia apenas porque se desejou fazer uma visita? Ainda que não fosse impossível, qual a plausibilidade dessa história? Ela não recende um anacrônico feminismo?

Apresento aqui dificuldades históricas muito prováveis para essa narrativa no séc. XVI: caso resolvesse viajar para fora de Hispaniola, Erika teria que pedir permissão ao seu marido ausente, por carta (sim, pois os familiares eram chefiados pelo pai & marido na época). Esta talvez chegasse & talvez não à zona militarizada na qual o oficial espanhol servia. Se chegasse, é pouco provável que o militar consentisse, porque o risco de vida para seus entes queridos era enorme, o custo financeiro de tal viagem muito grande e, por fim, ele acabaria ficando sozinho, sem sua família (e bens também? Vendidos para financiar o passeio?)[9], como efetivamente ocorreu na narrativa. Fora de Hispaniola e sem ninguém para defendê-las, as damas corriam o risco de sofrer toda sorte de abusos no navio, naufrágio, escorbuto, piratas, pestes, guerras – uma lista imensa de males.

Mas imaginemos que o militar, até então descrito como apegado à família, após ingerir algum cogumelo tropical resolvesse permitir a viagem. Para poder embarcar, Erika muito provavelmente teria que pedir autorização ao governador espanhol em Santo Domingo, pois não se vivia num mundo liberal, e o direito de ir e vir não existia a menos que uma autoridade lhe desse um salvo conduto, um passe de trânsito livre. O governador só faria isso se o chefe da família consentisse e se o potentado considerasse essa viagem conveniente aos interesses do império. Naquele momento, com grande custo econômico, a Espanha estava colonizando Hispaniola e parte substantiva da América, ou seja, enviando gente para tomar posse de seus novos territórios, e não convinha agir no sentido inverso. O governador talvez resolvesse consultar a matriz, pois estava subordinado diretamente ao Conselho das Índias, sediado na Espanha, e não haveria de contrariar sua política senão por bons motivos; neste caso, a resposta para a solicitação de Erika entraria no mundo burocrático e lento da corte, em Madri, e demoraria meses, talvez anos para voltar[10].

Não obstante, segundo a narrativa, Antonia deixou a ilha de Hispaniola e (após um lapso de tempo e circunstâncias ignorados) se apresentou em Leipzig. Leipzig? Presumindo-se a inexistência de uma linha náutica regular fazendo esse trajeto, ou seja, de um navio partindo de Hispaniola rumo à Alemanha bem na ocasião conveniente para Erika e Antonia, elas teriam que alcançar a península ibérica e zarpar novamente para um porto do norte da Alemanha – nova autorização, nova avaliação de conveniência política, tempo, dinheiro etc[11]. A Alemanha só se unificou em 1871; no séc. XVI, havia naquele território vários principados desunidos, com feudos e taxas de passagem a cada pequena extensão de viagem; para ir de um porto no norte germânico até Leipzig, no centro continental, o custo da viagem por terra seria alto e esta poderia levar meses, numa terra conflagrada por pestes, guerras regionais e religiosas[12]. Eis aspectos que a lacuna da narrativa oculta. Magicamente, independente das circunstâncias reais de uma viagem notável como essa para aquele tempo, Antonia deixa Hispaniola e se reapresenta incólume em Leipzig, como se tivesse saído de uma sala e entrado noutra (coisa bem possível num museu).

3º) A própria pesquisadora, escrupulosa, admitiu jamais ter encontrado uma prova histórica que Antonia Micaela Maria Ruiz de Prado existiu. E algum documento deveria existir, pois, segundo a narrativa, a protagonista teria sido processada pela inquisição espanhola, instituição obcecada pela produção de documentos e zelosa na conservação de seus arquivos. Juan Ruiz de Prado (o alegado irmão mais novo de seu pai) é um personagem histórico conhecido, tendo sido enviado duas vezes de Madri para Lima para atuar como inquisidor; seu nome está fortemente ligado à história do Peru, e não se prosperava na inquisição espanhola senão após longa pesquisa que mostrasse filiação, árvore genealógica, a condição de cristão velho, posição de nobreza (ou seja, que nenhum antepassado ou parente realizou trabalhos braçais) etc. Enfim, um inquisidor era largamente estudado e esses apontamentos eram publicados e arquivados. 

4º) A construção do nome da protagonista parece se constituir apenas da junção do pouco significativo conjunto “Antonia Micaela Maria” ao sobrenome do personagem histórico Juan “Ruiz de Prado”. Por que o sobrenome de Erika não compõe seu nome? A princípio, passada uma geração, um novo sobrenome deveria ter sido acrescentado ao nome da filha. Digamos que a mãe se chamasse Erika Shultz; então, pela tradição de formação dos nomes espanhóis, o resultado seria Antonia Micaela Maria Ruiz de Prado Shultz, este último sobrenome informando a ascendência materna (os sobrenomes anteriores informam a ascendência paterna, primeiros e mais relevantes na tradição espanhola). Teríamos aqui uma lacuna que o inconsciente de LD, por não conhecer a cultura espanhola, não soube preencher corretamente?

5º) Tarazi informa que um personagem da trama chamado Bey de Argel era italiano, e mais, que “depois de uma incômoda e vacilante conversa em árabe, Bey perguntou se ele (seu interlocutor) podia falar um pouco melhor em italiano, pois este era seu idioma nativo”. Todavia, a Itália somente se unificou no séc. XIX e, assim, Bey dificilmente se identificaria como “italiano”: napolitano talvez, talvez florentino ou genovês etc.; ademais, o “italiano”, o idioma da Itália unificada, ainda hoje tem rivais na península itálica. Na ocasião, não havia um idioma “italiano” único para o interlocutor árabe falar, mas numerosos dialetos: o toscano, o napolitano, o lombardo etc. O diálogo acima citado não faz sentido à luz da história.

6º) Por que um personagem tão importante no drama foi chamado apenas “tio Karl”? Seu nome completo foi omitido, seu exato local de trabalho também; ainda assim, houve quem[13] levantasse arquivos ingleses à procura de um professor Karl com as características apontadas, um lente que abandonou a batina para casar, que teve uma mulher e uma filha mortas prematuramente, que se mudou para Oxford. Nada foi encontrado! Ou seja, um padrão aqui se repete: quando o personagem é histórico, seu nome completo é fornecido, detalhes de sua vida etc., mas apenas até onde a história sabe; quando o personagem não é histórico, o inconsciente é incapaz de prover detalhes – se o faz, não há corroboração histórica posterior.

7º) Na narrativa, o teatro dos acontecimentos muda nova e subitamente de Leipzig para Oxford; Antonia e seu tio Karl simplesmente reaparecem atuando em negócios governamentais espanhóis na Inglaterra. Quem financiou a mudança? Quem a autorizou? Do que eles viviam na Inglaterra? Como os personagens superaram o veto aristocrático à sua participação nos negócios públicos[14]? Incrivelmente, após ser presa, Antonia fugiu da prisão e se reapresentou na França, escapando para a Espanha!!! Um verdadeiro passe de mágica uma garota escapar de uma enxovia inglesa, quando estava sob a acusação de inimiga do Estado, não deixar vestígios documentais históricos[15], embarcar num navio de não se sabe quem não se sabe como e alcançar o território francês, seguindo dali facilmente para a Espanha, sem os inevitáveis problemas de recursos, feudos, guerras, doenças, violência etc.

8º) Segundo a narrativa, Antonia praticava atividades físicas regulares desde a infância, sendo algo como uma “atleta” – imagino-a magra e forte, portanto; todavia, ela também é descrita como muito atraente para os homens de seu tempo. Por paradoxal que pareça, essa relação entre o cultivo do corpo feminino e o interesse masculino é corrente hoje, mas não era no séc. XVI. O padrão estético era outro: as mulheres gordas (muitas vezes bem gordas) tinham franca preferência; a obesidade feminina era interpretada como sinal de prosperidade e, principalmente, de saúde. Ademais, por volta dos vinte e dois anos, uma mulher que não tivesse se casado seria vista como candidata a solteirona; Antonia foi descrita como uma veterana de vinte e nove anos, culta e viajada – tudo o que um homem não desejava numa mulher naquele tempo. Muito dificilmente um ou ainda dois inquisidores cairiam de amores por ela; pelo contrário, sua figura provavelmente causaria repulsa nos eclesiásticos, que haveriam de preferir uma adolescente ingênua, frágil, carnuda e ainda com dentes.

9º) Por fim, nossa heroína Antonia (sim, pois trata-se de uma vida excepcionalíssima, sempre no limite do ou forçando o possível) segue para Lima para encontrar seu tio, um inquisidor que mais tarde será famoso. Por que não o fez antes, quando estavam na Espanha? É um mistério, mas claro que a protagonista não apreciava nada fácil, resolvendo encontrá-lo no outro lado do Atlântico. Mais uma vez, todos os detalhes reais de uma tal viagem são omitidos, e a personagem vira o mundo com a facilidade que um visitante avança pelas salas de um museu. 

EVIDÊNCIAS DE TRANSPOSIÇÃO 

Por essas e outras razões, sustento que muito provavelmente Antonia nada mais é do que a projeção da vida & personalidade de LD ambientadas no mundo hispânico do séc. XVI; porém, a existência de Antonia é condição sine qua non para a explicação por reencarnação para o caso, pois, se a protagonista não existiu historicamente, logicamente não pode haver reencarnação. Restará apenas uma paciente que, hipnotizada, apresentou desse modo inusitado conhecimentos remotos sobre a história do séc. XVI, visto que Tarazi pesquisou e asseverou que LD não obteve tais conhecimentos por leituras ou filmes. Como então ela teria conhecimento de detalhes extremamente precisos da história hispânica do séc. XVI? Por ora, fiquemos com a evidência de transposição.

Observe-se que LD nasceu nos EUA durante os anos da depressão – portanto, no meio de uma crise econômica aguda, na qual produzir alimentos era muito relevante; Antonia teria nascido numa plantação no continente americano em 1555, durante o início da colonização espanhola, momento de duro esforço para viabilizar as novas possessões através da produção de alimentos[16]. A mãe de LD possui ascendência alemã; Erika, a mãe de Antonia, era alemã[17]. LD foi filha única durante algum tempo (sua irmã é temporã); Antonia era filha única. LD não tinha irmãos; Antonia também não. O pai de LD era o único numa vizinhança pobremente educada com formação superior; o pai de Antonia era um oficial espanhol cercado de servidores incultos e escravos[18]. O pai de LD participou ativamente de sua educação; o pai de Antonia também[19]. O pai de LD morreu quando ela ainda era jovem; o pai de Antonia também. LD viajou na adolescência para Dresden na infância; Antonia viajou para Leipzig, cidade ao lado. A morte está associada a estas viagens, pois LD seguiu para a Alemanha por ocasião da morte de seu avô; a mãe de Antonia morreu assim que chegou à Alemanha. Na Alemanha, LD viveu um despertar cultural impactante em seus museus; Antonia foi educada por seu “tio Karl” (uma provável metáfora para os inúmeros museus, centros culturais e universidades da região). LD invadia bibliotecas; Antonia invadia bibliotecas e universidades na juventude. No teatro de LD, presumo que as mulheres costumavam vestir roupas masculinas; Antonia também costumava fazê-lo. LD canta, cozinha, gosta de esgrima, luta, frequenta o mundo masculino; Antonia também. LD mudou de residência durante toda sua juventude; Antonia saiu pelo mundo afora. LD pertenceu à juventude do partido republicano e Antonia era politicamente conservadora. LD fazia política nos arredores de Chicago; Antonia era ativista política em favor de sua fé e pátria. LD era irrequieta culturalmente e Antonia idem. LD era luterana e converteu-se ao metodismo, religiosa portanto; Antonia era católica devota. Ambas tiveram dois filhos etc. É perfeitamente razoável argumentar tratar-se aqui da biografia de LD ambientada no séc. XVI, personificada em Antonia. 

 

LD, séc. XX

Antonia, séc. XVI

 

 

Nasceu nos EUA, continente americano.

Nasceu em Hispaniola, continente americano.

 

 

Período da grande depressão (dificuldades econômicas, portanto).

Início da colonização espanhola (esforços para produzir alimentos).

 

 

Seu pai era o único numa vizinhança pobre com formação superior.

Seu pai era um oficial espanhol cercado de servidores incultos e escravos.

 

 

Classe média baixa, trabalhou em fazenda.

Nasceu numa plantação pequena e isolada.

 

 

Sua mãe possui ascendência alemã, e LD nasceu durante a depressão econômica.

Sua mãe era alemã, e sofria de depressão psicológica.

 

 

Filha única, inicialmente.

Filha única.

 

 

Sem irmãos homens.

Sem irmãos homens.

 

 

Criança excepcionalmente esperta.

Criança excepcionalmente esperta.

 

 

Gostava de atirar com fuzil.

Gostava de atirar.

 

 

Mudou-se muito de residência.

Mudou-se muito mundo afora.

 

 

Viajou à Alemanha na infância.

Viajou à Alemanha na adolescência.

 

 

Foi para Dresden, ao lado de Leipzig.

Foi para Leipzig, ao lado de Dresden.

 

 

Descoberta cultural na Europa.

Descoberta cultural com tio Karl.

 

 

Nesta viagem há uma morte (seu avô).

Nesta viagem há uma morte (sua mãe).

 

 

Cantava.

Cantava.

 

 

Cozinhava.

Cozinhava.

 

 

Apreciava esgrima.

Apreciava esgrima.

 

 

Religiosa metodista.

Religiosa católica.

 

 

Falava bem alemão e mal espanhol.

Falava bem alemão e mal espanhol.

 

 

No teatro, apreciava a companhia de intelectuais.

Em sua estalagem em Cuenca, apreciava a companhia de estudantes e professores.

 

 

No teatro, travestir-se de homem é usual.

Travestia-se de homem.

 

 

Invadia bibliotecas.

Invadia bibliotecas e universidades.

 

 

Conservadora, pertenceu à juventude republicana.

Conservadora, defendia fortemente homens e instituições do império espanhol.

 

 

Relacionou-se com pessoas de inúmeras nacionalidades e ascendências.

Relacionou-se com pessoas de inúmeras nacionalidades e ascendências.

 

 

Gostava de ocultismo.

Gostava de ocultismo.

 

 

Teve dois filhos.

Teve dois filhos.

 

 

UMA NOITE NO MUSEU

Uma comédia agradável, um filme intitulado Uma noite no museu, brinca que (fechadas as portas & distantes dos olhos das pessoas) os personagens de um museu saem de seus estandes e passam a atuar condicionados por seu enredo histórico, muitas vezes entrando em relação com personagens de outras salas. Os diversos tipos de informação expostos durante o dia ganham vida à noite, tal como poderia acontecer no inconsciente de uma pessoa. A própria Tarazi observou que LD vivenciou um episódio marcante em sua infância, uma viagem à Alemanha, particularmente a Dresden, onde a menina pôde frequentar naquele importantíssimo centro cultural europeu muitas exposições em museus: 

“Seu avô morreu quando LD tinha seis anos e, com sua mãe, ela permaneceu seis meses em Dresden, Alemanha (elas não visitaram Leipzig, cidade próxima onde Antonia supostamente passou um par de anos em sua adolescência). Foi aqui que, pela primeira vez, ela foi apresentada a edifícios e artefatos dos sécs. XV ao XVIII, devido aos muitos palácios e castelos transformados em museus. Eles fascinavam-na. Ela não era uma criança que corre através do museu tentando tocar e mexer em tudo, mas permanecia assombrada por horas, fixando e estudando prédios, mobília, arte, armas, armaduras, roupas, joalheria e utensílios de tempos idos”. 

Repare-se que a menina LD não era como os outros & fascinada, fixava a exposição assombrada por horas, contida nos movimentos mas ativa cognitiva e emocionalmente. Logo, é razoável admitir que ela pode ter “fotografado” mentalmente todos os detalhes das exposições às quais compareceu e, armazenando-os no inconsciente, após algum tempo reapresentou-os impregnados num enredo teatral, a “vida” de Antonia.

Uma exposição num museu europeu de primeira linha, e a Alemanha estava recheada deles, resulta de um trabalho extremamente preciso, que começa geralmente com a contratação de doutores em história e figurinistas de excepcional talento para a montagem de seus estandes e salas temáticas. Cada informação exposta é retirada de fontes primárias e secundárias confiáveis e, assim, precisamente estudada e montada, a exposição da África tribal deve possuir datas, nomes, pequenas descrições de eventos, figuras & bonecos adornados, objetos idênticos aos do evento representado etc. O mesmo costuma acontecer com a inquisição, tema onipresente em exposições nos museus, pois causa grande comoção no mundo e mentalidades democráticos. Cópias de quadros idênticos aos originais (se não forem os próprios originais), documentos, bonecos vestidos como os apavorantes inquisidores, nomes de potentados, datas, pequenas narrativas de episódios, máquinas de tortura, calabouços etc. são apresentados com grande realismo. Nos anos de ascensão e governo nazista, quando a infante LD esteve por lá, a Alemanha estava especialmente interessada no assunto, visto sua intenção de repetir vários procedimentos da inquisição e convencer a população acerca de sua normalidade.

Portanto, LD não precisava necessariamente ter lido livros e documentos de difícil acesso para narrar com pertinência fatos do séc. XVI durante sua hipnose – historiadores altamente qualificados podem ter feito isso por ela. Para explicar o caso, precisamos apenas nos comprometer com a hipótese que as exposições que visitou em Dresden (e, mais tarde, na região de Chicago[20]) eram muito boas e, principalmente, que a menina possuía a rara capacidade de conhecer e, com o tempo, acomodar inconscientemente em sua memória (num grau ótimo e muito superior à maioria das pessoas) as informações que lhe impressionaram. A criptomnésia[21] pode explicar o caso mais satisfatoriamente do que a reencarnação – no mínimo, essa hipótese evidencia que a explicação por reencarnação não segue necessariamente ou merece possuir alguma preferência para o caso. Segundo Tarazi, LD: 

“Revelou “vidas” na África tribal, Esparta, Egito antigo, Espanha do séc. XVI, início & fim do século XVII na Inglaterra”. 

Parece-me legítimo sugerir que cada “vida passada” que LD apresentou em sua terapia corresponde a uma exposição que viu e esqueceu em museus europeus e da região de Chicago; podemos imaginar a menina entrando numa sala com a África tribal sendo representada, fascinada em face de um estande de Esparta, impressionada com o Egito antigo etc. e, anos depois, para cada uma das salas, hipnotizada, elaborou uma “vida prévia” condizente e precisa.

Por que LD resolveu semi ou inconscientemente ambientar seus desejos mais profundos no séc. XVI? Talvez porque fosse a época que melhor se adequava à sua própria história presente. LD envolveu-se profissionalmente com teatro; como figurinista teatral, certamente possuía olho de águia para indumentária histórica e, dai, para objetos utilizados em tempos passados (segundo Tarazi, ela lia pequenas biografias de personagens). Organizou também um pequeno grupo teatral, viajou com teatro itinerante pelos EUA e, principalmente, tornou-se dramaturga, ao escrever uma peça sobre a reforma protestante para sua igreja; para conceber seu enredo, LD estudou algo da inquisição – quem sabe um pouco da espanhola, posto que um dos episódios centrais da reforma protestante foi o encontro de Lutero com Carlos V, ocasião na qual o imperador espanhol controlava os países baixos, Hispaniola & parte da América, além de parte da Alemanha[22].

Assim, vemos que algumas vezes tudo que as coisas pedem é uma mudança de perspectiva. Em seus escritos, Tarazi realçou as adequações históricas da narração de sua paciente. Neste trabalho, salientei as inadequações da possível realização inconsciente de LD, ou seja, busquei mostrar que talvez o que não havia sobre o séc. XVI nos museus, a narradora ignorava e lacunou – aliás, ela parece ter apresentado os eventos históricos em forma de estandes, salas temáticas, do modo como são frequentemente apresentados em museus. 

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Vinte casos sugestivos de reencarnação. São Paulo: Nova Fronteira, 1970.

 

 

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JORNAL DA SOCIEDADE AMERICANA

DE PESQUISA PSÍQUICA

Vol. 84; 10/1990; nº 4.

Um Caso Inusual de Regressão Hipnótica

 
com Alguns Aspectos Inexplicados[23] 

Linda Tarazi[24] 

RESUMO: uma paciente (LD) submeteu-se a regressões hipnóticas de “vidas passadas” num grupo de hipnotizadores amadores. Uma “vida”, a espanhola Antonia do séc. XVI, obcecou-a seriamente a ponto de interferir em sua presente funcionalidade. Esperava-se que a identificação de erros, imprecisões e discrepâncias a convencesse que tais “memórias” eram produtos fictícios de sua imaginação ativa. Centenas de horas de pesquisa ao longo de três anos (em duas dúzias de bibliotecas e universidades; viagens à Espanha, norte da África e Caribe; correspondências com historiadores e arquivistas) verificaram bem mais de cem fatos, mas não descobriram erros. Muitas informações de LD só puderam ser localizadas em fontes espanholas antigas e obscuras (LD nunca estudou espanhol ou visitou a Espanha) e algumas foram descobertas apenas em arquivos espanhóis. Outro tipo de terapia livrou LD de sua obsessão, mas a incômoda questão acerca da fonte das informações de LD permanece. Catorze possíveis teorias para explicar o caso são discutidas: fatores psicodinâmicos, fraude, criptomnésia, encenação teatral, dissociação ou múltipla personalidade, memória genética, memória racial, clarividência, precognição, retrocognição, telepatia, mediunidade, possessão e reencarnação. 

Alegações de regressão hipnótica a eventos de infância têm sido criticadas como insubstanciais. Os resultados são atribuídos à evocação de poderes imaginativos da mente do sujeito, liberados na hipnose pela instrução “volte a” uma idade anterior (O’Connell, Shor & Orne 1970; Orne 1951, 1979; Reiff & Scheerer 1959). Alegações que regressão hipnótica pode conduzir à recuperação de memórias de uma vida anterior se apoiam sobre bases ainda menos substanciais (Baker 1982). A maior parte do que emerge durante tais experimentos é inverificável e provavelmente deriva de informações que o sujeito obteve através de leitura, assistindo filmes ou televisão. Então, a imaginação constrói uma “personalidade anterior” plausível. Em alguns casos, foi possível demonstrar correspondências estreitas entre um livro que o sujeito pode ter lido ou algum aspecto de sua própria vida e a história infundada da “personalidade prévia” evocada durante a regressão hipnótica (Kampman 1973, 1976; Kampman & Hirvenoia 1976; Wilson 1982; Zolik 1958).

Contudo, um pequeno resíduo de casos de regressão hipnótica inclui detalhes que, até onde a investigação pôde mostrar, o sujeito não poderia ter aprendido normalmente; por exemplo, o caso Bridey Murphy (Bernstein 1956) e dois casos estudados por Stevenson (1974, 1976, 1984; para mais discussão, ver Stevenson 1961, 1977).

Por alguns anos, pratiquei regressão hipnótica na esperança de aliviar o sofrimento de pessoas neuróticas ou fóbicas para as quais nenhum outro tratamento parecia benéfico. Se o material de suas infâncias não era pertinente e elas desejavam tentar uma regressão a vidas passadas, isto era feito. Por experiência própria, quase todas as “personalidades anteriores” evocadas durante essas sessões são inverificáveis e quase certamente derivam de fantasias do sujeito. Que muitos pacientes se beneficiem desse procedimento de modo algum confirma a autenticidade das “personalidades prévias” cujas vidas eles alegam recordar. Não obstante, num pequeno número de casos, surgem informações numa ou mais dessas sessões que não podem ser prontamente explicadas.

O caso Bridey Murphy (Bernstein 1956) ilustra o problema que tais casos (reconhecidamente raros) colocam. Quando foi publicado, alguns jornais e revistas populares sugeriram que o sujeito adquirira informações corretas sobre a Irlanda do séc. XIX na infância, conversando com vizinhos irlandeses e trivialmente lendo sobre isto. Estas alegações foram amplamente aceitas na ocasião e posteriormente, apesar do fato que numerosos detalhes só podem ser verificados em fontes muito obscuras, tais como o diretório da cidade de Belfast de 1864-1865. Dizer que o sujeito soube de tais detalhes recônditos por leitura usual é absurdo; dizer que soube deles através de pesquisa deliberada acrescenta uma acusação de embuste para a qual não há evidência. Ducasse (1960) examinou cuidadosamente a hipótese de aprendizado normal por parte do sujeito do caso Bridey Murphy e expôs sua inadequação.

O caso apresentado neste relato também inclui um número substancial de detalhes que, como tentarei mostrar, não poderiam ter derivado de simples leitura sobre o período da vida descrita. Poucos exemplos de regressão hipnótica a possíveis “vidas passadas” utilizaram um grande número de sessões e receberam um exame investigativo acerca das fontes das informações associadas à aparente vida pregressa; Venn (1986) publicou recentemente um exemplo deste tipo de exame num caso por ele estudado. Meu caso foi similarmente pesquisado de 1981 a 1984. 

A HISTÓRIA DO CASO

 

Laurel Dilmen (LD) nasceu e cresceu na região de Chicago durante os anos da depressão. Viveu ali toda a sua vida, frequentou escolas públicas e formou-se na Universidade de Northwestern, graduando-se em pedagogia. Terminada a faculdade, ingressou no teatro de revista por uns poucos anos antes de firmar-se no ensino, sua ocupação atual. Sua ascendência é alemã e seu passado religioso luterano, mas converteu-se ao metodismo aos vinte anos. É casada e tem duas crianças.

Em meados da década de 70, passou a se interessar por hipnose para controlar o peso e dores de cabeça. Juntou-se a dois clubes de hipnotizadores amadores dos quais, então, eu também era membro. A regressão a vidas passadas estava sendo estudada por alguns membros, e ela ofereceu-se como paciente. Em poucas sessões, revelou “vidas” na África tribal, Esparta, Egito antigo, Espanha do séc. XVI, início & fim do séc. XVII na Inglaterra. Na sequência das sessões, a maioria das “vidas” parecia interessá-la pouco, mas ela persistia em voltar à “vida” de uma mulher chamada Antonia, na Espanha (a razão disso se tornará clara na próxima seção).

De início, ela foi hipnotizada por um holandês com um grau de mestre, um hipnotizador profissional que, entrementes, carecia de formação em medicina ou psicologia para ser membro da Sociedade Americana de Hipnose Clínica ou da Sociedade de Hipnose Clínica e Experimental. Ele perguntou-lhe detalhes da história holandesa que seriam desconhecidos da maioria dos americanos. Ela respondeu pronta e precisamente os temas que conectavam a Espanha aos Países Baixos (então, possessões espanholas) naquele tempo.

Ela não falava espanhol espontaneamente, e pouco responsivamente; porém, pessoas hispanófonas no grupo (que, no entanto, não eram linguistas) disseram que ela pronunciou nomes e palavras espanholas muito bem. Isto levou muitos no grupo de amadores a crer que ela recordava lembranças de uma vida passada real. Eu estava longe do convencimento, especialmente por ser capaz de encontrar a maioria dos fatos que ela forneceu em livros de história e enciclopédias, embora frequentemente com dificuldade. Numerosos nomes por ela mencionados não podiam ser confirmados nem desmentidos naquela época. Como a história era eroticamente romântica e altamente aventureira, parecia provavelmente ser fantasia e criptomnésia reunidas pelos comandos característicos do experimento.

Após cerca de oito regressões, ela parecia ter alcançado o limite do que podia ou escolheu revelar. Os episódios eram incompletos e fora de ordem cronológica, mas ela continuou a divulgar fatos detalhados que haveriam de ser encontrados apenas em fontes obscuras. Então, possivelmente para abster-se de revelar o que sentiu que não devia, ou possivelmente pela razão apresentada – perseguir outros interesses que exigiam sua atenção integral – ela afastou-se do grupo (razões externas também impediram-me de investigar o caso naquela ocasião).

Ela retornou três anos depois, pedindo que eu retomasse minhas investigações. Explicou que passara a ter alguns sonhos e lampejos diurnos da “vida de Antonia”. Não queria ser observada por um grupo novamente, temendo revelar alguns detalhes íntimos que podiam se provar embaraçosos. Isto era consistente com seu comportamento anterior, quando, mesmo sob hipnose profunda, revelava fatos sem hesitar, mas nos assuntos mais delicados respondia frequentemente com: “É proibido discutir isso” ou “Jurei não revelar o que ocorreu” ou “Isso você deve perguntar a El Reverendissima Senoria” (a quem chamava de o Inquisidor).

Havia a possibilidade que LD tivesse levantado informações adicionais nesse intervalo de três anos, mas isso foi considerado improvável por várias razões. Primeiro, naquela época, ela esteve tão envolvida com sua profissão, estudos adicionais e uma nova vocação que dormia em média apenas cinco horas por noite (averiguei isto com sua família e amigos). Não restava tempo para algo tão demorado como levantar dados novos para ajustar à história de Antonia. Segundo, muito do material factual apresentado já havia sido revelado nas primeiras sessões, restando muito deste para ser averiguado – por exemplo, os nomes do bispo, corregedor e inquisidores de Cuenca, uma cidade na Espanha que figura proeminentemente na história. No novo conjunto de regressões, os detalhes mais íntimos (especialmente os de forte conteúdo emocional) constituíram as revelações principais. Terceiro, mesmo no início, LD parecia pouco preocupada com fatos, revelando-os apenas quando eram uma parte essencial de sua história. Ela nunca recitou listas de fatos tais como valores monetários, produtos, artefatos etc., como vemos em alguns contos de “vidas passadas”. Apenas em virtude do intenso questionamento por parte do hipnotizador constatou-se que ela estava bem familiarizada com tais informações. Nessas sessões, tornou-se óbvio que ela provavelmente conhecia tantos fatos que se tornava desagradável introduzi-los em sua narrativa. Parecia incomodada por ter que digressionar de suas aventuras para se debruçar nesses detalhes – não é o comportamento esperado de alguém que levanta fatos para impressionar os outros.

Sua principal preocupação não era que sua história recebesse crédito, mas que o amor que experimentou fosse compreendido. De algum modo, parecia sentir que se almas o bastante simpatizassem com sua dificuldade, isto talvez influenciasse os “poderes constituídos” a mitigar sua sentença de ser mantida eternamente afastada de quem amou tão desesperadamente.

LD obviamente precisava de ajuda para livrar-se de sua obsessão para com esse estranho amor, e o caso parecia intrigante; então, aceitei e nosso trabalho sério começou. Além do trabalho terapêutico para livrar LD de sua obsessão pela vida de Antonia, também incluí extensa pesquisa de minha parte para verificar um grande número de afirmações factuais feitas por Antonia. Estas emergiram em ao menos trinta e seis sessões formais de hipnose, assim como em sonhos, lampejos e algumas incursões em auto-hipnose por parte de LD. As sessões foram gravadas e, em seguida, feitas transcrições da maioria das afirmações sobre a vida prévia de Antonia. As citações diretas fornecidas no apêndice foram retiradas dessas transcrições.

Minha investigação estendeu-se por três anos. Boa parte dela foi realizada em bibliotecas. No entanto, também consultei historiadores especializados no período da vida de Antonia. Ademais, fiz uma viagem à Espanha em busca de verificação.

 

A HISTÓRIA DE ANTONIA

 

 

Antonia Michaela Maria Ruiz de Prado nasceu em 15 de novembro de 1555 numa plantação pequena e isolada, a meio dia de jornada de Santo Domingo, na ilha de Hispaniola. Era filha de Antonio, um oficial espanhol, e Erika, sua esposa alemã. Em campanhas militares, Antonio estava fora a maior parte do tempo e Erika, de saúde frágil, ficava deprimida durante suas longas ausências. Isto deixava a criança vigorosa e inteligente aos cuidados da serva de companhia alemã de sua mãe, de servos incultos e escravos. Muito teimosa para eles controlarem, ela cresceu selvagem e livre para seguir seus caprichos, vagar pelos campos, explorar florestas e montanhas, cavalgar em pêlo com roupas de camponês ou calças, escalar árvores ou nadar nua no rio ou mar.

Erika ensinou-lhe rudimentos de leitura, escrita e modos, mas usualmente falava seu alemão nativo com ela. Quando em casa, Antonio, um fidalgo orgulhoso e austero, exigia dela comportamento e trajes apropriados, além do idioma espanhol. Ele sabia que nunca teria um filho e, devido à fragilidade de Erika, sabia também que a defesa e o futuro de sua casa destinavam-se à sua capaz e corajosa filha, que o adorava. Ele ensinou-lhe a montar, atirar e algo de táticas militares caso, em sua ausência, seu lar viesse a ser atacado por piratas, nativos, escravos rebeldes ou bandidos. Em 1569, após uma prolongada ausência de seu marido, Erika levou Antonia para visitar seu irmão Karl na Alemanha.

Erika morreu pouco após chegarem à Alemanha, deixando Antonia com seu tio Karl, um professor universitário que abandonara o sacerdócio para casar. Viúvo solitário, ele viu em sua bela sobrinha o renascimento combinado de sua querida irmãzinha com sua filha morta, e resolveu desenvolver plenamente todo o potencial que vislumbrou sob seu exterior desregrado. No início, ela ressentiu-se da autoridade desse professor enfadonho sobre si. Ele não era em nada como seu bonito e vistoso pai. Mas logo ela viu mais força em sua firmeza regrada, temperada com paciência e compreensão que em todo o autoritarismo de seu pai. A completa confiabilidade de Karl deu-lhe uma estabilidade e segurança que nunca havia conhecido.

Uma vez apresentada às alegrias do aprendizado, perseguiu-o com paixão. Aos dezessete anos, estava tão bem educada quanto qualquer moça de seus dias. Era proficiente em prendas domésticas, possuía maneiras impecáveis, podia discutir com inteligência (embora superficialmente) a maioria dos assuntos, era fluente em alemão e latim, e tentava aprimorar seu espanhol para poder se corresponder com seu pai, cujas cartas entesourava.

Pelos vários anos seguintes nas universidades de Praga, Leipzig e Heidelberg, começou lendo os livros que Karl lhe trazia e, em seguida, disfarçada de rapaz, esgueirava-se bibliotecas adentro. Logo aventurava-se em salas de conferências e, finalmente, matriculou-se como estudante, engajando-se em todas as atividades, incluindo luta e esgrima.

Em 1580, Karl levou-a para Oxford. Àquela altura, ele havia abandonado a Igreja Católica, incorporando em seu sistema de crenças ideias de humanistas católicos, reformadores protestantes e das novas disciplinas científicas emergentes. Nunca tentou impor suas crenças a Antonia. Sustentava lealmente que cada pessoa deve ser dirigida por sua própria consciência. Por insistir que Antonia estudasse todos os lados de uma questão e tomasse suas próprias decisões, influenciou-a muito mais do que ambos perceberam.

Antonia permaneceu católica devota; oferecendo-se aos jesuítas para ajudar a propagar a fé, juntou-se a um grupo de estudantes católicos rebeldes engajado em atividades traidoras para os ingleses; porém, ela via a si mesma como uma espanhola auxiliando a causa de seu país. Em algumas ocasiões, ela também serviu ao embaixador espanhol dom Bernardino de Mendoza como um mensageiro em sua trama com Maria, a rainha dos escoceses. A facilidade com que podia assumir papéis de ambos os sexos, de diversas nacionalidades e classes sociais serviu bem a ela e seus aliados.

Depois que muitos de seus amigos foram presos, torturados e executados, ela pediu a Karl que a deixasse ir à Espanha. Ele advertiu-a muito fortemente contra isto, dizendo que ela estaria em perigo mortal devido à inquisição espanhola, que nunca aceitaria sua liberdade de pensamento, por mais devota que se considerasse. Pouco depois, ela recebeu uma carta de seu pai, pedindo-lhe para reunir-se a ele em Cuenca, Espanha, onde agora era dono e administrava uma estalagem. Em janeiro de 1584 Karl morreu, as relações diplomáticas entre Inglaterra e Espanha foram rompidas e Antonia foi presa. Ela escapou para a França e, dali, fez seu caminho para a Espanha.

Ao chegar em maio de 1584, ela soube por Ramon, o inventariante de seu pai, que ele havia morrido dez dias antes; a estalagem ia mal (em débito com Francisco de Mora, um inescrupuloso converso) e todas as suas garçonetes também se prostituíam. Seu único raio de esperança era que seu pai tinha um amigo muito poderoso que ajudaria se a considerasse merecedora; porém, até lá, permaneceria anônimo. Apesar da tristeza e solidão esmagadoras, ela lutou para superar seus problemas, melhorar seu espanhol, reerguer seu negócio e fazer vários amigos novos, dentre os quais alunos e membros da faculdade local, outros intelectuais, alguns contrabandistas, o padre jesuíta Fernando Mendoza e um casal interessado em feitiçaria, Andres e Maria de Burgos (estes nomes são mencionados para que o leitor esteja familiarizado quando chegar à seção de verificação. Os três últimos, assim como de Mora, estão nos registros da inquisição).

Durante todo esse tempo, cada ato e palavra suas estavam sendo cuidadosamente avaliados pela inquisição, que já dispunha de informações consideráveis sobre ela, já que seu pai fora um amigo familiar e próximo do inquisidor Arganda. Antonio sabia que sua morte iminente a deixaria sozinha num país que nunca visitara, cujos costumes e idioma lhe eram estranhos e onde seus modos e ideias estrangeiras suscitariam suspeição e antagonismo. Em seu leito de morte, pediu ao inquisidor para vigiá-la e ajudá-la. Arganda prometeu guiá-la e protegê-la como se fosse sua própria filha, desde que isso não entrasse em conflito com seu dever.

Numa demonstração final de confiança, Antonio entregou todas as cartas dela a Arganda. Ele estava ciente do perigo – elas continham provas que Karl havia sido um herege e detalhavam muitas das ideias proibidas às quais Antonia fora exposta – mas reconhecendo nela uma católica devota e desconhecendo o terror que ela sentia pela inquisição, acreditou que ela faria uma confissão inquisitorial após chegar, segundo a lei (que ela desconhecia). Implorou para Arganda considerar que ela fora exposta àquelas ideias como uma criança indefesa, sem culpa própria, e acreditava que até mesmo o inquisidor não poderia senão ajudar ao sentir a profunda devoção à Igreja e à Espanha que permeava cada carta.

Os dois inquisidores ficaram favoravelmente impressionados com sua piedade e devoção à Igreja e ao Estado, tanto quanto com sua beleza sensual. Cada um passou a aprecia-la de um modo diferente. No entanto, incomodaram-nos sua formação estrangeira, as muitas heresias às quais havia sido exposta, sua incapacidade de confessar voluntariamente, sua tendência a associar-se a indivíduos suspeitos e, especialmente, sua incapacidade de obedecer a certas leis do santo ofício (que sabiam que ela conhecia, pois Arganda havia enviado certas pessoas para lhe cativar, aconselhar e ajudar – assim como para lhe espionar).

Decidiram que os ideais de livre-pensamento de seu tio (ao quais ela ainda aderia) junto com seu espírito rebelde e desafiador teriam de ser corrigidos. Ela foi convocada para interrogatório por três vezes e finalmente foi presa, sofrendo todos os rigores de um julgamento pela inquisição (devido à genuína afeição dos inquisidores por ela, tanto quanto por sua forte preferência pela persuasão razoável ao invés da coação – que utilizavam quando necessário – Antonia alternou várias vezes sua visão sobre a inquisição, entre a de vítima aterrorizada e a de leal defensora, apresentando uma visão fascinante que nunca encontrei noutro lugar). Ao fim, ela confessou tudo e submeteu-se completamente a qualquer exigência dos inquisidores; mas as sementes de liberdade plantadas por seu tio permaneceram enterradas profundamente em sua alma, abaixo de todas as regras impostas pelos inquisidores. Elas ressurgiram aqui e ali, causando-lhe problemas pelo resto da vida.

Alguns meses depois de libertada, após pagar uma pesada multa e cumprir outras penitências, em virtude de seu relacionamento especial com um dos inquisidores e um importante favor pessoal que fez ao outro, eles lhe asseguraram que não precisaria se preocupar com a terrível desgraça que sua prisão normalmente acarretaria a ela e a todos os seus descendentes. Um frasco de tinta “acidentalmente” derramou-se sobre seu fólio e tornou-o ilegível. Portanto, não haveria qualquer rastro de seu nome nos registros da inquisição (isto não foi pura generosidade. Partes da transcrição eram embaraçosas para um dos inquisidores e perigosa a um de seus parentes próximos).

Enquanto padecia dessa estranha relação de amor e ódio com o santo ofício, exceto por três a quatro meses de prisão, ela cuidou de negócios, aumentou suas ligações e, alternadamente, tentou proteger ou informar seus amigos. Ainda era virgem aos vinte e nove anos, apesar das tentativas de vários homens através da persuasão, suborno, chantagem e força para alterar essa situação. Finalmente, um homem tomou-a à força na câmara de tortura, numa cena selvagemente erótica que despertou toda a sua paixão e revelou suas tendências masoquistas. Ela já o adorava secretamente e, agora, apaixonou-se loucamente por ele, tornando-se sua amante e dando-lhe um filho. Seu amor completamente abnegado mudou gradualmente os sentimentos dele; da lasciva autoindulgência para um amor maior que tudo, pelo qual nenhum sacrifício era grande demais. Eles partilhavam cada faculdade da mente, alma e corpo, num amor que era profundamente espiritual e apaixonadamente erótico (esta foi a razão da fixação de LD pela “vida” de Antonia. Ela não relatou nada parecido em qualquer outra “vida passada”).

Juntos, eles experimentaram muitas aventuras perigosas e excitantes: num culto de satanistas; uma missão em Argel, uma viagem à Nova Espanha com escala nas Canárias; piratas no Caribe e, finalmente, uma visita à Lima, Peru, onde Antonia encontrou seu tio desconhecido, o inquisidor Juan Ruiz de Prado. Na viagem de regresso, ela afogou-se perto de uma pequena e desconhecida ilha no Caribe. Seu amante quase morreu numa vã tentativa de salvá-la. Ela estava tão completamente focada em seu bem-estar que não se deu conta de sua própria morte, até perceber que não sentia os braços dele em volta de si ou as lágrimas dele salpicando em seu rosto. 

MEDIDAS TOMADAS PARA VERIFICAR AS AFIRMAÇÕES SOBRE A VIDA DE ANTONIA

 

Num breve sumário, não é possível revelar mais que uma pequena fração dos fatos que LD relatou, nem fornecer os intrincados detalhes do porque e como ela sabia de certas coisas e ignorava outras, ou porque informações que deviam ser encontradas não foram. Páginas de explicações são necessárias para tornar o relato integralmente plausível. Ainda assim, até onde fui capaz de investigar, todas as centenas de fatos detalhados que constituem uma parte tão íntima da “vida passada” de Antonia são corretos. Era de se esperar que muitas pessoas mencionadas fossem conhecidas por qualquer leitor habitual: a rainha Elizabeth da Inglaterra, o rei Filipe II da Espanha, Maria, a rainha dos escoceses. Era de se esperar que cerca de cinquenta a sessenta detalhes fossem desconhecidos das pessoas comuns, mas fossem fáceis de encontrar em livros de história e enciclopédias; detalhes sobre pessoas tais como William de Orange (sucedido por seu filho Maurice em 1584), Alexander Farnese (duque de Parma apenas em 1586), Filipe II da Espanha (sucedeu ao trono de Portugal em 1580), informações sobre os papas Gregório XIII e Sextus V; dom Bernardino de Mendoza (embaixador espanhol na Inglaterra, expulso em 1584) e outros.

Outros vinte e cinco a trinta fatos altamente especializados foram localizados com muito maior dificuldade. Muito embora estejam publicados em inglês, foi necessário averiguar na Biblioteca Pública de Chicago, Biblioteca de Newberry e algumas bibliotecas universitárias (Northwestern, Northeastern, Loyola, DePaul, Universidade de Illinois e Universidade de Chicago) para verificá-los todos. Exemplos incluem: a data da primeira publicação do Édito de Fé na ilha de Hispaniola; leis espanholas que regiam a navegação para as índias; tipos e detalhes sobre as embarcações utilizadas no Mediterrâneo e no Atlântico; datas e conteúdos das listas espanholas de livros proibidos e como elas diferem da lista romana; nomes dos sacerdotes executados na Inglaterra em 1581 e 1582 e o método de execução; e informações sobre uma faculdade em Cuenca. Mais de uma dúzia de fatos aparentemente jamais havia sido publicados em inglês mas apenas em espanhol. Alguns puderam apenas ser encontrados no Arquivo Municipal e outros nos Arquivos Diocesanos em Cuenca, Espanha.

Como a história não é minha área de especialidade, acreditei que minha ignorância podia ter feito as informações parecerem mais obscuras do que eram. Para determinar isso, contatei todos os professores das seis maiores universidades na região de Chicago que oferecem cursos sobre história da Espanha ou história da Europa do séc. XVI. A um total de nove foi enviado um questionário perguntando suas opiniões sobre a probabilidade de um não-historiador saber ou ser capaz de encontrar tais informações. A coluna 1 do questionário continha sessenta fatos, postos como questão (como teria sido se LD estivesse levantando respostas e repassando-as para mim, como um professor sugeriu). A coluna 2 perguntava sobre a probabilidade de uma pessoa saber tal informação numa escala de 1 (muito provavelmente) a 5 (quase impossível). A coluna 3 questionava sobre a facilidade com que a resposta podia ser levantada, também numa escala de 1 a 5, como segue: (1) disponível na maioria dos livros de história e enciclopédias; (2) encontrada em livros de história especializados de uma grande biblioteca; (3) apenas em livros raros encontrados em bibliotecas de pesquisa especializada; (4) provavelmente jamais publicada em inglês; e (5) provavelmente jamais publicada – arquivos locais teriam de ser averiguados. Na coluna 4, pedi-lhes que fornecessem uma fonte para a informação, caso conhecessem alguma ou conseguissem pensar numa de improviso. Solicitei-lhes que não fizessem nenhum esforço especial para descobrir as respostas. Claro, este não é um método infalível para determinar a disponibilidade da informação, mas não pude pensar em ninguém mais qualificado para dar uma opinião do que quem ministra cursos que cobrem o tempo e os locais envolvidos nas principais universidades da região.

Sete de nove professores responderam. As respostas à coluna 4 são de especial interesse quando comparadas às outras avaliações. Os que deram as menores notas não puderam sugerir uma única fonte para quaisquer das respostas, respondendo com: “Estou certo que esta informação está disponível em qualquer boa fonte de história da Espanha e América espanhola” ou “esta informação está certamente disponível em volumes universitários”. As duas afirmações estão erradas. Notas mais altas foram dadas pelos que francamente admitiram não conhecer fontes para as respostas, e por quem sinceramente tentou sugerir fontes válidas. Um respondente foi notavelmente preciso em muitas respostas. Mas mesmo ele errou ao acreditar que os nomes dos oficiais estariam nos mesmos registros que os dos prisioneiros.

Para a tabela seguinte, vinte e quatro dos sessenta itens originais foram selecionados: (1) os que foram considerados pelos especialistas como os menos prováveis de serem conhecidos ou encontrados; (2) os descobertos por mim mesma com a maior dificuldade, para os quais nenhum especialista pôde sugerir uma fonte mais fácil; e (3) aqueles nos quais a informação de LD corretamente contradisse as autoridades. A coluna 1 contém como pergunta o item posto no questionário original. A coluna 2 fornece o número da sessão na qual a informação foi fornecida. As primeiras oito sessões entre junho de 1977 e janeiro 1978 foram designadas como A1-A8. O segundo conjunto de sessões entre junho de 1981 e março de 1983 foi designado B1-B36. A coluna 3 nomeia a fonte na qual a informação foi finalmente verificada. As colunas 4 e 5 apresentam as avaliações médias dos especialistas quanto a (4) probabilidade de o material ser conhecido, e (5) da facilidade de levantar as informações – lembrando que uma nota 4 descreveria um “livro raro num idioma estrangeiro” e 5 significaria “somente encontrado em arquivos locais”. O Apêndice I fornece citações retiradas das declarações de Antonia e informações explicativas adicionais pertinentes aos itens da tabela.

 

Tabela

Sumário de alguns detalhes significativos, sua verificação e obscuridade

Item

Sessão

Fonte de verificação

Avaliação: fácil de

 

 

 

Saber

Achar

1. Havia uma faculdade em Cuenca?

A1

Astrain (1912-1925)

3,25

3,5

2. Qual informação específica era exigida dos prisioneiros da inquisição?

A3, A5,

B7, B12

Lea (1906-1907)

4

3,5

3. Data da primeira publicação do Édito de Fé em Hispaniola?

A6

Llorente (1843)

4

3,25

4. Primeiro ano que nenhuma frota velejou para o Novo Mundo?

A2

Marx (1968)

4,25

3,5

5. Quais foram algumas das exportações proibidas pela Espanha?

A7

Lynch (1984)

4,25

3,5

6. Nomes dos padres jesuítas executados na Inglaterra; datas e métodos de execução?

A4

New Catholic Encyclopaedia (1967)

4,5

3,5

7. Atividades cotidianas, dieta, culinária etc. nos navios mercantes espanhóis?

B21-25

Marx (1968)

4,5

3,75

8. Nome do inquisidor do Peru?

A2

Medina (1887)

3,75

4

9. Nome do visitador ao tribunal de Lima?

B36

Medina (1887)

4,75

4,5

10. Data e razão da visita (investigação oficial)?

A5

Medina (1887)

4,75

4,5

11. Data do Auto de Fé de Lima?

B34

Medina (1887)

4,5

4,25

12. Quem, se alguém, foi relaxado (queimado)?

B35

Medina (1887)

4,75

4,25

13. Origem nacional de Bey de Algiers?

B16

Bono (1964), Valenti (1960)

4,25

4,25

14. Data do Auto de Fé em Las Palmas, Grande Canária?

B20

Lea (1908)

4,75

4,25

15. Alguém foi relaxado, se foi, quem?

B23

Lea (1908)

5

4,5

16. Nome do bispo de Cuenca?

A3

 

Arquivos Municipais, Cuenca, Espanha

4,75

4,5

17. Nome do corregedor de Cuenca?

A3

Arquivos Municipais, Cuenca, Espanha

4,75

4,5

18. Nome dos dois inquisidores de Cuenca?

A3

Arquivos Diocesanos de Cuenca, Espanha

5

4,5

19. Dados biográficos dos inquisidores.

A3, B5, B19, B36

Arquivos Diocesanos de Cuenca, Espanha

5

4,5

20. Nome da primeira pessoa relaxada por judaísmo pelos então inquisidores?

A7

Cirac Estopanan (1965)

4,75

4,5

21. Nome do casal preso por feitiçaria em 1585-86?

A5

Cirac Estopanan (1965)

5

4,75

22. Nome do padre jesuíta preso pela inquisição em Cuenca?

A4 – 8

Cirac Estopanan (1965)

5

4,75

23. Localização e descrição da sede do tribunal da inquisição de Cuenca?

A4, B1, B2, B27-30

Lopez (1944)

5

5

24. Quando, de repente, os inquisidores adotaram uma visão muito branda da fornicação?

A8, B3, B27

Cirac Estopanan (1965)

5

5

 

As questões da coluna 1 são respondidas no apêndice por citações da personalidade Antonia. As sessões da coluna 2 são numeradas A1-A8 para as de junho de 1977 a janeiro de 1978 e B1-B36 para as de junho de 1981 a março de 1983. A informação bibliográfica completa das fontes da coluna 3 foi fornecida na lista de referência. As colunas 4 e 5 são as médias das avaliações dadas pelos historiadores numa escala de 1 a 5, sendo 1 provavelmente bem conhecido ou fácil de encontrar, enquanto 4 é muito difícil e 5 é quase impossível de ser conhecido ou provavelmente não está disponível em fontes publicadas.

 

COMO DETALHES PARTICULARES EMERGIRAM E FORAM VERIFICADOS

 

 

A tabela acima indica a obscuridade de muitas informações que LD relatou na “vida” de Antonia, mas muito mais que isso se destaca. Desde o início, era muito notável a especificidade das informações e o modo pelo qual foram reveladas. Exceto pelos primeiros vinte minutos da sessão Al, elas não tiveram a qualidade nebulosa de outras regressões no grupo. Antonia surgiu como uma mulher independente e muito orgulhosa que sabia exatamente quem, o que e de onde era.

O hipnotizador mencionado anteriormente que nasceu, cresceu e se educou na Holanda (e conhecia a história holandesa com certa profundidade) imediatamente começou a questioná-la. Ela foi notavelmente precisa nos fatos relacionados à Espanha e à sua própria situação, mas sabia muito pouco sobre história holandesa. Por exemplo, ela forneceu um relato detalhado do assassinato de William de Orange em julho de 1584 e a sucessão de seu filho Maurice, porque era isto que os intelectuais locais discutiam em sua hospedaria em setembro de 1584. Também expressou prazer que dom Alejandro Farnesio (utilizando a pronúncia espanhola para o governador dos Países Baixos) desfrutaria um período tranquilo se mantivesse o novo dirigente de dezessete anos de idade na linha e reprimisse os amigos heréticos e rebeldes de seu pai. Sua violenta animosidade contra hereges e qualquer um que se rebelasse contra o legítimo domínio da Espanha assustou os observadores.

A maioria das pessoas que conhece a história holandesa do período teria dito, como muitos livros de história fazem, que o governador na época era o duque de Parma. Questionada sobre isto, Antonia disse que ele era filho de Margarida de Parma, mas não duque. Ela estava correta sobre este fato. Alexander Farnese não obteve esse título até 1586. Ela sabia do cerco de Antuérpia de 1584, mas sabia pouco de outras batalhas anteriores ou posteriores. A exceção foi algum conhecimento de umas poucas batalhas que seu pai havia alegadamente participado de 1567-1569, sob dom Fernando de Toledo que, ela disse, era então o governador espanhol. O hipnotizador disse-lhe que estava errada: o duque de Alva era o governador então. Ela replicou: “- Claro. Esse é seu título. Eu falei seu nome”. O título é muito mais amplamente conhecido. Mesmo alguns livros de história negligenciam a menção de seu nome. Foi a extrema precisão de numerosos detalhes relativos à “vida” de Antonia, somada à relativa ignorância de acontecimentos contemporâneos estranhos a ela que apresentaram um contraste tão intrigante logo na primeira sessão.

Na segunda sessão, ela regrediu até sua morte. Aqui, revelou que se afogou no Caribe em seu caminho de volta à Espanha depois de visitar seu tio Juan Ruiz de Prado, um funcionário importante em Lima. Não disse qual era sua posição, mas tornou-se defensiva e desconfiada quando questionada sobre isso, perguntando por que o hipnotizador queria saber. Ninguém foi capaz de encontrar qualquer registro dele na época. Em sessões posteriores, ela revelou que numa disputa entre o inquisidor Ulloa e o vice-rei Villar, de Prado apoiou Ulloa. O nome Villar foi encontrado com alguma dificuldade numa fonte em inglês, mas Ulloa e de Prado não foram encontrados senão muitos anos depois num velho livro espanhol muito obscuro (Medina 1887; ver Tabela, item 8). Detalhes completos de seu encontro com seu tio, um evento aparentemente traumático, não foram revelados até as sessões B34-B36. Muitos outros incidentes seguem esse padrão: os fatos foram logo adiantados, mas o material emocional relativo foi extraído com maior dificuldade posteriormente.

Foi nas sessões A3-A5 que ela revelou nomes de amigos e funcionários da província de Cuenca. Durante as sessões A, ninguém acreditou que estes pudessem ser encontrados; então, pouco esforço foi despendido na tentativa de verificá-los. Muito depois, encontrei oito deles nos registros da inquisição e nos arquivos Municipal e Diocesano na cidade de Cuenca (ver Tabela, itens 16-22 e 24).

Dois fatos relatados por LD contradisseram autoridades na Espanha: em ambos os casos, pesquisas posteriores mostraram que ela estava certa e as autoridades erradas. Um deles foi a descrição do edifício que sediava o tribunal da inquisição. O Escritório de Turismo do Governo em Cuenca apontou-o na Calle de San Pedro nº 58. Este prédio nem mesmo remotamente assemelhava-se ao recordado (ver Tabela, item 23). Mais tarde, num livro espanhol obscuro em Cuenca (Lopez 1944), descobri que o tribunal tinha se mudado em dezembro de 1583 do endereço citado para um antigo castelo com vista para a cidade, que se ajusta à descrição de Antonia perfeitamente. Descobriu-se mais sobre isto nos Arquivos Episcopais de Cuenca em 1989. Antonia alegou ter chegado a Cuenca em maio de 1584, cinco meses após a mudança.

O outro fato foi sua referência a uma faculdade em Cuenca. Pensei que isto seria fácil de averiguar, assim como os professores de história (ver Tabela, item 1), mas não foi. Não havia nenhuma faculdade lá, e não conseguia encontrar qualquer referência a uma em alguma enciclopédia, livro de viagem ou história. Quando visitei Cuenca, interroguei o arquivista do Arquivo Municipal, que disse nunca ter ouvido falar de uma. Ainda assim, LD insistiu que os alunos e funcionários daquela faculdade se reuniam regularmente na pousada de Antonia. Meu consultor da Universidade de Northwestern disse que era bem possível que pudesse ter havido uma lá naquela época e sugeriu que eu procurasse a Universidade Loyola. Fiz isso e, disseram-me que, se existiu uma faculdade em Cuenca, podia haver uma referência a ela numa antiga obra de sete volumes em espanhol (Astrain 1912-1925). Averiguei e descobri que o vol. II (pp. 131, 595) menciona a fundação de uma faculdade em Cuenca em meados do século XVI. Mesmo uma pessoa que lê espanhol provavelmente não percorreria este tomo a menos que estivesse envolvida numa pesquisa histórica.

Uma coisa que contradisse uma autoridade de certo modo me incomodou. Antonia relatou dois inquisidores em Cuenca durante o período que esteva lá (1584-1587), fornecendo seus nomes e dados biográficos. Investigando isto, escrevi perguntando ao Arquivista Episcopal os nomes e dados biográficos dos dois inquisidores de Cuenca nos anos 1584-1588 (ele estava em férias quando estive lá em 1983 e, segundo o arquivista municipal, era o único que possuía essa informação). Ele remeteu a informação numa folha de papel com a parte de baixo cortada. Isto pareceu estranho. Mais tarde, contatei os professores e o mais erudito deles insistiu que sempre havia três inquisidores num tribunal. Quando confrontada com isto LD, como sempre, sustentou sua história. Então, comecei a especular: teria o arquivista originariamente fornecido três nomes e então removido um porque eu só perguntei por dois? Felizmente, em abril de 1989, tive a oportunidade de retornar à Espanha, onde averiguei os Arquivos Episcopais. Durante todo o período que Antonia viveu em Cuenca, havia apenas os dois inquisidores por ela nomeados. Existiram três brevemente em 1582 e novamente em 1583, mas de 1584 a 1588 havia apenas Ximines de Reynoso e de Arganda.

As informações sobre o Peru (ver Tabela, itens 8-12) também requerem alguma discussão. O volume centenário (Medina 1887) encontrado na Universidade de Northwestern nunca havia sido averiguado; citava principalmente fontes do séc. XVI; era de difícil leitura mesmo para professores de espanhol e, o mais significativo, suas páginas nunca tinham sido separadas. Estavam ainda conectadas pelas margens externas, de modo que o livro jamais poderia ter sido lido!

O leitor pode perguntar porque o item 6 foi incluído na tabela. A Nova enciclopédia católica dificilmente seria uma fonte obscura e, quando obtive os nomes que LD ofereceu, tornou-se fácil verificar as informações. Mas quão fácil teria sido verificá-las caso não se possuísse os nomes, apenas a questão?

Os itens 4 e 7 também parecem provir de uma fonte moderna e fácil, mas ela está esgotada e não foi encontrada numa biblioteca. Em vez disso, deparei-me com a obra há dois anos atrás numa loja de livros de segunda mão. Isso aconteceu depois que publiquei um relatório do caso para o público em geral. O item 13 merece menção aqui porque não encontrei os livros citados eu mesma. Foi um leitor do meu artigo popular da ilha de Malta que me enviou os dois títulos, confirmando o fato que um Bey de Argel contemporâneo de Antonia era italiano.

O item 24 é particularmente interessante. Os registros da inquisição de Cuenca revelam que um percentual muito menor dos presos por fornicação foi condenado; pelo contrário, quando um dos inquisidores estava supostamente apaixonado por Antonia, foram libertados por provas insuficientes ou tiveram suas penas suspensas. Os números são: condenados por fornicação em 1582 – 73%; 1583 – 75%; 1584 (antes da chegada de Antonia) – 60%; cinco meses seguintes – 10%, final do ano (quando ela estava sob suspeição) – 100%; 1585 (quando ela trabalhava para os inquisidores e, mais tarde, teve um caso com um deles) – 11%; 1586 – 35%; 1587 – 50%.

O registro ajusta-se à história de Antonia perfeitamente. A razão pela qual o outro inquisidor acompanhou essa tendência também foi explicada muito razoavelmente por Antonia, mas não tenho espaço aqui para apresentar os abundantes detalhes disto.

 

ALGUNS DETALHES SUSPEITOS NA APARENTE MEMÓRIA DE ANTÔNIA

 

 

Embora seus fatos confiram com notável precisão, certos aspectos de sua história são suspeitos. Primeiro aspecto, ela soa como uma novela romântica aventureira mais que uma biografia. Além disso, algumas cenas soam mais como fantasias sadomasoquistas altamente erotizadas que realidades. Sabe-se que calabouços, câmaras de tortura e mesmo a inquisição são incorporados a tais fantasias. LD não exibe nenhuma das tendências masoquistas de Antonia; ainda assim, ela pode secretamente fantasiar tais coisas sem qualquer desejo de colocá-las em prática.

Outro problema está no fato que nunca encontrei qualquer registro que Antonia Ruiz de Prado tenha existido. Acreditava que certos registros de sua vida eram tão improváveis de serem encontrados que não procurei por eles. Seu nascimento deu-se numa plantação isolada em Hispaniola. Ela foi batizada numa pequena igreja local que não podia nomear. Se registrados, tais documentos provavelmente desapareceram há muito tempo. Seu casamento (celebrado na casa de seu marido por um padre amador) e sua morte (por afogamento numa ilha desconhecida do Caribe) também muito provavelmente não foram registrados.

Mas a inquisição conservava registros meticulosamente precisos, tanto que sua  explicação do porque seu nome foi expurgado, embora perfeitamente plausível, parece um tanto conveniente. Quando averiguei os registros da inquisição, não encontrei nenhum número perdido ao qual seu fólio se ajustasse, e perguntei-lhe sobre isso. Ela disse que os inquisidores provavelmente anteviram a desejabilidade de eliminar seu arquivo e possivelmente deram-lhe um número idêntico a outro, mas com um “A”; depois disto, não restaria uma lacuna no registro. Uma averiguação mostrou que tal prática era efetivamente realizada algumas vezes, embora decerto não usualmente por esta razão.

Há quem creia que a xenoglossia responsiva é um critério para determinar a validade de um caso de regressão a “vidas passadas”, mas o caso de Antonia não se ajusta. Ela pronunciou nomes espanhóis muito bem, recitou as orações exigidas pela inquisição em latim, referiu-se a métodos especiais de fazer o sinal da cruz, o signo e o santiguado, desconhecidos da maioria dos padres de fala espanhola de hoje, compôs letra e música para uma canção em latim e música para o Pater Noster latino – ela foi gravada cantando ambas (LD jamais estudou música). Mas LD exibiu pouca xenoglossia responsiva em espanhol ou latim.

Alguns hão de considerar seu travestimento em roupas masculinas e conhecimento de artes marciais como indicativos de fantasia ao invés de realidade, mas o modo como sua história se desenrolou faz isso soar completamente natural. Seu caso é incomum, mas não sem precedentes. Em casos raros, sabe-se mesmo de mulheres que se juntaram a um exército de homens naquela época, e a princesa de Eboli, uma espanhola contemporânea sua, perdeu um olho enquanto esgrimia. Nem era tão raro se passar por homem dentre as mulheres espanholas do séc. XVI, como se poderia supor. Marx (1968) afirma: “A terceira visita revelou em geral vários clandestinos, em alguns casos, mulheres que se disfarçavam com roupas de homem” (p. 40). 

INVESTIGAÇÃO ACERCA DA POSSÍVEL AQUISIÇÃO

NORMAL DAS INFORMAÇÕES DE ANTÔNIA 

Nem LD nem qualquer parente ou ancestral seu é espanhol ou católico, e ela jamais frequentou uma escola ou igreja católica, exceto algumas vezes como convidada de casamento. Então, onde adquiriu os sentimentos intensos e conhecimento detalhado das práticas católicas da Espanha do séc. XVI? Gastei muito tempo tentando descobrir se LD fora exposta prematuramente em sua vida a fontes de informação sobre o período e locais que figuram na vida de Antonia. Infelizmente, ela e sua mãe eram as únicas pessoas vivas em posição de testemunhar sobre esse assunto. Seu pai havia morrido e ela não tinha irmãos mais velhos, apenas uma irmã onze anos mais jovem. Durante os primeiros vinte anos de vida, LD mudou-se nada menos que dezesseis vezes, e não pude saber de outros parentes ou amigos de infância que pudessem auxiliar minha investigação.

LD e sua mãe recordam que, nos anos pré-escolares, ela era precoce e se ressentia ao ser tratada como criança, alegando ter experimentado a vida como um adulto. Nessa época, alusões à personalidades mencionadas anteriormente emergiram, mas seus pais atribuíram isto a uma imaginação vívida, e ela aceitou a explicação. Por volta dos seis anos, ela mostrou um interesse extraordinário por roupas, armas, construções e artefatos do séc. XVI. Seu eterno presente favorito foi o que ela procurou por dois anos e recebeu em seu sétimo natal: um par de floretes de esgrima.

Não gostava de história na escola porque “eles a tornam aborrecida, em nada como o que realmente aconteceu”. Este preconceito continuou no colégio e na faculdade, onde não fez nenhum curso de história, exceto história dos EUA, um requisito, nem estudou algo de espanhol, como os registros de seu colegial e faculdade mostram. Na faculdade, carregou em educação, com cursos de inglês, alemão e várias ciências.

Além das entrevistas mencionadas, solicitei a LD sob hipnose (não regredida à Antonia) que buscasse em sua memória e me dissesse os nomes de todos os livros que tinha lido fora da escola relacionados à história. Sua memória sob hipnose era boa mas dificilmente fotográfica. Ela relatou que, quando trabalhava como desenhista de figurino teatral, lera vários livros sobre figurinos históricos retirados da principal Biblioteca Pública de Chicago. Vários desses livros possuíam esboços biográficos dos personagens históricos retratados. Mais tarde, leu alguns livros sobre Lutero e a Reforma Protestante, que obteve na Biblioteca Pública de Evanston quando estava escrevendo a peça Dia da reforma para o Conselho das Igrejas de Evanston. Descreveu os livros e seus conteúdos, nomeou alguns, forneceu os autores de alguns, mas não pôde fornecer seus editores ou datas.

Chequei todos os livros relevantes com datas de publicação anteriores a 1955, tanto na Biblioteca Pública de Chicago quanto na de Evanston (a leitura havia sido feita entre 1948 e 1955), mas fui capaz de verificar apenas oito livros com certeza (ao leitor interessado, cinco estão na lista de referências: Davenport 1948; Fosdick 1952; Grevel 1907; Lea 1954; Norris 1924-1940). Nenhum destes livros nem os outros que podem ter sido lidos nessas bibliotecas contêm quaisquer dos obscuros fatos pertinentes relatados. Alguns descrevem bem o período de cinquenta anos antes da vida de Antonia e os conflitos da época, mas todos apresentam pontos de vista protestantes sobre a inquisição e as controvérsias.

A partir da adolescência, alega não ter lido romances (históricos ou não), limitando sua leitura à não-ficção; mas confessou sua predileção por filmes históricos: admitiu ter visto tudo o que pode, assistindo peças e filmes do gênero na televisão. Não sei de nenhum filme produzido por Hollywood, filmes britânicos ou especiais de televisão que forneçam quaisquer dos fatos obscuros da vida de Antonia. Consciente que experiências de “vidas passadas” podem frequentemente ser rastreadas até algo que o sujeito tenha lido, visto ou ouvido e posteriormente esquecido, não confiava na memória de LD completamente; então, verifiquei seis índices de ficção histórica relativos ao período (Baker 1914; Hotchkiss 1972; Husband 1982; Logasa 1964; McGarry & White 1973; Yaakov & Bogart 1981). Todos os livros listados não estavam relacionados à época ou lugar, mas registrei vinte e quatro que soavam como se pudessem possuir alguns detalhes fornecidos por Antonia. Apenas seis deles estavam disponíveis em alguma biblioteca da região de Chicago. Li esses seis, mas novamente nada se assemelhava à história de Antonia nem algum dos obscuros fatos significativos relatados foi encontrado. Como LD nunca utilizou uma biblioteca fora da região de Chicago, não busquei além por outros livros, pois à primeira vista pouco prometiam revelar algo.

Também consultei um autor que é particularmente bem informado sobre ficção histórica obscura, mas ele não me indicou nada que pudesse ter servido de base para a vida de Antonia tal como LD narrou.

Seguindo o método de Dickinson (1911) no caso Poynings Blanche, perguntei a LD, sob hipnose, se podia recordar qualquer fonte possível para o material relatado sobre a vida de Antonia e se havia algum lugar que podia pensar para verificar a informação. Ela sacudiu a cabeça. Ela já tinha lido, visto ou ouvido alguma história que lembrasse ou fornecesse algum dos fatos relatados? Ela respondeu: “Não, não realmente”. Pressionei ainda mais e perguntei quando foi a primeira vez que se interessou pelo conflito do séc. XVI entre Espanha e Inglaterra. Ela respondeu imediatamente: “Quando tinha oito ou nove anos, vi o filme O falcão do mar. Ele começava em 1584, justamente quando Antonia foi para a Espanha. Mas ele não se passa em absoluto na Espanha. A ação ocorre no mar, na Inglaterra e nas selvas do Panamá. O herói era um corsário inglês e a heroína a sobrinha meio-inglesa, meio-espanhola do embaixador da Espanha na Inglaterra. Seu nome era Alvarez de Córdova. Ninguém no filme e nada do que acontece nele têm relação com a vida de Antonia. Esta teria desprezado dona Maria (a heroína) por ter virado as costas ao seu próprio país (Espanha) em favor da Inglaterra”. Ela sorriu recordando: “Eu tinha uma queda pelo capitão Thorp, mas Antonia o teria odiado, por ser um inimigo da Espanha”.

Assisti reprises do filme na televisão e LD estava certa, não há semelhança entre a história de Antonia e O falcão do mar. Mesmo o nome do embaixador espanhol era diferente. O nome do filme era fictício, e Antonia estava correta.

Também perguntei a LD, sob hipnose, quando pela primeira vez ouviu sobre a inquisição espanhola. Ela respondeu que, quando tinha cerca de vinte anos, assistiu ao filme Capitão de Castela. A inquisição desempenhou um papel importante nele, mas o tribunal foi em Jaen. Cuenca nem mesmo foi mencionada. Além disso, ocorreu no início do séc. XVI, muito antes de Antonia ter nascido; portanto, nenhum fato poderia ter sido retirado dali. De acordo com Antonia, não houve sequer um tribunal do santo ofício em Jaen. Para o período de Antonia isto está correto, mas houve um lá na época que o filme tematizou. Na primeira vez que viu o filme, ela teve a vaga impressão que a representação da inquisição estava errada, mas não sabia porque. Muitos anos mais tarde, após a emergência da personalidade Antonia, viu reprises na televisão e soube o que estava errado. Ela enumerou alguns fatos básicos. Obviamente, ela não tirou suas idéias desta história também. Não apenas estavam errados os fatos de todas as histórias, mas também os personagens e os sentimentos. Todas as histórias sobre Espanha e Inglaterra do século XVI que nomeou, e que encontrei, retratam os espanhóis como vilões e a inquisição espanhola na luz mais odiosa. A própria Antonia sofreu sob esta. Ainda assim, ela a descreve respeitosa e reverentemente, com uma compreensão de seu lugar naquele tempo. Por quê? Por que uma mulher sem nenhuma raiz espanhola ou católica exibiria tão intenso patriotismo e fervor religioso para com estas? Como apontado, minhas descobertas e a opinião dos historiadores qualificados indicam que ao menos metade dos detalhes de Antonia se encontram apenas em fontes antigas publicadas em espanhol, e alguns só podem ser encontrados em arquivos espanhóis. Como alguém com as raízes de LD, que não fala espanhol, nunca foi à Espanha ou se correspondeu com arquivistas obteria essas informações?

Restava uma possibilidade remota. Quando nem não-ficção nem ficção em quaisquer de suas formas são as possíveis fontes das informações reveladas nos relatos de vidas passadas, muitos insistem que o sujeito deve tê-las obtido através de comunicação com outra pessoa viva – talvez há muito tempo – talvez esquecido. Para o séc. XX – ou mesmo o séc. XIX – isso seria razoável, mas para o séc. XVI parece altamente improvável. Se não foram pessoas famosas, quantas pessoas sabem quem foram seus antepassados de quatrocentos anos atrás? Mesmo os raros indivíduos que podem saber os nomes de seus ancestrais por árvores genealógicas antigas provavelmente não sabem acerca dos amigos e  inimigos desses ancestrais, ou funcionários do município e da igreja seus contemporâneos.

Foi sugerido que LD pode ter conhecido algum espanhol ou judeu cujos antepassados padeceram sob a inquisição e sabiam dessas informações. Isto poderia ser verdadeiro para alguns outros tribunais da Espanha, mas não para Cuenca na época de Antonia. Os inquisidores que ela conheceu parecem ter sido muito moderados. Durante sua vida, eles nunca enviaram uma pessoa viva à fogueira, apenas duas que já estavam mortas. Mesmo a segunda sentença mais severa (prisão perpétua e confisco de propriedade) raramente foi imposta. Antonia disse isso algumas vezes, e os registros da inquisição confirmam. Então, mesmo a ideia de (a partir do período de vida de Antonia) alguém nutrir um rancor de família por quatrocentos anos contra a inquisição de Cuenca é altamente improvável. Após a morte de Antonia, o tribunal de Cuenca tornou-se muito mais severo.

Ao se investigar um caso destes, nada deve ser negligenciado. Então, por mais improvável que eu considere que tal pessoa tenha existido e que LD a tenha conhecido, gastei  muitas sessões com ela, com e sem hipnose, obtendo dados sobre todos os seus conhecidos nos vinte e um lugares onde viveu nos primeiros quarenta e cinco anos de sua vida. Tenho quarenta e duas páginas de notas sobre seus coleguinhas, amigos, vizinhos e pessoas que ela conheceu nas organizações às quais pertenceu (escolas, clubes, igrejas; organizações sociais, recreativas e políticas). Tenho nomes, fotografias, nacionalidades, grau de instrução e interesses especiais que LD compartilhou com eles. Também há dados sobre as atividades de LD, seus interesses, talentos especiais, passatempos, empregos (cerca de vinte e quatro até seus vinte e dois anos), escolas, assuntos que estudou dentro e fora da escola; preferências em relação a livros, apresentações artísticas, músicas, filmes, rádio, televisão e todas as outras atividades das quais participou.

Depois de considerar todas essas informações, convenci-me que ela não conhecia nenhum espanhol, ninguém cujos antepassados padeceram sob a inquisição e ninguém com quem alguma vez falou espanhol. Em suma, ninguém poderia ter fornecido qualquer um dos fatos que LD relatou como Antonia. Ao leitor interessado, resumi essas informações em poucas páginas no Apêndice II.

 

A OBSESSÃO DE LD PELA VIDA DE ANTONIA E OS

ESFORÇOS TERAPÊUTICOS PARA TRATÁ-LA

 

Dizer que LD estava fascinada pela “vida” de Antonia seria subestimar sua situação. Apesar de recordar “outras vidas” (algumas mais longas, felizes e bem-sucedidas), ela tornou-se obcecada pelo amor selvagemente erótico e profundamente espiritual de Antonia, cuja vida foi tão tragicamente abreviada. O apelo era compreensível mas indesejável. Ele a compeliu a uma busca inútil por esse amor perdido, em face do qual todas as outras experiências esmaeceram. Ela passou a negligenciar as pessoas e atividades de sua vida presente, passando a considerá-las maçantes e indignas. Ajudá-la a desenvolver uma atitude mais saudável foi minha principal razão para aceitar o caso, mas devo admitir ter ficado intrigada com sua história.

Um modo de persuadi-la a abandonar sua obsessão seria convencê-la que esta era pura fantasia, que um amor como o que ela acreditava que Antonia conheceu era o recheio dos sonhos e não realidade. Acreditei que apontando erros, imprecisões e discrepâncias no que Antonia relatou, ela certamente dar-se-ia conta disso. Apesar de centenas de horas pesquisando, não pude encontrar  nenhum erro. Outro método tinha de ser encontrado para livrá-la da obsessão. Argumentando que se Antonia tivesse vivido uma vida normal, o encanto do êxtase teria amadurecido e gerado um amor muito menos excitante, busquei fazer LD viver a parte inacabada da “vida” de Antonia em sua imaginação, esperando que, então, ela pudesse deixá-la ir.

Isso não somente seria terapêutico para LD, mas também mostraria um contraste interessante entre dois diferentes conjuntos de instruções hipnóticas. No primeiro, foi-lhe dito para tentar recapturar impressões de uma possível “vida passada”. No segundo, ela seria instruída a tentar fantasiar aquela vida com o melhor de sua capacidade. Isto foi-lhe explicado e ela concordou. Em transe, foi-lhe dito que o filho de Antonia não tinha sido morto, mas apenas ferido. Mais tarde, ele se recuperou completamente e então viveu feliz e saudável. Depois, foi-lhe dito que após eles quase se afogarem, seu amante a havia ressuscitado e lhe passado sua filha sã e salva. Todos os três foram resgatados e retornaram à Espanha, onde viveram felizes até seu amante morrer cerca de vinte anos depois. Então, foi-lhe dito para ver a si mesma terminando sua vida sob ótimas condições, criando suas duas crianças até a idade adulta com sucesso. Ela não podia aceitar a ideia que todos eles tinham sobrevivido, mas foi-lhe dito que era desnecessário que ela efetivamente imaginasse como sua vida teria sido se eles tivessem sobrevivido. Após algumas sessões, o objetivo foi alcançado.

A história fantasiada era de uma qualidade totalmente diferente da original. Nenhum fato novo pôde ser produzido. Nenhuma aventura nova ocorreu. Embora ela e seu amante tenham se mantido fiéis até o fim, nunca se casaram e se encontraram cada vez menos, já que ambos estavam ocupados com suas próprias carreiras. A maioria das descrições foram menos vívidas e faltou a emoção da narração original, exceto na morte de seu amante. LD então foi capaz de deixar Antonia ir e renovou o interesse por sua própria vida, que admitiu ser melhor em muitos aspectos que a de Antonia. Não expressou mais o desejo por regressões. Concordei que esta era uma decisão sábia para ela.

 

DISCUSSÃO

 

 

Dos muitos fatos recônditos e precisos relatados por LD sobre a vida de Antonia, como pode ser visto na Tabela, muitos foram quase unanimemente considerados pelos professores de história e por mim mesma como disponíveis apenas em fontes antigas e obscuras, frequentemente em espanhol, enquanto alguns parecem existir apenas em documentos manuscritos do séc. XVI em arquivos espanhóis. LD não lê espanhol, nunca havia estado na Espanha ou se correspondido com os arquivistas. Portanto, é difícil entender como ela poderia ter obtido todos os detalhes relatados para a “vida” de Antonia de fontes normais.

Mesmo certo material de bibliotecas americanas teria sido difícil de ela obter. Os livros não eram apenas antigos, raros, altamente especializados e num idioma que LD não lia, mas continham muitas citações no espanhol do séc. XVI, o que constituiria um problema ao hispanófono nativo médio e mesmo para os professores de espanhol que contatei. E tais livros nem eram poucos, antes, havia cerca de trinta, cada um contribuindo com alguns fatos. Significa um grande esforço de imaginação crer que uma pessoa que não fala nem lê espanhol dirigir-se-ia a uma universidade à qual não pertencia e estudaria atentamente sete volumes grandes e antigos em espanhol arcaico para encontrar algumas linhas sobre uma faculdade em Cuenca (ver Tabela, item 1).

É verdade que o livro centenário com informações sobre o Peru (ver Tabela, itens 8-12) foi encontrado na biblioteca da Universidade de Northwestern, alma mater de LD, mas como apontado na seção anterior, ele não podia ser lido, pois fui eu que separei suas páginas.

LD ficou surpresa quando viu o prédio erroneamente apontado na Espanha como a sede do tribunal da inquisição. Todos os presentes observaram sua dramática mudança de humor – da ansiosa espectativa para a depressão profunda. Ela não fez nenhuma tentativa de conciliar a descrição de Antonia com esse prédio. Nunca lhe ocorreu questionar as autoridades. Completamente resignada, disse que toda a sua história devia ter sido imaginação, porque ele não parecia em nada com o prédio que havia desempenhado um papel tão importante na vida de Antonia. Como este foi o único ponto em que houve alguma divergência real, continuei minha investigação. Finalmente, encontrei o obscuro livro espanhol (Lopez 1944) (ver Tabela, item 23) que contém a informação correta no apêndice, na Biblioteca de Newberry (que não circula livros e mantém um registro de todos os que a visitam). LD nunca estivera em Newberry, mas o livro indicou que ela estava correta e as autoridades erradas.

Mesmo a informação que fui capaz de averiguar com relativa facilidade (após LD fornecer-me nomes e fatos. Por exemplo, ver Tabela, item 6) seria muito difícil encontrar sem os nomes, como alguém que estivesse inventando uma história teria de fazer. Finalmente, há os poucos detalhes íntimos sobre os inquisidores, que podem ser extraídos dos registros da inquisição; mas, novamente, apenas se alguém sabe o que procurar antecipadamente, tal como a declaração sobre fornicação. Parece inconcebível que alguém procurasse através dos anos registros de julgamentos da inquisição num lugar obscuro como Cuenca para inventar uma história destas; ademais, a análise sustenta a história de Antonia perfeitamente.

Quando se considera o número, a obscuridade e a dificuldade de extrair informações pertinentes das fontes, parece improvável que LD tivesse lido todas elas. Acrescente a isso os fatos que só podiam ser obtidos em arquivos (municipais e diocesanos) da cidade de Cuenca e nos aproximamos do reino da impossibilidade para alguém que nunca havia estado na Espanha e nada lia de espanhol.

Outro fator que torna improvável a busca por informações e seu relato é a ordem na qual LD as apresentou. Não apenas alguns dos fatos mais obscuros foram relatados muito cedo, mas fatos sobre a mesma pessoa ou incidente da mesma fonte foram relatados em momentos muito espaçados, às vezes separados por anos. Se as informações estivessem sendo consultadas em fontes muito difíceis, que não podiam ser averiguadas fora das bibliotecas que as abrigavam, parece mais provável que todas as informações de uma dessas fontes fossem fornecidas na mesma época. Em vez disso, cada fato de uma determinada fonte foi relatado, um de cada vez, misturado com fatos de outras fontes, meses ou mesmo anos de intervalo (para isso, o leitor deve consultar a tabela; itens 2, 8-12, 18, 19, 23 e 24).

 

CONCLUSÕES

 

 

Leitores familiarizados com esta literatura estão bem cientes das numerosas teorias já propostas para explicar casos deste tipo. Com o risco de ser redundante, resumirei catorze dessas teorias e acrescentarei algumas palavras sobre quão bem cada uma se ajusta ao caso.

1. Fatores psicodinâmicos sempre foram minha primeira escolha para explicar experiências de vidas passadas. Considero-as fantasias motivadas por necessidades inconscientes do sujeito. Duas coisas apoiavam essa teoria para o caso de LD. Primeiro, ela tem uma imaginação muito ativa com grande capacidade de fantasiar. Segundo, seu conto é extremamente aventureiro, romântico e erótico. Sua própria vida buscava muito isso tudo (ver Apêndice II): nas atividades em sua gangue de adolescentes e no romance com um prisioneiro de guerra alemão aos catorze anos; ao sair de casa aos quinze anos para viver sozinha a duas mil milhas do lar e família; no seu envolvimento com o teatro de revista e associação com tipos artísticos e boêmios dos dezenove aos vinte anos & em sua turnê pelo país para fazer apresentações dos vinte aos vinte e um anos. Não obstante, é possível que suas necessidades fossem maiores do que essas experiências podiam satisfazer. A psicodinâmica poderia explicar a emergência da personalidade Antonia, mas não a grande quantidade de material factual obscuro e preciso que ela relatou. Outra teoria faz-se necessária para explicar  isto.

2. Fraude é a ideia à qual a maioria das pessoas se agarra quando ouve um destes casos, especialmente quando o sujeito tem tanta tendência a fantasiar romance e aventura. Mas mesmo se LD quisesse perpetrar uma farsa, ela simplesmente não poderia ter obtido muitas das informações que relatou. E, de início, por que desejaria fazê-lo? O que ganharia com isso? Fama? LD não quer nada disso. Ela recusa-se a deixar que seu nome verdadeiro seja publicado. Seria embaraçoso para ela que seus amigos, vizinhos, empregadores e colegas de trabalho soubessem que sua identidade está ligada a este caso. Dinheiro? Seria muito mais lucrativo para ela escrever ficção. Nada é pago aos autores e certamente nenhum dinheiro aos sujeitos de artigos de jornal. Mesmo se o artigo fosse vendido a uma revista que pagasse muito bem, e ela dividisse os lucros, ainda assim seria um pagamento muito escasso para a quantidade de trabalho envolvido. Minhas próprias experiências e os relatos dos professores de história indicam que, se isso pudesse ser feito, o que é duvidoso, teria levado anos de tediosa pesquisa, mais o aprendizado secreto de um par de idiomas estrangeiros e algumas viagens clandestinas ao exterior para obter todos os fatos e reuni-los numa tal história. E se demorei anos para verificar os fatos, como mencionei anteriormente, só para começar demoraria muito mais para encontrar as centenas de fatos para criar a história. Como a vida de LD parece ter sido bastante atarefada, quando ela teria tido tempo para tudo isso? Fraude parece muito improvável neste caso.

3. Criptomnésia, na qual o sujeito foi exposto à informação ou história através de leitura, cinema, televisão ou em conversas com outras pessoas. Posteriormente, ele se esquece e, muitos anos mais tarde, recorda-se dela como uma experiência de ‘vida passada’. Isto tem explicado alguns casos semelhantes e sido oferecido como explicação para outros (ver Stevenson 1983). Parece improvável que possa explicar este caso. Ela não pode ser refutada decisivamente para cada fato relatado, mas considerando o grande número de fontes obscuras, a maioria num idioma desconhecido por LD, parece altamente improvável que ela pudesse ter lido todas elas e posteriormente as esquecido. Nenhuma obra de ficção parece ter sido a fonte. Nem há evidência que ela conhecesse alguém que pudesse ter lhe passado tais informações. De fato, como vimos anteriormente, é muito improvável que tal pessoa exista.

4. Encenação teatral é considerada por muitos como compatível com a hipnose, recurso que desencadeou a “vida” de Antonia. A imaginação é um dos principais fatores utilizados por muitos hipnotizadores (inclusive eu) na indução de um transe hipnótico. LD (que tem uma imaginação muito boa) poderia facilmente ter agido sob sugestões hipnóticas para criar o personagem fantasioso de Antonia. Mas imaginação e fantasia não poderiam produzir a grande quantidade de material factual correto que LD relatou como Antonia. Se ela não procurou o material deliberadamente (o que, como vimos, é improvável), então uma grande quantidade de criptomnésia deve estar envolvida, o que é igualmente improvável para todos os fatos envolvidos. Portanto, embora encenação possa estar envolvida, não poderia ser a resposta completa. Ela poderia apenas explicar o personagem, não os fatos.

5. Dissociação ou personalidade múltipla, patológica quando levada ao extremo, é considerada por muitos como latente num grau menor em muitos indivíduos normais, senão na maioria. Em alguns casos, um transe hipnótico parece liberar essas personalidades alternativas, que então podem assumir o papel de uma encarnação ou vida anterior do sujeito. Num caso típico, a personalidade alternativa é completamente diferente da manifestada normalmente pelo sujeito e é usualmente inconsciente de ou antagônica à outra personalidade. LD e Antonia são essencialmente a mesma pessoa, com os mesmos traços, gostos e antipatias, interesses, habilidades e talentos. O caráter de LD é basicamente idêntico ao de Antonia antes de ela ser influenciada por seu amante dominante e poderoso. Depois disto, a personalidade e atitudes de Antonia foram fortemente modificadas por ele. Mas quem pode dizer que se LD estivesse sob a influência de um homem assim não teria sido similarmente alterada? LD está perfeitamente ciente de, gosta e sente–se confortável com Antonia. Não há indicação que Antonia esteja ciente de LD. É improvável que dissociação possa ser utilizada para explicar o caráter de Antonia, e impossível que possa explicar o material factual.

6. Memória genética é por vezes proposta como um modo de explicar a aquisição de conhecimentos históricos não aprendidos normalmente. Isto pode não ser tão impossível quanto parece. Sabe-se que a estrutura e química do cérebro são alteradas pelo aprendizado e a memória deste aprendizado pode ser transferida a outro organismo, ao menos em planárias, via transferências químicas (no início, pensou-se ser o DNA ou RNA, o material genético, mas posteriormente proteínas relacionadas pareceram estar implicadas). Infelizmente, os experimentos não parecem generalizáveis a outras espécies e, a julgar pela literatura, os experimentos aparentemente foram encerrados pouco depois de relatados. Mas mesmo se transferência genética de memória fosse possível, não seria aplicável neste caso porque Antonia não teve descendentes que sobreviveram. A morte de seu filho precedeu a sua e sua filha infante sobreviveu a ela apenas algumas horas. LD não podia sequer descender de um parente próximo de Antonia porque esta era filha única, e os únicos irmãos de seus pais não tiveram filhos.

7. Memória racial é um fenômeno relacionado utilizado por seus proponentes para explicar o conhecimento, atitudes e sentimentos sobre acontecimentos históricos que foram tão influentes e penetrantes que parecem ter sido impressos em populações inteiras ou culturas, tornando-se “memórias populares”, ou parte do “inconsciente coletivo” de Jung. Isto não parece aplicável a fatos específicos sobre um indivíduo.

8. Clarividência, a capacidade de sentir ou perceber de algum modo informações que existem noutro lugar, mas que não podem ser percebidas pelos sentidos comuns, às vezes é oferecida como um modo pelo qual os sujeitos de casos como este podem obter suas informações. Isso envolve o paranormal, mas não tem nada a ver com preexistência. Para a clarividência explicar o conhecimento de LD, exigir-se-ia que ela fosse capaz de acessar informações de livros fechados e mesmo lacrados em idiomas que não sabia, em estantes de bibliotecas e arquivos, alguns em terras estrangeiras. Dos cerca de mil estudantes de parapsicologia que tenho ensinado e testado, alguns têm a capacidade de clarividência, mas nenhum chegou perto disso. De fato, nunca sequer li sobre alguém que pudesse fazer uma coisa dessas. Aqui devo acrescentar que LD foi testada para clarividência de vários modos e não apresentou qualquer habilidade.

9. Precognição também tem sido proposta como uma explicação para o conhecimento de eventos passados. Em minha opinião, esta é uma das teorias menos prováveis. Ela sugere que o sujeito pode antever a verificação do material relatado e, assim, perceber a informação antes dela ser fornecida. Isso também exigiria que o sujeito obtivesse informações em idiomas que não entende, e parece mais remota mesmo que clarividência.

10. Retrocognição é um suposto método pelo qual alguns indivíduos obteriam informações sobre eventos passados. Que eu saiba, tais episódios somente dizem respeito a um breve e específico incidente, não a uma longa série de eventos que dura muitos anos na vida de um indivíduo. Além disso, tal faculdade é geralmente relatada por psiquistas ou sensitivos, o que LD não é. Se ela apresentasse qualquer capacidade desse tipo, por causa da modo como sua história se desenvolveu, numa série de episódios sem qualquer ordem cronológica, eu poderia dar algum crédito a essa teoria como uma possível explicação para este caso. Como não apresentou, não creio que retrocognição seja uma resposta provável.

11. Telepatia também tem sido proposta como uma explicação. Isso requer que o sujeito leia a mente, pensamentos, sentimentos etc. de outro indivíduo que conheça as informações relatadas. Isto significaria que alguma pessoa deve ter as informações. Por razões já discutidas (p. 326), duvido que tal pessoa viva exista. Mas mesmo se não existir, a telepatia não pode ser descartada totalmente. Há ainda a possibilidade que uma personalidade desencarnada de quatrocentos anos atrás tenha comunicado as informações para LD. Esta poderia ter sido Antonia ou possivelmente seu amante, que foi um personagem histórico real. Embora longe de famoso, há um registro de sua existência, e ele poderia possuir todas as informações que Antonia relatou. Muito embora LD não tenha mostrado nenhuma outra habilidade telepática, pode ser que fosse receptiva a uma personalidade tão forte como a dele, de acordo com a descrição de Antonia. Combinada com fatores psicodinâmicos e mais a habilidade de fantasiar de LD, essa poderia ser a explicação para a personalidade Antonia (que, por sua vez, poderia ser uma resposta totalmente fictícia a essa comunicação telepática), também explicando todas as informações, ideias e atitudes expressas.

12. Mediunidade é comparada à telepatia entre uma pessoa viva e uma personalidade desencarnada, mas é geralmente mais que apenas comunicação entre esse par. A personalidade desencarnada realmente fala através do médium. LD não é médium – certamente não no sentido geralmente aceito. Nem conheço nenhum médium que contate apenas personalidades desencarnadas de uma época e lugar muito limitados e apenas itens referentes à vida de um indivíduo. Devo admitir que, em certos momentos, as atitudes e sentimentos transmitidos foram mais os do amante de Antonia que os dela própria. Ela admitiu que ele poderia dominá-la completamente e incutir-lhe todas as suas ideias. Ele podia possuí-la não só fisicamente, mas mental e espiritualmente também, e ela sentia prazer dos três modos. Assim, Antonia poderia ter comunicado as ideias dele ou ele poderia ter passado as informações diretamente para LD. Segundo a história de Antonia, ambas podem não ser o caso, pois eles foram proibidos de existirem juntos no mesmo plano para sempre. Nunca, em nenhuma das sessões, a personalidade dele realmente surgiu.

13. Possessão é outro método pelo qual um indivíduo pode dar a conhecer uma personalidade sobrevivente do passado. Nesse caso, a personalidade sobrevivente não só se comunica por meio de, mas realmente possui e controla a pessoa viva por diferentes períodos de tempo, durante os quais a pessoa viva perde o controle. A maioria das pessoas teme essa situação; LD não. Para ela, não existe o problema de estar possuída pela personalidade Antonia. Elas são totalmente compatíveis, se não idênticas. LD considera e fala de Antonia assim como fala de fases anteriores de sua própria vida. Ela não pode conceber estar possuída por Antonia mais do que por si mesma como bebê, criança ou adolescente. Mas ela admite que pode ter sido possuída pelo amante de Antonia. Ele era um homem muito forte, assertivo, um indivíduo poderoso com uma consumada habilidade de manipular os pensamentos, crenças, sentimentos e comportamentos dos outros. Houve momentos na vida de LD que ela sentiu que seria vantajoso ser capaz de possuir tais características. Nesses momentos, ela tentou convidar o espírito dele a entrar nela, geralmente com sucesso. Ela disse que isso a ajudou em diversas ocasiões; por exemplo, no controle do comportamento de certos alunos desafiadores e indisciplinados provenientes da cidade. Isso não é o que geralmente seria considerado possessão. Não segue o padrão usual. Era sempre à pedido de LD, servia apenas para ajudá-la e acabava quando ela desejava, exatamente como o amante de Antonia faria para agradá-la. Uma explicação mais lógica para o acima dito é que LD estava tão familiarizada com o personagem, seja real ou fictício, que podia representá-lo quando fosse desejável. Se possessão está envolvida neste caso, é provavelmente um tipo peculiar e seletivo pelo amante de Antonia. Ao menos, estamos certas que ele existiu e, na história de Antonia, observou-se várias vezes que mesmo antes de o conhecer, ele conhecia cada detalhe de sua vida, mesmo alguns que ela mesma desconhecia – por exemplo, que seu tio era o inquisidor Juan Ruiz de Prado.

14. Reencarnação é a teoria que LD aceita. Ela realmente acredita e sente que sua alma existiu na Terra entre novembro de 1555 e março de 1588 no corpo de uma mulher chamada Antonia Michaela Maria Ruiz de Prado. Antes da emergência de Antonia, ela experimentou vagos sentimentos de ter vivido antes, mas nunca os levou à sério. Este caso a convenceu: para ela, este implica a reencarnação de uma pessoa em outra, não uma mistura das ideias de Antonia com sua própria personalidade. Ela possui os mesmos traços, talentos e interesses de Antonia porque é Antonia reencarnada. Seu corpo contém a alma de Antonia, modificada por experiência adicional. Claro, a crença de LD em nada contribui para validar esta teoria. Ainda assim, é a única que por si só pode explicar simples e razoavelmente a personalidade, sentimentos e atitudes de Antonia, bem como todos os obscuros fatos históricos narrados. Portanto, tendo a concordar com LD. 

CONCLUSÕES

Admito que a “vida” de Antonia soa como uma novela romântica tórrida e aventureira. Partes dela podem ser apenas isso, derivadas de uma imaginação vívida. Mas não parece razoável descartar toda a narrativa como somente isso, em vista da grande quantidade de informações reveladas muito recônditas e precisas. Se todas as informações e explicações possíveis forem consideradas, parece consistente com a parcimônia sugerir que LD mostrou conhecimento de detalhes obscuros sobre a Europa e a América do séc. XVI que ela não aprendeu normalmente.

Embora a reencarnação pareça explicar este caso melhor que as teorias rivais, a explicação mais simples nem sempre é a correta. Outra teoria plausível é a de comunicação telepática com uma personalidade desencarnada somada a fatores psicodinâmicos. Uma terceira teoria menos provável que poderia ser aplicada a este caso é o tipo peculiar de possessão descrito acima. Para este caso, creio que as outras teorias discutidas podem ser descartadas. Isto não significa que elas não possam ser válidas para outros casos similares. 

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2527 Bel-Air Drive

Glenview, Illinois 60025

 

Apêndice I

 

ELABORAÇÃO DA COLUNA 1 DA TABELA: ALGUMAS CITAÇÕES

DA PERSONALIDADE DE ANTONIA COM BREVES EXPLICAÇÕES

 

1. Regressão de LD em agosto de 1584: “Muitos alunos e funcionários da faculdade compareciam ao nosso jantar ao anoitecer da quarta-feira e, de vez em quando, nos grupos de discussão”.

2. As citações da primeira convocação de Antonia pela inquisição, no início de dezembro de 1584, são muito numerosas para listar aqui. Ela mencionou o esboço autobiográfico, as perguntas feitas pelo notário, os métodos de interrogatório, o conteúdo das admoestações, as orações que era obrigada a recitar e o modo como devia fazer o sinal da cruz.

3. Um ponto contra ela era sua ignorância do conteúdo do Édito de fé (que todos estavam obrigados a ouvir uma vez por ano, para que soubessem quais palavras e ações evitar e o que denunciar nos outros). “O Inquisidor Arganda explicou ao seu colega que não foi por minha culpa que eu o desconhecia; deixei Hispaniola em 1569 e ele só foi publicado lá em 1571”.

4. “- Sabíamos que seria difícil conseguir passagem para a Tierra Firma porque nenhuma frota viajará este ano (1587). Somente uns poucos navios têm permissão para ir, o resto está sendo preparado para a Armada”.

5. “Eu sabia que era ilegal, mas não vi mal em evitar as taxas que não podia pagar devido às minhas dívidas. Nunca tendo estado na Espanha ou na França antes, não sabia das hostilidades com os huguenotes na fronteira e seguramente não fazia ideia que negociar alguns cavalos e algum aço de Toledo podia ser considerado traição e heresia!”

6. “A maioria foi executada em dezembro [1581]. Ainda tínhamos esperança pelo frade Cottam, mas ele foi levado e esquartejado em maio, após ser horrivelmente torturado”.

7. Apenas uma citação retirada de várias páginas é aqui fornecida: “Para nossa consternação, descobrimos que o dinheiro de nossa passagem só nos garantia biscoitos e água. A tripulação passaria muito melhor, incluindo carne seca, peixe, legumes e arroz. Distintamente de nós, a maioria dos passageiros teve tempo para armazenar suprimentos com muitos secos e molhados – até mesmo animais para carne fresca”.

8-10. Seu amante explica porque devem ir a Lima: “Ele disse que tantas queixas foram apresentadas contra o Inquisidor Ulloa que a Suprema enviou um Visitador para investigá-lo, e este não era senão o Inquisidor Juan Ruiz de Prado, o irmão mais novo de meu pai! Finalmente, eu poderia encontrá-lo”.

11-12. “Tudo estava ótimo até o fim de novembro (1587), quando o padre Antonio (Ulloa) e o tio Juan celebraram um Auto-de-Fé. Estava decidida a contemplá-lo mantendo as aparências e manobrando bem até o fim. Então, quando vi que o flamengo a ser relaxado [queimado] parecia o tio Karl, não apenas na figura mas também nas ideias, sucumbi em público, para mortificação extrema do tio Juan”.

13. “Depois de uma incômoda e vacilante conversa em árabe, o Bey perguntou se ele [o amante dela] podia falar um pouco melhor em italiano, pois este era seu idioma nativo”.

14-15. “Adentramos Las Palmas por volta de vinte de julho [de 1587]. Os inquisidores locais nos saudaram muito cordialmente e insistiram que fôssemos seus convidados por um par de dias, para que pudéssemos apreciar o Auto-de-Fé que celebrariam dali a dois dias. Disseram que seria interessante para nós, porque as heresias dali eram diferentes das que provavelmente eram encontradas na Espanha central; mais como as que veríamos no tribunal do meu tio em Lima. Estavam punindo uma dúzia de ingleses e um seria relaxado”.

16-17. “Aquele marrano danado, de Mora, é poderoso demais para mim ou para qualquer um dos meus amigos para lutar. O bispo Zapata é-lhe grato e ele alega ser um bom amigo do Corregedor Jeronimo de la Batista”.

18-19. Seguem cinco citações. É interessante notar que a primeira (nomeando um inquisidor) e as três últimas (fornecendo dados biográficos sobre a segunda) foram dadas no início das sessões A, enquanto a segunda citação (nomeando o outro inquisidor) não foi dada até perto do fim das sessões B: “Perguntei ao meu benfeitor hesitantemente: “- Você conhece o Inquisidor?” Ele pareceu divertir-se com meus tremores e respondeu: “- Joguei xadrez muitas vezes com o Inquisidor Ximenes de Reinoso””. “Ele disse friamente: “- A razão de eu estar tão proximamente associado ao Inquisidor Reinoso é que ele é meu colega. Sou o Dr. Francisco de Arganda, Inquisidor de Cuenca, e você está sob grave suspeita””. As linhas a seguir aplicam-se a Arganda muito antes de ela ter citado seu nome: “Ele disse que, quando cônego na Catedral em Alcala, deu algumas conferências na universidade local”. “Ele não sabia da conduta lasciva de meu pai com Isabela, por ter sido enviado ao Tribunal de Valência por dois anos e ter voltado há apenas um par de meses antes de eu chegar”. “Os funcionários da Casa do Comércio foram muito corteses e rápidos porque ele era bem conhecido deles, tendo servido como Fiscal no Tribunal de Sevilha”.

20. “O Supremo Senhor Inquisidor assegurou-me já ter evidências mais que suficientes para prender [Francisco] de Mora, mas para garantir que o marrano viscoso não escape, não agirá até que as provas sejam tantas que impeçam qualquer sentença senão a de relaxamento”.

21. “Por ora, Andres e Maria de Burgos tornaram-se meus melhores amigos. … Depois que a maioria dos convidados partiu, ignorando que Ramon e Carlos eram próximos, Andres descreveu um de seus experimentos, condenando-se – defronte a eles, não ousei dizer nada para avisá-lo. Ele foi preso no dia seguinte e Maria alguns meses depois”.

22. Antonia nunca disse que o padre jesuíta Fernando Mendoza fora preso, mas disse que havia antagonismo entre ele e Arganda; ela mencionou ter ultimamente recebido advertências acerca dessa ligação, pois a inquisição coletava provas contra ele que implicavam servos dela. O nome desse padre consta nos registros da inquisição.

23. Em Londres, antes de ir à Espanha, Antonia lê a carta de janeiro de 1584 de seu pai: “Cuenca… a sede do Tribunal do Santo Ofício mudou-se recentemente, por conveniência, para o castelo que encima e domina toda a região”. Detalhes extras sobre isto estão dispersos ao longo de sua narrativa.

24. Depois de um dos inquisidores informar Antonia que a faria sua amante, ela ofereceu numerosas objeções, nenhuma das quais o tocou sequer ligeiramente. “Finalmente, decidi apelar à sua honra de inquisidor consciencioso: “- Você pode honestamente crer que um pecado voluntário e deliberado não alterará suas decisões como inquisidor?”, perguntei friamente. Ele suspirou: “- Suponho que de algum modo já alterou. Ao rever meus casos recentemente, notei que eles indicam uma visão muito mais branda da fornicação desde que decidi me entregar. Para mim, a liberalidade foi tão marcante que temi levantar suspeitas na Suprema. Presumo ter de voltar aos meus julgamentos severos””.

 

Apêndice II

 

NOTAS SOBRE OS PRIMEIROS 45 ANOS DA VIDA DE LD: RESIDÊNCIAS,

CONHECIDOS, ESTUDOS, LEITURAS, INTERESSES E AFILIAÇÕES

 

Durante os primeiros seis anos de sua vida, LD mudou-se apenas uma vez. Seus amigos e vizinhos eram imigrantes ou americanos de primeira geração. Havia doze diferentes origens nacionais: italianos, alemães, irlandeses, gregos, suíços, suecos, noruegueses, ingleses, judeus, poloneses, chineses e uma família de apaches. Ninguém era espanhol ou latino-americano. A maioria era pobremente educada e não conhecia senão seu idioma de origem e o inglês. Então, LD nunca escutou uma palavra de espanhol aqui.

Seu pai era o único na vizinhança com educação superior. Seu único idioma era o inglês. Vivia com a família e lia para LD diariamente. Por volta dos cinco anos, ela já conhecia todos os contos de fadas de Andersen e Grimm, a maioria das Mil e uma noites, vários livros de mitologia grega e romana, Rei Arthur e os cavaleiros da távola redonda e os Contos da Cantuária.

Seu avô morreu quando LD tinha seis anos e, com sua mãe, ela permaneceu seis meses em Dresden, Alemanha (elas não visitaram Leipzig, cidade próxima onde Antonia supostamente passou um par de anos em sua adolescência). Foi aqui que, pela primeira vez, ela foi apresentada a edifícios e artefatos dos sécs. XV ao XVIII, devido aos muitos palácios e castelos transformados em museus. Eles fascinavam-na. Ela não era uma criança que corre através do museu tentando tocar e mexer em tudo, mas permanecia assombrada por horas, fixando e estudando prédios, mobília, arte, armas, armaduras, roupas, joalheria e utensílios de tempos idos.

Quando retornou à Chicago, ela falava alemão quase tão bem quanto o inglês, mas estava atrasada na escola primária. Dois meses de estudo extra colocaram-na tão à frente de seus colegas que foi duplamente promovida; isto aconteceu outras três vezes no ensino fundamental. No início, não gostava de ler porque as leituras estavam muito abaixo de sua capacidade – depois das histórias que ouvira antes do jardim de infância, Dick e Jane ou O pequeno trem não conseguiam prender sua atenção.

Ela raramente participava de brincadeiras comuns de criança, mas entretinha seus colegas com contos de eras e lugares distantes povoados com heróis, deuses, monstros, magos e bruxas, príncipes e princesas, cavaleiros e dragões – inventava um “calabouço com dragão” ou jogos do tipo “vamos fingir”. Ela frequentemente sentia ter realmente experimentado as situações fingidas antes.

Com adultos, nunca expressou seu interesse em tais coisas, com medo que a considerassem uma “criança estranha”. Com eles, só travava conversas “sensatas” sobre escola, trabalho doméstico, jardinagem, culinária, preços de alimentos, transporte local, política etc. Os adultos sempre a consideraram sensata, inteligente, responsável e confiável, tanto que, muitas vezes, permitiam que seus próprios filhos dois a três anos mais velhos fossem a certos lugares apenas quando LD os acompanhasse. Ela convenceu-se que a elevada consideração dos adultos estaria perdida se soubessem de suas fantasias ou experiências do tipo “vidas passadas”. Isso resultou de suas tentativas pré-escolares de discuti-las com sua própria família.

Aos seis anos, começou a ler livros simples de culinária, um interesse que persistiu ao longo de sua vida (cozinhar foi um dos maiores talentos de Antonia). Por volta dos oito anos, passou a ler os livros da série Oz. Também amava os animais e leu algumas histórias de animais, a maioria das quais, protestava, antropomorfizava os bichos, o que considerava bobagem; então, passou a ler livros factuais sobre vida selvagem e cuidados com animais, que apreciava. Após a série Oz, parou de ler ficção definitivamente.

Desde o jardim de infância, frequentava aulas dominicais na igreja luterana local e, aos onze anos, frequentou aulas de crisma ali. Foi nessa época que pegou emprestado o cartão de biblioteca de seu pai para poder ler livros adultos. Leu Darwin, Huxley e alguns livros sobre religião comparada. Estes a conduziram a calorosos debates com seu pastor. Ao dominar todo o necessário, recusou-se a ser crismada, dizendo-lhe defronte à classe que o fundamentalismo dogmático a havia convertido ao ateísmo.

Sua mãe pertencia a um clube alemão e levou LD às reuniões, nas quais fez amizade com outras crianças germano-americanas, atuou em peças e, por três anos, cantou músicas folclóricas alemãs numa estação de rádio alemã. Quando os EUA entraram na segunda guerra mundial, a estação fechou.

Aos doze anos, formou-se na oitava série e mudou-se para cerca de duas milhas de sua antiga casa. Naquele verão, trabalhou como garçonete (como aparentava dezesseis anos, mentiu sobre sua idade). Na ocasião, pode obter seu próprio cartão de biblioteca para adultos e usou-o com paixão lendo Shakespeare, Milton e uma grande quantidade de poesia – mas nenhuma outra ficção. A maior parte de sua leitura não era de ficção: arte, arqueologia, antropologia, exploração, vida selvagem etc.

Embora ainda com doze anos, iniciou o colegial, continuou a trabalhar meio-período e deu continuidade a seus interesses pessoais, sem ter ninguém com quem discuti-los. Este foi um período solitário para LD. Quanto mais estudava e aprendia, menos tinha em comum com seus pares. Quanto mais tempo passava estudando e trabalhando, menos tempo tinha para sociabilizar. Seus amigos liam histórias em quadrinhos; ela lia clássicos. Eles gostavam de Frank Sinatra; ela gostava de ópera. Eles gostavam de jogar bola; ela das conferencias no museu. Nenhum de seus professores gostava muito dela. Ela estudava apenas o que lhe interessava, não o que eles pensavam que ela devia estudar. No trabalho, conheceu uma universitária oito anos mais velha, com quem tinha algo em comum. A moça era uma estudante de sociologia de ascendência judaico-russa e foi sua única amiga por cerca de um ano. Ela ainda não havia encontrado alguém da Espanha, América Latina ou com interesse em história na vizinhança, escola ou trabalho.

Após um ano e meio, ela mudou-se novamente por alguns meses, mudando de escola por um semestre. Passou os verões dos seus treze e catorze anos trabalhando numa plantação (na Fazenda Vitória, como voluntária). Não havia nenhuma espanhola dentre as meninas. Elas foram alojadas numa escola católica para garotas supervisionada por freiras, mas ela recusou-se a participar de quaisquer serviços religiosos enquanto permaneceu lá, imaginando que os católicos eram provavelmente piores que os luteranos. Perto da escola, havia um campo prisional para alemães prisioneiros de guerra que cultivavam campos adjacentes aos que as meninas trabalhavam. Confraternizar era estritamente proibido, mas tais proibições nem sempre são efetivas quando meninas adolescentes e rapazes jovens estão muito próximos. Foram efetivas aqui a maior parte do tempo porque os homens praticamente nada sabiam de inglês e LD era a única menina que falava alemão. Enquanto as outras meninas tinham que competir na proporção de cinco para um por alguns poucos garotos das fazenda locais, LD tinha os alemães essencialmente para si. Um romance logo se desenvolveu com um deles, e o casal se encontrava entre as fileiras do milho alto. Havia conversas  sobre fugir, mas isso nunca se deu. O fim do verão foi a última vez que ela o viu.

Aos catorze anos, no terceiro ano do colegial, ela mudou-se novamente, desta vez de um bairro de classe média tranquilo (com uma família por moradia e lotes vagos para classe baixa repletos de flores selvagens) para um apartamento provisório num bairro com gangues de rua. Os vizinhos eram basicamente do tipo “lixo branco pobre”, que vinham do sul para Chicago em busca de empregos melhor remunerados em fábricas de armas. Havia também muitos orientais, principalmente japoneses, que se diziam filipinos, mas que não possuíam sobrenomes nem falavam espanhol como a maioria das pessoas das Filipinas. Não havia espanhóis e mesmo os latino-americanos não vieram para esse bairro senão dez anos mais tarde, muito depois de LD ter partido. Ela odiava aquele lugar e as pessoas que viviam lá, mas logo decidiu que “se você não pode lutar com eles, junte-se a eles” – então, juntou-se a uma gangue de rua. No início, a garota quieta e intelectual de um bairro “bom” não foi bem recebida, mas ela logo provou que podia e sustentaria seus direitos contra qualquer um, tornando-se o “cérebro” da gangue porque podia planejar os “trabalhos” mais imaginativa e vitoriosamente que qualquer outro. Começou jiu-jítsu e tornou-se muito habilidosa com o canivete, que sempre carregava (sem o conhecimento de seus colegas e professores, que a consideravam uma estudante exemplar).

No entanto, isso não era vida para ela e, ainda com quinze anos, deixou o lar para ir sozinha para Los Angeles, onde ingressou na então afluente Holly High. Embora existissem muitos americanos mexicanos em LA, não conheceu nenhum deles. Vi fotos de seus amigos de então. Nenhum tinha nome ou aparência que sugerisse ascendência espanhola. Eram todos do tipo “anglo” com nomes condizentes. Aqui, a escola e o trabalho quase de tempo integral não lhe deixavam tempo para leitura extracurricular ou atividades sociais.

Pela faculdade, voltou para casa. Ela conseguia sustentar a escola e o trabalho integralmente, mas não ganhava o suficiente para o ensino universitário e seus livros. Seus pais os pagariam apenas se ela vivesse com eles. Naquele verão, trabalhou numa fábrica em Chicago, na qual conheceu e fez amizade com uma operária vinda do México. Esta foi a primeira vez em sua vida que conheceu alguém que falava ou possuía um sobrenome espanhol. Essa garota havia abandonado o colegial e nada sabia da Espanha ou de história, exceto possivelmente algo do México (país que não faz parte da história de Antonia). Dois meses depois, LD deixou aquele emprego e nunca mais viu aquela moça, sem jamais tentar falar ou aprender espanhol com ela.

Sua família mudou-se para Evanston quando LD tinha dezesseis anos, e ela ingressou na Faculdade de Educação da Universidade do Northwestern. Um ano depois, eles mudaram-se para outra casa em Evanston. Ela não conheceu espanhóis ou hispanófonos na escola ou em seu bairro, não fez cursos de história ou espanhol e sequer conheceu um professor que ministrasse tais cursos. Seus melhores amigos eram dois estudantes de ascendência polonesa. Antes de se graduar, sua família mudou-se para uma pequena cidade (população abaixo de trezentos) no vale do Rio Grande, Texas. Ela alugou um quarto de uma família judaico-alemã em Evanston. Como, em apenas três, cumpriu um curso de quatro anos (sem deixar de trabalhar), teve pouco tempo para amigos, atividades externas ou leitura. Seus esportes na universidade eram esgrima, flecha e tiro de fuzil.

Aos dezenove anos, ela conquistou seu bacharelado em pedagogia e passou a morar com uma família judaico-russa em Chicago. Como não conseguiu encontrar um emprego de professora em dois meses, seguiu sua família para o Texas. Havia duas famílias de agricultores mexicanos vivendo na chácara de seus pais, mas eles eram iletrados e não falavam inglês. Por não falar nada em espanhol, ela nunca falou com eles. Nos três meses que lá permaneceu, não conheceu espanhóis ou mexicanos que soubessem algo da Espanha e nada aprendeu de espanhol. Não havia bibliotecas naquela pequena cidade.

Ela retornou a Evanston, onde morou numa pensão pertencente a uma mulher irlando-canadense. Não sociabilizou com os outros pensionistas. Tornou-se professora substituta em Chicago, logo foi designada substituta numa escola e mudou-se para um quarto próximo de sua escola, numa parte pesadamente judia da cidade. Ninguém que soubesse era judeu-espanhol, sabia algo da Espanha ou da inquisição. Ela começou um programa de leitura independente novamente, desta vez principalmente em filosofia, religião e ocultismo. Sua família mudou-se para a área do Parque Lincoln, em Chicago, e ela voltou a morar com os seus.

Conseguiu um emprego de maquiadora e figurinista teatral. Isto a fascinava, e ela conheceu muitos tipos boêmios interessantes: atores esforçados, escritores, artistas, músicos etc., relacionando-se quase exclusivamente com eles nessa época. Com o incentivo de seus novos amigos, também cantou em algumas casas noturnas (o canto era outro talento de Antonia). No ano seguinte, juntou-se a uma companhia itinerante com a qual percorreu os Estados do sudeste fazendo apresentações. Em todas as suas ligações e viagens, ela ainda não tinha encontrado ninguém de ascendência espanhola ou algo versado nessa história.

Aos vinte e dois anos, voltou para sua família (uma vez mais em Evanston), conseguiu seu primeiro emprego permanente, tornou-se muito ativa na comunidade e em organizações sociais e entrou para a Igreja Metodista. Em menos de um ano, sua família retornou provisoriamente para um bairro em Chicago. Ela mudou-se com eles mas, três meses depois, comprou sua casa própria em Evanston, onde continuou a viver por dezessete anos. Durante esse tempo, entrou para o coro da igreja, atuando muitas vezes como solista (ela tinha uma boa voz, mas nunca estudou música); produziu e dirigiu algumas peças para sua Igreja e para a central, a Primeira Igreja Metodista; e escreveu e dirigiu uma peça sobre a Reforma para o Conselho das Igrejas de Evanston. Fundou também um teatro comunitário em Evanston e foi um membro ativo da Juventude Republicana. Poucos anos depois de mudar-se para cá conheceu, casou-se com seu marido e teve dois filhos. Quando seus filhos alcançaram a idade escolar, tornou-se ativa no P.T.A. Permaneceu trabalhando por todo esse tempo.

De todas as organizações às quais pertenceu e pessoas que conheceu nesses dezessete anos, nenhuma era de ascendência espanhola ou particularmente interessada em história; não obstante, ela adicionou este assunto à sua biblioteca, que contém livros sobre vida animal, antropologia, arqueologia, arte, biografia, culinária, vestuário, artesanato, teatro, educação, jardinagem, geologia, alemão, história, joalheria, literatura, maquiagem, mitologia, história natural, ocultismo, ópera, filosofia, plantas, poesia, psicologia, religião, sociologia, esportes e viagens. As únicas obras de ficção que possui são alguns clássicos.

Em 1970, ela e sua família mudaram-se para outro subúrbio de North Shore, lugar onde vivia quando ingressou nos clubes de hipnotizadores. Lecionava ainda numa escola em Chicago e continuava aumentando sua biblioteca. Os únicos três livros sobre história da Espanha que possui foram comprados depois da emergência da personalidade Antonia. Apenas um deles contém alguns dos fatos relatados por Antonia. Nenhum contém algo sobre Cuenca; nem sequer seus livros de viagens. Ela nunca conheceu um espanhol até passar uma semana nas Ilhas Canárias em 1978, depois de terminar a primeira série de regressões. Foi nessa viagem que fez sua primeira tentativa no idioma espanhol, quando utilizou um livro de frases para turistas. Logo descobriu que o livro era desnecessário porque, embora poucos ilhéus falassem inglês, muitos falavam alemão, do qual se valeu.

Considerando todos os detalhes que reuni sobre cada estágio de sua vida através de várias sessões de hipnose, estou convencida que ela não conhecia ninguém de quem pudesse ter obtido as informações reveladas pela personalidade Antonia, nunca leu ou falou espanhol antes daquela experiência e não poderia ter obtido as informações através de leitura.



[1]Doutor em filosofia pela USP e funcionário de carreira do TRE/SP. Texto terminado e publicado na internet em 26/12/2013.

[2]Kuhn 1998.

[3]Vide Biasetto 2011 & 2011a. Horta 2007 & 2011.

[4]Vide Horta 1996 & 2012.

[5]Tarazi 1990. A nova tradução segue abaixo.

[6]Segundo Stevenson, “as “personalidades” geralmente evocadas durante as regressões a uma vida anterior, induzidas hipnoticamente, parecem se constituir de uma mistura de vários ingredientes. Estes podem incluir a personalidade atual do paciente, suas expectativas daquilo que ele pensa que o hipnotizador deseja, suas fantasias sobre aquilo que ele imagina ter sido sua vida anterior e, talvez ainda, elementos obtidos paranormalmente” (Stevenson 1970 p.22).

[7]A presença de mulheres alemãs no início da colonização espanhola da América não é provável, mas não é impossível; sabe-se que companhias alemãs de mineração se envolveram com o ouro e a prata do novo mundo, inclusive fornecendo mineiros. Na colonização portuguesa, Martim Afonso de Souza trouxe alguns alemães (muito provavelmente homens) para São Vicente em 1532; por essa época, Hans Staden comandava o Forte de Bertioga e, em 1557, escreveu sobre suas peripécias no Brasil (cf. Rosenthal 1986). Contudo, não encontrei informações sobre mulheres germânicas em Hispaniola nessa época – a principal possibilidade remete a criptojudias buscando ocultação.

[8]Segundo Tarazi, aos seis anos, LD viajou com sua mãe para Dresden (cidade próxima a Leipzig), Alemanha.

[9]Em 1936, um ensaísta americano escreveu uma inspiradora advertência a ser sempre observada por um pensamento histórico crítico & realista: “os diretores dos filmes antigos costumavam fazer coisas estranhas. Uma das mais curiosas era seu hábito de mostrar as pessoas andando de carro, depois descerem atabalhoadamente e se afastarem sem pagar o motorista. Rodavam por toda a cidade, divertiam-se ou se dirigiam a seus negócios, e isso era tudo. Sem ser preciso pagar nada. Assemelhavam-se em muito à maioria dos livros da Idade Média que, por páginas e páginas, falavam de cavaleiros e damas, engalanados em suas armaduras brilhantes e vestidos alegres em torneios e jogos. Sempre viviam em castelos esplêndidos com fartura de comida e bebida. Poucos indícios há de que alguém devia produzir todas essas coisas, que armaduras não crescem em árvores e que os alimentos (que realmente crescem) têm que ser plantados e cuidados. Mas assim é. E tal como é necessário pagar por uma corrida de táxi, assim alguém nos séculos X a XII tinha que pagar pelas diversões e coisas boas que os cavaleiros e damas desfrutavam. Também alguém tinha que fornecer alimentação e vestuário aos clérigos e padres que pregavam enquanto os cavaleiros lutavam”. Huberman 1986 I.

[10]Acerca da liberdade de ir e vir, as monarquias absolutas eram muito distintas das democracias modernas; assim como nos estados socialistas atuais, a movimentação individual dependia de autorização governamental. Um exemplo interessante vem do absolutismo português, irmão do espanhol: em 1792, quando o inconfidente Tomás Antônio Gonzaga aportou em Moçambique, foi informado pelo governo local que não poderia “abandonar a ilha sem a ordem expressa do capitão-general”, ou seja, do governador. E isso não se devia à sua condição de condenado, pois segundo o historiador, “essa regra valia para todos os habitantes” (Gonçalves 1999 p. 323). E isso acontecia em todo o império: para casar com sua amada Marília, Gonzaga solicitou autorização à rainha; para viajar ao Rio de Janeiro, Tiradentes pediu ao governador Barbacena – sem um passe, seria preso na estrada real por trânsito ilegal etc.

[11]Gonzaga partiu do Rio de Janeiro em 25/05/1792 e alcançou Moçambique em 31/07/1792; ou seja, sua viagem demorou mais de dois meses (cf. Gonçalves 1999 p. 319). Em 1807, a família real portuguesa fugiu de Napoleão Bonaparte seguindo de Lisboa para Salvador; a viagem durou cinquenta e quatro dias, quase dois meses no mar com uma escolta inglesa protegendo a frota para evitar os perigos – e estes eram muitos: em 08/12/1807, “uma violenta tempestade destrói velas e mastros e dispersa os navios”; no final de dezembro, “por falta de ventos, as naus levam dez dias para percorrer trinta léguas, distância que, em situação normal, seria vencida em dez horas” (Gomes 2008 p. 92). O historiador informa também que, em 1807, “o envio de uma carta de Lisboa para Paris demorava cerca de duas semanas. Os correios viajavam por estradas de terra esburacadas, que ficavam praticamente intransitáveis em dias de chuva. Para ir e voltar, gastava-se um mês ou até mais” (pp. 49-50). A viagem de duas mulheres partindo de Hispaniola rumo à Leipzig poderia durar perfeitamente uns seis atribulados meses e custar uma pequena fortuna.

[12]Recordo que, anos mais tarde, Galileu Galilei, em sua derradeira viagem para Roma, partiu de Florença em 20/01/1633 e só alcançou a capital em 13/02/1633; vinte e quatro dias para percorrer duzentos e trinta e um quilômetros; isso porque atravessar feudos por estradas de péssima qualidade, chuva, lama a deter a carroça, buscar autorizações & alimentos, precaver-se contra malfeitores e, no caso, evitar doenças locais custaram um bom tempo & dinheiro.

[13]Segundo Braude (2003 pp. 190-198 & 222-224), Alan Gauld, um famoso estudioso do tema, “possui suspeitas muito razoáveis sobre o valor da evidência desse caso. Uma diz respeito à possibilidade que Laurel certa vez tenha lido (e, então, se esquecido mais tarde) alguma obscura novela rica em acurados detalhes históricos do período. Com efeito, há um precedente para tal preocupação; existe ao menos um pequeno corpo de evidências para este tipo de criptomnésia. … Entretanto, a busca de Gauld por tal novela foi muito mal sucedida. Tarazi, do mesmo modo, não encontrou nenhum livro com a informação relevante. … Particularmente, o problema está na falta da evidência não somente para a existência de Antonia, mas também para seu tio Karl. … [Gauld] embarcou numa busca cuidadosa por indícios de Antonia e Karl na Inglaterra. Ele assume, razoavelmente, que tais traços deveriam existir, dadas as afiliações acadêmicas de Karl e o alegado ativismo político de Antonia. Mas essa busca também nada obteve”. Na nota três ao texto, Braude entra em detalhes da longa pesquisa conduzida por Gauld em assentamentos ingleses.

[14]O absolutismo monárquico não funcionava como a democracia contemporânea, que permite a praticamente todos participarem da política; esta era prerrogativa dos bem-nascidos. Por exemplo: a sociedade portuguesa era tão rigidamente estamental que, Gonzaga, para passar do Judiciário (lugar da pequena nobreza) para a chefia do Executivo (restrita à alta nobreza), auxiliou na tentativa de organizar uma Nova República em Minas Gerais, sendo preso e condenado. Segundo a narrativa de LD, Antonia e seu pai administraram uma estalagem, ou seja, realizaram trabalhos braçais e, portanto, estavam alijados da nobreza; essa circunstância seria sem dúvida objeto de averiguação da inquisição e poderia impedir que seu alegado irmão, Juan Ruiz de Prado, assumisse uma posição de destaque na inquisição espanhola.

[15]Ver nota 12.

[16]Segundo Tarazi, LD “nasceu e cresceu na região de Chicago durante os anos da depressão”; mais tarde, LD “passou os verões dos seus treze e catorze anos trabalhando numa fazenda”. Na narrativa, Antonia “nasceu em 15 de novembro de 1555 numa plantação pequena e isolada, a meio dia de jornada de Santo Domingo, na ilha de Hispaniola”.

[17]Infiro que a mãe de LD possua ascendência germânica, pois segundo Tarazi, a ascendência de LD “é alemã e seu passado religioso luterano. … Seu avô morreu quando LD tinha seis anos e, com sua mãe, ela permaneceu seis meses em Dresden, Alemanha. … Sua mãe pertencia a um clube alemão e levou LD às reuniões, nas quais fez amizade com outras crianças germano-americanas, atuou em peças e, por três anos, cantou músicas folclóricas alemãs numa estação de rádio alemã”. Por sua vez, na narrativa, Antonia “era filha de Antonio, um oficial espanhol, e Erika, sua esposa alemã” (negrito-itálico meu).

[18]Tarazi informa que, por volta dos seis anos de idade de LD, “seus amigos e vizinhos eram imigrantes ou americanos de primeira geração. … A maioria era pobremente educada e não conhecia senão seu idioma de origem e o inglês. … Seu pai era o único na vizinhança com educação superior”. Na narrativa, por sua vez, Antonia “era a filha de Antonio, um oficial espanhol … Em campanhas militares, Antonio estava fora a maior parte do tempo … Isto deixava a criança vigorosa e inteligente aos cuidados da serva de companhia alemã de sua mãe, de servos incultos e escravos”.

[19]Segundo Tarazi, o pai de LD “vivia com elas e lia para LD diariamente. Pelos cinco anos, ela já conhecia todos os contos de fadas de Andersen e Grimm, a maioria das Mil e uma noites, vários livros de mitologia grega e romana, Rei Arthur e os cavaleiros da távola redonda e os Contos da Cantuária”. Por sua vez, na narrativa sobre a vida de Antonia, “Antonio, um fidalgo orgulhoso e austero… ensinou-lhe a montar, atirar e algo de táticas militares”.

[20]Segundo Tarazi, LD continuou frequentando museus: “com doze anos, … quanto mais estudava e aprendia, menos tinha em comum com seus pares. … Seus amigos liam histórias em quadrinhos; ela lia clássicos. Eles gostavam de Frank Sinatra; ela gostava de ópera. Eles gostavam de jogar bola; ela de conferências no museu” (negrito-itálico meu).

[21]Stevenson apontou a capacidade dramática excepcional da mente humana quando inconsciente ou em algum estado alterado (Stevenson 1977). Adendo que, durante o sonho, o inconsciente constrói num átimo um enredo com os fatos da vida e, no seu desenrolar, produz no sonhador a forte convicção de sua realidade. A palavra hipnose vem de Hypnos, o deus grego do sono, e o estado hipnótico talvez seja basicamente uma variante do estado onírico.

[22]Segundo Tarazi, LD “relatou que, quando trabalhava como desenhista de figurino teatral, leu vários livros sobre figurinos históricos retirados da principal biblioteca pública de Chicago. Vários desses livros possuíam esboços biográficos dos personagens históricos retratados. Mais tarde, leu alguns livros sobre Lutero e a reforma protestante, que obteve na Biblioteca Pública de Evanston quando estava escrevendo a peça Dia da reforma para o Conselho das Igrejas de Evanston” (negritos-itálicos meus).

[23]Tradução de Marcio Rodrigues Horta, doutor em filosofia pela USP e funcionário de carreira do TRE/SP. Supervisão temática de Vitor Moura Visoni, parapsicólogo responsável por ampla difusão do tema no Brasil.

[24]Gostaria de agradecer a Ian Stevenson, doutor em medicina, por seu encorajamento; agradeço a ele e suas assistentes de pesquisa (Emily William Cooks e Susan Adams) pela ajuda e sugestões aos primeiros esboços deste artigo (nota da autora).

17 respostas a “Decifrando Antonia (2ª versão)”

  1. mrh Diz:

    Além da apresentação atualizada, com mais notas e o item do italiano, seguiu também uma nova tradução completa do artigo da Tarazi.

  2. Sanchez Diz:

    Marcio Rodrigues Horta
    Você conhece o livro: Recordando Vidas Passadas – da Dra. Helen Wambach? Sabe alguma coisa sobre esse tipo de pesquisa? No mais feliz ano novo muita saúde, paz e dinheiro no bolso que não faz mal a ninguém a você e todos os comentadores deste site.

  3. mrh Diz:

    Felicidades para vc e todos tb. Ñ conheço o livro. Vale a pena? Se valer, eu leio!

  4. Marciano Diz:

    27 Safar 1435 (yawm ath-thalatha’)

    Tevet 28, 5774

    Feliz Hosh Hoshaná! (primeiro do ano).
    Shana Továh Umetukah! (um ano bom e doce).
    .
    se uma pessoa diz a você, por exemplo, “Feliz ano novo”, então você pode dizer:

    “Que Allah torne um ano bom e abençoado para você.”

    Mas você não deve iniciar tal uma saudação, porque eu não sei de nenhum relato de que os salaf [primeiras gerações do Islã] parabenizavam uns aos outro por ocasião do novo ano, em vez disso os salaf não consideravam o primeiro dia de Muharram como o primeiro dia do ano novo até o califado de ‘Umar ibn al-Khattab (que Allah esteja satisfeito com ele).

    “Abd Shaykh al-Kareem al-Khudayr disse a respeito da oferta de congratulações por ocasião do novo ano Hijri:

    “Orar por outro muçulmano, em termos gerais, por meio de frases que não são entendidas como uma espécie de ritual em ocasiões especiais, como Eid, é aceitável, especialmente se o que se entende por essa saudação é a amizade e para mostrar um rosto amigável para um companheiro muçulmano. Imam Ahmad (que Allah tenha misericórdia dele) disse: “Eu não inicio a saudação, mas se alguém me cumprimenta eu retorno a saudação, porque responder ao cumprimento é obrigatório. Mas, ser o primeiro a oferecer parabéns não é nem Sunnah nem proibido”.

    “Nós muçulmanos não comemoramos o ano novo Islâmico não nem encorajamos para a celebrações especiais no ano novo islâmico, já que não há relato de que qualquer evento dessa natureza tenha ocorrido em hadith ou sunnah do Profeta Muhammad paz esteja com ele”.

    E Deus sabe melhor!!!!

    Maa Salama!

  5. Marciano Diz:

    Uma coisa, ateus e muçulmanos têm em comum: nós não tomamos a iniciativa de desejar feliz ano novo a ninguém, seja o ano cristão, judaico, islâmico ou o que for. Mas retribuímos a gentileza.

  6. Marciano Diz:

    Antes que alguém diga o que estou acostumado a ler e ouvir, ateísmo não é uma forma de religião, é exatamente a falta de qualquer religião ou crença (digo no meu caso, razão pela qual nem gosto de ser chamado de ateu – o que não acredita em divindades, mas acredita em outras bobagens sem fundamento).
    Ateísmo não é um rótulo que sirva para mim. Vários comentadores aqui no blog se dizem ateus, no entanto, acreditam em coisas estranhas.
    À falta de uma palavra adequada, uso ateu ou cético, o que também não me define, visto que sou cético a respeito de algumas coisas em ciência e totalmente descrente com relação a qualquer bullshit religioso, paranormal ou extraterrestre.
    Considero a crença em mediunidade, paranormalidade, espíritos, etc., como a crença em Jimmy Olsen. Qualquer um pode escolher acreditar em nonsense, se isto lhe traz conforto psicológico, daí a levar a sério a imaginação de pessoas tresloucadas e deslumbradas com um falso e inútil conhecimento de coisas imaginárias vai uma enorme diferença.
    Cada um procura conforto na crença que mais lhe apraz, por isso existem tantas crenças e religiões.
    Eu prefiro viver em eterno desconhecimento de coisas ditas metafísicas do que acreditar na base do uni-duni-tê.
    Escolha uma crença, qualquer uma, adote-a e passe a defendê-la obstinadamente… Isto não serve para mim.
    .
    Às vezes eu me aborreço com um crentelho qualquer que diz que quem não acredita em uma das milhares de crenças absurdas que existem é pessoa má, desonesta, etc.
    Uma coisa não tem nada a ver com a outra, há crentes e ateus safados e crentes e ateus honestos, de boa índole, estudiosos e trabalhadores, do tipo que carrega o resto da humanidade nas costas. Eu acredito que seja um destes últimos.
    Eu produzo mais do que consumo.
    Não me aproveito de ninguém e ajudo outras pessoas.
    Quando sou ajudado, não vejo isto como retribuição, nem ajudo porque sou ajudado.
    Esses crentes (genericamente falando) que se acham donos das múltiplas e loucas verdades são patéticos, por vêzes, outras tantas são irritantes, com sua arrogância, falsa modéstia e pieguice.
    .
    Até o conceito de ano novo é ilusório.
    Qualquer planeta tem um período orbital, isso não muda nada na vida de ninguém, e o que mais tem neste planeta que habitamos é calendário.
    Serve para organizar a vida, para marcar compromissos.
    O resto é pura loucura.
    Não muda nada num dia determinado.
    Entenderam?

    Então, feliz ano novo. E não pensem que eu não aproveito a data maluca para beber, comer e socializar com os alienados à minha volta.
    Tem horas que eu me sinto o Tarzan of the Apes.
    Krig Ha Bandolo!

  7. mrh Diz:

    Boas festas, há,há,há…

  8. Toffo Diz:

    Concordo com Marciano no quesito crentelhos, gente que acha que para se ser bom é preciso ter religião, ter Jesus no coração etc. e quem não tem não presta. De vez em quando aparecem alguns aqui. Também não gosto dos caga-regras que vêm aqui pontificar verdades, esses são um pé no saco. Enfim…

  9. Gorducho Diz:

    Como variante dentro do tema: na verdade a previsão dos católicos reencarnacionistas representados pela FEB, de que o Brasil se transformaria numa nova pátria para o cristianismo primitivo, está se transformando em realidade. Só que se deram mal porque o processo não foi liderado por eles, e sim pelos Evangélicos. O que é muito coerente: se é para ser-se um fanático cristão primitivo, que siga-se à risca o AT e os Evangelhos. Pra que atravessar o Bezerra de Menezes, o Emmânuel, o Anjo Ismael, e o restante desses seres na jogada?
    E que se expulse os demônios pelo método consagrado por Jesus. Sem essa de “sessões mediúnicas”. Para que? Se necessário, relho nos demônios.
    Ao se assumirem como seita cristã fundamentalista (“cristianismo primitivo redivivo” – imagino que em breve vão solicitar à prefeitura de Brasília alvará para construção de catacumbas…) deram um tiro-no-pé na única característica que talvez pudesse vir a diferenciar o espiritismo: ser universalista.

  10. Gorducho Diz:

    Sr. Administrador: desculpe! Favor fechar o bold depois do â do EmmÂnuel.

  11. Marciano Diz:

    Está acontecendo diante de nossos olhos o milagre da multiplicação das igrejas neopentecostais.

  12. Larissa Diz:

    Gorducho, Brasília não tem prefeitura, só governo. E aqui imperam as seitas evangélicas. O espiritoidismo só há entre a classe média e olhe lá.
    .
    Ontem minha cabeleireira me disse q não poderia celebrar o ano novo pq o pastor disse q ela era uma serva. Eu disse q mandaria uma cerva bem gelada pra ele tomar vergonha na cara.
    .
    Márcio, vou ler seu texto de novo.
    .
    Feliz ano novo. Vi q vcs não gostam, mas desejo muitas felicidades 🙂

  13. Toffo Diz:

    Está aí um assunto interessante para discutir: a tentativa febeana, espírita-cristã, chiquista, de transformar o espiritismo numa espécie de revivescência do cristianismo primitivo, pré-concílio de Niceia, qual fosse um paradigma do espiritismo, em outras palavras: como se o cristianismo primitivo fosse um protótipo do espiritismo. Mais ou menos na mesma esteira dos antigos socialistas românticos na França de 1848, em relação ao druidismo, cujos ecos se percebem no kardecismo.
    .
    A dificuldade é que o cristianismo primitivo nada tem a ver com o espiritismo.

  14. Toffo Diz:

    Mas o Gorducho está certo: CX e a FEB atiraram no que viram mas acertaram no que não viram: na verdade o primitivismo cristão está acontecendo, mas sob mãos diferentes: a dos evangélicos. Mais uma vez dançaram. Na verdade o espiritismo nasceu para ser eterno marginal.

  15. mrh Diz:

    a tradução ficou boa…

  16. Gorducho Diz:

    Reencarnação não existe, Analista mrh
    Seu artigo é excelente mas óbvio para a nossa bancada: a pessoa tinha interesse nesses temas, estudou, associou com sua própria trajetória de vida. Inconscientemente é claro: no caso me parece descartada fraude intencional. É sempre assim, sempre tem uma explicação.
    E seu modelo d’ultratumba, está evoluindo?
    Não esqueça que o modelo tem que ser testável.

  17. mrh Diz:

    pouca base empírica, caro fat… mas dá para dar uns palpites ñ sistemáticos…

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