O Relatório de Fielding: Uma Reconsideração (1992), por Richard Wiseman (parte 1)

Em 1909, a S.P.R. publicou um relatório extremamente detalhado de uma investigação sobre os fenômenos físicos de Eusápia Palladino. Por mais de 80 anos este documento (que chegou a ser rotulado de “o Relatório de Feilding”) tem sido visto por alguns como contendo algumas das melhores evidências para a psi diretamente observável. Este trabalho apresenta uma reconsideração do “Relatório de Feilding”. O artigo consiste em uma breve revisão deste documento notável e nas várias hipóteses que têm sido propostas para fornecer explicações ‘normais’ para os fenômenos relatados. Em seguida, ele expande para apenas uma dessas explicações, ou seja, que um cúmplice pode ter estado presente dentro do gabinete da sessão de Palladino. Esta hipótese, se válida, é capaz de explicar a maioria dos fenômenos relatados, e foi descartada com muita facilidade tanto pelos investigadores originais como pelos comentaristas posteriores. Argumento que os controles contra a fraude, como descritos pelos investigadores (tanto no relatório original como em alguma literatura subseqüente), são inadequados, pois não são eficazes contra esta ‘hipótese do cúmplice’. Finalmente, as implicações desta análise para o trabalho futuro, dentro da pesquisa psíquica e da parapsicologia, são discutidas.

O RELATÓRIO DE FEILDING: UMA RECONSIDERAÇÃO 

por RICHARD WISEMAN[1] 

“Quando os investigadores de Eusápia vão aprender que nenhum detalhe pode ser muito trivial e insignificante; que nestes mesmos detalhes consiste, muitas vezes, a chave [sic] para o mistério, e que nenhum relatório será considerado como definitivo e conclusivo sem eles?” — Hereward Carrington, escrito antes das sessões de Nápoles em 1908 com Eusápia Palladino, em Eusápia Palladino e seus fenômenos. 

INTRODUÇÃO 

Uma investigação em curso na Universidade de Edimburgo (ver, por exemplo, Morris, 1986; Wiseman, 1991) é a tentativa de compreender as estratégias de fraude humana, com ênfase especial nos truques de falsos psíquicos. Este projeto visa, em parte, desenvolver ferramentas metodológicas para superar os problemas enfrentados pelos pesquisadores psíquicos e parapsicólogos interessados ??na validade das alegações feitas por indivíduos talentosos. Destina-se a construir uma estrutura para projetar controles experimentais que devem estar presentes, a fim de combater as possíveis fraudes do sujeito. Além disso, o projeto visa desenvolver recomendações que ajudarão os pesquisadores a avaliar com precisão a evidência retrospectiva, derivada de investigações anteriores de indivíduos talentosos. Este artigo destaca a necessidade para o projeto, e apresenta uma análise retrospectiva de um dos documentos mais famosos no âmbito da investigação psíquica.

Na virada do século, muitos dos principais pesquisadores psíquicos tinham investigado a mediunidade de efeitos físicos de Eusápia Palladino. No entanto, a literatura resultante divergia de opinião ao se referir à validade de seus fenômenos. Muitos escritores declararam categoricamente que os fenômenos eram verdadeiramente inexplicáveis (por exemplo, Lombroso, 1909/1988; Lodge, 1894), enquanto outros argumentaram que Eusápia era apenas uma trapaceira talentosa (por exemplo, Hodgson, 1895). Naquele momento, a Sociedade de Pesquisas Psíquicas seguia a política de não trabalhar com médiuns cujo envolvimento em fraude havia sido descoberto. Ainda assim Palladino havia “sido observada por, provavelmente, um número maior de homens da ciência do que qualquer outro médium” (Sidgwick, 1909), de modo que a S.P.R. julgou necessário investigar essa figura controversa. Esta investigação foi realizada por três pesquisadores experientes, cultos e céticos, que documentaram suas descobertas em um artigo notável que veio a ser intitulado ‘O Relatório de Feilding’[2] (Feilding, Baggally & Carrington, 1909).

As qualificações dos investigadores não devem ser subestimadas. Um deles, Hereward Carrington, já havia publicado Os Fenômenos Físicos do Espiritualismo (Carrington, 1907), um livro que cataloga a variada gama de truques de falsos psíquicos que ele identificou durante suas investigações intensivas sobre a mediunidade fraudulenta. O segundo investigador, Everard Fielding, também tinha entrado em contato com muitos médiuns falsos, e foi descrito por Dingwall (1950) como “um dos críticos mais astutos que este país já produziu”. Finalmente, o terceiro membro da equipe, W.W. Baggally, era um mágico amador, que “havia participado de sessões com todos os médiuns notáveis de efeitos físicos desde Home e considerado todos eles falsos” (Gauld, comunicação pessoal, 1991) e também era cético em relação aos fenômenos físicos.

O Relatório de Feilding contém um registro extremamente completo de onze sessões realizadas com Eusápia Palladino. Cada relato contém detalhes tanto dos fenômenos que ocorreram quanto dos controles contra a fraude. Os detalhes fornecidos no relatório são impressionantes, e necessários, tendo em vista que um dos objetivos dos investigadores (Feilding, 1909a, p. 122) era: — 

…não apenas chegarmos nós mesmos à conclusão de que os fenômenos eram verdadeiros ou não, mas apresentar um relatório de modo a permitir que um leitor julgasse a possibilidade de termos sido enganados; — isto é, fornecer um registro absolutamente completo das ocorrências em cada sessão, com uma declaração detalhada das precauções tomadas e dos controles existentes em cada momento. 

Todos os três investigadores concluíram que pelo menos alguns dos fenômenos testemunhados em Nápoles eram genuínos. Em seus comentários finais ao relatório, eles escrevem: — 

. . . a nossa opinião é a de que testemunhamos na presença de Eusápia Palladino a ação de alguma força telecinética… através da qual, sem a introdução de quaisquer cúmplices, aparelhos, ou destreza manual, ela é capaz de produzir movimentos de…objetos à distância dela…e também produzir matéria… sem… fonte de abastecimento. [p. 344] 

Por mais de 80 anos, o Relatório de Feilding tem sido visto por muitos como a fonte que fornece algumas das melhores evidências para a psi diretamente observável??. Na verdade, alguns escritores citaram o relatório como um triunfo da pesquisa psíquica. Por exemplo, Nicol (1977) o descreveu como “provavelmente o mais completo e confiável registro de fenômenos físicos que já foi publicado”. Braude (1986, p. 141) escreveu que: “o relatório é um documento notável da realidade da PK numa escala macro”. Beloff (1985) citou o Relatório como um caso que nunca recebeu uma contra-explicação satisfatória dos céticos. Gauld (1968, p. 243) também observou que este “é sem dúvida o relatório mais interessante do gênero já publicado”. Considerando todos os itens acima, o Relatório de Feilding parece um candidato ideal para explorar alguns dos problemas envolvidos na avaliação do material arquivado desta era. 

UM BREVE ESBOÇO DO RELATÓRIO DE FEILDING 

No final de 1908, dois dos investigadores (Feilding e Carrington) viajaram para Nápoles a fim de realizarem dez (este número foi posteriormente aumentado para onze) sessões com Eusápia Palladino. Depois da quarta sessão, um terceiro pesquisador, Baggally, foi convidado a se juntar à equipe. Todas estas sessões foram realizadas no quarto do meio de três aposentos adjacentes no quinto andar do Hotel Victoria, em Nápoles. A planta dos quartos, como foi apresentada no Relatório de Feilding, é reproduzida na Figura 1.

Os investigadores permitiram que Palladino fornecesse suas próprias cortinas finas de caxemira preta e a mesa da sessão. Estes dois itens foram cuidadosamente examinados (embora o Relatório não contenha detalhes deste procedimento de exame). As cortinas “não escondiam qualquer mistério”, e a mesa “era uma estrutura absolutamente simples”. As cortinas foram penduradas em um canto do quarto, a fim de criar o ‘gabinete’ de uma sessão espírita. Antes de cada sessão, todos os móveis desnecessários foram retirados do quarto. Vários itens (como uma pequena mesa e instrumentos musicais) foram colocados atrás da cortina, e a mesa da sessão colocada a cerca de dois pés à frente da cortina. Uma segunda mesa foi colocada no meio do quarto, e usada pelo taquígrafo, o Sr. Meeson. No início da sessão, Palladino sentava à cabeceira da mesa (ou seja, mais próxima do gabinete). Os investigadores, então, acomodam-se em seus lugares em volta da mesa, geralmente sentados à esquerda e à direita de Palladino. Em todas as onze sessões, Meeson fez anotações taquigráficas, que continham detalhes dos eventos como eles ocorreram no quarto das sessões. A transcrição resultante inclui descrições dos fenômenos produzidos e dos controles aplicados para evitar fraudes. É só lendo essas transcrições que alguém pode começar a apreciar plenamente a aparente natureza evidencial do relatório. No entanto, pode-se sentir seu gosto a partir do quadro-resumo apresentado por Baggally (reproduzido na Figura 2) em sua conclusão para o Relatório. Este quadro mostra a enorme variedade e quantidade dos fenômenos aparentemente produzidos por Palladino. 

UMA BREVE REVISÃO DAS CONTRA-EXPLICAÇÕES PASSADAS 

Cinco tipos de explicações “normais” foram propostos para explicar os fenômenos descritos no Relatório de Feilding. Cada um destes tipos será revisto brevemente. 

A Liberação de um Membro via “Substituição” 

Primeiro, muitos escritores consideraram a idéia de que Palladino poderia ter sido capaz de libertar sorrateiramente um, ou mais, membro (s) do controle de seus investigadores. Esta hipótese foi considerada no Relatório, sendo discutida também por Podmore (1909, 1910), Stawell (1910), Baggally (1910) e Taylor (1910). O Relatório de Feilding observa que Eusápia tentou, ainda que apenas ocasionalmente, libertar seus membros, geralmente pelo método de “substituição”. Isto envolveu dois dos investigadores sendo levados a acreditar que eles estavam cada um com uma das mãos ou pés de Palladino, quando, na realidade, eles estavam cada um segurando lados diferentes da mesma mão ou pé. Como observado pelos investigadores, essa substituição foi possível graças a quatro fatores. Primeiro, Palladino interrompia a sessão “para perguntar se o controle estava satisfatório, e continuamente tornava o processo de manutenção do controle o mais difícil possível para nós” (Feilding et al., p. 325). Em segundo lugar, suas mãos ficavam em cima das mãos de seus controladores, em uma “forma furtiva e evasiva”. Terceiro, Palladino se aproveitava das ocasiões em que os investigadores não podiam ver totalmente as suas mãos, como poderia ser o caso em condições de iluminação fraca, ou quando a cortina da sessão as cobria. Finalmente, ela obviamente possuía uma considerável habilidade manual para realizar tais feitos, com os investigadores admitindo que “a habilidade com que a substituição era realizada era notável. A sensação tátil de continuidade do contato era ininterrupta.” (Feilding et al., p. 326) 

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Figura 1

 

CLASSIFICAÇÃO DO FENÔMENO

Controle feito por 2 membros do Comitê da S.P.R.

Controle feito por 1 membro do Comitê da S.P.R. e 1 não-membro

Controle feito por 2 não-membros

Totais

Levitações completas da mesa da sessão

34

8

3

45

Arqueamentos e movimentos das cortinas

59

32

2

93

1Ocasiões em que o vestido da médium inflou

4

2

6

Movimentos de objetos dentro do gabinete

28

4

2

34

Movimentos de objetos (outros além da mesa da sessão) fora do gabinete

41

3

7

51

Objetos levados para fora do gabinete

5

8

1

14

Dedilhar da corda da guitarra

1

1

2Ocasiões em que sons foram ouvidos no gabinete (incluindo sons de tamborim, guitarra, etc.)

14

7

21

2Ocasiões em que sons foram ouvidos fora do gabinete, incluindo batidas e arranhões na porta, pancadas na parte de trás das cadeiras, etc.

6

8

14

Sons altos na mesa da sessão, sincronizando com os movimentos da cabeça ou do pé da médium

7

7

Toques por algum objeto (mão?) através da cortina

20

6

2

28

Toques por algum objeto (mão) fora do gabinete

22

21

1

44

Ocasiões em que toques por algum objeto (mão?) foram sentidos dentro do gabinete

1

1

Agarrões e toques por uma mão tangível através da cortina

19

7

26

Agarrões e toques por uma mão tangível (não visível) fora do gabinete

13

22

35

Mãos vistas que surgiram e voltaram para o interior do gabinete

3

2

5

Objetos de uma natureza indefinível que foram vistos surgindo e voltando para o interior do gabinete

16

9

3

28

Objetos de uma natureza indefinível vistos no gabinete

1

1

Objetos que lembram cabeças e que foram vistos surgindo e voltando para o interior do gabinete

5

1

6

Luzes vistas no gabinete, na cortina e no colo da médium

5

2

7

O desatar de laços

1

1

Ocasiões em que correntes de ar saíram da cabeça da médium

2

2

 

305

144

21

470

1 Não se trata do número de vezes em que os vestidos inflaram, mas sim das ocasiões em que isso ocorreu. As ocorrências do vestido inflando em sucessão são contabilizadas como um fenômeno.

2 O número verdadeiro de sons não é fornecido, mas sim as ocasiões em que eles foram ouvidos. Uma série de pancadas feitas no tamborim desferidas em sucessão é contabilizada como um fenômeno 

Figura 2

No entanto, deve-se notar que a maior parte do tempo as condições da sessão eram boas, de tal forma que qualquer substituição de mão provavelmente teria sido detectada pelos investigadores. Os investigadores admitem que o controle mais freqüentemente empregado do pé (ou seja, Palladino colocando cada um de seus pés sobre o dos investigadores) não era satisfatório, já que tornava a detecção de substituição problemática. No entanto, deve ser lembrado que os investigadores estavam preparados para esperar exatamente esta metodologia. Parece implausível que Palladino, nessas condições, seria capaz de executar continuamente este tipo de trapaça. Dado todo o precedente, a hipótese de “substituição” parece capaz de explicar, na melhor das hipóteses, um número relativamente pequeno dos fenômenos relatados. 

Equipamentos de Truque 

Uma segunda linha de ataque sugeriu que Palladino foi capaz de empregar um ‘aparelho de truque’, a fim de produzir os fenômenos relatados. Há uma série de variantes desta hipótese. Por exemplo, no Relatório, Carrington discute a idéia de que uma mão “postiça” pode ter sido usada para produzir o ‘toque’ experimentado pelos investigadores durante a sexta sessão. Usando uma teoria similar, Stawell descreveu como um “tubo de borracha curto, com um bulbo em uma extremidade” poderia ter produzido a brisa que foi emitida da testa da médium, bem como os fenômenos de arqueamento da cortina e o inflar do vestido. No entanto, na tentativa de entender por que essa explicação é um pouco limitada, o melhor a fazer é ler a conclusão de Feilding sobre a sexta sessão: — 

Seria um problema interessante pedir a um fabricante de máquinas de conjuração para elaborar um aparelho capaz de produzir… uma mão branca com dedos móveis…com o polegar e os dedos utilizáveis com unhas, capaz de atingir bem acima da cabeça da médium, de dar tapinhas, beliscões e puxar o cabelo, e de puxar o B. [Baggally] pelo casaco de forma tão vigorosa a ponto de quase derrubá-lo para dentro do gabinete. Nosso fabricante deve construir um aparelho que possa ser acionado sem ser percebido por uma… senhora usando um vestido apertado simples, que fica fora da cortina segurada visivelmente com a mão e o pé, de modo a não ser observada por dois mágicos experientes que mantêm-se junto a ela, atentos aos seus movimentos. [p. 463] 

Mais uma vez, somos forçados a concluir que esta explicação seria capaz de representar apenas um pequeno número de fenômenos. 

Alucinação 

Uma terceira explicação sugere que os investigadores foram vítimas de alucinações, e estavam simplesmente enganados quanto à realidade tanto dos próprios fenômenos quanto dos controles aplicados a Palladino. Esta hipótese foi discutida pelos próprios investigadores e rejeitada por vários motivos. Primeiro, tais alucinações teriam que ter sido coletivas e simultâneas, e todos os pesquisadores teriam que concordar com a observação dos fenômenos e dos controles. Segundo, a alucinação teria sido induzida por muito pouca influência verbal por parte de Palladino, e teria levado os investigadores a não notar sua ocorrência fosse em si mesmos ou nos outros. Por estas razões, os investigadores rejeitaram esta hipótese como uma contra-explicação plausível. 

Conluio 

Alguns autores consideram que alguns dos fenômenos podem ter sido causados por um cúmplice. Por exemplo, no Relatório Baggally considera brevemente a possibilidade de que o estenógrafo, Meeson, poderia ter agido como um cúmplice. Isto é rejeitado com o fundamento de que Meeson estava quase sempre visível aos pesquisadores e acomodado a vários metros de distância da mesa da sessão. Outros autores chegaram a sugerir que Carrington poderia ter conspirado com Palladino, permitindo-lhe libertar um membro. Por exemplo, Rinn (1954) incluiu Carrington em sua lista de pesquisadores que podem ter conspirado com seus sujeitos. Mais recentemente, essa acusação foi reiterada por Kurtz (1985), que escreve: — 

[Carrington]… era… um crente sincero e ingênuo, ou ele era, como ela [Palladino], uma fraude? Uma ou ambas as explicações têm alguma lógica, embora a última, sem dúvida, pareça especialmente interessante. [p.209] 

No entanto, embora Carrington possa ter tido motivos para este tipo de fraude (ele mais tarde atuou como agente de Palladino, promovendo a sua mediunidade, quando ela fez turnê pelos EUA), que eu saiba há poucas evidências sólidas para apoiar esta hipótese. Na verdade, mesmo que Carrington houvesse permitido que Eusápia libertasse um membro, é difícil entender como essa prática não teria sido detectada pelo(s) outro(s) investigador(es), ou como isso poderia explicar os fenômenos que ocorreram na décima primeira sessão (quando Carrington estava ausente). 

Um Cúmplice                     

Finalmente, também foi sugerido que Palladino pode ter empregado um cúmplice escondido. Há duas variantes principais deste tema do ‘cúmplice’. Stawell (1910) observa que um cúmplice (localizado no quarto de Baggally) pode ter sido responsável por apenas um conjunto de fenômenos, ou seja, as batidas em uma das portas que ocorreu no final da sessão XI. Além disso, os próprios investigadores se referem brevemente à idéia de que um cúmplice pudesse estar de fato localizado dentro do gabinete da sessão. Por exemplo, o Relatório diz:  

As condições em que as sessões foram realizadas tornam absolutamente inadmissível a suposição de que tenha havido qualquer cúmplice. [p. 341] 

Enquanto Baggally acrescenta:  

A ajuda de um cúmplice não precisa ser considerada, já que as sessões tiveram lugar em nosso próprio quarto com as portas trancadas. [p. 559] 

Feilding (1909b), em relação a apenas um dos fenômenos (agarrões sentidos através da cortina da sessão), apenas observa:  

Estes agarrões, se fraudulentos, só poderiam ter sido feitos por um cúmplice por trás da cortina. Não havia cúmplice por trás da cortina. [p. 799] 

No entanto, se esta ‘hipótese do cúmplice’ for válida, uma grande parte dos fenômenos poderia ser imediatamente explicada. A maioria destes fenômenos é auto-explicativa e inclui[3]: o arqueamento e o movimento da cortina, as pancadas que foram ouvidas nas portas duplas, algumas das batidas que ocorreram em muitos locais “indeterminados”, o movimento de objetos dentro do gabinete, objetos trazidos para fora do gabinete, o tocar da corda de violão, ocasiões em que os sons foram ouvidos no gabinete, o toque por algum objeto através da cortina, o toque por algum objeto dentro do gabinete, os agarrões através da cortina, mãos que surgem do gabinete, objetos de natureza indefinível que saíram do gabinete, objetos lembrando cabeças que saíram do gabinete e as luzes vistas no gabinete. No total, isso equivale a cerca de 270 dos fenômenos relatados.

Além disso, muitos outros fenômenos podem ser explicados através de tal cúmplice, dependendo dos controles aplicados pelos investigadores no momento da sua produção. A maioria deles implicaria o cúmplice usar alguma ferramenta com o qual ele ou ela pudesse adentrar no quarto das sessões[4]. Estes fenômenos incluiriam o movimento de objetos fora do gabinete, batidas em cima da mesa da sessão e das cadeiras, toques fora do gabinete e agarrões fora do gabinete.

Uma análise completa (e muito demorada) do Relatório seria necessária a fim de determinar exatamente como muitos dos fenômenos poderiam ser explicados pela ‘hipótese do cúmplice’. No entanto, mesmo sem essa análise, fica claro que a ‘hipótese do cúmplice’ deve ser levada a sério, uma vez que ela explica facilmente um número muito grande dos fenômenos relatados.

Sendo este o caso, é importante avaliar se os controles, descritos no Relatório (e na literatura subseqüente), excluem a possibilidade de um cúmplice. É esta questão que será tratada na próxima seção. 

O RELATÓRIO DE FEILDING: UMA ANÁLISE DOS CONTROLES REPORTADOS 

Esta seção analisa as precauções tomadas durante a investigação de Nápoles para prevenir, ou detectar, um cúmplice presente dentro do gabinete da sessão. A análise concentra-se principalmente nas informações apresentadas no respeitado Relatório de Feilding. Quando as informações foram consideradas inadequadas, uma parte da literatura posterior que se refere à investigação de Nápoles é examinada.[5]

Existem, potencialmente, muitos momentos diferentes, lugares e meios com que um cúmplice poderia, teoricamente, ter acesso à entrada para o gabinete da sessão. No entanto, este trabalho irá se concentrar em apenas um cenário potencial, no qual um cúmplice ganha acesso ao gabinete da sessão através do aposento de Baggally. Esta idéia será dividida em quatro seções separadas, sendo que cada uma delas será discutida separadamente. A primeira delas considera a idéia de que um cúmplice poderia ter ganho acesso ao aposento de Baggally (identificado como “Quarto de B” na Figura 1, ao lado do gabinete), antes ou durante as sessões. A segunda seção examina a possibilidade de que um cúmplice poderia ter-se movido tanto para dentro quanto para fora do gabinete da sessão pelo aposento de Baggally. A terceira seção analisa as medidas tomadas pelos investigadores para detectar a presença de um cúmplice no gabinete da sessão. A quarta seção examina a idéia de que tal cúmplice não teria sido detectado saindo do aposento de Baggally durante ou após o término das sessões. 

1. Um Cúmplice Poderia Ter Estado no Quarto de Baggally Durante as Sessões? 

A fim de avaliar se um cúmplice poderia ter ficado dentro do quarto de Baggally durante as sessões, é importante saber duas informações. Primeira, o quarto de Baggally foi minuciosamente revistado antes do início das sessões? Segunda, se o aposento foi completamente revistado, foi trancado de forma que teria impedido o acesso de um cúmplice a ele depois desta revista?

Cada uma dessas questões será discutida a seguir.

Primeiro, o Relatório de Feilding não menciona em momento algum que o quarto de Baggally foi revistado! Na verdade, ele simplesmente observa (p. 323): — 

Antes da chegada de Eusápia, o quarto [da sessão] foi examinado, os móveis desnecessários removidos, o gabinete estava preparado, os diversos objetos colocados em posição e as cortinas fechadas juntas. Um de nós, em seguida, desceu para recebê-la [Palladino]. 

As informações apresentadas após o Relatório de Feilding não lançam nenhuma luz sobre esta questão. Carrington (1909b, p. 158) observa: — 

Eu preciso apenas acrescentar que nós fizemos um exame cuidadoso do gabinete, dos instrumentos, da mesa e dos quartos das sessões, antes e após cada sessão. 

Os investigadores parecem bastante confiantes de que um cúmplice não poderia ter ganho acesso prévio ao quarto de Baggally. Contudo, parece que eles tinham poucas razões para supor isso. Embora possa ser assumido que os investigadores teriam bloqueado seus quartos quando foram deixados sozinhos, um cúmplice competente poderia entrar com uma cópia da chave, uma duplicata ou chave-mestra. Além disso, o Relatório (p.527) sugere que tanto uma camareira quanto um servente[6] podem ter tido acesso a estes quartos sem supervisão. Um cúmplice disfarçado como um membro da equipe (obviamente grande) do hotel teria atraído pouca atenção, não importa onde no hotel ele ou ela pudesse ter sido visto pelos investigadores.

Em suma, não é difícil imaginar como um cúmplice pode ter ganho acesso prévio ao quarto de Baggally. Já que nem o Relatório nem toda a literatura subseqüente mencionam este quarto sendo vasculhado, pode-se supor que a presença de tal pessoa poderia ter permanecido sem ser detectada.

No entanto, vamos supor que um cúmplice não poderia ter ganho acesso prévio ao quarto de Baggally, ou que a sua presença teria sido detectada tivesse ele feito isso. A atenção agora se concentra nas tentativas feitas para se evitar que tal pessoa tivesse acesso ao quarto após ele ter sido vasculhado.

Teoricamente, essa entrada poderia ter sido alcançada de várias maneiras diferentes. Um ponto óbvio de acesso seriam as janelas, que ligavam o quarto de Baggally ao exterior do hotel. Uma segunda possibilidade seria a porta que ligava o seu quarto ao corredor do hotel. Finalmente, uma terceira possibilidade pode implicar alguma forma de entrada secreta (por exemplo, um alçapão) que ligaria o quarto de Baggally a outras seções do hotel. Cada uma dessas possibilidades será examinada a seguir.

Primeiro vamos considerar a hipótese das janelas. Como observado no relatório, os quartos utilizados para a sessão estavam localizados no quinto andar do hotel. Cada janela tinha uma pequena varanda, mas não havia nenhuma conexão entre as varandas e as janelas estavam fechadas e trancadas. As janelas parecem um ponto improvável de entrada.

Um segundo candidato possível para o acesso seriam as portas que ligavam o quarto de Baggally ao corredor público do hotel. Baggally, em sua breve consideração sobre a ‘hipótese do cúmplice’, observa (Relatório, p. 559): —  

…a ajuda de um cúmplice não precisa ser considerada, já que as sessões tiveram lugar no nosso próprio quarto com as portas trancadas. 

Contudo, na planta apresentada no Relatório (ver Figura 1), pode-se ver que a porta que liga o quarto de Baggally ao corredor não é rotulada como ‘fechada’ (ao contrário de ambas as outras portas ligadas ao corredor). Assim, a partir das informações no Relatório, parece que um cúmplice pode facilmente ter sido capaz de entrar no quarto de Baggally enquanto a sessão estava em andamento. No entanto, há algumas informações adicionais que lançam mais luz sobre a maneira com que estas portas foram fechadas. Carrington (1909b, pp. 157-158) observa que: —

Nossas próprias sessões em Nápoles foram realizadas no quarto do meio da nossa suíte no Hotel Victoria. Os três membros do comitê ocupavam os três quartos adjacentes — O Sr. Baggally o da extrema esquerda, o Sr. Feilding o do meio, e eu o da extrema direita. Estes três quartos eram todos ligados por portas duplas, que eram geralmente deixadas abertas, mas que estavam fechadas durante a sessão. Todas estas portas, particularmente aquelas que levam ao corredor público, eram fechadas e trancadas com ferrolho antes de cada sessão, e nós amarramos as maçanetas das portas entre si com uma fita branca quando as portas não podiam ser trancadas com ferrolho pelo lado de dentro. [itálicos meus] 

A declaração de Carrington é ambígua quando se refere a ‘todas estas portas, particularmente aquelas que levam ao corredor público’. Ele poderia estar se referindo a todos os conjuntos de portas que dão acesso dos três quartos para o corredor público. Uma outra alternativa é que ele estivesse se referindo apenas aos três conjuntos de portas que dão acesso ao quarto onde aconteceram as sessões, especialmente as portas que ligavam o quarto das sessões ao corredor público. A situação não é apresentada de forma mais clara pelo fato de que a planta do piso incluída no livro de Carrington (reproduzida na Figura 3) não inclui sequer os quartos de cada lado do quarto das sessões!

 

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Figura 3 

Em outra declaração, Carrington (1990a, pp.667-668) observa que: — 

Ocupamos os três quartos adjacentes, que equipamos para os propósitos da sessão. O quarto do meio transformamos em um laboratório experimental. Os quartos de ambos os lados deste laboratório foram ocupados por nós mesmos, e as portas dos quartos seguramente fechadas e trancadas com ferrolho antes de cada sessão. [itálicos meus] 

Outra vez, Carrington é ambíguo a respeito de quais das portas estavam realmente trancadas. Além disso, esta declaração parece estar em desacordo com o seu comentário anterior em que ele afirmou que algumas das portas foram presas com fita branca, e não trancadas com ferrolho. A questão fica mais complicada pela informação apresentada por Taylor (1910). Em resposta à crítica específica de que um cúmplice poderia ter entrado no quarto de Baggally (feita por Stawell, 1910), Taylor relata ter perguntado a Baggally como a porta de ligação de seu quarto com o corredor foi fechada. Taylor (1910, p. 281) observa: — 

Na verdade, a porta do quarto de B [de Baggally] se abre, não sobre a passagem, mas em um vestiário, cuja porta, ele me garante, era seu costume fechar sempre que ele saía do quarto. [itálicos meus] 

Esta resposta é interessante por dois motivos. Em primeiro lugar, Baggally menciona apenas fechar (e não trancar com ferrolho) a porta em questão.

Segundo, a declaração é uma clara admissão de que a planta apresentada no relatório original é enganosa. A declaração de Taylor é ambígua, pois pode ser interpretada de duas maneiras. Primeiro, Taylor poderia ter querido dizer que o vestiário estava realmente contido dentro do espaço marcado como ‘Quarto de B’ no diagrama original. Se este fosse o caso, a porta principal do corredor teria levado não para o quarto de Baggally diretamente, mas sim para dentro do vestiário. Em segundo lugar, Taylor poderia ter querido dizer que o vestiário ficava fora da área marcada como ‘Quarto de B’ e que a porta que parece levar do quarto de Baggally para o corredor levaria na verdade para o vestiário. Se esse fosse o caso, ainda não está claro se havia qualquer acesso entre este vestiário e qualquer outra parte do hotel (que, por exemplo, poderia ser usada pela camareira). Os desenhos originais da planta (reproduzida na Figura 4[7]) lançam alguma luz sobre esta ambigüidade.

 

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Figura 4

 

Embora esses desenhos tenham sido desenhados a tinta, eles mostram uma linha fina feita a lápis que parece indicar que o vestiário de Baggally jazia fora de seu quarto, e que havia de fato uma porta que ligava o vestiário ao quarto. No entanto, deve-se notar que não há nenhuma maneira de saber quando ou por quem estas marcas de lápis foram desenhadas.[8]

Em suma, a planta apresentada no Relatório original é extremamente enganosa. Ela não mostra que o quarto de Baggally não abre diretamente para o corredor do hotel, mas sim para um vestiário. Evidências adicionais parecem indicar que este vestiário por sua vez abria diretamente para o corredor. Além disso, o relatório não menciona exatamente como a porta que ligava o quarto de Baggally (ou o vestiário) para o corredor estava fechada. A última evidência sugere que algumas das portas do hotel foram trancadas com ferrolho, ainda assim falha em mostrar claramente se esta precaução foi tomada apenas em relação às portas que dão acesso à sala das sessões ou de todas as portas da suíte de quartos.

No entanto, vamos supor que todas as portas estavam bem fechadas e trancadas com ferrolho. Seria, então, essencial avaliar a possibilidade de que um cúmplice poderia ter ganho acesso ao quarto de Baggally via alguma forma de entrada secreta (como um alçapão oculto). Infelizmente, o relatório não menciona qualquer exame do quarto de Baggally para verificar se há entradas desse tipo. O próprio Baggally relata a verificação de possíveis alçapões na parede do quarto das sessões, observando (Relatório, p. 560) que: — 

. . . no que diz respeito à possibilidade de um cúmplice ganhar acesso ao gabinete por um alçapão, posso dizer que examinei o interior do gabinete e descobri que o chão era feito de ladrilhos cimentados bem juntos. As paredes estavam em ângulos retos entre si; uma consistindo de uma espessa alvenaria dava para a rua; a outra, de fina alvenaria, tijolo ou gesso calcinado, separava o quarto da sessão do meu quarto. Não havia alçapão. 

Tendo em vista a sólida construção das paredes do hotel, a possibilidade de um alçapão na parede do quarto de Baggally parece implausível. No entanto, o relatório não menciona se o teto do quarto de Baggally poderia ter abrigado tal acesso. Carrington (1907) em seu livro anterior, Os Fenômenos Físicos do Espiritualismo, cita cuidadosamente seções de outro livro (Revelações de um Médium Espírita), que descreve como alguns tetos com painéis podem conter tais alçapões. Ele observa (p. 268): — 

Este [teto] painel era “adulterado” e poderia ser deslocado, deixando uma abertura grande o suficiente para ‘fantasmas’ passarem com perfeita facilidade. Uma escada leve que chegava a um metro do chão. . .estava dependurada logo acima e fornecia os meios de descer e subir novamente. 

Ainda assim os investigadores optaram por não informar seus leitores se tal alçapão era possível ou não em Nápoles. O Relatório de Feilding e a literatura adicional subseqüente não mencionam a construção ou a decoração do teto do hotel. Isso pode ter sido de particular importância se o quinto andar do Hotel Victoria era realmente o último andar do hotel. Se este fosse o caso, o quarto pode ter tido um acesso a uma área escondida do sótão. Tudo acima parece implausível, mas se o Relatório realmente desejasse ser completo esse tipo de detalhe deveria ter sido fornecido.

Um cúmplice que tentasse usar qualquer um dos métodos de entrada acima teria tido tempo suficiente para fazê-lo. No relatório, Feilding nota que Palladino teve que subir os cinco lances de escada até o hotel, observando que em uma ocasião (Relatório, p. 461) este percurso durou 25 minutos. O tempo de viagem para as outras sessões não é citado. Além disso, é interessante que o relatório afirme simplesmente (p. 323): — 

Ela [Palladino] veio aos nossos quartos sozinha. A porta estava fechada e ela imediatamente tomou seu lugar na parte mais estreita da mesa da sessão. . . 

No entanto, Carrington (1909a, p. 668) depois diz: — 

Quando Eusápia chegava ao hotel . . . nós a convidávamos, em primeiro lugar, para tomar uma xícara de café, um convite que ela geralmente aceitava. 

Enquanto Feilding (1909 a, p. 124) observou depois: — 

Às vezes tínhamos de esperar meia-hora, uma hora, até uma hora e meia, antes que qualquer coisa acontecesse. 

Qualquer um destes atrasos teria fornecido tempo mais do que suficiente para um cúmplice entrar no quarto de Baggally antes do início da sessão em si. Nenhum deles é mencionado no Relatório original. 

2. Um Cúmplice Poderia Ter Ganhado Acesso ao Gabinete da Sessão pelo Quarto de Baggally?

Pela análise acima, parece que um cúmplice poderia ter estado presente no quarto de Baggally. Assumindo tal possibilidade, a atenção agora se concentra nas salvaguardas impostas pelos investigadores, evitando a passagem do quarto Baggally para o gabinete da sessão.

Tal acesso pode ser conseguido, teoricamente, de muitas maneiras diferentes. Por exemplo, a porta que liga os dois quartos seria um ponto óbvio de acesso.

Infelizmente, o relatório dá poucos detalhes sobre a construção ou a vedação da porta, simplesmente afirmando que “foi permanentemente bloqueada e lacrada com fita adesiva” (p. 345). No entanto, a porta de fato aparece em três das fotografias que acompanham o relatório, uma das quais é reproduzida na Figura 5.

A partir dessas fotos pode ser visto que a porta é uma porta ‘dupla’. As portas parecem ser de madeira polida e pesadamente revestidas.

Infelizmente, o relatório não indica se precauções foram tomadas a fim de prevenir ou detectar adulterações nas portas antes da primeira sessão. Assim, se os investigadores tinham reservado os quartos da Inglaterra (antes de partir para Nápoles), Palladino ou seus colegas podem ter sido capazes de descobrir quais eram os quartos que iam ser usados para as sessões, tido acesso a eles (talvez alugando os quartos) e adulterado a porta em questão. Informações adicionais não lançam luz sobre esta questão. Feilding (1909b, p. 802) observa que: — 

As onze sessões tiveram lugar no meu quarto no quinto andar de um hotel escolhido por nós mesmos. . . [itálicos meus] 

Carrington (1909b, p. 152) escreve: —

 

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Figura 5

. . . nós [Carrington e Feilding] deixamos Londres em dias diferentes, viajamos por caminhos diferentes, e nos reunimos em Nápoles, na tarde de 19 de novembro de 1908. 

Mais uma vez, ambas as declarações não esclarecem exatamente quando os quartos foram reservados, e, portanto, se Palladino (ou seus colegas) teria tido tempo para alterar alguma coisa nos quartos.

Ainda que Palladino não pudesse ter visitado os locais antes de os investigadores chegarem, é possível que tal adulteração fosse efetuada no tempo entre a sua chegada em Nápoles (na tarde de 19 de novembro — Carrington, 1909b, p. 152) e a época da primeira sessão (na tarde de 21 de novembro — Relatório, p. 349). Carrington (1909a, p. 667) descreve como ele e Feilding visitaram Palladino logo após sua chegada a Nápoles (como mencionado acima, Baggally não se juntou à equipe de investigação até a quinta sessão). Sendo este o caso, Palladino saberia que os investigadores estariam longe do hotel neste momento, permitindo que qualquer colega efetuasse alterações na porta em questão, sem medo de ser perturbado. Além disso, Carrington (1909a, p. 675) também observou: — 

Em duas ou três ocasiões, Eusápia apareceu de muito mau humor… Fomos avisados disto, felizmente, por pesquisadores anteriores, que nos aconselharam a estimular a sua natureza social… por meio de presentes, jantares, passeios e peças de teatro. Nós seguimos este conselho, e o julgamos extremamente útil. 

Carrington, em seguida, passa a descrever em alguns detalhes um desses jantares em um restaurante napolitano. O Relatório original não menciona nenhuma dessas diversões. No entanto, qualquer uma delas teria dado ampla oportunidade para um cúmplice alterar os quartos dos investigadores com pouco medo de ser flagrado.

Tal adulteração poderia ter tomado uma série de formas. Por exemplo, pode ter consistido na falsificação de um dos maiores painéis da porta, de tal forma que ele poderia ser aberto secretamente em uma data posterior.[9]

Considerando que o Relatório afirma que o gabinete da sessão tinha 8 pés e 2 ½ polegadas de altura, e que a fotografia mostra a parte superior do gabinete de acordo com a parte superior da moldura da porta, pode ser visto que os painéis maiores na parte inferior das portas teriam aproximadamente 19 polegadas de altura e 15 polegadas de largura, o que seria grande o suficiente para uma pessoa de baixa estatura passar sem dificuldade. O método acima foi (e de vez em quando ainda é) utilizado por criminosos que desejam ganhar entrada de forma ilícita, e por escapistas tentando violar, supostamente, edifícios ‘seguros’. O método tem uma longa história, aparecendo em um antigo manual de prevenção da criminalidade (Cruikshank, 1851). Tal adulteração claramente requereria um alto grau de habilidade de carpintaria. No entanto, o acesso a tal habilidade não parece implausível, já que Nápoles era o ‘território natal’ de Palladino, e ela estava recebendo uma soma considerável de dinheiro (200 liras, ou cerca de £ 8)[10] para cada uma das sessões da SPR. Além disso, Palladino, muito provavelmente, conhecia as pessoas capazes de tal falsidade. Carrington (1909b, p. 19), ao apresentar um esboço biográfico de Palladino, escreve: — 

Quando perguntamos a Eusápia se no relatório era verdade que ela tinha se casado com um mágico, ela respondeu indignada que não era verdade. Ela afirmou que o seu primeiro marido[11] foi ‘ligado ao teatro’, e conhecia os detalhes do mecanismo de palco e seus dispositivos de truque diversos. Ele também sabia alguns truques, e teve prazer em expô-los aos seus companheiros de trabalho, mas que ele não era de modo algum um ilusionista profissional [itálicos meus] 

Levando em consideração o exposto acima, é talvez surpreendente descobrir que o Relatório não menciona em momento algum o exame das portas em questão procurando por todos os sinais possíveis de adulteração. Além disso, as precauções relatadas pelos pesquisadores para selar as portas (i.e. fechaduras, talvez parafusos, bem como a utilização de fita branca colocada ao redor das maçanetas das portas), não teriam impedido o método de entrada acima.

Além disso, já que o relatório se refere às portas como estando “permanentemente fechadas e presas com fita adesiva” (p. 345), pode-se supor que elas não foram abertas entre as sessões. Assim, as chances de detectar as fraudes acima podem ter sido drasticamente reduzidas. No entanto, deve-se notar que Carrington (1909b, pp. 157-158) novamente apresenta evidências conflitantes às contidas no Relatório original. Ele observa que: — 

Estes três quartos eram todos ligados por portas duplas, que eram geralmente deixadas abertas, mas estavam fechadas durante a sessão. [itálicos meus] 

A declaração de Carrington é claramente imprecisa. Ele sugere que as portas que dão acesso tanto ao seu quarto quanto ao quarto de Baggally estavam fechadas durante as sessões. No entanto, a informação no Relatório[12] original sugere que as portas que dão para o quarto de Carrington eram ocasionalmente deixadas abertas. Se a declaração de Carrington sobre quais portas estavam abertas durante as sessões for incorreta, parece razoável questionar seus comentários sobre quais portas estavam abertas entre as sessões. Mesmo se assumirmos que as portas ligando o quarto da sessão ao quarto de Baggally estavam abertas entre as sessões, não há razão para supor que um painel falso bem construído teria sido descoberto.

Tendo em vista que um cúmplice poderia ter tentado acessar o gabinete da sessão através de tal painel de porta falso, a atenção centra-se nos esforços dos investigadores para detectar o movimento de um painel ou de um cúmplice durante as sessões.

Ao avaliar esta questão, é importante observar que no Relatório consta que (p. 322): — 

. . . as cortinas [da sessão] foram, a pedido de Eusápia, esticadas através de um canto da sala. [itálicos meus] 

Esta afirmação é claramente ambígua. Ela pode querer dizer que Palladino escolheu o canto exato para colocar as cortinas. Alternativamente, pode significar que Palladino apenas insistiu que as cortinas fossem colocadas em qualquer canto, e os investigadores escolheram o canto que era mais conveniente. O Relatório e literatura subseqüente não esclarecem esta ambigüidade.

Independentemente de quem escolheu a colocação das cortinas, é interessante notar que, em todas as três fotografias contidas no Relatório, um lado da cortina é fixado em um ponto acima das portas, de modo que a cortina obscurece completamente metade do lado direito da porta. Isto está em contraste direto com a planta (e com os esboços dos 43 assentos espalhados por todo o relatório, juntamente com a planta produzida por Carrington, mostrada na Figura 3), que mostra claramente a cortina sendo fixada à direita da porta. No entanto, a planta original (Figura 4) mostra que a cortina de fato obscurece parte da porta. Mais uma vez o bem respeitado Relatório de Feilding parece conter informações grosseiramente enganosas.

Das fotografias, fica igualmente claro que se as cortinas fossem um pouco puxadas para a frente, elas obscureceriam completamente o painel em questão. Se isso aconteceu, as cortinas teriam dado ampla cobertura visual para um cúmplice entrar no gabinete através deste painel. Das mesmas fotografias pode-se ver que não só as cortinas tocam o chão, mas que há realmente uma quantidade considerável da cortina espalhada no chão do quarto das sessões. Parece razoável assumir que, se a cortina foi puxada para a frente, umas poucas polegadas extras seriam necessárias para obscurecer o painel em questão completamente, e ela teria permanecido nessa posição devido ao excesso de material espalhado no chão do quarto das sessões.

Também é interessante notar a discrepância nas dimensões do gabinete da sessão como elas são apresentadas no Relatório. O Relatório afirma que os dois lados do gabinete formados pelas paredes do hotel mediam 90 centímetros e 100 centímetros, respectivamente. No entanto, o Relatório dá a distância entre o canto do quarto e o centro das cortinas da sessão como sendo 80 cm. Assumindo que o canto do quarto seja um ângulo reto, e que os investigadores mediram a menor distância possível entre o canto e a cortina, essas medidas simplesmente não podem ser corretas. Se as medidas dos dois lados do gabinete estão corretas, a distância entre o canto do quarto e as cortinas deveria ser de aproximadamente 70 cm. Esta discrepância não-trivial pode ser interpretada de várias maneiras diferentes. Talvez as medidas dos lados do armário estejam incorretas. Talvez a grande quantidade de cortinado no chão do quarto da sessão seja a causa da imprecisão. Talvez as cortinas tenham sido puxadas para a frente de sua posição ‘natural’. Mais uma vez, em retrospecto, é difícil decidir entre essas hipóteses, e, portanto, a discrepância acima é mais uma fonte de ambigüidade no Relatório de Feilding.

No entanto, mesmo que as cortinas não estivessem permanentemente puxadas para a frente, Palladino pode ter tido uma ampla oportunidade para puxar as cortinas para tal posição, antes ou no início das sessões. Este movimento da cortina poderia ter sido realizado como uma ação bastante natural durante o longo período de espera que acompanhava o início das sessões. Além disso, certamente teria havido tempo para se certificar de que as cortinas foram empurradas de volta um pouco antes de as fotografias serem tiradas.

Levando em consideração todas as informações expostas acima, parece que a entrada de um cúmplice poderia ter sido mascarada visualmente pelas cortinas da sessão. No entanto, não há dúvida de que os investigadores estavam sentados muito perto das cortinas da sessão. Certamente eles teriam detectado um cúmplice escalar um painel de porta falso? Mais uma vez, o Relatório não fornece detalhes suficientes para que os leitores posteriores possam avaliar este ponto. O Relatório não menciona exatamente o quão longe o investigador do lado direito da mesa da sessão (i.e., a pessoa mais próxima da porta em questão) estava a partir da porta. Em vez disso, mais uma vez tem-se que contar com as fotografias apresentadas no próprio Relatório e por Carrington (1909b). Estas fotografias não foram tiradas durante as sessões reais, mas foram reconstruções das sessões. De fato, em muitas das fotografias, o papel de Palladino é exercido pela camareira do hotel.[13]

Nestas fotografias a posição da mesa varia enormemente. Em uma das fotos (Carrington, 1909b, estampando a p. 98) um dos investigadores é de fato empurrado muito perto do painel em questão. No entanto, em outras fotografias (por exemplo, Carrington, 1909b, p. 192 e estampando a p. 222) uma distância considerável separa o investigador da porta. Não se pode determinar a posição exata do investigador mais próximo da porta, por isso, novamente, em retrospecto, a informação vital nos foi negada.

Além disso, mesmo que um cúmplice acidentalmente tocasse a cortina enquanto ele ou ela subisse por meio do painel, isso poderia simplesmente ter sido interpretado como um dos muitos movimentos ‘paranormais’ da cortina.

Além disso, pelo menos dois, e às vezes todos os três investigadores estavam tentando controlar Palladino. Esse controle consistia em tentar agarrar seus membros e constantemente descrever em voz alta a natureza desses controles. Enquanto isso estava sendo feito, Palladino pode ter estado em posição de tornar o controle particularmente difícil em certos momentos, a fim de mascarar a possível remoção de um painel falso ou a entrada de um cúmplice.

Os investigadores não se posicionaram de forma a obter uma boa visão da porta dupla. Como pode ser visto na planta, o investigador mais próximo da porta (ou seja, a pessoa que ocupa a posição do lado direito superior da mesa da sessão) não teria ficado de frente para a porta. Todas as pessoas de frente para a porta (ou seja, aquelas no lado esquerdo da mesa da sessão, e o taquígrafo) tiveram a sua visão da porta prejudicada, tanto pela distância quanto pelo fato de que Palladino e os outros investigadores teriam obscurecido o seu ponto de vista. O relatório também observa que “o chão era de ladrilhos cobertos pelo tapete pesado”, o que pode ter tido o efeito de amortecer qualquer som causado pelo contato de um cúmplice com o chão.

Também é interessante observar quais dos investigadores estavam sentados na posição do lado direito superior da mesa da sessão (i.e., a posição mais próxima da porta), quando um cúmplice pode ter entrado no quarto das sessões. No início de seis das onze sessões,[14] Carrington está sentado nesta posição, e em quatro dessas[15] ele troca de lugar (por três vezes a pedido de Palladino) com uma outra pessoa ao redor da mesa da sessão. Em comparação, nas cinco ocasiões em que alguém está sentado nesta posição, uma mudança de assento ocorre apenas uma vez.[16] Já que Carrington era o mais experiente dos pesquisadores, isso poderia ser interpretado como Palladino tentando tirá-lo da posição em que ele era o mais provável para detectar trapaças. Um ponto semelhante foi feito por Podmore (1909). Baggally (1910, p. 216), em sua resposta a Podmore, observa: — 

O Sr. Carrington estava doente e foi obrigado a ficar de cama por algum tempo durante o curso destas sessões, e quando Eusápia pediu-lhe para sair de seu controle nas sessões V. e VII., ela disse que fez isso porque a vitalidade dele estava muito baixa. 

Assim, embora o Relatório mencione brevemente que Carrington estava ‘mal’ (p. 467), ele deixa de notar que esta doença era tal que ele teve que ficar de cama. Certamente o Relatório deveria ter declarado a gravidade da doença e avaliado se a doença poderia ter afetado a capacidade de Carrington de ser um investigador e observador competente. 

3. Um Cúmplice Teria Sido Descoberto no Gabinete Durante a Sessão? 

Todos os argumentos acima seriam de pouca importância se os investigadores verificassem regularmente o interior do gabinete durante as sessões.

Assim, é importante estabelecer o número de vezes durante as sessões em que os pesquisadores realmente olharam diretamente dentro do gabinete. O relatório menciona explicitamente apenas três ocasiões, em todas as onze sessões.[17] Duas destas ocorrem no final da segunda sessão. Na primeira delas (Sessão II, 12h01min) os investigadores notaram que as cortinas da sessão acidentalmente se separaram. Eles não relataram ter visto um cúmplice no gabinete, embora deva ser notado que os fenômenos que ocorreram nessa época (o movimento da pequena mesa no gabinete, e o puxão da corda da guitarra de brinquedo) poderiam ter sido produzidos por um cúmplice que tivesse deixado o gabinete, mas que ainda permanecia no quarto de Baggally. Por exemplo, como um cúmplice poderia ter anexado um fio à pequena mesa, enquanto ele ou ela estava no gabinete, e passado este fio sob a porta para o quarto de Baggally. Caso puxasse o fio, mais tarde isso faria com que a mesa pulasse de volta para o gabinete. O puxão da corda da guitarra poderia ter sido causado por um cúmplice tendo uma segunda guitarra de brinquedo no quarto de Baggally. Poucos minutos depois (Sessão II, 12h15min) as cortinas delicadamente partiram no meio, permitindo que os investigadores vissem o interior do gabinete. Novamente, esta separação suave das cortinas poderia ter sido realizada pelo cúmplice que teria anexado um fio a uma das cortinas antes de sair do gabinete e, em seguida, puxando este fio do quarto de Baggally. Tudo o que foi descrito acima pode ter sido uma tentativa encenada, realizada no início do curso das sessões, para levar os investigadores a acreditar que o gabinete não continha um cúmplice. A única outra ocasião em que os investigadores explicitamente relatam olhar dentro do gabinete ocorre no final da sexta sessão. Como o Relatório observa (pp. 455-456): — 

F. Perguntei à médium se eu poderia olhar dentro do gabinete e ela disse certamente.

C. Eu vejo uma ligeira saliência na cortina.

B. Ela [Palladino] agora separa as cortinas completamente e permite a todos nós olhar dentro do gabinete.

O cúmplice já poderia ter deixado o gabinete antes do pedido de Feilding, e de alguma forma produzido a protuberância da cortina atrás da porta. Alternativamente, já que não sabemos quanto tempo a transição acima levou, essa pessoa pode ter tido tempo para efetivar a sua saída no tempo entre o pedido e a abertura das cortinas (o que talvez represente a protuberância na cortina observada por Carrington).

Barrington (1991) sugeriu que os investigadores podem ter sido capazes de ver através das cortinas da sessão, e assim teriam detectado a presença de um cúmplice. No entanto, para os investigadores serem capazes de ver através das cortinas algum grau de iluminação de dentro do gabinete teria sido necessário. No entanto, a luz para as sessões estava sendo fornecida a partir do centro do quarto das sessões (e, durante a primeira sessão, a partir de uma ligeira abertura da porta para o quarto de Carrington). Sendo assim, toda essa luz estaria na frente das cortinas, tornando assim difícil, senão impossível, para os investigadores ver o gabinete através das cortinas. Esta noção é apoiada pelo fato de que em nenhum momento em todo o relatório os pesquisadores mencionam ser capazes de ver através das cortinas da sessão. Na verdade, dadas as condições de iluminação descritas acima, parece provável que um cúmplice pode muito bem ter sido capaz (pelo menos até certo ponto) de ver o que acontecia fora do gabinete. De fato, pode ser por isso que Palladino forneceu os investigadores com material de cortina fina, e isso também explicaria alguns dos casos de fenômenos, irradiando do gabinete, que parecem estar coordenados com os movimentos sendo feitos pelos investigadores ou pela própria Palladino.

4. Um Cúmplice Poderia Ter Deixado o Quarto de Baggally Antes do Término da Sessão? 

Finalmente, um cúmplice poderia ter deixado o gabinete da sessão e depois o(s) quarto(s) de Baggally através de qualquer um dos pontos de acesso descritos na Seção 1. Alternativamente, ele ou ela poderia ter-se escondido no(s) quarto(s) de Baggally (pois nem o Relatório nem a literatura adicional mencionam que este tenha sido vasculhado após a sessão) e esperado até que as portas fossem destrancadas e abertas antes de sair do local. 

CONCLUSÃO 

Um dos objetivos deste trabalho foi apresentar uma análise detalhada do Relatório de Feilding.

Ele primeiro observou que a maioria dos fenômenos no Relatório eram explicáveis caso se supusesse que um cúmplice poderia ter tido acesso ao gabinete da sessão. Argumentou-se que esta ‘hipótese do cúmplice’ deve ser levada mais a sério do que foi no passado.

O documento, em seguida, argumentou que, quando a ‘hipótese do cúmplice’ é considerada, o relatório parece ser muito falho em vários aspectos. O relatório não descreve qualquer procura sendo feita no quarto de Baggally antes do início das sessões. Os controles aplicados para evitar a entrada neste quarto não foram descritos em maiores detalhes. O relatório contém uma planta que está grosseiramente errada. A planta do piso (e todas as plantas dos assentos) contida no Relatório falha em mostrar que a cortina da sessão na verdade ocultava parte da porta que levava do quarto de Baggally para o quarto das sessões. O relatório não menciona a tomada de quaisquer precauções para evitar adulterações anteriores nesta porta, ou a realização de qualquer exame da porta. As medições do gabinete da sessão citadas no Relatório não podem estar corretas. O relatório não indica a posição exata da cortina da sessão durante as sessões. Em apenas três ocasiões os investigadores relataram olhar dentro do gabinete da sessão, e em todas as três o cúmplice poderia ter deixado o gabinete antes das suas observações. O relatório não menciona qualquer busca no quarto de Baggally após as sessões.

Argumentou-se que esses erros permitem a possibilidade de que um cúmplice entrasse e saísse do gabinete da sessão pelo quarto de Baggally.

Esta análise tem implicações consideráveis para a pesquisa psíquica e a parapsicologia. Ela demonstrou a clara necessidade de os investigadores serem capazes de projetar e relatar a pesquisa de tal forma que a oportunidade para acusações retrospectivas de engano seja minimizada. Conforme observado na introdução, este é um dos problemas sendo estudados atualmente na Universidade de Edimburgo.

Pode parecer surpreendente que os pesquisadores não forneçam mais informações sobre a possibilidade de um cúmplice. Especialmente tendo em conta que eles observam: — 

Ela [Palladino] veio acompanhada de seu marido, que depois partiu, e ela veio sozinha aos nossos quartos. [p. 323] 

Assim, eles sabiam que o marido de Palladino estava no hotel para o início de cada sessão, e ainda assim eles não relatam nenhum esforço para garantir que ele realmente tenha deixado o hotel! Além disso, durante as sessões, os pesquisadores freqüentemente observaram que muitos dos fenômenos pareciam ser causados por uma entidade situada atrás da cortina. Por exemplo, na terceira sessão, Feilding observa: “Parecia que uma mão se movia dentro da cortina, acabando por empurrá-la”, enquanto Carrington observou: “Eu posso ouvir ruídos no gabinete como se algo estivesse se movendo suavemente”. Ainda, na sétima sessão, Baggally, descrevendo uma forma emergente do gabinete, observa: “Na aparência se assemelhava a um braço com o punho fechado, coberto por um material negro”, e, mais tarde na sessão, observou: “a mão parecia ser a mão de um homem de uma cor natural”.

Na tentativa de entender por que os investigadores consideraram tão pouco a “hipótese do cúmplice”, é importante compreender que no passado Palladino não tinha sido seriamente acusada de usar essa metodologia. Os investigadores podem, portanto, ter ficado preocupados em proteger-se contra a possível substituição de membros (pois ela já havia tentado isso em outras ocasiões) e simplesmente terem experimentado uma espécie de ‘visão do túnel’, ficando cegos para outras possíveis explicações normais. Ao fazer isso eles não conseguiram ter em mente que um dos princípios mais básicos do ramo da mágica, ou seja, que um ilusionista pode utilizar uma série de métodos diferentes a fim de produzir o mesmo efeito. Desta forma, o ilusionista tem uma série de vantagens sobre aqueles a quem ele deseja enganar. Primeiro, ele pode variar um método para que este se adéqüe a uma determinada situação. Segundo, ele também tem a opção de trocar os métodos usados em uma performance, se a utilização de um método se tornar problemática. Finalmente, ele pode executar repetidamente o mesmo efeito, cada vez usando um método diferente, a fim de fazer um observador sentir que nenhum método único poderia explicar todos os fenômenos observados, e que, portanto, o efeito deve ser paranormal. Para ter certeza de que o efeito é verdadeiramente paranormal, é essencial que qualquer investigação se proteja contra possíveis explicações ‘normais’.

Claro que é possível que os investigadores não tenham ignorado a ‘hipótese do cúmplice’ completamente, mas simplesmente optaram por não tomar as diversas medidas para evitá-la. Mais uma vez, a lição a ser aprendida é que a comunicação de tais estudos precisa ser completa e extremamente precisa. Como observado por Carrington (1909b, p. 156): — 

Eu não tenho dúvida alguma de que cada investigador imparcial, que se senta com Eusápia, fica convencido da realidade de pelo menos alguns dos fenômenos, mas nem todo mundo pode participar de sessões pessoais. Eles devem julgar com base nos relatórios impressos; enquanto for esse o caso, os relatórios das sessões devem ser feitos de modo a serem convincentes ao serem lidos. 

Um segundo objetivo do trabalho foi o de examinar parte da literatura subseqüente, numa tentativa de lançar luz sobre a investigação em Nápoles. Grande parte dessa literatura sofre das mesmas omissões que prejudicam o Relatório de Feilding (por exemplo, não mencionando qualquer procura no quarto de Baggally, não dando a localização exata da cortina da sessão, etc.) No entanto, o material de fato forneceu algumas informações adicionais que demonstram ainda mais a inadequação do relatório (por exemplo, o fato de que havia, muitas vezes, longos atrasos no início das sessões, a presença de um vestiário entre o quarto de Baggally e o corredor do hotel, o fato de que algumas das portas do hotel eram fechadas e trancadas com ferrolho, etc.) Mas nenhuma parte deste material falsifica a ‘hipótese do cúmplice’.

Deve-se notar que, embora esta análise tenha examinado a maior parte do material adicional publicado, é possível que algumas fontes mais obscuras (por exemplo, a correspondência privada dos investigadores, plantas do hotel) ainda possam lançar mais luz sobre o tema. Será interessante ver se alguma das outras fontes confirma ou falsifica a ‘hipótese do cúmplice’.

Se as fontes adicionais não falsificam a ‘hipótese do cúmplice’, é vital que uma reavaliação profunda dos fenômenos descritos no Relatório de Feilding seja realizada (levando em conta tanto a hipótese do ‘cúmplice’ quanto todas as outras possíveis ‘fraudes’). Isso pode alterar a natureza da prova do Relatório de várias maneiras. Primeiro, pode ser que todos os fenômenos tornem-se explicáveis e, assim, o Relatório não seria mais probatório do paranormal. Em segundo lugar, pode ser que o Relatório não seja mais visto como contendo informação suficiente sobre os fenômenos (por exemplo, a posição exata dos objetos, etc.) para avaliar se são ou não explicáveis. Finalmente, este tipo de análise pode revelar que, apesar de alguns dos fenômenos poderem ser explicados agora, outros ainda permaneçam inexplicáveis. Se este fosse o caso, haveria implicações importantes para os pesquisadores tentarem especular sobre a natureza da habilidade paranormal que pode ter sido possuída por Palladino (por exemplo, Braude, 1986).

Em conclusão, uma lição central deve ser aprendida a partir da análise que foi apresentada neste artigo. A fim de que as nossas investigações sejam probatórias, é vital que elas sejam realizadas e relatadas de forma a minimizar contra-explicações retrospectivas. Considerando as qualificações dos autores do Relatório de Feilding, e o grau de detalhes contido nesse notável, mas aparentemente inadequado documento, é bastante claro que esta não é uma tarefa fácil. No entanto, independentemente da dificuldade dessa tarefa, tal esforço parece central para o avanço das pesquisas com sujeitos que alegam fortes habilidades psíquicas. 

Department of Psychology

University of Edinburgh

7 George Square, Edinburgh. EH8 9JZ 

REFERÊNCIAS 

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Nicol, J. F. (1977) Historical background. In Wolman, B. B. (ed.) Handbook of Para­psychology, 305-323. New York: Van Nostrand Reinhold.

Podmore, F. (1909) The report on Eusapia Palladino. Part I. JSPR 14, 172-176.

Podmore, F. (1910) The Newer Spiritualism. London: Unwin.

Rinn,J. (1954) Searchlight on Psychical Research. London: Rider & Co.

Sidgwick, E. (1909) Introductory note to the report on sittings with Eusapia Palladino. ProcSPR 23, 306-309.

Stawell, F. M. (1910) Discussion of the Naples report on Eusapia Palladino. Part III. JSPR 14, 231-244.

Sylvestre, R. E.   (1901)   Catalogue of Mind Reading, Spiritualistic Effects, Mental and Psychical Phenomena and Horoscopy. Chicago: Sylvestre & Co.

Taylor, Le. M. (1910)  Discussion of the Naples report on Eusapia Palladino. JSPR 14, 277-290.

Wiseman, R. (1991) Differential recall of a pseudo-psychic demonstration as a function of belief in the paranormal. Proceedings of the Parapsychological Association 1991, 412-428. 

Referência original: Wiseman, R. (1992). The Feilding Report: A reconsideration. Journal of the Society for Psychical Research, 58 (826), 129-152.

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Este artigo foi traduzido para o português por Vitor Moura Visoni e revisado por Inwords.



[1] Gostaria de agradecer ao John Beloff, Bob Morris, Katie Moore, Alan Gauld, Mary Rose Barrington, Charles Honorton, Deborah Delanoy, Martin Breese, Charles Cameron, Angus McDonald e Richard Phillips pela ajuda ao escrever este artigo.

[2] O restante deste artigo irá se referir a este documento simplesmente como “o Relatório”.

[3] Deve-se notar que, embora este artigo discuta a possibilidade de um cúmplice ganhar a entrada completa para o gabinete, é bem possível que muitos destes fenômenos pudessem ser produzidos por um cúmplice apenas colocando o seu braço no gabinete.

[4] ‘Hastes de agarrar’ estavam prontamente disponíveis para médiuns falsos. De fato, uma empresa de venda por correspondência que vendia tais dispositivos (Sylvestre, 1901) anunciava uma haste de agarrar telescópica que ‘cabia no bolso e se estendia por 4 ou 5 pés… e possibilitava pegar…qualquer objeto pequeno, suspender uma guitarra, etc’!

[5] A literatura adicional examinada consiste em Baggally, 1910; Carrington, 1909a; 1909b; Stawell, 1910; Taylor, 1910; e Podmore, 1909; 1910. Não inclui qualquer uma das fontes mais obscuras (por exemplo, a correspondência pessoal dos investigadores, plantas do hotel, etc.)

[6] A presença da camareira e do servente é mencionada apenas de forma casual, em relação ao incidente do “sino” (pp. 525-527). O Relatório realmente deveria fornecer uma lista completa de todas as pessoas que podem ter tido acesso, ainda que breve, ao conjunto de aposentos.

[7] Eu gostaria de agradecer ao Alan Gauld por me fornecer uma cópia da planta original do piso, extraída dos arquivos da SPR.

[8] Uma maneira óbvia de esclarecer este ponto seria visitar o Hotel Victoria, ou analisar as plantas do hotel. Infelizmente, o hotel foi destruído durante a Segunda Guerra Mundial (John Beloff, correspondência pessoal, 1991). No entanto, a Edinburgh University School of Architecture informou-me que, se o hotel tinha importância arquitetônica, suas plantas ainda podem estar arquivadas em algum lugar em Nápoles.

[9] Meus agradecimentos ao Martin Breese por mencionar essa idéia na minha palestra para a SPR em 13 de junho de 1991.

[10] Meus agradecimentos ao Alan Gauld por disponibilizar essa informação dos arquivos da SPR.

[11] Deve-se observar que Palladino havia se casado novamente na época da investigação de Nápoles.

[12] Por exemplo, no início da Sessão I, o estenógrafo, Meeson, estava “no quarto ao lado [de Carrington] com a porta aberta”. Além disso, ao descrever as condições de luz nesta primeira sessão, o Relatório observa (p. 349): “… também havia luz vindo do quarto ao lado [de Carrington], que era iluminado por uma luz elétrica normal, a porta estando entreaberta cerca de 6 polegadas.” (itálicos meus)

Ao descrever as condições de iluminação para a Sessão II, o Relatório observa (p. 316): “Luz incandescente no centro do quarto, sombreada como antes. Luz brilhante no quarto ao lado [de Carrington] e a porta aberta.” (itálicos meus)

Durante a Sessão X, os fotógrafos estavam presentes, e Baggally nota (p. 353): “Houve uma grande confusão nesta sessão devido ao repetido abrir e fechar da porta entre o quarto da sessão e o quarto de C, onde a câmera fotográfica tinha sido colocada.” (itálicos meus)

[13] Esta informação é casualmente mencionada no relatório, quando Feilding observa (p. 527): “. . . A camareira mal pôde ser convencida a exercer o papel de ‘Eusápia’ em algumas fotografias de reconstrução dos fenômenos que tiramos ontem.”

[14] Sessões I, III, V, VII, VIII e IX.

[15] Sessões I, V, VII e VIII.

[16] Esta mudança ocorre na Sessão IV, quando Palladino pede que Feilding troque de lugar com alguém que não era um dos investigadores, o Prof. Galeotti.

[17] Deve-se notar que existem algumas outras ocasiões em que é possível que os investigadores tenham olhado dentro do gabinete, mas fica difícil provar que realmente o fizeram. Por exemplo, ocasionalmente, os investigadores relatam colocar objetos dentro do gabinete durante as sessões. No entanto, eles não informam se isso implicava em eles de fato olharem dentro do gabinete ou simplesmente colocar seus braços dentro do gabinete.

Uma resposta a “O Relatório de Fielding: Uma Reconsideração (1992), por Richard Wiseman (parte 1)”

  1. Vitor Diz:

    A revisão da tradução acima custou 200 reais. Agradeço ao Marcos Arduin e ao anônimo pelo patrocínio.

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