Livro Gratuito: “Vida e obra da sra. Piper” (capítulos 4, 5 e 6), por alta piper (1929)

Seguem mais 3 capítulos traduzidos por Márcio Rodrigues Horta, a quem muito agradeço!

CAPÍTULO 4

O TESTEMUNHO DO PROFESSOR JAMES 

Foi no outono do ano de 1885 que a atenção do prof. James foi chamada para os fenômenos da Sra. Piper do seguinte modo curioso.

Naquele tempo, meus avós tinham a seu serviço uma velha empregada irlandesa que estava com eles há anos; era bem humorada, fiel, totalmente dedicada à família e possuía a imaginação celta e a superstição arraigada de sua raça. E “Maria” era irmã de “Bridget” que, na ocasião, também prestava serviços em “A colina”; muitos e maravilhosos foram os contos com que Maria regalou sua irmã acerca dos “feitos estranhos da minha jovem Sra. Piper”.

Pode muito bem ser que fragmentos de conversa ouvidos por esta boa alma em vários momentos e reunidos por uma imaginação ativa nada perderam em seu recontar. Seja como for, alguns dos contos de Maria finalmente alcançaram os ouvidos da sogra do prof. James, a Sra. Gibbins, uma visitante frequente da família em que Bridget se empregava, e como a curiosidade dessa boa dama foi despertada, ela solicitou imediatamente uma sessão à Sra. Piper. Por alguma razão inexplicável, seu pedido foi atendido; a Sra. Gibbins ficou muito impressionada com os resultados dessa primeira sessão, e conseguiu obter uma sessão para sua filha, cujos resultados pareceram igualmente surpreendentes, se não mais, que os seus próprios.

Devo aqui mencionar que a Sra. Gibbins era totalmente desconhecida da Sra. Piper e, quando fez pessoalmente os pedidos para si mesma e sua filha, tomou um cuidado especial para que sua identidade permanecesse oculta.

Quando a Sra. Gibbins e sua filha contaram suas experiências com a Sra. Piper ao prof. James (embora como ele disse, tenha apresentado “um espírito cético naquela ocasião ante suas parentes femininas”), ele ficou tão impressionado contudo com “o aspecto maravilhoso do que os fatos evocavam” que, poucos dias depois, também buscou e conseguiu obter uma sessão para si mesmo e a Sra. James. Foi depois desta primeira sessão que escreveu ao Sr. F. W. H. Myers, explicando inicialmente que a Sra. Gibbins e sua filha tinham ido à Sra. Piper “por curiosidade”, como segue: “ela (a Sra. Gibbins) voltou”, ele diz, “afirmando que a Sra. P. havia lhe fornecido uma longa fieira de nomes de membros da família, principalmente nomes de batismo, junto com fatos sobre as pessoas mencionadas e suas relações simultâneas, conhecimento que da parte dela era incompreensível sem poderes supernormais. Minha cunhada foi no dia seguinte com resultados ainda melhores, como ela os narrou. Dentre outras coisas, a médium descreveu com precisão as circunstâncias do escritor de uma carta que segurou contra sua testa após a Srta. G. lhe passar. A carta estava em italiano e seu autor era conhecido por apenas duas pessoas neste país” (Proc., vol. VI). 


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De suas impressões sobre sua primeira sessão junto com sua esposa, o prof. James escreveu assim: “Após a primeira visita, minha impressão era que a Sra. P. ou possuía poderes supernormais ou conhecia os membros da família da minha esposa de vista e, por alguma coincidência feliz, familiarizou-se com uma multiplicidade de suas circunstâncias domésticas para produzir aquela impressão surpreendente. Meu conhecimento posterior de suas sessões e o trato pessoal com ela levaram-me a rejeitar inteiramente a última explicação, e a acreditar que ela possui poderes supernormais” (Proc., vol. VI).

Se algum de nós tem dúvidas que o prof. James percebeu plenamente ainda na época a necessidade de exercer a máxima cautela e cuidado ao lidar com fenômenos dessa natureza, ou pensa que ele era uma pessoa que poderia ser fácil de “ludibriar”, a passagem que citarei agora de sua resenha (publicada inicialmente no “Boston Daily Advertiser”, em 1869) ao “Planchette”, de E. Sargent, deve banir qualquer dúvida para sempre. O prof. James escreveu que “se nosso autor, junto com alguns bons médiuns, realizasse alguns experimentos nos quais tudo estivesse protegido contra a possibilidade de fraude, lembrando que a moralidade de ninguém em tais casos deve ser concedida e que tais precauções pessoais não podem ser interpretadas ofensivamente, ele provavelmente teria feito uma contribuição melhor para esclarecer o assunto do que fez agora”. E ainda no mesmo jornal: “Mas um autor que escreve assumidamente com a finalidade de propaganda poderia compreender melhor a atitude dessa classe (a saber, a dos cientistas) e reconhecer que uma narrativa atestada pessoalmente e minuciosamente controlada seria mais capaz de chamar sua atenção que uma centena de descrições impressionantes (mas comparativamente vagas e obtidas de segunda mão) que enchem as muitas páginas desse livro”. O prof. James observou astutamente que “nessa questão toda, a atitude atual da sociedade é tão extraordinária e anômala quanto é vergonhosa às pretensões de uma época que se orgulha de seu esclarecimento e da difusão do conhecimento. Por um lado, vemos dezenas de milhares de pessoas respeitáveis admitirem com a certeza de fatos cotidianos o que dezenas de milhares de outras, igualmente respeitáveis, alegam ser ilusão abjeta e desprezível (outras dezenas de milhares se contentam em permanecer passivamente no escuro e em dúvida entre essas duas multidões). Enquanto isso, o tema permanece sendo legitimamente considerado de interesse realmente transcendente. Neste estado de coisas, recriminar significa apenas perder tempo e aquelas pessoas que têm o interesse pela verdade no coração devem se lembrar que a dignidade pessoal é de muito pouca consequência”.

Os sentimentos que o prof. James expressa tão verdadeiramente nessa comunicação, embora escrita há mais de cinquenta anos, são igualmente aplicáveis hoje, exceto que as “dezenas de milhares” tornaram-se agora “centenas de milhares” em cada facção. Então, pergunta-se, qual será a posição em relação a essas coisas no final de mais cinquenta anos?

Nos dezoito meses seguintes à sua primeira experiência com a Sra. Piper, o prof. James não apenas realizou várias outras sessões, mas praticamente controlou todos os arranjos das sessões que, sob sua direção, a Sra. Piper realizou durante esse período também. Todas as nomeações de clientes para a Sra. Piper foram feitas pelo próprio prof. James e, em caso algum, os nomes do cliente ou clientes foram ditos a ela ou em sua presença. Num relatório sobre certos fenômenos obtidos nesse período, publicado nos Proc. do ramo americano da SPR, o prof. James disse que “a médium mostrou uma intimidade muito notável com os assuntos dessa família, falando de muitos temas ignorados por desconhecidos, aos quais não seria possível que fofocas chegassem aos ouvidos. Os detalhes nada  provariam ao leitor a não ser impressos in extenso com notas completas dos clientes. Isto reverte, por fim, a convicção pessoal. Minha própria convicção não é evidência, mas parece apropriado registrá-la. Estou persuadido da honestidade da médium e da autenticidade de seu transe; embora de início disposto a pensar que os ‘êxitos’ que obteve eram coincidências felizes ou resultavam de seu conhecimento de quem o cliente era e de seus assuntos, agora creio que ela possui um poder ainda inexplicado”.

Talvez alguns incidentes que o prof. James considerou particularmente marcantes (retirados de seu relatório de suas sessões com a Sra. Piper durante os anos 1885-86) possam ser interessantes agora, antes de passarmos para outros assuntos.  

1.       “Ao retornar da Europa, minha sogra passou uma manhã procurando em vão sua caderneta! Pouco depois, ao ser indagada sobre seu paradeiro, a Sra. Piper descreveu o lugar tão exatamente que o livro foi encontrado imediatamente”.

2.       “Ela me disse que o espírito de um menino chamado Robert F. fora o companheiro da minha infância perdida. Os Fs eram primos da minha esposa que viviam numa cidade distante. De volta ao lar, mencionei o incidente para minha esposa, dizendo: ‘sua prima perdeu um bebê, não? Mas a Sra. Piper estava errada sobre seu sexo, nome e idade’. Então, soube que a Sra. Piper estava completamente certa em todos os detalhes, e que a impressão errada era a minha”.

3.       Por ocasião da segunda visita da Sra. Gibbin à Sra. Piper, foi-lhe dito que uma de suas filhas padecia de uma severa dor nas costas naquele dia. Esta ocorrência completamente incomum, desconhecida da cliente, provou-se verdadeira.

4.       Uma tia, supostamente se comunicando naquele momento, falou ao prof. James “da condição de saúde de dois membros da família em Nova Iorque (dos quais nada sabíamos na época) que foi posteriormente corroborada por carta”.

5.       Numa sessão, a Sra. Piper disse ao prof. James “como minha tia de Nova Iorque havia escrito uma carta à minha esposa, advertindo-a contra todos os médiuns para, em seguida, explodir numa crítica mais bem-humorada, cheia de cuidados, sobre o excelente caráter da mulher”.

6.       Numa sessão na qual a Sra. James e Robertson James (irmão do prof. James) estavam presentes, foi-lhes dito que a “tia Kate” do prof. James, que vivia então em Nova Iorque, falecera naquela manhã por volta das duas e meia passadas, e que o prof. James seria informado do fato quando de seu retorno para casa. Comentando sobre este incidente, o prof. James disse: “ao chegar em casa uma hora mais tarde, encontrei um telegrama como segue: tia Kate faleceu poucos minutos após a meia-noite”. 

Desses e de muitos incidentes similares dessa primeira série de sessões com a Sra. Piper, o prof. James disse o seguinte: “Insignificante como essas coisas soam quando lidas, o acúmulo de um grande número delas tem um efeito irresistível. E repito novamente o que disse antes, que levando tudo o que sei da Sra. Piper em conta, o resultado faz-me sentir tão absolutamente certo quanto estou de tudo o mais que ela sabe de coisas em seus transes que não é possível que pudesse ter ouvido em seu estado de vigília, e que a filosofia precisa de seus transes está ainda para ser descoberta” (Proc., vol. VI).

O prof. James assim escreveu em 1890.  Quatro anos depois, para citar outro exemplo, expressou uma opinião similar quando se tornou presidente da Sociedade de Pesquisas Psíquicas. Foi nessa ocasião também que utilizou a ilustração (desde então famosa) do “corvo branco”, quando aludiu ao ponto desejado acerca da Sra. Piper. Ele disse: “se a linguagem da lógica profissional for-me permitida, uma proposição universal pode ser falseada por um evento particular. Caso se deseje derrubar a lei que todos os corvos são pretos, não se deve tentar demonstrar que os corvos não são assim; é suficiente provar que um único corvo é branco. Meu corvo branco particular é a Sra. Piper. Nos transes desta médium, nunca pude resistir à convicção que ela parece não obter seu conhecimento em sua vigília comum, utilizando seus olhos, ouvidos e talentos”.

CAPÍTULO 5 

O PROFESSOR JAMES E O DR. HODGSON

No inverno de 1886-87, apanhando-se sobrecarregado com a faculdade e outras responsabilidades, o prof. James sentiu que “qualquer circunavegação adequada dos fenômenos seria uma tarefa muito demorada para que eu aspire portanto realizá-la” e renunciou à supervisão pessoal do trabalho da Sra. Piper. No entanto, seu interesse pelo fenômeno (que até sua morte considerou “a coisa mais desconcertante que conheci”) continuou inabalado ao longo de sua vida. Acerca disso, registro com grande prazer que, ao longo de seus longos anos de associação com o prof. James e sua investigação, minha mãe guardou apenas lembranças felizes e gratidão dessa personalidade encantadora. Sua atitude para com seus fenômenos, não obstante sempre saudavelmente crítica, foi ainda infalivelmente simpática e, para ela (assim como para todos os que tiveram o privilégio de conhecê-lo), sua morte em 1911 trouxe não apenas muita tristeza, mas também um sentimento de perda pessoal.

Minhas próprias lembranças do prof. James também são também das mais felizes, e quero muito brevemente contar um ou dois pequenos incidentes que tão bem ilustram sua consideração para com aqueles ao seu redor (apesar de uma vida – como ele mesmo disse – “sobrecarregada” de responsabilidades) e de sua notável habilidade de atender em seu próprio terreno aqueles mais jovens que ele. Em grande parte, foram essas duas características (que o prof. James possuía num grau incomum) que o fizeram tão querido por jovens e velhos.

O primeiro incidente que tenho em mente ocorreu no ano que, depois de uma estadia prolongada na Inglaterra, retornamos aos EUA em novembro, aquele mês miserável de neve e frio. A casa que deixamos antes de partir dos EUA ainda estava ocupada, fazendo com que dois dias antes do Dia de Ação de Graças nos encontrássemos num apartamento alugado em Boston, cercados por móveis desmontados e caixas com várias inscrições; e não havia sequer a menor possibilidade de tudo se resolver tão cedo. Como todos provavelmente sabem, o Dia de Ação de Graças nos EUA é essencialmente um feriado no qual a família se reúne em regozijo e faz muita festa, e a perspectiva que se apresentava ante os viajantes em regresso não trazia muita felicidade ao ser contemplada. Foi na névoa desse caos e lugubridade geral que o prof. James surgiu inesperadamente com uma saudação de boas-vindas pelo retorno de minha mãe; e, como resultado desta visita inesperada, ao invés do feriado solitário que aguardávamos, passamos um Dia de Ação de Graças feliz com o prof. James e sua família numa deliciosa casa em Cambridge!

Um segundo incidente, que ilustra muito claramente o gênio do prof. James para se relacionar com os jovens em seu próprio nível, ocorreu nessa ocasião enquanto jantávamos. Porque alguém mencionou que eu recentemente ganhara uma taça num torneio de tênis, o prof. James (voltando-se para mim com um entusiasmo quase juvenil) perguntou rapidamente: “Sua taça é de que tamanho? Do que é feita?” Disse-lhe que, de fato, ela era muito modesta, feita de cobre e estanho e não muito grande. Mas minha resposta não pareceu satisfazê-lo muito, pois ele perguntou novamente “de que tamanho?” Ilustrei então como pude e, com um largo sorriso, ele comentou muito ingenuamente: “Oh, então a minha é maior que a sua e feita de prata”. Se bem me lembro, sua taça fora um presente de seus alunos de Harvard, simbolizando o amor e a veneração que lhe dedicavam.

Tal como o Dr. Hodgson e sir Oliver Lodge, o prof. James era um homem dos mais simples e despretensiosos; como já disse, sua consideração pelos outros e por seu bem-estar eram notáveis. Uma tarde antes de nossa visita à Inglaterra, em 1909, ele trouxe a Srta. Alice Johnson (a pesquisadora oficial da SPR, então visitando os EUA) para falar com minha mãe. Durante a visita, a conversa casualmente voltou-se para as atrocidades do clima inglês em novembro e, então, o prof. James advertiu-nos estritamente para “não esquecer as galochas, pois vocês encontrarão a onipresente lama de Londres”. De novo, foi à delicadeza do prof. James que, nesta visita, devo minha apresentação aos Clarks de Harrow, uma família adorável e musical com a qual passamos muitas horas felizes.

Não obstante sua vida ocupada e super povoada, o prof. James nunca esteve tão ocupado, muito impaciente ou deveras cansado para deixar de responder sábia e compassivamente a todos os que em dúvida ou perplexidade lhe pediam ajuda. Foi em grande medida devido ao seu estímulo simpático, compreensivo acerca das muitas dificuldades com que se viu confrontada nos primeiros dias de sua carreira, que minha mãe foi capaz de prosseguir sem vacilar no oneroso rumo que ela mesma resolveu seguir. E, mais tarde, quando o prof. James sentiu-se incapaz de prosseguir na investigação dos fenômenos em virtude de seu trabalho na faculdade, escreveu para diversos membros da Sociedade inglesa afirmando tão eficazmente os fatos intrigantes e notáveis da mediunidade da Sra. Piper, enfatizando tão empaticamente sua opinião que o fenômeno era “um mistério genuíno” que, como resultado de suas solicitações, Richard Hodgson chegou apenas algumas semanas depois aos EUA com o expresso propósito de, em nome da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, continuar a investigação daquele “fenômeno”.

Australiano de nascimento, graduado na Universidade de Melbourne e acadêmico da St. John’s College, Cambridge, Inglaterra, o doutor em direito Richard Hodgson retornava de sua recente exposição na Índia da Mme. Blavatsky[1] com inabalada confiança em sua capacidade de detectar e descobrir fraude onde quer que existisse. Ele assumia então a investigação desses novos fenômenos psíquicos determinado a expor a fraude que acreditava existir mas que, até então, havia sido muito bem camuflada em mistério – mesmo para uma mente astuta como a do prof. James. “Indubitavelmente, fenômenos de origem puramente natural” – neste espírito, então, e com tal disposição em mente, Richard Hodgson assumiu uma investigação que perdurou até sua morte, em 1905, e resultou não só em fazê-lo renunciar a todas as ideias e hipóteses preconcebidas, mas forçou-o finalmente a aceitar a hipótese espiritística como sendo a única que explica satisfatória e adequadamente os fenômenos da Sra. Piper.

Considerando o desenvolvimento do dom psíquico da Sra. Piper (como faremos nos capítulos seguintes, através de incidentes de sua vida), talvez entendamos melhor como seus fenômenos foram capazes de efetuar a conversão de um cético tão resoluto como Richard Hodgson.

CAPÍTULO 6

O DR. HODGSON INICIA SUA INVESTIGAÇÃO

Quando o Dr. Hodgson começou sua investigação com a Sra. Piper na primavera de 1887, meus pais ainda viviam com meus avós na Colina do Farol, em Boston. Pouco depois, no entanto, meus pais perceberem que minha irmã e eu estávamos em perigo de sermos estragadas pela afeição indiscriminada que nossos avós derramavam sobre nós, num grau calculado para virar as cabeças daquela gentinha completamente. Eles decidiram que seria sábio se fôssemos removidas da cena imediata do perigo e, com essa ideia em mente, mudaram-se para um apartamento nas “Terras Altas” – naquele tempo, uma parte nova e bela de Boston.

Essa mudança, em grande medida um experimento (pois, naqueles dias, apartamentos eram uma inovação notável), foi vista com muito ceticismo por nossos avós. Mas logo sua sabedoria tornou-se visível para minha mãe, pois nunca tendo sido a responsável pelo ônus de administrar uma casa, ela sem dúvida haveria de descobrir que as responsabilidades de uma casa grande, somadas ao seu trabalho psíquico, levariam tudo ao colapso. Tal como se deu, a administração dos empregados, o planejamento diário e a supervisão geral de sua pequena casa – somadas às suas sessões –, sobrecarregaram-na, restando muito pouco tempo para recreação ou relaxamento. Todavia, ela percebeu que tais desvantagens efetivamente se contrapunham ao fato que nós duas, pedaços irresponsáveis de humanidade, estávamos recentemente sendo submetidas ao “prejuízo” da adoração de avós pouco judiciosos!

Olhando a vida da minha mãe retrospectivamente, surpreende-me como ela nunca acompanhava o que fazia: pois quem não compreendeu por observação pessoal não pode de modo algum atinar o esgotamento e a tensão que a atividade psíquica constante acarreta no psiquista, mesmo quando é desacompanhada de algum outro tipo de estresse. Apenas uma mulher de excepcional mentalidade e ótima constituição poderia suportar a vida sobrecarregada da minha mãe. Naqueles primeiros dias (junto com a administração da casa, o controle geral e a supervisão das crianças – pois ela nunca se permitiu confiar-nos inteiramente aos cuidados de uma babá ou governanta), ela realizava em média duas sessões por dia, a maioria para pessoas totalmente desconhecidas dela e vindas de todas as partes do mundo, para as quais o agendamento havia sido feito pelo Dr. Hodgson.

A regra de dissimular a identidade do cliente foi em si mesma uma grande coisa, de um significado amplo que apenas pode ser apreciado quando se percebe que os fenômenos da Sra. Piper são acompanhados de um transe ou sono profundo. Apenas a completa confiança no julgamento e discernimento do Dr. Hodgson podia fazer a imposição de tal condição possível, uma confiança (é quase impertinente acrescentar) completamente justificada em todas as oportunidades.

Aparentemente, uma das coisas mais difíceis de compreender para alguém que tenha conhecido minha mãe muito intimamente é como uma mulher com tal refinamento inato e um temperamento que de pronto se esquiva (com uma sensibilidade quase excessiva) da publicidade ou de qualquer tipo de notoriedade pode ter deliberadamente escolhido devotar sua vida ao desenvolvimento de um dom que necessariamente lhe traria ambas. Para todos que a questionam sobre isso, ela invariavelmente responde: “Quando descobri possuir um dom, poder ou o que desejar, que pelo meu melhor conhecimento não faz parte do meu Eu consciente, determinei então que daria minha vida (se necessário fosse) à tentativa de capturar sua verdadeira natureza”. E nos últimos anos, ela tem algumas vezes acrescentado: “Mas gostaria que agora, após todo esse tempo, estivéssemos um pouco mais próximos da solução real do que estávamos no início”. Uma reflexão detida e que agora, mais de quarenta anos depois da Sra. Piper começar sua busca, ainda pode ser respondida apenas segundo a convicção individual.

Mas se esse objetivo específico não foi alcançado, muito mais de valor e importância foi realizado. Quando a Sra. Piper começou seu trabalho, o espiritualismo era denunciado como exploração vulgar e histérica. Fraude, charlatanismo, falácia flagrante e pilantragem corriam soltos em todo lugar; médium após médium, depois de embasbacarem por algum tempo o país inteiro com os milagres maravilhosos que realizavam, eram finalmente apanhados manipulando e, então, expostos rudemente a um público bravo e indignado.

As coisas alcançaram tal ponto que, efetivamente, quem talvez imaginasse possuir alguma respeitabilidade (sem falar de cultura e refinamento) raramente buscaria tocar sequer uma franja externa do espiritualismo, temendo a reputação que cercava todo o assunto naquele tempo. A escritora americana Margaret Deland expôs a situação muito verdadeiramente quando escreveu sobre o início dos anos noventa: “nunca me ocorreu investigar minha própria premissa: ‘não pode haver personalidade sem um organismo’. Tal investigação, pensei, significava espiritualismo – e a mera palavra me irritava. Em minha mente, isto se caracterizava por trivialidades e vulgaridades; por pilantragens mediúnicas de muito mau-gosto e frequentemente acompanhadas de charlatanismo tão velho quanto as varas dos sacerdotes egípcios que viravam serpentes – e ainda tão jovem quanto o começo dos anos noventa, no qual mesas giravam e tamborins flutuavam”.

E o que era verdadeiro nos EUA era igualmente verdadeiro no continente europeu e na distante Índia. Em toda parte, os fenômenos espiritualistas mais notáveis apareciam e, por algum tempo, geravam uma grande onda de histeria, que finalmente refluía desmascarando e expondo seus perpetradores. Em nenhum momento de sua história, o espiritualismo teve uma reputação pior.

E a Sra. Piper sabia disso. Não era como se ignorasse a condição verdadeira do assunto ou não percebesse sua seriedade. Mas segura pela certeza de sua própria integridade, corajosamente aceitou o desafio que o mundo todo, ao tempo, atravessava relativamente ao espiritualismo. E uma vez tendo dado o primeiro passo à frente, nunca mais recuou. Quando amigos e parentes mesmo amontoaram acusações, ela não esmoreceu. Apanhou o arado e continuou sua semeadura até o fim, granjeando assim respeito e admiração de pessoas em todas as partes do globo, pois sei por fonte confiável que relatórios de seus notáveis fenômenos foram traduzidos em praticamente todos os idiomas falados hoje, incluindo o chinês.

Em seu interessante opúsculo A Sra. Piper e a Sociedade de Pesquisas Psíquicas, o Mons. Sage diz: “Devemos elogio e gratidão calorosa aos homens que estudaram o caso da Sra. Piper. Mas devemos não menos à Sra. Piper, que se prestou à investigação com perfeita boa fé e disponibilidade. Nenhum daqueles que tiveram algum contato contínuo com ela tem uma sombra de dúvida de sua sinceridade. Ela não perdeu de vista que exercitava um novo tipo de sacerdócio; compreendeu que era uma interessante anomalia para a ciência e permitiu a esta estudá-la”.

Se em nada mais, a Sra. Piper é única nesse particular. Em todos esses anos, ela mesma nunca fez qualquer reivindicação sobre seu poder. Nunca alegou ser capaz de fazer isso ou aquilo. Sua atitude foi sempre a do simples desejo de saber a verdade, de descobrir, se possível, a real natureza de seu poder. Assim, quando (muitas vezes em sua carreira) abordada por pessoas (profundamente impressionadas com seus fenômenos) que lhe ofereciam toda indução concebível para utilizar seu dom para seus interesses particulares, ela imediatamente recusava, preferindo devotar seu tempo e poder aos interesses da ciência antes que à exploração privada.

Mas, em primeiro lugar, a decisão de desenvolver seu poder não foi em absoluto tão facilmente tomada como talvez eu tenha feito parecer. Não obstante seu desejo fundamental de compreender, se pudesse, a razão de ser de seus fenômenos, sua consciência da atmosfera irrespirável que na ocasião cercava o assunto, e a inevitabilidade de ter seu nome indissociavelmente ligado a este por toda a eternidade, levaram-na a muitos momentos de perplexidade e reflexão séria – e foi apenas após preces e uma consideração muito sincera que sua decisão foi finalmente tomada. Contudo, mesmo com sua grande coragem e inalterável integridade de propósito, em face a muitos julgamentos, desencorajamentos e desapontamentos que encontrava de tempos em tempos (que antes forçaram-na a crescer), ela descobriria o encargo quase impossível de carregar não fosse sua inabalável fé na habilidade do Certo triunfar sobre o Errado, num Poder justo e beneficente que indubitavelmente assiste a todos nós, mesmo em nossas horas mais escuras.

Essa fé inabalável, tão característica de minha mãe (assim como de sua mãe), tem sido por toda sua vida uma fonte de força infalível. Faz pouco tempo, quando eu atravessava um período de grande estresse físico e mental, numa carta recheada de generosa confiança e fé que tudo ficaria bem, minha mãe, após referir-se brevemente a algumas das próprias dificuldades que superou, terminou sua carta assim: “e então, apesar de tudo, minha fé é forte. O Senhor nunca me abandonou, mesmo em minhas horas mais escuras, e não abandonará você agora, minha criança. Mas você deve ter fé, pois sem fé nada podemos”.

Foi essa mesma fé que não apenas carregou minha mãe triunfalmente através daqueles anos difíceis, nos quais o Dr. Hodgson (firme em sua descrença que fenômenos psíquicos poderiam ser produzidos de algum outro modo a não ser os normais) impiedosamente buscou e buscou aquilo que confiantemente expectava (se não esperava) encontrar; mas também lhe permitiu, ainda no interesse da ciência, deixar sua casa montada há apenas dois anos para que, ao retirá-la de seu próprio país, o Dr. Hodgson pudesse responder definitivamente para si mesmo e para satisfação de todos os interessados se os fenômenos da Sra. Piper eram ou não produzidos pelo levantamento (através de canais ordinários e reconhecidos) de informação sobre quem a procurava solicitando sessões. Pois apenas uma fé sublime podia ter feito uma mulher tão jovem e tão devotada à sua casa e família como minha mãe dar esse passo drástico, cuja sabedoria apenas o tempo e eventos subsequentes poderiam provar.



[1] Proceedings, parte 9, vol. 3.

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